A sistemática do agravo no Novo Código de Processo Civil

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O objetivo deste trabalho é analisar a nova sistemática de impugnação das decisões interlocutórias no processo de conhecimento instituído pelo Novo Código de Processo Civil, fazendo um comparativo com o procedimento utilizado no antigo diploma.

                                                 1 -     A busca da razoável duração do processo

            Não há dúvidas de que um dos objetivos precípuos do Novo Código de Processo Civil, como, aliás, não poderia deixar de ser, é a busca de uma prestação jurisdicional mais rápida e, por consequência, mais efetiva.

            A Comissão responsável pela elaboração o Anteprojeto definiu seis as linhas mestras do novo sistema¹:

1.Aumentar o ônus financeiro do processo, visando a desencorajar aventuras judiciais e, assim, reduzir o número de demandas.

2.Promover, perante os Tribunais de segunda instância, um incidente de coletivização, a fim de tornar mais célere e eficaz o julgamento das chamadas causas múltiplas, ou demandas de massa, típicas da sociedade contemporânea;

3.Reduzir o número de recursos, conferindo celeridade à prestação jurisdicional, sem descuidar da segurança jurídica e do respeito ao contraditório;

4.Implantar um procedimento único para a fase de conhecimento do processo, adaptável, pelo magistrado, às particularidades do direito material discutido na causa, sem prejuízo de um livro dedicado especificamente aos procedimentos especiais;

5.  Valorização da chamada “força da jurisprudência”, ou seja, conferir ao magistrado autorização para julgar liminarmente a causa com base em posicionamentos jurisprudenciais consolidados, como as súmulas e os recursos representativos de controvérsia do atual art. 543-C do Código de Processo Civil ; e

6.   Ênfase na conciliação como mecanismo para a solução de controvérsias.

Segundo Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente da comissão de juristas que trabalharam na elaboração do novo Código de Processo Civil, "A proposta é resgatar a crença da população no Judiciário brasileiro e tornar realidade a promessa constitucional de uma Justiça mais rápida"².

                                2-        As causas da Lentidão do Judiciário

            A primeira indagação a ser feita antes de adentrarmos no mérito do sistema recursal, em particular do agravo de instrumento, é se realmente o número de recursos é elemento preponderante na lentidão do judiciário.

            Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça de 2011, na Justiça Cível, os maiores litigantes são governos (tanto os municipais, quanto os estaduais e o federal são parte de 51% dos processos em trâmite), bancos (com 38% das demandas) e empresas de telefonia (parte em 6% das demandas). Isso significa que apenas três grandes grupos de litigantes participam de incríveis 95% por cento dos processos cíveis no Brasil³.

            Parece óbvio que políticas judiciárias específicas para esses grupos de litigantes poderiam obter uma resposta bastante efetiva, promovendo uma diminuição do número de processos ou, pelo menos, uma solução mais rápida para esses litígios.

            O Estado produz de forma contínua atos normativos ilegais ou inconstitucionais. Esses atos de legalidade frouxa geram milhões de ações que abarrotam o Judiciário.

            Além disso, os procedimentos de execução fiscal são lentíssimos, em muitos casos pela falta de estrutura e pessoal nos entes públicos, o que gera um aumento exacerbado na taxa de engarrafamento do Judiciário.

            Assim, o Estado provoca milhares de ações na condição de Réu e, além disso, quando está no polo ativo não consegue agilizar os processos em razão do déficit de servidores.

            Logo após o Estado estão os bancos e empresas de telefonia, causadores de 44% dos processos de primeira instância, contumazes demandados em ações consumerista

            Há de se reconhecer que alguns mecanismos do novo Código de Processo Civil buscam acelerar a solução desses conflitos de massa, tais como o tratamento das demandas repetitivas, o sistema de precedentes e a coletivização dos processos. Porém, fica claro que parte relevante da morosidade do judiciário ocorre em razão do número elevado de demandas causadas por poucos litigantes.

           Portanto, não parece justo imputar ao sistema recursal papel de destaque na lentidão da prestação jurisdicional.

  

              3 -    As discussões sobre a recorribilidade das interlocutórias durante a tramitação do projeto

            Após a apresentação do projeto de lei nº 166 de 2010 do Senado Federal, foram efetuadas diversas audiências públicas para discutir e aprimorar o projeto. As audiências foram sempre realizadas com a presença de ilustres processualistas, sendo certo que a questão envolvendo a impugnação das decisões interlocutórias sempre foi objeto de intenso debate.

