Remoção de servidor público ex officio, enquanto ato administrativo discricionário, e controle judicial

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16/12/2016 às 13:01
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A pesquisa objetiva abordar o instituto doutrinário da remoção de servidor público, atos administrativos discricionários, e controle judicial, tema visto, hodiernamente, perpetrados pela Administração Pública, no âmbito direto e indireto.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa jurídica, intitulada: Remoção de Servidor Público ex officio, enquanto Ato Administrativo Discricionário, e Controle Judicial visa trazer à tona conceitos a respeito dos institutos do Direito Administrativo, correlacionado com o Direito Constitucional englobando conflitos jurídicos. Nesse quesito, tem-se a discricionariedade da perpetuação do ato de remoção de servidor público pelo Poder Público e o controle judicial, mediante provocação do lesado. Impera a necessidade de exploração de conteúdos dogmáticos, com amparo legal, livros, doutrinas e julgados.

O cerne da questão é visto em relação ao ato de deslocamento de determinado servidor público de ofício pela administração pública para outro local de trabalho, devido à necessidade do serviço público, frente ao reflexo judicial que esse ato poderá sofrer.

Em termos de jurisdição, é defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo, cabendo-lhe apenas analisar os aspectos de legalidade, não podendo averiguar a conveniência e oportunidade, a qual pertence e foi outorgado tão somente ao administrador público.

Sustentando o problema jurídico, tem-se como referencial teórico o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, são suas palavras:

O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz se substitua ao administrador. Vale dizer: não pode o juiz entrar no terreno que a lei reservou aos agentes da administração, perquerindo os critérios de conveniência e oportunidade que lhe inspiraram a conduta. A razão é simples: se o juiz se atém ao exame da legalidade dos atos, não poderá questionar critérios que a própria lei defere ao administrador.[1]

Uma vez presentes os fundamentos que ensejam a construção da presente pesquisa, cabe acrescentar que haverá necessidade de composição em três capítulos. O primeiro diz respeito aos princípios que regem a administração pública, visando tratar de princípios propriamente ditos, norteadores da conduta do administrador público. No segundo capítulo intitulado ato administrativo, será abordado conceito de ato e seus elementos, âmbito de aplicabilidade e emblemática jurídica. Por fim, o último capítulo será destinado para a remoção de servidor público, conceito, limites da discricionariedade e controle judicial, com destaque na teoria e divisão orgânica dos poderes.

CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS

Em análise preliminar, a respeitável pesquisa, em apresentação tem por fito demonstrar o tema “Remoção de Servidor Público ex officio, enquanto ato discricionário, e controle judicial”, com maiores peculiaridades, que dão ensejo a fundamentação jurídica.

A Magna Carta de 1988, embora tenha sido tão prolixa e analítica, reservando até mesmo capítulos e artigos próprios para tratar de matérias pertinentes ao Direito Administrativo, quedou-se omissa quanto ao instituto da remoção de servidor público. Deste modo, tem-se amparo na fonte normativa infraconstitucional, lei n° 8.112/90, que traz expresso no corpo do artigo 36, caput, a respeito da remoção e tece maiores detalhes.

A lei que regula o Regime Jurídicos dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais (Lei 8.112/90), em seu art. 36, trata expressamente a respeito do instituto jurídico de remoção.

Assim, enfatiza: “Artigo. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido, ou de oficio, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.”

O instituto jurídico e administrativo visa fazer a transferência de determinado servidor lotado em uma localidade para outra, no mesmo quadro de função, sem alteração do cargo. A remoção pode ocorrer de ofício ou a pedido.

Pois bem. Deixando de lado a segunda parte que versa sobre remoção a pedido, para tratar acerca da “remoção ex officio”, isto é, de oficio, sem interesse do servidor, o que é de extrema importância nesta pesquisa, como forma de suprimir o excesso e limitar o tema.

É sabido, pois, que o ato de deslocamento ou remoção de determinado servidor público contra seu interesse, levando em conta o interesse da Administração Pública, é uma forma de concretizar o princípio da Supremacia do Interesse Público. Afinal, o ato de remoção também é ato discricionário, isto é, a Administração tem a opção ou escolha de obter a melhor solução ao caso concreto.

A respeito de ato administrativo, segue-se conceito pertinente flexionado por José dos Santos Carvalho Filho: “atos administrativos é a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público.”[2]

Os atos administrativos dividem-se em atos discricionários e vinculados, os quais serão objetos de análises em capítulo próprio.

Feitas essas considerações, muitas são, pois, as discussões que giram a respeito da possibilidade do Poder Judiciário adentrar no mérito da decisão administrativa, no que tange aos atos discricionários, afirmando ou denegando qual seria a melhor solução ao caso concreto. Caso constate que no momento da execução do ato administrativo emanado do Poder Público foi desconforme com as prescrições jurídicas, haverá a possibilidade do órgão do Poder Judiciário controlar os excessos, invalidando as condutas, na tendência de garantir os direitos dos lesados ou ameaçados.[3] O Poder judiciário só poderá averiguar os aspectos da legalidade prescrita e não o mérito do ato. O que não poderá ocorrer é o Judiciário ir ao extremo a ponto de substituir a vontade do administrador (controlar o mérito do ato discricionário), sob pena de colisão de um poder com o outro, o que fere o princípio da Separação dos Poderes.[4] Conforme os dizeres de Hans Kelsen “os poderes legislativos e executivos estão divididos entre os chamados órgãos legislativos e executivos, por outro lado, e os tribunais por outro.”[5]

No terceiro capítulo, próprio as discussões jurídicas serão dadas maior ênfase ao instituto jurídico da remoção, âmbito de aplicação e deveras rechaçado em doutrinas e julgados.

1 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Princípios administrativos são postulados fundamentais que inspiram o modo de agir da Administração Pública. [6] Vale dizer, os princípios são mandamentos de otimização.

Os princípios do Direito Administrativo norteiam caminhos a serem seguidos pelos agentes administrativos investidos da função estatal, de plano a concretizar o interesse público no exercício de atividades administrativas. Sendo assim, só poderá considerar válida a conduta administrativa que estiver compatível com eles.[7] Dentro das normas jurídicas, encontram-se princípios e regras, sendo o primeiro de interesse nesse estudo.

Conforme assevera José dos Santos Carvalho Filho, existem princípios expressos e reconhecidos. [8]

Os primeiros encontram-se previstos ao teor do artigo 37 caput da Magna Carta de 1988.[9] Logo, a esses princípios, chamados de expressos, ganham força no Direito Administrativo, devido à regência constitucional, haja vista ser considerada lei maior, embora os reconhecidos sejam também de tamanha relevância, os quais serão abordados a seguir.

Princípios Constitucionais: Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. A doutrina brasileira reconhece outros princípios além dos previstos constitucionalmente, o que faz deles um tom aclamado nas decisões dos juízes de primeiras instâncias, tribunais superiores, inclusive a Suprema Corte.[10]

Princípios reconhecidos: Supremacia do Interesse Público, Princípio da Autotutela, Princípio da Indisponibilidade, Princípio da Continuidade Dos Serviços Públicos, Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança), Princípio da Precaução, Princípio da Razoabilidade e Princípio da Proporcionalidade. Para coibir elasticidade e delongas, cabe fazer um recorte espacial, procedendo-se com abordagem apenas dos Princípios Constitucionais, muito embora os reconhecidos sejam objetos de referência e citação no curso deste trabalho, em especial o da Supremacia do Interesse Público.

