Exclusão do herdeiro: a diferença do caráter punitivo da pena entre as civilizações antigas e o direito brasileiro

19/12/2016 às 22:43
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O presente artigo pretende mostrar a diferença do instituto da exclusão do herdeiro expondo a dinâmica do Direito nas civilizações antigas e no Brasil.

INTRODUÇÃO

Os herdeiros podem ser legalmente excluídos da sucessão como afirmam os artigos 1.814 e 1.961 ambos do Código Civil de 2002. Essa exclusão se faz por meio do instituto da indignidade ou da deserdação, problemática base deste trabalho.

Porém, para que se possa discorrer sobre esses institutos, é necessário conhecer a abrangente evolução histórica que deram origem a tais institutos do direito sucessório, bem como a mudança de ideais ao longo do tempo e suas consequências.

Pois bem. Especificamente na seara sucessória, deve-se atentar para o fato de que as disposições legais atinentes à indignidade e à deserdação, historicamente, sempre foram encaradas pela doutrina e pelos Tribunais como normas restritivas de direito, que exigem, consoante às regras basilares de hermenêutica, interpretação restritiva, quase que escrava, ao texto legal.

Como elucida Silvio Rodrigues, a possibilidade de alguém transmitir seus bens, por sua morte, é instituição de grande antiguidade, encontrando-se consagrada, entre outros, nos direitos egípcio, hindu, e babilônico, dezenas de séculos antes da Era Cristã. Todavia, as razões pelas quais a lei agasalha o direito hereditário têm variado no correr dos tempos. Por outro lado, não são poucas as vozes que, hoje como no passado, contestam tanto a legitimidade quanto a conveniência da sucessão hereditária.

A seguir, um breve histórico da origem e evolução histórica da exclusão do herdeiro e sua introdução ao ordenamento jurídico brasileiro para melhor desenvolvimento do tema.


1 Exclusão do herdeiro nas civilizações antigas

1.1 Código de Hamurabi

O Código de Hamurabi foi elaborado durante o reinado do Rei Hamurabi entre 1728 e 1686 a.C, na Babilônia.  Famoso pela gravação das leis em um bloco de pedra, este continha todo o ordenamento jurídico que organizava a sociedade persa de Susa. Possuía normas de natureza civil, penal, processual comercial e até mesmo de organização judiciária.

No que tange ao direito sucessório, todos os filhos legítimos dividiam igualmente a propriedade do pai após a sua morte, tendo sido feitas reservas para o preço do noivado de algum filho ainda solteiro, dote para uma filha ou propriedade doada pelo pai a filhos favoritos.

Não havia portanto a ideia de que o filho primogênito recolhia a totalidade da herança em favor dos demais.

Naquela época, o pai não poderia privar o seu filho legítimo de receber a herança injustificadamente, necessário seria uma declaração perante ao juiz. O magistrado analisava as razões e o erro grave do descendente e autorizava ou não a renegação à filiação.

A não filiação acarretava na extinção da relação parental, e portanto, a perda da qualidade de herdeiro bem como a exclusão da sucessão.

1.2 Código de Manu

Datado no século XIII a.C, vigorou na Índia e tinha fundamento religioso protegendo as castas, de modo que o nascimento determinava a posição social do homem que iria acompanha-lo até a morte.

Via de regra, todos os filhos partilhavam igualmente os bens após a morte dos pais, porém se o filho mais velho fosse virtuoso, poderia ele tomar conta de toda a herança e os demais irmãos viveriam sob sua tutela, como já viviam antes sob a autoridade do pai.

O irmão mais velho poderia ser privado do benefício da primogenitura e ser condenado ao pagamento de multa pelo rei se este, por ambição, ofendesse seus irmãos mais novos.

As regras sucessórias eram aplicadas apenas quando os filhos herdeiros eram oriundos de mulher pertencente à mesma casta do marido/pai, sendo considerados filhos legítimos. Aos herdeiros de mulheres de casta diferente do marido, havia um regime próprio que favorecia a prole segundo as castas superiores.

Sobre a incapacidade hereditária, ela ocorria quando uma mulher, não autorizada, tinha um filho com o cunhado ou outro parente (artigo 147). Este filho era declarado como nascido em vão e impróprio para herdar. Outros filhos que eram impróprios para herdar eram: o filho de uma jovem não casada, o filho daquela que ao casar-se já estava grávida, o filho achado, o filho de uma mulher que se casou mais de uma vez e o filho de uma Sudre – casta inferior (artigo 160).

O irmão mais velho poderia ser privado do benefício da primogenitura e ser condenado ao pagamento de multa pelo rei se este por ambição, ofender seus irmão mais novos.


2 Exclusão do herdeiro no direito brasileiro 

Nos ensinamentos de Orlando Gomes, no direito pátrio, há uma ordem de vocação hereditária até 1907, a seguinte: primeiramente os descendentes; depois os ascendentes; colaterais até o 10º grau; cônjuge sobrevivo e o Fisco.

Segundo o doutrinador, a lei nº 1.839, alterou este regramento, trazendo para o terceiro grau o cônjuge supérstite e limitando o parentesco até o 6º grau.