Na 7ª Audiência pública, realizada em Porto Alegre no dia 15 de abril de 2010, com a participação Teresa Arruda Alvim Wambier, Adroaldo Fabrício, Athos Gusmão Carneiro, entre outros, o sistema recursal das interlocutórias foi a defendido pelo Ministro Luiz Fux nos seguintes termos:

“Alteramos algumas partes relativas aos recursos, alguns recursos foram limitados, como, por exemplo, houve uma limitação da utilização do agravo de instrumento, porque nós fizemos a conta e chegamos à conclusão de que a utilização reiterada de agravos de instrumento, em uma mesma relação processual, a cada decisão interlocutória do juiz, pode conduzir o processo a conter uma média de 30 a 40 recursos. E não é possível, em um processo em que são decididos 30 ou 40 recursos, o juiz se desenvolver e prestar a justiça em um prazo razoável. Mas, por outro lado, hodiernamente, os agravos de instrumento que estão com a sua utilização limitada, porquanto não haverá preclusão e a parte poderá recorrer, no final do processo, os agravos de instrumento admitidos são aqueles contra as tutelas de urgência, que são aquelas tutelas que causam repercussão enérgica na esfera jurídica da parte adversa.” 4       

            Athos Gusmão Carneiro entendeu como positivas as mudanças em questão:

“Em matéria de recursos, que é um dos pontos fundamentais a serem debatidos. Eu tinha feito observação, aqui, de que eu não sabia se a ideia seria abolir de vez o agravo ou reservá-lo apenas para impugnação por instrumento das interlocutórias de urgência, máxime as antecipatórias dos efeitos da tutela. Agora, já ficamos cientes de que haverá manutenção dos agravos para essas hipóteses. Interessante anotar que, na prática, o maior número de agravos, a quase totalidade dos agravos de instrumento se refere exatamente à frequência ocorrente no processo civil moderno das interlocutórias de urgência, de maneira que não haverá grande mudança no número desses recursos. Como vamos, está em caminho a informatização do processo tenho a impressão até de que o agravo de instrumento vai prescindir de instrumento, porque pelo computador todo processo será remetido ao Tribunal. Então, não sei se não seria a hipótese, apenas uma sugestão, da abolição do agravo, tal como hoje ele é nominado, para falarmos em uma apelação incidental, uma vez, como eu disse, não haverá mais a necessidade do instrumento. Em todo caso, muitíssimo útil e interessante a abolição do agravo retido e a abolição da preclusão das interlocutórias, vamos chamá-las assim: interlocutória simples”.5

Entretanto, na 2ª Audiência Pública ocorrida em 05 de março 2010, na cidade de Fortaleza, com a participação de, por exemplo, José Miguel Garcia Medina, Teresa Arruda Alvim Wambier, Valdetário Andrade monteiro, Francisco de Assis Filgueira,  houve a defesa que todas as decisões interlocutórias deveriam ser impugnáveis e, se não o forem a tempo, precluiriam. Sendo melhor fazer como na Justiça do trabalho, em que não há impugnação por agravo mas deve ocorrer impugnação imediata sob pena de preclusão, de modo que este instituto é indispensável para a agilidade processual e não contrário a ela.6

Da mesma forma ocorreu na 8ª Audiência Pública realizada na cidade de Curitiba em 16.04.10, na qual estiveram presentes, entre outros, os membros da comissão Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora), Bruno Dantas, Jansen Fialho de Almeida e José Miguel Garcia Medina e Eduardo Talamini, Eduardo Lamy, André Luis Machado de Castro, na qual foram sugeridas as seguintes alterações no que tange a irrecorribilidade das interlocutórias: a recorribilidade responsável, pois a vedação fará com que se multipliquem os mandados de segurança. Instituição de sucumbência recursal nas hipóteses de agravo.7

            Em praticamente todas as Audiências públicas houve sugestões de mudança no procedimento escolhido pelo projeto aprovado.

            Há de se notar a existência de diversas sugestões sobre a questão, cuja adoção poderia ter o efeito de desestimular a interposição de recursos protelatórios.          Porém, como é sabido, o texto legal se consolidou na forma ora vigente.

                       4 -      A Impugnação das Decisões Interlocutórias no Código de Processo Civil de 1973

O regramento para a impugnação das decisões interlocutórias no Código Civil de 1973 sofreu diversas modificações oriundas das Leis 9.139/1995, 10.352/2001 e 11.187/2005. Todavia, mantinha-se incólume há uma década, sendo alvo de críticas pontuais quanto a sua regulação.

            O agravo retido era a regra para a impugnação das decisões interlocutórias, conforme determinação expressa do artigo 522 do Código Adjetivo revogado, cujo julgamento ocorreria como preliminar da apelação ou contrarrazões, sendo obrigatório o requerimento expresso nas respectivas peças quando da apreciação pelo Tribunal, nos termos do artigo 523 do CPC.  Neste ponto, merece ser destacado que o fim da discricionariedade pela escolha do agravo retido ou de instrumento, como era anteriormente a Lei 11.187/2005, já demonstra a intenção do legislador em evitar a utilização do recurso na modalidade instrumento. Porém, as exceções eram nos casos de inadmissão da apelação, nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida e, em especial, nos casos de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

            Este último conceito indeterminado permitia as mais diversas hipóteses de interposição do recurso na modalidade instrumento, causando, na prática a primazia do agravo de instrumento sobre o agravo retido, apesar da letra da lei prever o contrário.

            Além de explicitar a opção pelo agravo retido, o legislador incentivou a sua utilização ao isentá-lo de preparo em contraponto a necessidade do recolhimento de custas na modalidade instrumento, o texto legal assim determinava:

Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo.

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            Claríssima a opção legiferante pela diminuição de recursos a serem apreciados pelo Tribunal, contudo, como já explicitado, a teoria não se concretizou na prática.

            Apesar da proliferação dos recursos de instrumento, cabe ressaltar que o mesmo, em regra, não suspendia o andamento do processo principal, salvo as exceções previstas no art. 558. Repise-se, o que restava prejudicado, pelo menos na maioria dos casos, não era a celeridade processual dos processos em primeira instância, mas sim o andamento dos trabalhos nos Tribunais, pois se o Relator concedesse efeito suspensivo extraordinário ao agravo é porque realmente estaria diante um caso de lesão grave ou difícil reparação.

            Além disso, as possibilidades de conversão em agravo retido ou o julgamento liminar pelo relator, conforme incisos I e II do art. 527, deveriam solucionar eventuais excessos na interposição do recurso de instrumento. Todavia, da decisão do relator caberia a interposição do agravo inominado previsto no § 1 º do artigo 557e eventuais embargos de declaração, isso sem falar em Recurso Especial em face da decisão interlocutória.

            As possibilidades de impugnações a partir da decisão monocrática do relator do agravo é que, salvo melhor juízo, causavam desconforto nos tribunais e em parte relevante da doutrina. Desta forma, como veremos a seguir, a restrição às possibilidades de interposição do agravo de instrumento promovidas no Novo Código de Processo Civil deveriam combater esses exageros processuais.

                    5 – A Impugnação das Decisões Interlocutórias no Novo Código de Processo Civil.

            O vigente Código de Processo Civil extirpou a modalidade retida do agravo, admitindo a impugnação de todas as decisões interlocutórias não atacáveis por agravo de instrumento em sede de preliminar da apelação ou contrarrazões de apelação, nos termos do art. 1009 do CPC vigente.

            Isso significa que o momento em que ocorre a preclusão das decisões interlocutórias não recorríveis por agravo de instrumento, ou seja, não elencadas no artigo 1.015 do CPC, foi modificada para apelação ou contrarrazões de apelação dependendo da parte que alegar prejuízo.

            Outrossim, a sistemática do agravo de instrumento sofreu drástica modificação.

            O conceito indeterminado “decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação” do Código de 1973 foi substituído pelo rol taxativo do artigo 1.015 previsto no Código de 2015, como vemos abaixo:

Art.        1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;

XII - (VETADO);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único.  Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

            Neste ponto, cabe ressaltar que pairam poucas dúvidas sobre a taxatividade da lista de possibilidades de interposição do agravo no artigo supracitado, pois a técnica de redação empregada pelo legislador no próprio artigo, além da possibilidade de impugnação da decisão em sede de apelação ou contrarrazões de apelação, nos termos do art. 1009 e seu parágrafo único, como já citado acima, impedem o entendimento do rol como exemplificativo.

            Isso se pode inferir por duas razões principais, quais sejam, a ausência de expressões como “entre outras” no caput do artigo 1.015 e, em especial, a previsão no inciso XIII de “outros casos expressamente referidos em lei”. Sendo necessária a previsão expressa, não há como interpretar o rol como exemplificativo.

