Sigilo profissional do advogado em detrimento da Lei de Lavagem de Dinheiro

19/12/2016 às 12:22
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Os dois dispositivos legais tratam do dever de sigilo de uma maneira bastante discrepante. Sendo assim, qual diploma legal se sobrepõe ao outro? Com o presente artigo, se pretende esclarecer este conflito de normas.

BREVE CONCEITO DO SIGILO PROFISSIONAL

O sigilo além de direito é um dever do advogado, eis que passível de sanção disciplinar, conforme preceitua o artigo 34 da Lei 8.906/94.

Nessa vertente, a garantia ao sigilo advocatício em suas relações profissionais é mais que um direito individual, mas sim, um dever com toda a sociedade.

Por mais que não existam direitos e garantias fundamentais constitucionais de forma absoluta, fornecer informações de terceiros, a qualquer pessoa que seja, a depender do caso, pode violar o inciso X do artigo 5º da Carta Magna. (Proteção da Intimidade).


EXPLICAÇÃO DO CONFLITO

Existe um conflito aparente de normas entre a Lei de Lavagem de Dinheiro e o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).

Se a primeira exige a comunicação, o segundo prevê, em seu artigo 34, VII o dever de sigilo e a confidencialidade na relação cliente/advogado, e autoriza o profissional a não depor como testemunha sobre fato que constitua sigilo profissional (art. 7º, XIX).

Ou seja, há um conflito entre estas normas e o suposto dever de comunicação imposto pela lei de lavagem de dinheiro.


QUAL DIPLOMA LEGAL PREVALECE NO QUE DIZ RESPEITO AO SIGILO PROFISSIONAL?

No conflito entre tais disposições legais parece prevalecer a regra do sigilo, pelo princípio da especialidade. Fosse a Lei de Lavagem expressa sobre o dever do advogado de comunicar operações suspeitas, poder-se-ia reconhecer — é certo que com algum esforço hermenêutico — sua superveniência e a relativização do dever de sigilo previsto no Estatuto da Advocacia.

Ocorre que o dever de comunicação previsto na Lei de Lavagem é genérico, direcionado às “pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza” nas operações previstas no inciso XIV. Em suma, não menciona expressamente o advogado.

Como atesta Barros, “beira a insensatez pretender que o advogado vá denunciar as atividades de seu cliente às autoridades pertencentes aos organismos públicos que controlam as atividades econômico-financeiras do país”.

Vale notar, no entanto, que tal proteção ao sigilo se limita aos casos em que o advogado atua como consultor, assessor ou diretor jurídico, atos privativos de advogados (art.1º da Lei 8.906/94).

Aplica-se aos advogados, em suas relações profissionais com seus clientes, a legislação federal que determina que as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações deverão comunicar ao Coaf suas operações referidas nas alíneas “a” a “f”, do incio XIV da nova Lei?

A Comissão Nacional de Estudos Constitucionais chegou à conclusão de que a nova Lei deve ser interpretada, como todas as demais, de forma sistêmica, prestigiando o conjunto normativo brasileiro, e, portanto, não se aplica aos advogados, em suas relações profissionais com seus clientes, as quais estão

protegidas pela garantia do sigilo profissional nos termos da Lei específica 8.906/94 e pelo artigo 133 da Constituição da República.

É de clareza solar que o advogado mereceu tratamento diferenciado na Constituição Federal, que expressamente o considerou indispensável à justiça. Assim, não parece razoável supor que uma lei genérica, que trata de “serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza” possa alterar a Lei específica dos Advogados para criar obrigações não previstas no estatuto, que contrariam frontalmente a essência da profissão, revogando artigos e princípios de forma implícita.

Portanto, é hermenêutica de fácil compreensão que ao não se pronunciar a Lei 12.683/2012 sobre os advogados, após citar um extenso rol de atividades, intencionalmente silenciou sobre a sua incidência nesta categoria profissional.

Não pode a Lei genérica revogar princípios e artigos de Lei específica sem fazê-lo de forma explícita.

Não é o escopo da lei 12.683/2012 tratar das relações, ontologicamente sigilosas, entre advogados e clientes


CONCLUSÃO

Por todos esses fundamentos, conclui-se que o profissional advocatício não está sujeito à redação dada pela nova Lei de Lavagem de Dinheiro, devendo tal dispositivo, no que tange sua aplicabilidade ao advogado, ser declarado inconstitucional.


REFERÊNCIAS

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de dinheiro: implicações penais, processuais e administrativas. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Resolução do COAF não regula a atividade advocatícia, 2013. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2013-fev-05/direito-defesa-resolucao-coaf-nao-regula-atividade-advocaticia>. Acesso em: 27 de set. 2016.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

PARANAGUÁ, Rafael Silva Nogueira. A nova lei de lavagem de dinheiro e o sigilo profissional do advogado, 2012. Disponível em:<http://rafael-paranagua.jusbrasil.com.br/noticias/100213575/a-nova-lei-de-lavagem-de-dinheiro-e-o-sigilo-profissional-do-advogado>. Acesso em: 27 de set. 2016

 

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