1. Introdução
Está em discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal a possibilidade, em termos de constitucionalidade, de lei municipal proibir o uso de amianto na construção civil, em quaisquer de seus tipos e variedades (tanto amianto marrom ou azul - considerados mais nocivos - como o amianto branco - chamado de crisotila e apontado como menos nocivo).
Já houve, através de diversas leis estaduais e muncipais, tentativas de se proibir o uso do amianto no âmbito dos Estados e Municípios. Houve também o ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade visando atacar tais normas que restringem ou proibem o uso do amianto. em um primeiro momento, considerou-se inconstitucional lei estadual que proibia o uso do amianto, por se entender que legislar sobre esta matéria era competência exclusiva da União. Em um segundo momento, outra ação direta de inconstitucionalidade foi julgada parcialmente procedente.
Sobre a evolução destas discussões é que teceremos considerações técnicas e jurídicas sobre o uso do amianto na construção civil e os riscos que o uso do mesmo pode trazer à saúde humana.
2. O que é Amianto?
Segundo a Associação Brasileira dos Expostos a Amianto (2016), O amianto ou asbesto é uma fibra mineral natural sedosa que, por suas propriedades físico-químicas(alta resistência mecânica e às altas temperaturas, incombustibilidade, boa qualidade isolante, durabilidade, flexibilidade, indestrutibilidade, resistente ao ataque de ácidos, álcalis e bactérias, facilidade de ser tecida etc.), abundância na natureza e, principalmente, baixo custo tem sido largamente utilizado na indústria. É extraído fundamentalmente de rochas compostas de silicatos hidratados de magnésio, onde apenas de 5 a 10% se encontram em sua forma fibrosa de interesse comercial.
Acerca dos riscos à saúde, causados pelo Amianto, esta mesma Associação Brasileira dos Expostos a Amianto (2016), explica que No Brasil, o amianto tem sido empregado em milhares de produtos, principalmente na indústria da construção civil(telhas, caixas d'água de cimento-amianto etc.) e em outros setores e produtos como guarnições de freio(lonas e pastilhas), juntas, gaxetas, revestimentos de discos de embreagem, tecidos, vestimentas especiais, pisos, tintas etc. O Canadá, segundo maior produtor mundial de amianto, é o maior exportador desta matéria-prima, mas consome muito pouco em seu território(menos de 3%). Para se ter uma idéia de ordem de grandeza e da gravidade da questão para os países pobres: um(a) cidadão(ã) americano(a) se expõe em média a 100g/ano, um(a) canadense a 500 g/ano e um(a) brasileiro(a), mais ou menos, a 1.200g/ano. Este quadro inicial nos indica uma diferença na produção e consumo do amianto entre os países do Norte e do Sul, em especial, o Brasil, explicada pelo fato de que o amianto é uma fibra comprovadamente cancerígena e que os cidadãos do Norte já não aceitam mais se expor a este risco conhecido. O amianto é um bom exemplo de como estes países transferem a produção a populações que desconhecem os efeitos nocivos deste produto, enquanto para eles buscam outras alternativas menos perigosas, recorrendo à política do duplo-padrão (double-standard): produção e comercialização de produtos proibidos nos países desenvolvidos e liberados para os países em desenvolvimento. Entre as doenças relacionadas ao amianto estão a asbestose (doença crônica pulmonar de origem ocupacional), cânceres de pulmão e do trato gastrointestinal e o mesotelioma, tumor maligno raro e de prognóstico sombrio, que pode atingir tanto a pleura como o peritônio, e tem um período de latência em torno de 30 anos.
Segundo noticia o e-cycle (2016), no Brasil, os estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro proibiram o uso e comercialização. Em Goiás se concentram grandes produtores com representação no congresso nacional. Eles alegam que o tipo de amianto brasileiro é o crisotila (branco) puro, que seria menos contaminante. Outro argumento é o de que o amianto traz “apenas” problemas ocupacionais (oriundos do trabalho) aos operários, como se esse argumento já não fosse suficiente para banir o material. No entanto, há um campo aberto para o debate, já que a quebra do amianto em uma situação doméstica ou um descarte incorreto no meio ambiente pode causar a inalação da “poeira assassina” por parte do consumidor.
Segundo se observa através das fontes referidas, o amianto é um material de grande periculosidade à saúde humana. Isso porque já está comprovado o seu efeito nocivo sobre o organismo humano, em especial através da associação entre a inalação do pó produzido pelo material e a ocorrência de diversos tipos de cânceres.
3. ADPF nº 109
A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 109, segundo consta em peça da Advocacia Geral da União, foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CNTI em face da Lei nº 13.113, de 16 de março de 2001 do Município de São Paulo, e do Decreto regulamentar (Decreto Municipal nº 41.788, de 13 de março de 2002), que versam sobre a proibição do uso do amianto como matéria-prima na construção civil.
