Teoria dos motivos determinantes: um instituto otimizante do sistema jurídico

Leia nesta página:

É público que nosso Judiciário está extremamente deficiente. Os processos duram anos, décadas. Se o Supremo passasse a adotar a Teoria dos Motivos Determinantes, a atuação do Judiciário seria agilizada e otimizada.

Em relação a extensão objetiva das decisões judiciais, há  uma grande divergência doutrinária acerca de considerar como vinculante somente a parte dispositiva da sentença ou também os motivos determinantes da fundamentação (a ratio decidendi).

As decisões judiciais são reflexos dos entendimentos dos órgãos jurídicos, demonstrando como se interpreta determinados casos e normas. Notório o fato de que as interpretações dos tribunais superiores pesam ainda mais no momento de se defender teses jurídicas. Uma decisão do Supremo em matéria constitucional, por exemplo, define o modo de atuação de todos os demais órgãos judiciais – seja em controle de constitucionalidade abstrato ou concreto.

Ressalte-se que mesmo não havendo efeito vinculante no controle incidental, o precedente indica como provavelmente os futuros casos semelhantes serão decididos. Repercutindo em todo o sistema. Claro que, em ambos tipos de controle, cabe, sim, uma mudança de entendimento.

Nesse momento surgem as duas divergências jurídicas do tema: Somente a parte dispositiva vincula ou a ratio decidendi também? Os efeitos vinculantes existem só no Controle abstrato?

Existem duas teorias que buscam responder a primeira pergunta.  

Novelino assevera que de um lado, parte da doutrina adota uma teoria restritiva, como Juliano Bernardes e Luiz Oswaldo Palu, no sentido de que o efeito vinculante seria produzido somente pelo dispositivo da decisão. Esta concepção não admitiria a extensão do efeito vinculante à fundamentação, ainda que reconheça o valor altamente persuasivo dos motivos dados pelo tribunal constitucional e admita a análise das razões determinantes do julgado sempre que houver dúvidas quanto ao alcance da parte dispositiva da decisão.

Já do lado oposto, a teoria extensiva – adotada por Luís Barroso, Gilmar Mendes e Paulo Gonet – defende que o efeito vinculante se projeta para além do dispositivo de modo a abranger também os motivos determinantes da decisão. Ocorre uma transcendência dos motivos que embasaram o aresto, assim como dos princípios por ele consagrados. (NOVELINO, 2013, p. 364).

Essa segunda teoria defende a transcendência dos motivos determinantes, denominados também de efeito transcendente dos motivos determinantes ou efeitos irradiantes.

Para uma resposta completa às perguntas, faz-se necessário a análise de mais uma tese, denominada de “objetivação do recurso extraordinário”.

No controle concentrado de constitucionalidade se consolidou a ideia da causa de pedir aberta. Embora o STF esteja vinculado ao pedido, essa vinculação não se impõe como regra em relação aos seus fundamentos ou à causa de pedir. Pode a Corte declarar a inconstitucionalidade da norma não apenas pelos motivos indicados pelo impetrante da ação, mas também, poderá fazê-lo com base em qualquer outro fundamento que seus membros reputarem existente.

O STF estendeu esse entendimento para o controle concreto. Usando-o, inclusive, como fundamento para a aplicação da repercussão geral no controle incidental de constitucionalidade.

O Supremo decidiu que, mesmo no controle concreto de constitucionalidade, cabe a ele, ao interpretar a questão levantada, emitir juízo quanto à validade de toda e qualquer norma relacionada ao tema, ainda que se mostrasse dispensável à solução da controvérsia – visto que ao STF cabe a tarefa institucional de Guardião da Constituição (Precedentes: MS 20.505; RE 102.553; SE-AgR 5.206).

Não se pode ignorar a importância desse entendimento. É inócuo a Corte Constitucional ficar preso às teses levantadas pelas partes em uma análise de constitucionalidade.

Com a evolução jurisprudencial sobre o tema, o STF se impõe como verdadeiro Guardião da Constituição. Examinando o dispositivo por completo e sobre vários olhares, não sendo refém de argumentos das partes.