            Assim sendo, torna-se inarredável reconhecer que as decisões sujeitas à interposição de agravo de instrumento são aquelas previstas no artigo 1.015 do CPC ou expressamente previstas em outros diplomas legais.

           

                                           6 - A Problemática Criada pelo Novel Sistema

            Como já explicitado, nem todas as interlocutórias pode ser objeto de agravo de instrumento. Contudo, algumas decisões proferidas ao longo da fase conhecimento podem ter potencial para causar danos processuais ou fáticos de difícil reparação, mas não estão albergadas o artigo 1.015 do Código de Processo Civil. Desta maneira, a espera até a apelação pode significar o perecimento de algum direito ou futuro retardamento desnecessário do próprio processo.

            Alguns casos são rotineiros na prática forense, como, por exemplo, o indeferimento de produção de prova pericial ou testemunhal quando do saneamento do processo. Em alguns casos, se a prova pericial não for imediatamente produzida pode levar à perda do objeto a ser examinado. Além disso, há o risco do reconhecimento pelo Tribunal, em sede de preliminar de apelação, da necessidade da produção da prova para a correta solução da demanda, ou seja, o procedimento irá obrigatoriamente ser remetido ao juízo de piso para produção da prova outrora indeferida e, por consequência, repetidos todos os atos até a prolação da nova sentença. 

            Outro caso relativamente comum é a decisão interlocutória que determina a emenda da petição inicial para correção do valor da causa com a complementação proporcional das custas processuais. Da mesma maneira que o exemplo anterior, caso o Autor não concorde com a decisão não prevista no rol do artigo 1.015, o efeito será a prolação de sentença de extinção sem resolução de mérito, nos termos do (art. 485, I), cabendo-lhe apenas o caminho da apelação e um possível retrocesso do processo ao seu início no caso de procedência da apelação.

             Indubitavelmente tal conseqüência prática não se coaduna com o espírito original do novel código adjetivo.

      

                               7 - A Utilização do Mandado de Segurança como Sucedâneo do Recurso

             A Doutrina defende a utilização de mandado de segurança nos casos em que a decisão interlocutória não esteja prevista no art. 1.015 do NCPC.

            Desse modo, o sistema jurídico brasileiro estaria retrocedendo décadas para tornar novamente ordinária a utilização do mandado de segurança como sucedâneo de recurso. Essa prática estava relegada quase que exclusivamente ao microssistema dos Juizados Especiais, posto que a Lei 9.099/95 prevê a irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

            Tudo indica, ao menos no início da vigência do novo código, que esta será uma medida empregada pelos advogados que se encontrem diante de interlocutórias gravosas para os seus clientes e fora da previsão do artigo 1.105 do Código de Processo.           Em especial porque está consolidado o entendimento jurisprudencial admitindo a utilização do mandamus contra decisões interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais, sem que este manejo vá de encontro à Súmula 267 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”.

            Desta feita, naturalmente será feito o paralelo entre as interlocutórias irrecorríveis na Lei 9.099/95 e a nova sistemática do agravo de instrumento no Código de Processo Civil.

            Não se vislumbra nenhuma vantagem sistêmica nessa situação, pois o prazo para se combater as decisões interlocutórias serão dilatados de quinze para cento e vinte dias, conforme artigo 23 da Lei 12.016/2009. Além disso, os tribunais se verão assoberbados com um número absurdo de mandados de segurança, o que, muito provavelmente, causará situação muito mais gravosa do que o anterior sistema do Código de 1973.

            Vê-se, por conseguinte, a inutilidade da restrição das possibilidades de interposição de agravo de instrumento ser substituída pela impetração do mandado de segurança.

                                        8 - A solução proposta por Fredie Didier Jr.

            Percebendo os problemas que advirão da nova sistemática da impugnação das decisões interlocutórias no processo de conhecimento, Fredie Didier Jr., um dos doutrinadores mais colaborativos na construção do novo Código, defende a interpretação extensiva do rol taxativo, a fim de admitir o cabimento da interposição do agravo retido em situações além daquelas previstas no rol do art. 1.015 do CPC.

  

“Tradicionalmente, a interpretação pode ser literal, mas há, de igual modo, as interpretações corretivas, e outras forma de reinterpretação substitutiva. A interpretação literal consiste numa das fases (a primeira, cronologicamente) da interpretação sistemática. O enunciado normativo é, num primeiro momento, interpretado em seu sentido literal para, então, ser examinado crítica e sistematicamente, a fim de se averiguar se a interpretação literal está de acordo com o sistema em que inserido.