1.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

É de relevância tomar conhecimento de que a legalidade em tela é aquela “strict sensu”, isto é, definida em lei. Aliás, é mister saber o que venha a ser Princípio da Legalidade. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, o princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Sob pena de não o sendo, a atividade ser considerada ilícita.[11]

Nesse quesito, pode-se dizer que um Estado que cria e respeita as leis, será considerado como Estado de direito. Observa-se que no Estado de Direito, a lei sobressai sobre o poder e a vontade dos governantes.

Carvalho Filho, citando Hely Lopes Meirelles em sua obra, assevera que, enquanto os indivíduos no campo privado podem fazer tudo o que a lei não veda o administrador público só pode atuar onde a lei autoriza.[12] Com isso, fica evidenciado que caso exista tipos de condutas tendenciosas a desrespeitarem as normas positivadas, será visto, como conduta ilegal, o que acarretará penalidades de responsabilização jurídica.

Vale ressaltar que o princípio da legalidade encontra-se expresso no artigo 37, “caput” da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

1.2 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

Trata-se de um Princípio Constitucional que veda tratamento diferenciado a determinados tipos de pessoas, independentemente de sua posição social. Impessoal é “o que não pertence a uma pessoa em especial”, ou seja, aquilo que não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas.[13]

Enfim, tal princípio exige de qualquer pessoa que estiver investida da função pública, conduta e tratamento de forma comum e isonômica a todos, vedando assim, diferenciações, quer seja por posições sociais ou econômicas.

1.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Tal princípio impõe ao Administrador Público o dever de observar os princípios éticos que devem estar presentes em sua conduta, com a distinção entre o honesto e o desonesto.[14]

Ao criar a lei e inseri-la no texto Constitucional, visou o legislador “mens legis” coibir todo e qualquer tipo de imoralidade na conduta do administrador público.

Com essas considerações, é possível dizer que, se o administrador em suas atividades, obedecer ao princípio em tela impedirá a não caracterização de improbidades administrativas, de certa forma a suprimir diversas ações dessas espécies, no âmbito do Poder Judiciário.

A título de exemplo, caso o administrador venha ser imoral em suas condutas perpetradas, o instrumento hábil e eficaz a ser utilizado para coibir lesão a sociedade será a ação de improbidade administrativa, regida pela lei 8.429/92; poderá também ser ajuizada ação popular, quando configurado lesão aos direitos de quaisquer cidadãos, garantidos pela Constituição.[15] Também poderá ser ajuizada ação civil pública pela parte autora que demonstre ter interesse jurídico, bem como pelo órgão ministerial, tendo em vista que o mesmo é legitimado e também custus legis, isto é, fiscal da lei.

1.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Outro importante princípio, que exige observação pela administração pública, diz respeito ao Princípio da Publicidade. Trata-se de um princípio que exige conhecimento público dos atos perpetrados pelos administrados ou terceiros. Estabelece José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

Os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem.[16]

O princípio da publicização das informações encontra-se estampado no art. 37, caput, da CRFB/88, o que o diferencia do previsto no art. 5º, II da citada Carta, tendo em vista que o último é para os particulares em geral.

Logo, o acesso às informações só será vedado quando os atos forem praticados com a finalidade de violar a intimidade, a vida privada das pessoas, entre outros.[17]

Na hipótese de serem negadas as informações colimadas aos interessados, como meio de sanar o entrave administrativo, fica garantido à pessoa do impetrante o remédio constitucional do habeas data, previsto no art. 5°, LXXII, “a” e “b”, da CRFB/88.

Concretiza-se tal princípio por meio de petição, obtenção de certidões, independentemente de exigência de pagamento de taxas. [18]

Portanto, o princípio da publicidade visa dar maior acesso de informação ao público em geral.

1.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

No direito processual fala-se muito em eficiência dos operadores do direito. Interessante que o termo é de notório conhecimento de todos aplicável no âmbito da atividade jurisdicional, executiva, entre outros. Notadamente, eficiência está diretamente ligado à rapidez, perfeição e rendimento.

Sob amparo de argumentos doutrinários, Diogenes Garparini, ao explicar o princípio da eficiência como aquele que exige rapidez que se espera de quem pratica uma função, tece também outras condições, in verbis:

O desempenho deve ser rápido e oferecido de forma a satisfazer os interesses dos administrados em particular e da coletividade em geral. Nada justifica qualquer procrastinação. Aliás, essa atitude pode levar a Administração Pública a indenizar os prejuízos que o atraso possa ter ocasionado ao interessado num dado desempenho estatal.[19]

Por fim, exige-se maior rendimento e produção de quem executa determinadas atividades, pois assim, maior será o estoque destinado ao interesse não só unicamente da Administração Pública, como também do público em geral. Nota-se que não discute preço, qualidade ou extensão, o objetivo pretendido é o aperfeiçoamento no desempenho.

1.6 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

O Direito Administrativo não tem muita elasticidade como a disciplina do Direito Civil; porém, ao primeiro foram conferidas maiores prerrogativas, de certa forma que o Estado proporcionou garantias especiais ao administrador público, gestor ou quaisquer de seus auxiliares para o poder de atuação em superioridade sobre o particular. No Direito Civil os interesses envolvidos são os dos particulares, regidos pela autonomia da vontade. Já no Direito Administrativo, o interesse envolvido é o público em geral, tendo em vista a indisponibilidade do interesse público.

O princípio da Supremacia do Interesse Público encontra-se expresso no art. 2°, caput, da Lei n° 9.784/99, reconhecido doutrinariamente, sendo esse de interesse geral. Significa que toda a atuação Administrativa deve visar o público.

Dentro da seara administrativa, os objetivos buscados não são próprios ou pessoais e sim o interesse da coletividade. Aliás, é o que enfatiza Celso Antônio Bandeira de Mello:

Onde há função, pelo contrário, não há autonomia da vontade, nem a liberdade em que se expressa, nem a autodeterminação da finalidade a ser buscada, nem a procura de interesses próprios, pessoais. Há adscrição a uma finalidade previamente estabelecida, e, no caso de função pública, há submissão da vontade ao escopo pré-traçado na Constituição ou na lei e há o dever de bem curar um interesse alheio, que, no caso, é o interesse público; vale dizer, da coletividade como um todo, e não da entidade governamental em si mesma considerada. [20]

Di Pietro afirma que por tal princípio, entende-se que o interesse público deve sobressair sobre o interesse particular.[21]

Por conseguinte, o princípio da Supremacia do Interesse Público não se encontra expresso nos artigos da CRFB/88, sendo esse um princípio implícito.[22] Sua previsão se dá nos atuais livros doutrinários de Direito Administrativo escritos por variados autores de renome, além do mais, o nosso país respeita, aplica e segue-o com maior frequência no mundo jurídico.

2 ATO ADMINISTRATIVO

2.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

Os atos administrativos dividem-se em ato vinculado e discricionário.

Em análise preliminar, cabe tomar conhecimento a respeito do que venha a ser ato administrativo.

Segue-se conceito pertinente aos atos administrativos, atribuídos por José dos Santos Carvalho Filho: “atos administrativos é a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”.[23]

Corroborando o tema, considera-se ato administrativo definido pela Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro: “Pode-se definir o ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”.[24]

Impera salientar que o conceito de ato administrativo é muito amplo. Há diversos autores que trazem conceitos diferenciados, porém, que dão a entender que sempre decorre de manifestação de vontade do órgão administrativo e seus entes federativos.

Em complemento, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo descrevem conceitos de atos administrativos ao fazerem citação das palavras de Hely Lopes Meirelles:

[...] ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.[25]

Por fim, cabe informar que os atos administrativos são próprios do Executivo, porém, quando o Legislativo e o Judiciário editam seus regimentos internos, estes também serão em função atípica, considerados atos administrativos.