Mendes e Gonet dissecaram de forma irrepreensível o tema, afirmando que com a sistemática da repercussão geral, fundamentada na tese da causa de pedir aberta, adotada em sede de controle incidental pelo Supremo faz com que as decisões proferidas nos processos paradigmas espraiem seus efeitos para uma série de demandas com casos semelhantes, independente da conversão do entendimento em súmula vinculante. É o fenômeno de “objetivação” do recurso extraordinário:

Não se pode olvidar também o RE 298.695, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 24-10-2003, no julgamento do qual a Corte concluiu pela possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recuso extraordinário. Nesse precedente, o STF entendeu necessário diferenciar juízo de admissibilidade do recurso extraordinário de juízo de mérito, a fim de adequar essa orientação à sua jurisprudência sobre prequestionamento. Assim, o Tribunal afirmou que o juízo positivo de admissibilidade requer que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados, ao passo que o mérito envolve a verificação da compatibilidade entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário. (Grifos nossos). (MENDES e GONET, 2014, p. 1014).

Apesar do STF estar adotando em parte a teoria da “Objetivação do Recurso Extraordinário”, o mesmo não ocorre com a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes. Em que pese o STF ter adotado a teoria extensiva em alguns momentos (inclusive em controle concreto), atualmente, ela vem sendo refutada pelo Tribunal.

Uma Reclamação de 2004 exemplifica bem:

A questão fundamental é que o ato impugnado não apenas contrastou a decisão definitiva proferida na ADIn 1.662, como, essencialmente, está em confronto com seus motivos determinantes. A propósito, reporto-me à recente decisão do Ministro Gilmar Mendes (RCL 2.126, DJ de 19-8-2002), sendo relevante a consideração de importante corrente doutrinária, segundo a qual a ‘eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os Tribunais e autoridades nos casos futuros’, exegese que fortalece a contribuição do Tribunal para preservação e desenvolvimento da ordem constitucional. (grifo nosso). (STF, Recl. 1987, Relator, Rel. Maurício Corrêa, 2004).

Vê-se claramente a adoção dos efeitos irradiantes dos motivos determinantes nesse julgado.

Uma outra decisão muito interessante, mais recente e, aparentemente, no mesmo sentido no julgamento do HC 82.959/SP, de 23-2-2006, em que Supremo Tribunal Federal aparentemente conferiu efeito erga omnes à decisão proferida em um processo constitucional subjetivo. O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma legal. Entendeu-se, no caso, que a vedação de progressão de regime, prevista na norma impugnada, afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado deteria certa incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de 2/3 da pena (Lei n. 8.072/90, art. 5º). O Min. Nelson Jobim, em seu voto, entretanto, advertiu que, na verdade, o Tribunal não estava decidindo o caso concreto, mas a constitucionalidade do dispositivo que impunha o cumprimento da pena, no caso da prática de crimes hediondos, em regime integralmente fechado.

Assim, em manifestações mais recentes a rejeição a teoria tem sido constante, apesar de alguns ministros, em destaque Gilmar Mendes e Celso de Mello, serem a favor da adoção da Teoria dos Motivos Determinantes:

 Também partilho desse mesmo entendimento (Rcl 2.986-MC/SE, Rel. Min. CELSO DE MELLO), vale dizer, o de que é possível reconhecer, em nosso sistema jurídico, a existência do fenômeno da “transcendência dos motivos que embasaram a decisão” emanada desta Suprema Corte em processo de fiscalização abstrata, para que se torne viável proclamar, em decorrência dessa orientação, que o efeito vinculante refere-se, igualmente, à própria “ratio decidendi”, projetando-se, em consequência, para além da parte dispositiva do julgamento que se proferiu em sede de controle normativo abstrato.

Ocorre, no entanto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente rejeitado essa tese (Rcl 2.475-AgR/MG, Rel. p/ o acórdão Min. MARCO AURÉLIO – Rcl 3.014/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO –              Rcl 3.249-AgR/RN, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – Rcl 6.204-AgR/AL), o que me impõe, por efeito do princípio da colegialidade, a observância do que prevaleceu em tais julgamentos, ainda que contra o meu próprio voto. STF, Rcl 5.087- -MC/SE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2014).

Se o Supremo passasse a adotar a Teoria dos Motivos Determinantes, a atuação do Judiciário seria agilizada e otimizada. Um ponto de essencial importância.

É público que nosso Judiciário está extremamente deficiente. Os processos duram anos, décadas. Com a ratio decidendi com seus efeitos irradiantes fossem adotadas, muitos processos semelhantes passariam a serem julgados conforme o entendimento do STF. Cabendo inclusive uma Reclamação Constitucional por desobediência a sua decisão. Uma tutela muito mais rápida que iniciar um processo de conhecimento no primeiro grau.

Chegaríamos um pouco mais perto da celeridade processual, prncípio tão desobedecido no Poder Judiciário brasileiro. 