A fim de fundamentar a presente arguição, a CNTI sustenta que os atos normativos teriam sido editados sem a observância da competência legislativa previstas na Constituição, estando o Município de São Paulo a atuar Ultra Vires - no estabelecimento de normas gerais sobre produção e consumo, defesa do solo e dos recursos naturais e proteção à saúde (CF, art. 24, V, VI e XII). Afirma ainda que o fiel atendimento às regras constitucionais de competência revela importância fundamental para a manutenção e o equilíbrio do federalismo, sendo vedado aos entes federados o ingresso nas atribuições reservados a outros componentes da federação.
Vale esclarecer que a União, através da Lei nº 9.055/1995, editou normas gerais disciplinando "a extração, industrialização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais de qualquer origem, utilizados para o mesmo fim, dado o interesse nacional do tema. Logo, eventual lei municipal que busque tratar da matéria poderá fazê-lo sumpletivaemente.
Neste termos, e pelo teor da Lei Federal nº 9.055/1995, tanto restou proibido o manejo do amianto do grupo anfibólio (asbestos marrom e azul), como se permitiu, sob certas condições, o uso da variedade crisotila (asbesto branco).
No entanto, a lei municipal em questão, contradizendo as diretrizes gerais definidas pelo diploma federal entendeu as proibições à utilização do amianto - sem discriminar a espécie - no âmbito da construção civil, ao teor de seu artigo 1º "fica proibida na construção civil a utilização de materiais, elementos construtivos e equipamentos constituídos por amianto". Ou seja, a disposição de lei municipal sobre a matéria proibe qualquer tipo de substância que tenha como matéria-prima o amianto, mesmo na variedade crisotila.
A Advocacia Geral da União, em sua manifestação apontou que inúmeras iniciativas estaduais tentaram vedar o manejo da crisotila, mesmo com a permissão da Lei Federal nº 9.055/1995. No julgamento da ADI nº 2.396/MS o STF manifestou-se no sentido de que tal vedação extrapola os limites da competência legislativa suplementar dos Estados-membros, de forma a confrontar com legislação geral a cargo da União. Com maior razão, segundo afirma, lei municipal de idêntico conteúdo, deve ser declarada inconstitucional.
Vê-se que a discussão principal nese caso reside na questão da competência para legislar sobre a matéria (permissão de uso e comercialização do amianto), em que se aponta competência exclusiva da União. Discute-se ainda, no âmbito das competências, que os municípios, no uso da competência que tem para suplementar a legislação federal e estadual no que couber, não pode pode esvaziar autorização de lei federal para o uso do amianto branco (crisotila). Não se discute o fato de ser o amianto, inclusive o da variedade crisotila, prejudicial à saúde humana. Esta discussão, que ao nosso ver é o cerne da questão, ou seja, seu ponto nevrálgico, é colocado em segundo plano.
Aduz ainda a Advocacia Geral da União que se lei federal permite, sob determinada condição, a comercialização de certas espécies de amianto não há porque norma local, que deve limitar sua atribuição legislativa a suplementar leis estaduais e federais, nos assuntos de interesse local - estatuir regulamento diametralmente oposto. Por fim, o Advogado Geral da União manifestou-se no sentido de pedir a concessão da medida liminar postulada, de modo que se suspenda a eficácia da lei municipal º 13.113, de 16 de março de 2001 do Município de São Paulo e de seu regulamento (Decreto Municipal nº 41.788, de 13 de março de 2002), por afronta à competência legislativa da União, prevista no artigo 22, XII da Carta de 1988. Pediu ainda a declaração de inconstitucionalidade das mesmas normas.
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se, em setembro de 2016, opinando pelo conhecimento e pela improcedência do pedido feito pela CNTI, de se declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.113, de 16 de março de 2001, do Município de São Paulo. Ressalte-se, no entanto, que a Procuradoria-Geral da República, em um primeiro momento, em parecer do então Procurador-Geral da República Antônio Fernando Barros e Silva de Souza manifestou-se pelo conhecimento da arguição e pela procedência do pedido liminar.
Vale frisar que o Ministro Ricardo Lewandowski indeferiu o pedido liminar. Mais tarde, o ministro Lewandowski teve que passar a relatoria do presente caso ao Ministro Edson Fachin, que hoje é o relator do presente processo.
A Procuradoria-Geral da República entendeu cabível a ADPF em questão por não haver outros meios processuais aptos a corrigir adequadamente a lesão a preceito fundamental à luz do princípio da subsidiariedade, previsto no artigo 4º, §1º da Lei Federal nº 9.882/1999. Em seu parecer a Procuradoria-Geral da República historiou os casos em que foi qeuestionada a constitucionalidade de leis que proibiram o uso do amianto:
- Na ADI 2.396/MS, o STF decidiu pela inconstitucinalidade formal da Lei 2.210, de 08 de janeiro de 2001 do EStado do Mato Grosso do Sul, que determinava a prodição de fabricação, ingresso, comercializaçaõ e estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil;
- Na ADI 3.937/SP, ajuizada contra Lei 12.684, de 26 de julho de 2007 do Estado de São Paulo, o STF revisou seu posicionamento e reconheceu a constitucionalidade formal da norma, fundado em que a proibição do uso do amianto possui respaldo na Convenção da 162 da OIT, incorporada pelo Decreto 126 de 22 de maio de 1991, em que a existência de lei federal autorizadora do uso do crisolita não afasta a possibilidade de legislação estadual mais rigorosa.
Conforme recorda CARNEIRO (2016), na sessão do dia 23 de novembro de 2016, o ministro Fachin votou então contra a ADPF e as três ações (ADIs 3.356, 3.357 e 3.937), todas propostas pela CNTI). Ele defendeu a tese de que a Constituição de 1988 inovou a concepção do federalismo brasileiro, ao prever para os estados e municípios a “competência concorrente”, ou seja, “competências residuais, comuns e complementares”. Nesse sentido, Fachin deu ênfase ao inciso II do artigo 33 da Constituição, cujo enunciado é o seguinte: “Compete aos municípios (EC 53/2006) suplementar a legislação federal e a estadual no que lhe couber”. Ele tomou como paradigma do seu entendimento a lei municipal paulistana que, a seu ver, ao ampliar a proibição já constante da Lei 9.055/1995, mostrou que se a norma federal estabeleceu “normas gerais” para a utilização industrial dos diversos tipos de amiantos ela não afastou, “de forma clara”, a possibilidade de que os estados e municípios estabeleçam outras restrições. No caso, acrescentando o tipo de amianto (crisotila) que foi “tolerado” pela lei federal à lei municipal, os vereadores paulistanos fizeram “uma escolha política” no âmbito da construção civil na cidade de São Paulo.
4. Considerações Finais
Tem-se, diante do exposto, que o amianto, em quaisquer de suas formas e variedades, é uma substância carcinogênica, ou seja, causa câncer e que só por esta razão deveria ser banido por completo do território nacional, já que a indústria que a opera tal substência não consegue provar, através de estudos científicos, que o produto não causa efeito nocivo à saúde das pessoas e ao meio ambiente.
Não se entende haver violações à competência da União para legislar sobre saúde e mineração, uma vez que os Municípios possuem competências, definidas no Texto Constitucional (art. 30, incisos I e II) para legislarem sobre assuntos de interesse local (como é o caso da saúde sua população, e a poluição em seus limites) e para suplementarem a legislação federal estadual e municipal no que couber. Suplementar a legislação não significa apenas complementar a que já existe, agravando proibições ou abrandando permissões. Suplementar a legislação federal ou estadual é receber de volta a discussão que fora tratada no âmbito federal ou estadual para que, atento à sua realidade e aos fatores locais, como saúde local ou poluição local, se possa autorizar ou não o uso de determinado produto, método ou substância, considerada nociva à saúde, como atestam numerosos estudos.
O STF dá mostras de que deve se posicionar de modo a não declarar a inconstitucionalidade de lei do Município de São Paulo que proíbe o uso da substância em seu território. Isso porque já mostrou que mudou o entendimento inicial de que os municípios não podiam legislar sobre a matéria, afastando a aplicação de lei federal que admitia o uso do amianto do tipo branco (ADI 2.396/MS) para o de que é possível sim aos municípios, no âmbito de sua competência comum, que aponta para o dever de todos os entes federativos zelar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 23 da CF/1988), em consonância com o artigo 30, incisos I e II e art. 225 da Constituição da República de 1988, uma vez que o amianto é comprovadamente uma substância nociva à saúde humana e ao meio ambiente, como bem destaca a Convenção 162 da OIT, incorporada ao Ordenamento Jurídico brasileiro pelo Decreto 126 de 22 de maio de 1991.
5. Referências Bibliográficas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS EXPOSTOS A AMIANTO. Amianto ou Asbesto. Disponível em: <http://www.abrea.com.br/02amianto.htm>. Acesso em 28 de novembro de 2016.
E-CYCLE. Amianto: os problemas do inimigo íntimo. Disponível em: <http://www.ecycle.com.br/component/content/article/35/471-amianto-os-problemas-do-inimigo-intimo.html>. Acesso em 28 de novembro de 2016.
CARNEIRO, Luiz Orlando. Proibição mais severa de amianto ganha mais um voto no STF. Disponível em: <http://jota.info/justica/proibicao-mais-severa-de-amianto-ganha-mais-um-voto-no-stf-23112016>. Acesso em 29 de novembro de 2016.
STF. Pedido de vista suspende julgamento sobre leis que proíbem uso de amianto. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=330281