2.2 DISTINÇÕES ENTRE ATO VINCULADO E DISCRICIONÁRIO

É mister fazer uma breve distinção acerca dos Atos Administrativos, são eles: atos vinculados e atos discricionários. Na exposição descritiva de Celso Antônio Bandeira de Mello, segue-se conceito de atos vinculados:

Atos “vinculados” seriam aqueles em que, por existir prévia e objetividade tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma.[26]

Em outras palavras, ato vinculado é aquele fixado em lei, pelo qual, não comporta juízo de valor ou opção no momento da prática do ato, ou seja, diante de um fato a Administração Pública categoricamente deve praticar apenas um ato.

Exemplificação:

A título de exemplo de ato vinculado, seria a aposentadoria compulsória de funcionário aos 70 anos de idade. Como se nota, a Administração não tem, no caso liberdade alguma com relação à prática de tal ato. Se o funcionário completou 70 anos – situação de objetividade absoluta, insuscetível de qualquer dúvida ou apreciação subjetiva -, o Poder Público está obrigado a aposentar o funcionário.[27]

Com relação ao ato administrativo discricionário, são aqueles os quais comportam juízo de valoração ou opção por parte do Poder Executivo (Administração Pública, no âmbito direto ou indireto).

Conceitos pertinentes:

Atos “discricionários”, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles.[28]

Inobstante a liberdade, a qual foi conferida ao Administrador Público, tal faculdade deve ser exercida de acordo com o interesse geral e a Administração não pode agir a seu bel-prazer, nem de modo arbitrário.[29]

A título de exemplo: “O próprio Presidente da República poderá mudar a Capital do país.”[30]

Outro exemplo: “A Administração poderá, a requerimento do interessado, converter em pecúnia a licença-prêmio a que o funcionário faça jus.”[31]

A exoneração do funcionário nomeado para cargo de provimento em comissão (exoneração ad nutum – art. 35, I, Lei nº 8.112/90), exemplo espetacular da não obrigatoriedade de fundamentação (motivação) para o exercício do ato em tela.

2.3 ELEMENTOS DO ATO

Constitui elementos do ato ou requisito: Sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade.

Deve o ato ser composto dos cinco elementos, sob pena de ser considerada sua anulação por vício de legalidade.[32]

Há autores que sustentam serem os primeiros elementos vinculados, enquanto que os últimos são discricionários. Entretanto, há divergências. Mais há frente trataremos melhor.

2.4 Sujeito

Sujeito é aquele a quem a lei atribui competência para a prática do ato.[33] No ordenamento jurídico pátrio brasileiro, considera-se sujeito o indivíduo que possui direito e dever, caso ausente um desses requisitos, não há de se falar em sujeito.

Assemelhado com essas definições é o direito administrativo, adotando também conceito do Direito Privado, porém, não fica adstrito apenas a esses conceitos. Para ser considerado sujeito, é mister que se tenha também competência para a prática do ato (personalidade jurídica), conceitos intrínsecos ao sujeito.

As pessoas físicas podem ser sujeitos de direitos, quanto as pessoas jurídicas de direito público, órgãos administrativos, entidades e agentes públicos.

Aliás, é o que se extrai do conceito de competência estabelecido pela Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro: “Pode-se, portanto, definir competência como o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direito positivo”.[34]

Repita-se, não basta ter personalidade jurídica para ser considerado sujeito, é preciso também ter competência, intimamente ligado ao sujeito.

A competência decorre sempre da lei.[35] Logo, pode-se concluir que sujeito é um elemento vinculado.

2.5 Objeto

Objeto ou conteúdo é o efeito imediato que o ato produz.[36] O ato administrativo pode causar vários efeitos, sendo eles: fazer nascer para determinado sujeito ou mesmo para a Administração Pública um direito, transformá-lo, e extinguir-ló.

Nota-se ser o objeto o conteúdo, isto é, a coisa visada ou inserida em litígio.

Assim como no Direito Civil se exige que o objeto seja lícito (conforme a lei), possível (realizável no mundo dos fatos e do direito), certo (definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar) e moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos), podendo ser acidental, natural, sujeito a termo, encargo e condição, aplica-se de igual forma no Direito Administrativo.[37] São exemplos: o ato de concessão de alvará; o ato de exoneração a própria exoneração; é objeto de suspensão do servidor a própria suspensão, respeitado os dispositivos legais previstos aplicáveis e cominados, com proporção de dias dentro da gravidade da falta cometida; etc. Por fim, o objeto varia conforme o tempo e espaço.

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2.6 Forma

Por forma, entende-se o revestimento exteriorizado do ato administrativo, constituindo, segundo Hely Lopes Meirelles, requisito vinculado e imprescindível à validade do ato. Todo ato administrativo é, em princípio, formal e a forma exigida pela lei quase sempre é a escrita.[38]

Há diversos autores que entendem que forma é ato discricionário, não são de interesse em especificar o problema a esse respeito, basta saber que só será vinculado se a lei exige determinada formalidade para a exteriorização do ato. Em caso de omissão legislativa, o ato será discricionário, podendo ser até mesmo verbal sua exteriorização.

São exemplos de atos formais: decretos, portarias e resoluções, entre outros escritos exigidos por lei.

Atos não escritos (verbais): gestos, apitos e sinais luminosos na condução do trânsito; cartazes e placas; que vedam ou admite acesso ou passagem por determinado local, proíbem estacionar, proíbem fumar. Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, quando um ato depender de forma escrita para sua prática e ele se manifesta de forma verbal, o mesmo será nulo.[39] Por exemplo, se a lei exige processo disciplinar para demissão de um funcionário, a falta ou o vício daquele procedimento invalida a demissão.[40]

Noutro giro, impera salientar que vige no direito administrativo o princípio do informalismo das formas, isto é, os atos administrativos não dependem de forma escrita, salvo cominação legal, aliás, é o que se encontra consagrado no art. 22 da Lei 9.784/99 (Lei do processo administrativo na esfera federal).

2.7 Motivo

Motivo são as razões de fato e de direito que determinam a realização do ato administrativo. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo elenca motivo como o pressuposto fático e jurídico (normativo) que enseja a prática do ato.[41]

No entendimento de Maria Sylvia Zanella di Pietro, por razões de direito, temos os dispositivos legais em que se baseia o ato. Já as razões ou pressupostos de fato, como o próprio nome indica, correspondem à existência de um acontecimento para o ato existir.[42]

Prossegue a autora em sua obra doutrinária afirmando que geralmente os motivos serão notados pela expressão “Considerando”. Se os motivos alegados forem falsos ou inexistentes, o ato será nulo.

A título de exemplo de motivos, temos: a concessão de licença paternidade, o motivo será sempre o nascimento do filho do servidor; a punição do servidor, o motivo será a infração por ele cometida; a demolição de um prédio, o motivo será o risco que ele apresenta para a vizinhança; o tombamento, o motivo é o valor histórico do bem; a cassação de alvará, o motivo é o descumprimento de ordens por parte do beneficiário; a revogação de uso de bem público, o motivo será o interesse público; a invalidação de ato administrativo, o motivo será a invalidez ou nulidade que o ato apresenta, quando este for vinculado, entre outros.

Quando estivermos diante de um ato discricionário, critérios de oportunidade e conveniência, a própria Administração Pública poderá motivar a existência do ato, segundo melhor atenda o interesse público; contudo, uma vez alegados os motivos do ato, estes deverão ser comprovados, sob pena de vinculação do ato, a isso se atribui o nome de “teoria dos motivos determinantes”, objeto de análise em sub-tópico específico.

2.8 Finalidade

Como último elemento ou requisito do ato, temos a finalidade, cujo, objetivo é atingir o interesse público.

A finalidade sempre será vinculada (vinculado à lei cominada), isto porque não se podem objetivar interesses próprios, de certo que o fito será alcançar os interesses públicos. De acordo com as palavras de Hely Lopes Meirelles, desde que a Administração Pública só se justifica como fator de realização do interesse coletivo, seus atos hão de se dirigir sempre e sempre para um fim público, sendo nulos quando satisfazerem pretensões descoincidentes do interesse coletivo.[43]

O objetivo visado e pretendido pela Administração Pública deve ser tutelar o interesse público. A respeito do elemento ou requisito finalidade do ato ser considerado vinculado, temos um brando de explicação nas palavras de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo: “o que importa é que não existe qualquer liberdade do administrador, e a busca de fim diverso do estabelecido (expressa ou implicitamente) na lei implica nulidade do ato por desvio de finalidade.”[44]

Para finalizar, em termos objetivos e sucintos, se existir prévia objetividade legal a finalidade será considerada explícita, com fins de interesses coletivos (públicos), não havendo dispositivos em que comina a prática do ato, implicitamente a finalidade também deverá ser de interesse geral, sob pena de responsabilizar o agente administrativo (Estado em sua representação) por abuso de poder (desvio de finalidade).

2.9 Teoria dos Motivos Determinantes

Em primeiro plano, é preciso ter ciência de que motivo e motivação são distintos juridicamente, segundo as doutrinas mais conceituadas e renomadas do direito brasileiro. Com isso, pode-se entender motivação como toda manifestação por escrito (ato declaratório), por parte do Administrador Público que ensejou a pratica do ato.[45] Manifestação por escrito entende-se as razões consubstanciadas numa folha de papel ou por meio eletrônico.

Já o motivo diz respeito a situação de direito e de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo, ou por outras palavras, é o pressuposto fático e jurídico que enseja a prática do ato, como bem fora conceituado acima em subtrópico peculiar.

No ato vinculado, a motivação sempre será obrigatória. Com relação ao ato discricionário, o ordenamento jurídico interno, em especial no direito administrativo, com tamanha evolução em que tivemos, rechaçou-se a obrigatoriedade de motivação expressa também dos atos administrativos discricionários, como regra geral.[46]

Logo, a Administração Pública sempre terá que trazer no bojo de um ato administrativo realizado suas motivações em que deram ensejo à perpetração do mesmo. São raras exceções em que um ato não terá que ser motivado, porém, ainda existe ato que será desprovido de motivação (fundamentação).

A título de exemplo é a nomeação e exoneração ad nutum de servidor ocupante de cargo comissionado, como bem apontado por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo. Os autores acima citados prosseguem, com muita ênfase:

Segundo a Teoria dos Motivos Determinantes, quando a Administração declara o motivo que determinou a prática de um ato discricionário que, em princípio, prescindiria de motivação expressa, fica vinculada à existência do motivo por ela, Administração, declarado.[47]

Nas condições imposta em que a lei defere margens de escolhas ao Poder Público, e o mesmo se atém a fundamentar o ato praticado, muito embora pudesse ignorá-los, poderá o Poder Judiciário invalidar o ato.

2.10 Mérito do ato discricionário

Como vimos em análise outrora, nem todos os elementos ou requisitos do ato são vinculados a lei cominada.

Há diversos entendimentos quanto aos elementos do ato, se quais seriam vinculados e discricionários, para Maria Sylvia Zanella di Pietro, competência e finalidade sempre será ato vinculado.[48]

No mesmo sentido do entendimento da autora, há atos que seus elementos estão vinculados em lei, a isso se atribui legalidade, enquanto existem elementos do ato em que embora seja ato discricionário, seus elementos não encontram respaldo em lei, devendo ser analisado segundo os méritos em que são concedidos, diante de omissão normativa, a isso se atribui mérito discricionário (margens de escolhas segundo critérios de conveniência e oportunidade).

Nessa esteira:

O Supremo Tribunal Federal corrobora essa posição e, em hipótese na qual discutia expulsão de estrangeiro, disse a Corte que se trata de ato discricionário de defesa do Estado, sendo de competência do Presidente da República, “a quem incumbe julgar a conveniência ou oportunidade da decretação da medida”, e que “ao Judiciário compete tão somente a apreciação formal e a constatação da existência ou não de vícios de nulidade do ato expulsório não o mérito da decisão presidencial”.[49]

Como demonstrado, o mérito do ato discricionário diz respeito ao critério de conveniência e oportunidade (faculdade ou opção) concedido pela própria lei, diante de omissão em versar sobre determinada matéria.

2.11 Limites da Discricionariedade e Controle Judicial

É de suma importância a compreensão de ato administrativo e sua divisão, para efeitos de controle pelo Órgão do Poder Judiciário.

Em relação ao ato vinculado, não há sombra de dúvidas que seus elementos devem obedecer aos parâmetros legais, tendo em vista que o agente público deve atuar nas formas descritas pela lei. Observa-se que, quanto ao ato vinculado, inexiste nenhuma forma de atuação adversa da lei.[50] Com isso, fica evidenciado que os atos vinculados devem respeitar a prévia objetividade legal, sob pena de conseqüentemente, serem invalidados pelo Poder Judiciário.

Entretanto, concernente ao ato discricionário, é conferido ao Administrador Público, atuar ao alvedrio da conveniência e oportunidade, de certa forma que determinado fato pode gerar vários atos, cumprindo assim, com os interesses públicos.

Ao definir o ato administrativo intencionalmente o legislador deixou espaço normativo em branco, sendo objeto de complemento pela própria Administração Pública, segundo suas faculdades ou opções. Acontece que quando o administrador ultrapassar os limites da discricionariedade, seus atos serão passivos de serem inválidos pelo Poder Judiciário, por invadir o campo da legalidade.[51]

Como já mencionado, existem elementos do ato que não estão vinculados a lei, a isso se atribui discricionariedade. No entendimento de Maria Sylvia Zanella de Pietro, são elementos discricionários: motivo e objeto (ou conteúdo).[52]

Em continuação, no entendimento da citada autora, o motivo será discricionário quando: 1- a lei não o definir, deixando-o ao critério da administração (exemplos contidos no tópico 2.2, quando da distinção entre atos vinculados e discricionários); 2 – nas utilizações de conceitos jurídicos indeterminados (ex: falta grave, o que é?), procedimento previsto legalmente, porém, sem esclarecimento, o que necessita de interpretação, para extrai o significado obscuro do termo.

O motivo também possui discricionariedade nos conceitos de valor, a exemplo notório saber jurídico.

Com relação ao objeto ou conteúdo do ato, que guarda conveniência ou oportunidade, podemos apontar a faculdade que confere a lei para determinado fim, a exemplo da punição de um funcionário. No silêncio normativo, para qual tipo de penalidade a ser aplicada para este servidor, poderá a Administração optar pelas penas de suspensão ou multa.[53]

Destarte, embora não tenha sido objeto de filiação como referencial teórico o entendimento de Maria Sylvia Zanella de Pietro, sua corrente de raciocínio traz grandes contribuições para esse tópico específico, são suas palavras: “Com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível mas terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei.”[54]

Em linhas gerais, controle jurídico é toda atividade do Órgão do Poder Judiciário, cujo, intuito é garantir a segurança jurídica aos direitos lesados dos interesses públicos ou de terceiros de boa fé.

Sintetizando, a doutrina majoritária entende que existem diversas teorias adotadas para fins de limitação da discricionariedade, dando ensejo ao controle jurídico, são elas: a) desvio de poder, ocorre quando a Administração Pública atinge fim diferente do que a lei traçou; b) teoria dos motivos determinantes se dá quando a Administração indica o motivo que a levou a praticar o ato, porém, o motivo alegado inexiste ou são falsos; c) noções imprecisas usadas pelo legislador com freqüência, geralmente como forma de atingir o motivo e finalidade do ato, tais como, conveniência administrativa, interesse público e notável saber jurídico, portanto, carecedor de interpretações.[55]

Portanto, entende a doutrina e os tribunais que deve haver certo ponto de razoabilidade no exercício legal desse controle jurídico por parte do Poder Judiciário, sob pena de substituição do administrador e violação da independência dos poderes. Por razoável entende-se àquilo que é equilibrado e que diante do senso comum seria aceito legalmente.

2.12 Limites de Controle Judicial do Ato Discricionário

Ao Poder Judiciário fora conferido o poder de julgar os conflitos que lhe são dirigidos. A Magna Carta da República de 1988 (lei maior) traz prevista a possibilidade do Poder Judiciário realizar o controle de legalidade dos atos e fatos que lhe são dirigidos, conforme previsto no art. 5°, XXXV, também conhecido como “princípio da inafastabilidade da Jurisdição Brasileira”. Destaque-se que o controle judicial dos atos discricionários poderá ser efetivado, porém, com reservas de observação no que concerne ao mérito do ato administrativo discricionário. Corroborando o assunto, tem-se a corrente doutrinária de José dos Santos Carvalho Filho, o qual aduz o seguinte:

O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz se substitua ao administrador. Vale dizer: não pode o juiz entrar no terreno que a lei reservou aos agentes da administração, perquerindo os critérios de conveniência e oportunidade que lhe inspiraram a conduta. A razão é simples: se o juiz se atém ao exame da legalidade dos atos, não poderá questionar critérios que a própria lei defere ao administrador.[56]

Inúmeras são as decisão proferidas pelos Tribunais nesse sentido. Aliás, Carvalho Filho também faz menção a esse respeito:

O STJ deixou claro a questão em termos claros, assentando que “é defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato administrado, cabendo-lhe unicamente examiná-los sob o aspecto de sua legalidade, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente à lei. Esta solução se funda no principio da Separação dos Poderes, de sorte que a verificação das razões de conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos escapa ao controle jurisdicional do Estado”.[57]

Em suma, o Judiciário deve-se atentar tão somente aos aspectos formais do ato com a lei, averiguando se o administrador ultrapassou o campo da discricionariedade e adentrou no da legalidade. Não poderá discutir a respeito do que seria a solução mais viável ao caso, sob pena de adentrar na seara de outro poder.

A regra é que os atos discricionários fogem do controle judicial. De certo que a qualquer momento poderá a Administração Pública revogá-los (Súmula 473 do STF), desde que respeitado os direitos adquiridos. A apreciação judicial será vista quando do desrespeito dos direitos de terceiros.

Denota-se que a legalidade tem ampliado o campo de atuação, sendo que, o que era mérito discricionário, muitas das vezes não é mais.[58]

3  REMOÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EX OFFICIO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao ser promulgada, foi tão analítica (a tecer detalhes) e prolixa que o legislador reservou especificamente capítulos e artigos para tratar dos institutos jurídicos aplicáveis no âmbito do Direito Administrativo.

Embora a Constituição tenha reservado capítulo próprio para tratar das matérias reservadas ao direito administrativo, a mesma não cuidou expressamente da denominada remoção. Logo, a lei n° 8.112/90 é que trata a respeito de remoção de servidor público.

O instituto jurídico da remoção de servidor público está inserido dentro de capítulo próprio que trata sobre servidores públicos. Certo é que a denominada remoção não constitui forma de provimento. Na linguagem popular, remoção é o ato de remover alguém ou algo, segundo critérios de necessidade.

A remoção pode ocorrer de ofício ou a pedido. No que se refere remoção de ofício, será sempre determinada no interesse da Administração Pública, independentemente do consenso ou vontade do servidor público.[59]

 Busca-se efetivar o princípio da Supremacia do Interesse Público, o qual foi objeto de análise no primeiro capítulo.

Por outro lado, a remoção a pedido pode ocorrer com a simples manifestação de vontade do servidor, com ensejo de ser removido para outra localidade, sendo dispensável o interesse da Administração.[60]

A lei que regula o regime jurídico dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações públicas federais (Lei 8.112/90), em seu art. 36 caput, trata expressamente a respeito do instituto, enfatizando também ser possível no ato da remoção, ser alterado ou não a sede de trabalho do servidor, in verbis: “Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido, ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.”[61]

Nas respectivas alíneas da lei já inserida, a remoção a pedido se pode ocorrer nos seguintes moldes:

  1. para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que  foi deslocado no interesse da Administração;
  2. por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
  3. em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.

Corrobora também a lei n° 9.527/97, com forma explicita e espírito teleológico no artigo 36, ao tratar acerca de modalidades de remoção. Noutro giro, trouxe previsão em um de seus incisos, a remoção de oficio pela Administração Pública. Do mesmo modo, temos previsão na Lei n° 869/52, Estatuto dos Servidores Públicos, no artigo 80, caput.

Pois bem. Deixando de lado a segunda parte que versa sobre remoção a pedido, para tratar acerca da remoção ex officio, isto é, de ofício, sem interesse do servidor, o que é de extrema importância nesta pesquisa, como forma de suprimir o excesso e limitar o tema.

É sabido, pois, que o ato de deslocamento ou remoção de determinado servidor público contra seu interesse, levando em conta o interesse da Administração Pública, é uma forma de concretizar o princípio da Supremacia do Interesse Público, afinal, o ato de remoção também é ato discricionário, isto é, a Administração tem a opção ou escolha de obter a melhor solução ao caso concreto.

O ato discricionário deve atender a finalidade do interesse público.[62]É cediço o entendimento de que remoção ex officio não pode ser utilizada como objeto de perseguição de funcionários, pois, uma vez caracterizada, configurará desvio de finalidade.

Assevera Maria Sylvia Zanella de Pietro: “a remoção ex officio do funcionário para atender a necessidade do serviço público, não pode ser utilizada para finalidade diversa, corno a de punição”.[63]

Assim, uma vez caracterizado o deslocamento do servidor como meio de castigá-lo, a finalidade será considerada diversa da inicialmente pretendida, o que será tido por desvio de poder.[64]

Por conseguinte, é possível remover um servidor lotado em determinado setor para outro, salvo motivação de que em um há volume maior, enquanto que em outro, existe carência de servidor, resguardado o interesse da Administração, em consonância com o coletivo.

3.1  CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE REMOÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO

É de extrema importância saber o que venha ser tido como remoção.

A esse respeito, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo aduzem com maiores cautelas, vejamos:

Trata-se, o instituto da remoção, do deslocamento do servidor para exercer suas atividades em outra unidade do mesmo quadro, ou seja, o servidor permanece no seu mesmo cargo, sem qualquer alteração a esse respeito. A Remoção pode implicar, ou não, mudança na localidade de exercício do servidor. O servidor pode, simplesmente, ser removido da Delegacia da Receita Federal em Porto Alegre para a Inspetoria da Receita Federal, também em Porto Alegre. Diversamente, o servidor pode ser removido da Delegacia da Receita Federal em Manaus para a Delegacia da Receita Federal no Rio de Janeiro.[65]

Bem notado, o instituto jurídico e administrativo tem por fito fazer a transferência de determinado servidor lotado em uma localidade para outra, no mesmo quadro de função, sem alteração do cargo.

3.2 REMOÇÃO À LUZ DOS ATOS DISCRIONÁRIOS E VINCULADOS

Traçadas essas premissas, cumpre frisar que trabalhar ato de remoção é averiguar sua dimensão no âmbito da discricionariedade e vinculação jurídica.

A discricionariedade é a liberdade de atuação dentro da lei, nos limites legais, ao melhor definido por Celso de Antônio Bandeira de Mello:

A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal.[66]

A remoção de oficio é legal, previsto na lei n° 8.112/90 e conferido ao Administrador público. O judiciário não detém possibilidades de discutir o mérito da decisão administrativa.

Quanto ao ato vinculado, existe toda a possibilidade de controle judicial, desde que adstrito aos aspectos legais. Aliás, é o que a Suprema Corte “Supremo Tribunal Federal” (STF) tem se manifestado em um de seus Julgados, sob a presença do Relator Min. Gilmar Mendes:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) CONTROLE DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO PODER JUDICIÁRIO. ANÁLISE DOS REQUISITOS LEGAIS DO ATO PRATICADO POSSIBILIDADE AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES REEXAME DE FATOS E PROVAS, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA INADMISSIBILIDADE RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.[67]

Decisão proferida e aceita por unanimidade dos membros integrantes da Corte. Manifesta razão de controle judicial se dá devido ao excesso de poder pelo administrador público, esvaindo-se do campo discricionário e adentrando no campo da legalidade “stricto sensu”.

3.3 DELIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE E CONTROLE JURISDICIONAL

A discricionariedade outrora era impassível de controle judicial. Com o avanço normativo e jurisprudencial, o instituto jurídico tornou-se mitigado. O rompimento da discricionariedade se deu devido à ausência de bom senso nos atos do Poder Público, emanados pela autoridade competente, não havendo de se falar em invasão de Poderes. Várias são as manifestações do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no mesmo sentido, como foi o caso do Controle de Políticas Públicas:

ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PUBLICAS POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO Á SAÚDE – FORNECIMENO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PUBLICO.[68]

Outrora, foi visto em tópico específico a respeito da diferença entre ato vinculado e discricionário, possível de identificação para o controle judicial. Logo, a remoção de ofício, levando em conta os interesses da Administração em busca do melhor interesse público e a pertinência de necessidade é ato inteiramente discricionário. Ninguém sabe melhor administrar se não tipicamente a própria Administração Pública no caso concreto.[69] Para dar continuidade ao serviço público e evitar nefastas consequências para o coletivo, a Administração tende em buscar a relotação do servidor removido, no mesmo quadro de função, respeitado os deveres de boa fé e motivação.

Todo o arcabouço está diretamente definido na limitação de atuação entre um poder e outro. Nessa emblemática toda, o TJMG - Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, decidiu definitivamente a questão da Remoção de Servidor Público no âmbito de sua competência, ao julgar a apelação de n° 1.002.13.25200-8/002 – Comarca de Belo Horizonte, aos dias 13/07/2016, cujo objeto jurídico girava em torno da Remoção de Policial Civil de determinado lugar para outro. Segue a Ementa:


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ADMINISTRATIVO - REMOÇÃO DE POLICIAL CIVIL - DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. I - O ato de remoção de servidores é de natureza discricionária da Administração. II - "Não cabe ao Estado-Juiz intervir no mérito administrativo, ou seja, na conveniência e oportunidade de transferir seus servidores através de ato motivado no interesse público, sob pena de afronta ao princípio da separação dos Poderes previsto no art. 2º da CF/88". (AI n.º 1.0024.08.043399-8/001, rel. Des. Dídimo Inocêncio de Paula).[70]

Posto isto, se o ato de remoção for externado como meio punitivo para determinado servidor, aí é que o judiciário entrará em cena, usando-se da ferramenta estatal para solução do litígio, com o fito de controlar os excessos do ato.

3.4 DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA

A Constituição da República Brasileira de 1988 traz expresso no corpo do art. 5°, inciso XXXV, implicitamente o princípio da “inafastabilidade da jurisdição”, ao dispor que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Visou o poder legiferante, dar amplo acesso aos cidadãos ao Poder Judiciário.  A Jurisdição é uma das funções atribuídas ao Estado, ao lado da função legislativa e administrativa, mecanismo hábil para solucionar dirimir conflitos.[71] Nos conceitos proferidos por Alexandre Freitas Câmara, Jurisdição é a função estatal de solucionar as causas que são submetidas ao Estado, através do processo, aplicando a solução juridicamente correta.[72] Trata-se o presente instituto de ato jurisdicional que se corresponda com a constituição de um processo, tendo em vista o litígio existente (partes, processo e objeto), sendo essa considerada jurisdição contenciosa, haja vista que na jurisdição voluntária não há litígio “conflitos” e sim partes processuais capazes de se comporem amigavelmente.

Na maioria das vezes, os litígios existentes entre os cidadãos e indivíduos não prosperam com resultados benéficos em composição, o que resulta em fortes conseqüências pelas vias jurisdicionais. De fato, o Poder judicante é quem detém o hiperpoder de decidir definitivamente, com força de coisa julgada (sistema de jurisdição única).[73]

Nesse mesmo sentido jurídico temos grandes contribuições de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, ao aduzirem a respeito do princípio em questão:

Trata-se de princípio relacionado à própria estrutura jurídico-política do Estado brasileiro, especialmente à independência entre os Poderes, obstando que o Legislativo ou o Executivo reduzam o campo de atuação do Judiciário, mediante a edição de leis, medidas provisórias, enfim, de atos que pretendessem excluir determinadas matérias ou controvérsias da apreciação judicial.[74]

Deveras é muito respeitoso que a incumbência de determinado Poder, fique adstrito na medida em que foi vocacionado em termos legais e práticos, para a atuação frente às demandas que lhe forem direcionadas.

Por tal razão, a lei garantidora dos direitos de acesso ao Judiciário, haja vista as controvérsias existentes, constituem de pleno direito garantias fundamentais aos indivíduos. Garantias essas, que à luz do art. 60, § 4° e inciso IV, será visto como “cláusula pétrea”, insuscetíveis de extinção, nem mesmo até com as emendas à Constituição.[75] Por isso, é que as garantias fundamentais são de maiores relevos, em termos Constitucionais, e, isso, impõe-se em voga o tradicional respeito ao manifesto princípio da Inafastabilidade da Jurisdição Brasileira.

Toda ação ou omissão que corresponde um direito violado acarretará para o Estado a movimentação da máquina Judiciária, a fim de que o autor da lesão possa cumprir com as determinações legais. Merece prosperar que o que não poderá haver é exorbitância de competências de atuação. Nesse mesmo contexto e sentido temos:

Não é correto, porém, com fundamento nesse princípio, afirmar que toda controvérsia, que qualquer matéria possa ser submetida ao Poder Judiciário. Com efeito, existem situações que fogem à apreciação judicial, tais como a prática de atos interna corporis (de competência privativa das Casas Legislativas), o mérito administrativo (valoração administrativa, nos limites da lei, quanto à oportunidade e conveniência para a prática de um ato administrativo, no que respeita aos elementos “motivo” e “objeto” do ato) etc.[76]

Nesse ínterim, o Estado segue cumprindo com o seu papel através do Judiciário, qual seja: fazer cumprir com a justiça.

3.5 DEVER DE MOTIVAÇÃO

O comportamento que se espera do agente público deve está regrado de toda boa fé possível na prática do ato, e deveras justificado para uma boa gestão pública.

A doutrina brasileira diverge em grandes posicionamentos acerca dos termos motivo e motivação. Motivo já foi objeto de referência em tópico específico, porém, para reprisar, diferenciar os institutos e fazer apontamentos. Como salienta o professor José dos Santos Carvalho Filho, motivo é a situação de fato (ou circunstâncias de fato), manifestado por meio da vontade da administração.[77] Há alguns autores que preferem dizer que o motivo é a situação de fato e de direito que serve de fundamento para a existência do ato. O fato está diretamente relacionado com o acontecimento que criar, modifica e extingue uma relação jurídica, como exemplo: a morte de uma pessoa, o que põe fim a existência dessa, conjuntamente sua personalidade jurídica. Quanto à situação de direito é os dispositivos legais que serviram de base para a concretude do ato.

Noutro giro, a motivação é a própria justificação do pronunciamento tomado.[78] Exterioriza-se a motivação de forma expressa, como elemento inspirador da vontade da Administração Pública. A motivação será obrigatória quando estivermos diante de atos vinculados, cuja lei prevê o comportamento esperado do agente. Por outro lado, em se tratando de atos discricionários, o ato terá um pouco de subjetivismo, porém, o dever de motivação permanece.

 Nesse sentido:

Trava-se grande discussão a respeito da obrigatoriedade ou não da motivação nos atos administrativos. Alguns estudiosos entendem que é obrigatória; outros, que a obrigatoriedade se circunscreve apensa aos atos vinculados. Pensamos, todavia, diferentemente. Como a lei já predetermina todos os elementos do ato vinculado, o exame da legalidade consistirá apenas no confronto do motivo do ato com o motivo legal. Nos atos discricionários, ao revés, sempre poderá haver algum subjetivismo e, desse modo, mais necessária é a motivação nesses atos para, em nome da transparência, permitir-se a sindicabilidade da congruência entre sua justificativa e a realidade fática na qual se inspirou a vontade administrativa. Registre-se, ainda, que autorizada doutrina considera indispensável a motivação também nos atos vinculados.[79]

A ausência de motivação tornará o ato de remoção nulo.[80] Vejamos que o ato de remoção exercitado sem interesse ou manifestação do servidor público, será visto como ato vicioso. O ato vicioso gera invalidade total ou parcial. Invalida-se o ato in tontum, em razão da inexistência da motivação.

Quando o vicio for em parte, estaremos diante de anulabilidade jurídica, podendo assim, ser convalidado.[81]

 Inúmeras são as decisões dos Tribunais Superiores determinando no bojo do acórdão proferido, que a motivação é necessária no momento da perpetuação do ato administrativo de remoção de ofício, sob pena de a decisão ser inválida e reexaminada.

No dia 16 de dezembro de 2014, o STJ, ao decidir um Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, prolatou acórdão nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. ESTADO DE TOCANTINS. REMOÇÃO EX OFFICIO. DESVIO DE FINALIDADE. MOTIVAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESCABIMENTO.

A remoção de ofício é ato discricionário da Administração Pública, atribuindo-se nova lotação ao servidor, considerando-se a necessidade do serviço e a melhor distribuição dos recursos humanos para a eficiente prestação da atividade administrativa, estando respaldada no interesse público.

Entretanto, mesmo que se trate de discricionariedade do administrador público, a jurisprudência do STJ tem reconhecido a necessidade de motivação, ainda que a posteriori, do ato administrativo que remove o servidor público.[82]

Uma vez que o ato seja externado sem a devida motivação, certamente terá por violado os direitos líquidos e certos do servidor público. O TJMG manifestou-se nos seguintes termos em um determinado julgado, com acórdão prolatado, cuja, ementa segue:

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – APELÃÇÃO CIVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO ADMINISTRATIVO – ALTERAÇÃO DA LOTAÇÃO DO SERVIDOR – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO – VIOLAÇÃO A DIREITO LIQUIDO E CERTO EVIDENCIADA – SENTENÇA MANTIDA.[83]

Caso a decisão do Administrador Público esteja devidamente motivada, não há de se falar em controle de ilegalidade.

3.6  PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, DESVIO DE PODER, EXPRESSÕES INDETERMINADAS E TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES COMO REQUISITO SINE QUA NON PARA CARACTERIZAÇÃO DO CONTROLE JURISDICIONAL

A rigor, no que concerne ao ato discricionário, inexiste possibilidades de apreciação por parte do Poder Judiciário.

Em que pese à afirmação acima, com o transcorrer do tempo e da história, houve relativização da teoria que prega a respeito da fuga de controle judicial dos atos discricionários, isto, por envolver liberdade outorgada por lei, segundo critérios de conveniência e oportunidade.

Assim, inúmeras teorias têm sido adotadas com o fim de apreciar os atos discricionários, salvo, se estivermos tão somente diante de aspectos formais do ato. Com relação aos ao mérito do ato, o mesmo foge da apreciação judicial.

Uma das teorias é o desvio de poder. O desvio de poder ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário para atingir fim diferente daquele que a lei fixou.[84] Quando assim caracterizado, o Poder Judiciário poderá em nível de permissão, decretar a nulidade do ato, uma vez que o Executivo fez uso indevido da discricionariedade.

Em seguida, temos a teoria dos motivos determinantes, já visto em tópico específico, quando a Administração pratica um ato, deverá a mesma fundamentá-lo, indicando os fundamentos por escrito. De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro, para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência.[85] Quando a Administração Pública exonera um funcionário ocupante de cargo em comissão sobre alegação de que houve necessidade de corte de gastos públicos e em seguida contrata outro funcionário para o exercício do mesmo cargo ou função e com a mesma percepção salarial, poderá o Poder Judiciário adentrar no campo de atuação administrativa, tendo em vista que os motivos alegados foram insuficientes e os fundamentos foram inconsistentes. Além do mais, o ato é nulo de pleno direito.

Doravante, temos as noções imprecisas. Por noções imprecisas entende-se àquelas que o legislador usa com freqüência para designar motivo e finalidade do ato (interesse público, conveniência administrativa, moralidade, ordem pública etc).[86] Alguns autores sustentam serem as noções imprecisas também conhecidas como conceitos legais indeterminados. Logo, essas, carecem de uma interpretação minuciosa para o fim de não haver confusão na mente do administrador, aí é que o Poder Judiciário recebe permissão para adentrar no aspecto legal desses conceitos, dando a definição jurídica merecida e esperada. Se houver necessidades de chamamento de terceiros, cuja, especialidade requer em definir áreas não atingidas pelo magistrado, será nomeado um expect profissional.

Por último, por princípio da razoabilidade entende-se àquilo que é razoável, nos exatos termos coloquiais.

No tecnicismo, prossegue a professora citada anteriormente em dizer que a razoabilidade deve ser feito dentro daquilo que é aceitável no senso comum, segundo valoração subjetiva.

Existem situações extremas em que não há dúvida possível, pois qualquer pessoa normal, diante das mesmas circunstâncias, resolveria que elas são certas ou erradas, justas ou injustas, morais ou imorais, contrárias ou favoráveis ao interesse público; e existe uma zona intermediária, cinzenta, em que essa definição é imprecisa e dentro da qual a decisão será discricionária, colocando-se fora do alcance do Poder Judiciário (cf. Celso Antonio Bandeira de Mello, in RDP 65/27-38; Lúcia Valle Figueiredo, 1986: 120-1 3 5; Regina Helena Costa, 1988: 79-108).[87]

Vários são os atos passíveis de controle judicial, a exemplo: quando da expressão notável saber jurídico, indeterminado no termo, carecedor de interpretação, aí é que se poderá fazer uma ponderação jurídica.

Outro, pertinente a remoção ex officio, a elasticidade dos prejuízos sofridos pela vítima do evento, poderá alegar tudo o que de direito judicialmente, cabendo ao último, apontar ponderavelmente, o que restou por errado na decisão do Administrador Público. Então, o que resta diante daquilo que não é aceitável socialmente e nem justo, é apenas o exercício legal de um poder Jurisdicionado.

3.7 AUTONOMIA E DIVISÃO DOS PODERES

A teoria da “tripartição de poderes” é bem tradicional e historicamente conhecida por todos. Vários são os pensadores filosóficos que contribuíram para o assunto, entre eles: Aristóteles e Montesquieu. Muito embora na Grécia antiga, era possível de se identificar o acumulo de funções exercidas pelo soberano “monarca”, o qual legislava, administrava e julgava ao mesmo tempo, num exacerbado poder ilimitado.

Em 1748, o francês Charles de Montesquieu publicou a obra “Do Espírito das Leis”, na qual foi possível de realçar a existência de três poderes e três funções, entre elas: legislativa, administrativa e judiciária.[88] Igualmente, foi Montesquieu quem consolidou a Teoria da Separação dos Poderes, o qual pregava a prevalência da “limitação do poder”.

Deve-se frisar que o ponto relevante da teoria de Montesquieu não está na identificação das três funções (elas já haviam sido indigitadas por Aristóteles, na Antiguidade), mas, sim, na ideia de dividir o exercício dessas funções entre órgãos independentes, evitando a concentração de todo o poder do Estado nas mãos de uma única pessoa (ou de um único centro de poder), o que, segundo seu raciocínio, ensejaria um controle automático do exercício do poder estatal. Com efeito, argumentava ele que o simples fato de cada poder (órgão) autônomo exercer suas funções próprias, sem qualquer ingerência dos demais poderes (órgãos), implicaria o automático e recíproco controle de toda a atividade estatal.[89]

Ora, o homem com muitos poderes não sabe bem controlá-los. Nesse quesito, a corrente idealista de Montesquieu foi marcante na história e no tempo, ao fazer a seguinte oração: “todo homem que tem Poder é levado a abusar dele; vai até encontrar os limites”.[90]

Outrossim, a corrente de pensamento de Montesquieu erigiu escalas de rompimento do Absolutismo, consolidado com a Revolução Francesa de 1789 e com o advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Pasme, o princípio da soberania do rei foi em sua essência fardado ao fracasso a ponto de sua rejeição se dar até mesmo pelos grandes idealistas da história da Idade Média em que o Estado se separou da Igreja. Ora, o princípio da Separação dos Poderes serviu historicamente para limitar o poder absoluto dos monarcas (século XVII) e de fundamento para o liberalismo emergente.[91]

A clássica divisão dos Poderes trouxe disciplinas para que um poder possa frear o outro, de tal forma a impedir abusos na atuação de competências próprias que lhe são atribuídas pela Constituição e demais leis a esta subordinada.

Ainda dentro da corrente do filósofo Montesquieu, temos acertadamente a divisão dos poderes com competências peculiares a cada órgão do ente estatal, em que reza sua doutrina ser tripartida:

O Legislativo “faz as leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas”.

O Judiciário “pune os crimes ou julga as demandas dos particulares”.

E o Executivo, sendo o restante poder, exerce as demais funções do Estado; exerce a administração geral do Estado, constituindo-se por isso no executor das leis em geral.[92]

Notadamente, como elencado na Carta Maior, os três poderes foram separados um do outro e possuem competências para o exercício de determinadas atividades, ou seja, ao executivo (Poder Público), cabe administrar; ao legislativo (Congresso Nacional e Assembleias Legislativas) ficam obrigados a instituírem leis; enquanto que, ao Judiciário (Poder Judiciário) tem competência para solucionar os litígios que lhe são direcionados. Vemos essas divisões no Título IV, que versa da Organização dos Poderes, em especial, nos artigos 44/75 da CRFB/88 próprios ao Poder Legislativo; em seguida, temos os artigos 76/91 com matérias reservados ao Executivo; por último, do artigo 92 aos 126 destinados ao Judiciário.

Em regressão, o topo constitucional, em especial no art. 2°, o legislador reservou uma importantíssima disciplina jurídica, enfatizando que são poderes da união, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Na tela de pesquisa científica foi posta uma emblemática jurídica. O centro de discussão está em torno da atuação de um poder frente outro.

A nível constitucional, quando um poder for violado ou suprimido por outro, estaremos diante de uma ofensa à Constituição, no que concerne a “cláusula pétrea”, contemplado no art. 60, § 4°, inciso III, da citada Carta.[93]

No entendimento de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, os poderes constitucionais (Legislativo, Executivo e Judiciário) poderão adotar como critérios de desempenho suas atividades, funções típicas e atípicas, que ora são exercidas para a consecução de suas finalidades precípuas, impondo limites à atuação dos demais poderes, no âmbito no mecanismo de freios e contrapesos (checks and balances).

Por conseguinte, embora os poderes sejam harmônicos entre si, inexiste nenhuma subordinação entre os mesmos, porém, um deve respeitar a forma de atuação do outro, sob pena de configurar violação da independência dos poderes, coibido por força da Lei maior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em que pesem os caminhos trilhados pela Administração Pública em busca da concretização dos interesses coletivos e individuais intransferíveis e irrenunciáveis, sempre advêm empecilhos no trajeto. Surge daí a necessidade de formação de uma decisão com maior relevo de fundamentos, expondo as razões de fato e de diretos por escrito, que deram embasamento a tomada de decisões. Visto que no Direito Administrativo, a discricionariedade outorgada ao Administrador Público deve ser regrada e motivada. Logo, em regra, o ato de remoção de oficio pela Administração Pública deve ser respeitado pelo Poder Judiciário, não havendo assim de se falar em apreciação judicial. A maneira hábil de o órgão jurisdicionado adentrar no aspecto de legalidade do ato discricionário limita-se quanto ao mérito da decisão administrativa. Isso porque o campo da discricionariedade foi de encontro com a violação de normas positivadas.

Caso o judiciário venha denegrir e transgredir a vontade do Administrador Público, haverá então, violação as normas constitucionais, a independência dos poderes, inclusive figurado como “Cláusula Pétrea”, motivo que se veda essa atuação diante das leis, doutrinas e jurisprudências dominantes dos Tribunais Superiores.

Em arremate, posso concluir que o ato de remoção de oficio é pertinente a Administração Pública, nas margens legais permissivas e tendo o mesmo sido realizado por ausência de lei ou existindo, o ato ter sido praticado perfeitamente. Ora, por longos tempos a discricionariedade outorgada ao administrador público era silenciada frente aos órgãos judiciais, de forma a evitar o controle jurídico. Nesse quesito, com os avanços normativos e jurisprudenciais, hodiernamente, a doutrina majoritária vem entendendo por razões expressas, que a discricionariedade deve sim, ser respeitada; porém, concernente ao controle judicial, é possível, desde que haja um limite sobre esse controle exercido.

O controle judicial do ato de remoção de servidor público de ofício verifica-se quanto aos elementos do ato: motivo e objeto ou conteúdo, em especial aos seus requisitos permissivos, quais sejam, princípio da razoabilidade, desvio de poder, noções imprecisas e motivos determinantes. Nessas hipóteses, não haverá então, de se falar em Violação ao Princípio da Superação dos Poderes, pondo a salvo a primazia da Constituição.

REFERÊNCIAS

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ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 14. ed. Rio de Janeiro/RJ: Impetus, 2007.

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MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. 7. Ed, São Paulo: Saraiva, 2000.

KElSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Acréscimos de sites:

Disponível em:

http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia   > Acesso em 14 de Set de 2016.

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia > Acesso em 14 de Set de 2016.

http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia  > Acesso em 14 de Set de 2016.

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Sobre o autor
Alessandro César Roberto

Pós Graduado em Direito Processual pela Faculdade FADILESTE; Pós Graduado em Direito Processual Civil e Execução pelo Instituto Prominas - ISEIB; Pós graduado em Direito de Família e Sucessões na Contemporaneidade pelo Instituto de Educação Superior Dellatorre - IESD. Graduado em Direito pela Faculdade Doctum - Manhuaçu/MG. Tem experiências em publicação de artigo científicos.

Informações sobre o texto

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