Essa aparenta mais condizente com o neoconstitucionalismo – que deu maior relevância às jurisprudências. A Teoria dos Motivos Determinantes privilegia os precedentes judiciais, não os reduzindo unicamente ao caso analisado.

Reduzir o efeito vinculante a parte dispositiva, torna despiciendo os efeitos vinculantes, pouco acrescentando aos institutos da coisa julgada e da força de lei. Ademais, tal redução diminui significativamente a contribuição do Tribunal para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional. 

O mestre Luís Roberto Barroso defende a teoria extensiva: “Essa linha jurisprudencial parece afinada com o propósito de racionalização da jurisdição constitucional e da carga de trabalho do STF, privilegiando as teses constitucionais que hajam sido firmadas”. (BARROSO, 2012, p.214).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A diferença entre as duas posições extremadas não é meramente semântica ou teórica, apresentando profundas consequências também no plano prático.

As consequências práticas são diversas, sintetizadas brilhantemente pelo mestre Gilmar Mendes:

Aceita a ideia de uma eficácia transcendente à própria coisa julgada, afigura-se legítimo indagar sobre o significado do efeito vinculante para os órgãos estatais que não são partes no processo. Segundo a doutrina dominante, são as seguintes as consequências do efeito vinculante para os não partícipes do processo:

(1) ainda que não tenham integrado o processo os órgãos constitucionais estão obrigados, na medida de suas responsabilidades e atribuições, a tomar as necessárias providências para o desfazimento do estado de ilegitimidade;

(2) assim, declarada a inconstitucionalidade de uma lei estadual, ficam os órgãos constitucionais de outros Estados, nos quais vigem leis de teor idêntico, obrigados a revogar ou a modificar os referidos textos legislativos;

(3) também os órgãos não partícipes do processo ficam obrigados a observar, nos limites de suas atribuições, a decisão proferida, sendo-lhes vedado adotar conduta ou praticar ato de teor semelhante àquele declarado inconstitucional. (MENDES, 2014, p. 464)

Os mestres Gilmar Mendes e Paulo Gonet consideram a existência de uma lenta, mas gradual, mudança de entendimento para se referendar a teoria extensiva:

 “A convivência do modelo incidental difuso tradicional com um sistema de múltiplas ações diretas – ADI, ADC, ADO, ADPF e representação interventiva – operou significativa mudança no controle de constitucionalidade brasileiro. Uma observação trivial revela tendência de dessubjetivização das formas processuais, especialmente daquelas aplicáveis ao modelo de controle incidental, antes dotadas de ampla feição subjetiva, com simples eficácia inter partes”. (MENDES e GONET, 2014, p. 1323).

Vê-se, assim, que não é unânime no STF o afastamento da teoria extensiva, podendo haver uma reviravolta e uma mudança na jurisprudência da Corte. Principalmente com a aposentadoria de seus ministros e nova formatação do colegiado.

A compreensão deste assunto é fundamental no estudo das modulações temporais do controle de constitucionalidade, visto que, se aceito a teoria extensiva no sistema jurídico brasileiro, sua repercussão seria tremenda – principalmente se for aceita no controle incidental.

Um exemplo para concretizar o assunto: caso seja decidida pelo STF a inconstitucionalidade de determinada norma em sede de controle concreto e seja aplicada a tese extensiva, a modulação desses efeitos teria uma maior ainda repercussão jurídica: a decisão vincularia as partes; a parte dispositiva e os motivos determinantes vinculariam da mesma forma que a decisão do Controle Abstrato.

Caberia, inclusive, uma Reclamação dirigida ao Supremo, por desobediência a sua decisão.

Assim, apesar de atualmente o STF refutar a Teoria dos Motivos Determinantes, parte importante da doutrina a defende, objetivando a melhoria do sistema jurídico, com otimização das decisões judiciais.

REFERÊNCIAS

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8ª Ed., Rio de Janeiro: Método, 2013.

PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade. 2ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

BERNARDES, Juliano Taveira. Efeito vinculante das decisões do controle abstrato de constitucionalidade: transcendência aos motivos determinantes?

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª Ed., Rio de Janeiro: Saraiva, 2012.

MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional - Gilmar Mendes. 9ªEd., São Paulo: Saraiva, 2014.

MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional. 6ªEd., São Paulo: Saraiva, 2014.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Wilkson Vasco Francisco Lima Barros

Delegado de Polícia de Sergipe Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós graduado em Direito Constitucional e em Direito Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Dar uma visão sobre os benefícios causados ao Sistema Jurídico brasileiro se o STF adotasse a Teoria dos Motivos Determinantes

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos