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Carga tributária no Brasil: elevada para quem?

18/01/2017 às 14:15
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O Estado Brasileiro tem carga tributária elevada. Verdade ou mito? O artigo inicia discussão pouco usual na mídia brasileira sobre as reais intenções dos programas liberais de diminuição da carga tributária.

INTRODUÇÃO

Em momentos de higidez financeira crescem como nunca posições liberais de austeridade do Estado tendo como mote falas sedutoras de que o "Brasil tem a maior carga tributária do mundo", "menos impostos significam mais investimentos", "ninguém aguenta pagar mais imposto", etc. Não sem razão os principais canais da mídia têm colocado à disposição do cidadão "especialistas" lamentando o estado de coisas no regime fiscal brasileiro.

Quando Paulo Bonavides escreveu sua célebre obra sobre a ascensão do Estado Social, demonstrou que o caminho para a democracia do futuro estaria atrelado ao crescimento dos serviços sociais oferecidos pelo Estado que representariam, ao mesmo tempo, limitação dos poderes estatais e superação do liberalismo, este derrotado definitivamente após a Segunda Guerra Mundial. Porquanto afirma o autor: "mundo fê-lo como uma necessidade, não importa sob que regime político" (2004, p. 203).

A Constituição de 1988 aderiu ao modelo democrata social, ainda que construída sob ideais de liberdade e garantia aos direitos individuais. O programa social da Carta Mágna, antes de ser "socialista" ou "bolivariano", porque com estes não se confunde, adequa-se às necessidades de promoção do desenvolvimento de todos, expresso nos objetivos fundamentais da República, como cláusula pétrea. Essa condição vai representar bem o modelo arrecadatório do Estado Brasileiro.

Pouco se fala de que a carga tributária no Brasil seja sentida em maior grau pelos mais pobres e que o Governo fez nos últimos anos severas desonerações fiscais na economia em favor das empresas, porém sem real reflexo nos investimentos, cujo modelo de tributação nem de longe atinge os mais ricos. 

Pretende-se com esse breve artigo discutir alguns elementos falaciosos e de pouca compreensão do que seja a verdadeira carga tributária nacional e os reflexos jurídicos em nossa economia.


1 A VERDADE TRIBUTÁRIA

Que se paga muito tributo no Brasil, não se nega, mas ninguém entre especialistas informa ao cidadão que, em parte, isso seja resultado de avanços sociais na instituição de um sistema universal de aposentadoria, saúde e educação, próprio de modelos sociais vencedores no mundo desenvolvido. Ninguém pronuncia que é o modelo social democrata o adotado no mundo desenvolvido, ainda que os americanos o amoldem à sua maneira (welfare state). 

Não se comenta que a contrastante sociedade brasileira se obrigou a prestar serviço assistencial aos mais necessitados, excluídos do processo produtivo do capitalismo (não confundir com assistencialismo, que é diferente). Não se noticia que nenhum dos países em que se considera na comparação internacional, tais como EUA, Chile, dentre outros, não possuem os serviços que se ofere no Brasil, o que se explica significativamente porque a carga tributária cresce e também continuará a crescer até que cheguemos ao desenvolvimento de países como Suécia, Dinamarca, França e Alemanhã.

Em 2015 a Receita Federal do Brasil divulgou gráficos comparativos da tributação internacional em que o País ocupa posições distintas a depender do tipo de regime de tributação (consumo versus renda). Quando se compara com a tributação de patrimônio e renda o Brasil ocupa a vigésima posição, mas é primeiro colocado em tributos indiretos que afetam o consumo. Por obviedade o País é mais pesado aos pobres, atingidos diretamente no consumo, pois sua renda é destinada quase que exclusivamente para as necessidades mais básicas.

E mais, os noticiários omitem que o Brasil promoveu um redução na carga tributária, ao passo que a média dos países investigados apresentou aumento. A carga tributária bruta em 2015 foi de 32,66% do Produto Interno Bruto (a queda vem sendo sentida há anos), em parte pelas medidas de desoneração da economia do Governo.

Ver o Brasil na vigésima posição na tributação sobre a renda não parece convincente quanto à "elevada carga tributária" e transparece que as vociferações contrárias ao crescimento dos serviços ao cidadão são falaciosas e têm finalidade eleitoreira, sobretudo para o cidadão leigo, que procura um culpado pelas suas mazelas sociais.


2 O PESO DO ESTADO SOBRE OS MAIS POBRES

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) divulgou um estudo mostrando que os brasileiros com renda até três salários mínimos contribuem com a maior fatia dos impostos pagos no país. A pesquisa evidencia que essa parcela da população paga 53,79% do total de impostos arrecadados. O grupo, no entanto, representa 79% do total de brasileiros. Onde estão os ricos nessa conta?

A lógica da tributação no Brasil viola o Princípio da Equidade ou da Capacidade Contributiva. Este princípio determina que o financiamento do Estado pelo contribuinte deva ser feito levando-se em consideração a capacidade econômica deste último (CARRAZA, 2012, pp. 96-97).

Não se pode impor aos cidadãos de menor capacidade econômica, justamente aqueles de menor renda e menor patrimônio, o mesmo esforço tributário dos indivíduos de maior capacidade econômica. O sistema tributário mais justo deve buscar a progressividade, ou seja, tributar mais os ricos em detrimento dos pobres. Tudo isso é bastante óbvio, todavia, aqui nas terras tupiniquins não funciona desta maneira, cuja ênfase está na tributação indireta (no consumo de bens ou serviços) (SANTOS).

É nesse ponto da carga tributária que o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking dos países estudados pela Receita Federal. É sobre os pobres, maiores consumidores, que a carga tributária nacional está depositada. Todo o peso do Estado recai sobre pessoas que precisam dos serviços públicos e não sobre os mais ricos do País, detentores dos meios de produção.

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Inegável que a relação tributação e devolução em serviços é ponto negativo na carga tributária nacional, conforme se evidencia nos dados apurados. Mesmo assim, o que se exige são políticas que inibam a corrupção e os malfeitos em serviços e obras estatais. Não se pode frustrar a tributação justa com falácias e argumentos mal construídos sobre a carga tributária, por mais nobres que sejam as intenções.


CONCLUSÃO

Os avanços necessários ao desenvolvimento do País exigem maior eficiência na arrecadação e mudança para o regime de tributação mais direcionada ao patrimônio e renda. As falas politiqueiras que enaltecem a urgência liberal de menor tributação demonstram o total desconhecimento do regime fiscal brasileiro e tendem a representar grupos de maior domínio financeiro em oposição aos direitos da maioria dos cidadãos.

É possível perceber que o sistema fiscal do Brasil representa muito das injustiças sociais e demandam aperfeiçoamente para tributos progressivos sobre os mais ricos em modalidades fiscais preferíveis à tributação indireta que oneram a economia e afetam o consumo de bens essenciais do maior grupo social brasileiro.


REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Carga Tributária no Brasil em 2015. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-no-brasil-capa>.  Acesso em: 19 dez 2016.

_______. Secretaria da Fazenda. Mitos e Verdades da Política Tributária Brasileira. Disponível em: <http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/XIIPremio/sistemas/2tosiXIIPTN/mitos_e_verdades_da_politica_tributaria.pdf>. Acesso em: 19 dez 2016.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2012.

LAPORTA, Taís. Imposto que mais subiu pesa sobre os mais pobres, avaliam tributaristas. Disponível em:<http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/imposto-que-mais-subiu-pesa-sobre-os-mais-pobres-avaliam-tributaristas.html>. Acesso em: 19 dez 2016.

SANTOS, Gusmão Élvio. Desigualdade Social e Justiça Tributária. Disponível em: <www.agu.gov.br/page/download/index/id/905012>. Acesso em: 19 DEZ 2016.

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Sobre o autor
Renato Luiz Barbosa Brandão

Advogado, Procurador Jurídico do Município de Jataí-Goiás, Pós-graduado em Direito e Direito Processual Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade Federal de Jataí-Goiás, Ex-Professor do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior de Jataí, membro da Comissão Especial de Regularização Fundiária do Município de Jataí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Renato Luiz Barbosa. Carga tributária no Brasil: elevada para quem?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4949, 18 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54665. Acesso em: 22 dez. 2024.

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