Assim, o diploma civil de 1916 seguiu o mesmo regramento, mas a sucessão dos colaterais foi reduzida para o 4º grau

Lopes relata que em 1876 foi elaborada uma consolidação das leis civis que vedava a sucessão ab intestato (sem testamento) para aqueles que por força ou engano estorvavam o falecido de dispor livremente de seus bens em testamento, bem como aqueles que eram omissos e negligentes em procurar o restabelecimento da saúde de seus ascendentes em alienação mental e os herdeiros que se escusavam de assumir a tutela do parente falecido.

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No procedimento de elaboração de um Código Civil, o projeto definitivo de 1882, apresentava em seu artigo 1.471 as causas da incapacidade para suceder que colocava que aquele que por qualquer motivo tiver impedido ou obrigado o autor da herança de testar, revogar ou alterar o seu testamento; que suprimir, ocultar ou inutilizar o testamento do autor e que voluntariamente for cúmplice da morte do autor da herança. Mas a proclamação da República, em 15 de Novembro de 1889, acabou por frustrar a possibilidade de levar o projeto adiante.

Em 1893, o projeto do Código Civil foi definitivamente cumprido e trazia oito possibilidades que levavam a indignidade e a deserdação:

a) aquele que voluntariamente houvesse matado ou tentado matar o de cujus

b) aquele que houvesse acusado o de cujus de um crime que, provado, sujeitá-lo-ia à prisão preventiva, se a acusação não tivesse sido julgada caluniosa;

c) o pai ou a mãe que expusesse o de cujus, ou negasse-lhe o dote ou alimentos devidos, ou somente os tivesse compelido por sentença;

d) o pai ou mãe que houvesse contestado a filiação do de cujus, reconhecido judicialmente e contenciosamente, ou tivesse sido privado do poder familiar;

e) o descendente que, devendo alimentos ao de cujus, recusasse a prestá-los, ou somente o tivesse quando compelido por sentença;

f) o filho ou a filha menor que se casasse contra a vontade do pai ou da mãe, quanto à herança daquele ou daquela que se opusesse ao casamento;

g) aquele que tivesse obrigado o de cujus a fazer testamento ou revogar o que tinha feito;

h) o que tivesse impedido o de cujus de fazer o testamento ou de revogar o que já tinha feito. 

Clóvis Beviláqua foi nomeado para uma nova tentativa de codificar o direito civil em 1899. O projeto previa no seu artigo 1.762 que eram excluídos da sucessão os que:

a)voluntariamente houvesse matado ou tentado matar o autor da herança; aquele que tivesse caluniosamente o acusado de crime inafiançável;

b) o pai ou a mãe que tivesse exposto o autor da herança, que lhe houvesse negado os alimentos, ou contestado a sua filiação;

c) o pai ou a mãe que tivesse sido privado do pátrio poder que exercia sobre o autor da herança, por ter incorrido em crime contra a honra do mesmo;

d) aquele que, por violência ou fraude, tivesse impedido o finado de fazer o testamento ou revogá-lo.[4]

Entretanto, somente em 02 de outubro de 1912 foi aprovado pelo parlamento brasileiro e sancionado em 01 de janeiro de 1916 pelo então Presidente Wenceslau Brás. Desta forma, a exclusão por indignidade ficou possível diante das seguintes hipóteses:

Art. 1.595. São excluídos da sucessão (arts. 1.708, n. IV, e 1.741 a 1.745), os herdeiros, ou legatários:

I - Que houverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar.

II - Que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra.

III - Que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade.

Em 1963, ainda na vigência do Código Civil de 1916, foi apresentado o Anteprojeto de Orlando Gomes ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, João Mangabeira. Submetido a uma comissão de revisão, composta por Caio Mário da Silva Pereira, Orosimbo Nonato e o próprio Orlando Gomes, os trabalhos encerraram-se em 28 de setembro de 1963, sendo que o resultado do trabalho da comissão foi submetido ao Congresso Nacional em 12 de outubro de 1965, de onde veio a ser retirado em 1966. 

Atualmente a exclusão do herdeiro é regida pelo código civil de 2002, e suas hipóteses se referem ao homicídio, calúnia em juízo, criação de obstáculos para a formulalção do testamento, ofensa física, injúria grave, relações ilícitas e o desamparo em alienação mental.


CONCLUSÃO

Após análise do que foi elucidado, é percepitível a discrepância dos ideais de pena entre o direito nas civilizações antigas e o direito brasileiro.

A pena passou de um caráter penal para um caráter civil, porém nunca deixou a sua natureza punitiva. O principal objetivo da exclusão do herdeiro é a punição àquele que causou voluntária e antijuridicamente atos tipificados na lei civil considerados como ofensivos ao autor da herança.

Afirma-se então que mesmo com a mudança radical de ideais de pena a mão sangrenta nunca apanhou a herança. 


REFERÊNCIAS

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. 9. ed Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978, p. 60

GOMES, Orlando. Sucessões.15.ed  Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 25

GRINBERG, Keila. Código civil e cidadania. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p.43

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 299

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008 p. 4

POLETTO, Carlos Minozzo. Indignidade sucessória e deserdação, São Paulo: Saraiva, 2012 p. 185.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Colaboração de Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva 2002 p. 4

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