Havendo divergência entre o sentido literal e o genético, teleológico ou sistemático, adota-se uma das interpretações corretivas, entre as quais se destaca a extensiva, que é um modo de intepretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra. Assim, ‘se a mensagem normativa contém denotações e conotações limitadas, o trabalho do intérprete será o de torná-las vagas e ambíguas (ou mais vagas e ambíguas do que são em geral, em face da imprecisão da língua natural de que se vale o legislador).’ ...

O inc. VIII do art. 485 do CPC/1973 prevê a ação rescisória para o caso de haver razão para invalidar confissão, desistência ou transação em que se baseava a sentença rescindenda. Nada obstante isso, a doutrina estendia essa hipótese de cabimento para os casos de reconhecimento da procedência do pedido , não previsto expressamente, além de corrigir a referência à desistência, que deveria ser lida como renúncia ao direito sobre o que se funda a ação. O entendimento é unânime. Às situações descritas no inc. VIII devem ser adicionadas aquelas outras que não estavam expressamente mencionadas, devendo receber o mesmo tratamento. São situações semelhantes, que se aproximam e merecem a mesma solução normativa...

Adotada a interpretação literal, não se admitindo agravo de instrumento contra decisão que trate de competência, nem contra decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual (para dar dois exemplos, explicados no exame do inciso III do art. 1.015 do CPC), haverá o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança, cujo prazo é bem mais elástico que o agravo de instrumento. Se, diversamente, se adota a interpretação extensiva para permitir o agravo de instrumento, haverá menos problemas no âmbito dos tribunais, não os congestionando com mandados de segurança contra atos judiciais “. 8

            A tese apresentada procura claramente sanar um erro legislativo, pois, ao invés de utilizar a interpretação extensiva, faria muito mais sentido não engessar a legislação com os numerus clausus previsto no artigo 1.015.

            A antiga redação possibilitando a interposição do gravo de instrumento em situações de grave lesão era muito mais adequada à sistemática das impugnações interlocutórias na fase de conhecimento. Havia mecanismos, tais como a conversão em agravo retido e o julgamento monocrático pelo relator conforme incisos do antigo artigo 527, coibindo eventuais desvios na utilização do recurso

            O problema desta proposta é a insegurança jurídica causada pela casuística das decisões judiciais. Até que ponto os juízos, tribunais e tribunais superiores vão permitir a interpretação extensiva? Além disso, como e de que forma será uniformizado este permissivo jurisprudencial?

                                                              9 - A Possível Alternativa

            Acredito que o projeto do novo Código de Processo Civil deveria ter mantido o método anterior de impugnação das decisões interlocutórias na fase de conhecimento, permanecendo os agravos retidos e de instrumento, inclusive o sistema de preclusão destas decisões.  Todavia, deveria ter sido acrescida a irrecorribilidade das decisões do relator que julgasse o agravo inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a jurisprudência ou, ainda, que convertesse o agravo de instrumento em agravo retido. Somente esta medida iria sanar a maioria dos procedimentos protelatórios dos agravos nos Tribunais.

            Boa opção seria instituir a sucumbência recursal no agravo de instrumento ao invés de restringi-lo, o que somado as multas em razão de recursos protelatórios criadas pelo Novo Código de Processo Civil iriam desestimular o que deve ser desestimulado, ou seja, o recurso visando a apenas postergar a prestação jurisdicional dentro do limite razoável de tempo.    

            Porém, deve ser admitido que alterar de forma a intensa o sistema de impugnação das interlocutórias iria afetar diversos outros artigos, ameaçando a higidez de todo o novo Código de Processo Civil.

            Assim, parece que ao legislador restou a possibilidade de aumentar de forma relevante o rol taxativo do artigo 1.105 do CPC, caso isso não ocorra, a jurisprudência deverá interpretar de forma extensiva os incisos do referido artigo.

                                                              10 - Conclusão

O excessivo número de recursos sempre foi uma das poucas questões praticamente unânimes na doutrina nacional. Não se vê operador do direito defendendo a tese de aumento do número de possibilidades impugnação às decisões judiciais, contudo, quando o tema é a diminuição do sistema recursal aparecem apoiadores aos borbotões.

Apenas para citar um exemplo deste posicionamento, EGAS MONIZ DE ARAGÃO, apesar de não culpar o sistema recursal pela morosidade do judiciário, defendia a existência de apenas três recursos, além dos embargos de declaração. Em artigo, ao responder a pergunta se havia demasiados recursos no ordenamento jurídico brasileiro, assim se posicionava: 9

 “atendem aos interesses da brevidade e certeza, interesses que devem ser ponderados – como na fórmula da composição dos medicamentos – para dar adequado remédio às necessidades do processo judicial: a apelação, o agravo e o extraordinário, isto é, recurso especial e recurso extraordinário” (Demasiados recursos?. Revista de Processo. São Paulo, v. 31, n. 136, p. 9-31, jun. 2006, p. 1

            Todavia, quais foram os recursos extintos no novo Código de Processo Civil? Na prática nenhum, senão vejamos:

            a) Os Embargos Infringentes foram expurgados da legislação adjetiva, mas foi criada uma técnica de julgamento ainda mais abrangente do que o antigo recurso. Pior, este incidente perdeu a natureza voluntária dos recursos para se tornar obrigatório, nos termos do artigo 942 do Novo Código, nos casos em que ocorrerem julgamentos não unânimes.

            b) O Agravo Retido também foi eliminado,  a decisão não impugnável por Agravo de Instrumento, poderá ser questionada como preliminar da apelação, ou seja, na verdade, a supressão do agravo retido fez apenas aumentar o lapso temporal para a consumação da preclusão. Em outras palavras, ao invés da interlocutória não impugnável por agravo de instrumento precluir em 10 dias, passará a ser impugnável até a apelação.

            c) O Agravo de instrumento teve a suas hipóteses de interposição restringidas, todavia, as interlocutórias não previstas no artigo 1.015 do CPC e ensejadoras de danos processuais relevantes serão atacadas através de mandado de segurança ou, ainda, a construção jurisprudencial irá interpretar extensivamente o rol acima referido. 

Assim sendo, a linha mestra três da comissão de juristas não foi devidamente seguida pelo novo código adjetivo em vigor.

Infere-se, portanto, que as escolhas efetuadas pelo legislador no trato das espécies recursais, em especial as aplicáveis no processo de conhecimento não foram das mais felizes.

Apesar de não haver pesquisas com fundamentos em números quanto à questão, tudo indica serem os embargos de declaração o grande vilão do sistema recursal nacional. Eles são interpostos de forma disseminada contra toda e qualquer decisão judicial e, além disso, interrompem os prazos de todos os outros recursos.

Outro ponto crucial e inatacável por qualquer código é a cultura de parte razoável dos operadores do direito, em especial advogados, de adiar trânsito em julgado dos processos, apesar das ínfimas possibilidades de reversão das sentenças ou acórdãos.

Apesar de não ser regra, os “embargos de declaração nos embargos nos declaração no agravo regimental no agravo de instrumento no recurso especial” costumam ser protelatórios. Essa postura não será alterada por nenhum código.

Soluções menos radicais, com a manutenção da antiga sistemática dos agravos, acrescida de medidas menores, tais como a irrecorribilidade da decisão do relator que converte o agravo de instrumento em retido e a instituição da sucumbência recursal nos agravos, além de punições severas para recursos protelatórios (como as multas criadas pelos artigos 918 e 1.026) muito provavelmente produziriam efeitos mais positivos e evitariam o retrocesso do uso do mandado de segurança como sucedâneo de recurso.

            Vejamos o caminho a ser trilhado pela jurisprudência.

Referências

1. Cartilha elaborada pela Comissão de Juristas do Novo Código de Processo Civil. Senado Federal: Brasília, 2010, p. 7-9.

2. BRASIL. Senado Federal. Código de Processo Civil: anteprojeto/comissão de juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010.

3. http://s.conjur.com.br/dl/100-maiores-litigantes-justica-cnj.pdf.

4.https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/2010%2004%2015%20-%20Novo%20CPC.pdf

5. IDEM

6.(https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/2010%2003%2005%20-%202a%20AP%20CE%20ata.pdf)

7.https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/2010%2004%2016%20-%208a%20AP%20PR%20ata.pdf

8. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 209-211.

9. MUNIZ DE ARAGÃO, Egas. Demasiados recursos?. Revista de Processo. São Paulo, v. 31, n. 136, p. 9-31, jun. 2006, p. 18.

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Sobre o autor
Luiz Antonio Pimenta Borges Filho

Graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Pós-Graduando em Processo Civil pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto produzido para o Curso de Pós-Graduação em Processo Civil da Universidade Federal Fluminense (UFF)

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