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A que serve a representação advocatícia?

Reflexões sobre a participação do advogado na solução de questões jurídicas - e, não necessariamente, forenses

15/01/2017 às 12:10
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Observa-se o significado prático da representação advocatícia - em contraponto à representação judicial, mais restrita -, assim como os critérios para elaboração de estratégias em defesa dos interesses do constituinte.

A resposta do questionamento proposto nas linhas titulares pode parecer óbvia quanto à instrumentalização das estratégias necessárias à satisfação da lide em favor do constituinte com quem tenha firmado contrato de prestação de serviços de assessoria, consultoria e/ou postulação jurídica.

O problema, no entanto, é que o primeiro impulso - muitas vezes intuitivo - é o de reduzir a representação advocatícia à representação judicial.

Observe-se que de todas as atividades enquadradas na categoria de privatividade advocatícia, apenas a postulação em juízo é necessariamente forense. Toda lide processual envolve um ou mais problemas jurídicos. A recíproca, no entanto, não é impreterivelmente verídica.

Esse raciocínio pode parecer elementar, mas suas repercussões práticas são notáveis.

As "estratégias necessárias" às quais nos referimos nos parágrafos iniciais não devem ser imperiosamente reduzidas à ordem de disposição do arsenal de petições e incidentes processuais dos quais pode o causídico fazer uso.

A bem da verdade, parece não haver muitas dúvidas quanto ao contexto de grave crise que permeia o Poder Judiciário em suas atribuições constitucionais essenciais. Para além da descrença da população, ou mesmo das denúncias de corrupção e dos questionamentos de ordem moral envolvendo servidores e membros, há questões técnicas e estatisticamente aferíveis que ratificam a necessidade de reflexão quanto ao momento perpassado pelas instituições judicantes no país.

Uma conjuntura nacional de 100 milhões de processos em tramitação - com 28,9 milhões de novos processos ajuizados apenas no decorrer do ano de 2014, o que denota uma clara tendência de crescimento anual dos índices de abertura de feitos -, em um país de 142 milhões de eleitores aponta para a manifestação de uma clara sobrecarga institucional (Dados: CNJ/2014 e TSE/2014).

No ritmo atualmente promovido, não tardará para o alcance da equivalência entre o número de eleitores e de processos judiciais em trâmite. Nesse contexto, a mora processual é, infortunadamente, decorrência quase lógica.

A propósito, tão prejudicial quanto a própria demora no julgamento definitivo dos feitos judiciais, é a constatação conformada - e, cada vez mais, indiferente - de que os feitos judiciais demoram para serem resolvidos porque "o Judiciário é lento mesmo".

Esse descrédito é maléfico ao Poder institucional, mas, também, à classe causídica.

Como nas máquinas motrizes, a eficiência energética deve ser necessariamente compatível com a relação entre a energia processada pelo motor e a carga suportada pelo aparato - sob pena de sobrecarga mecânica.

Se uma sanha judicializadora é algo que já deveria ser evitado em situações de equilíbrio institucional e estabilidade, pelo Judiciário, na administração célere de suas incumbências, tudo se qualifica na realidade então observada. Sob tais circunstâncias, a "estratégia jurídica" se perfaz, desde logo, na consideração de todos os elementos em jogo: dos interesses do cliente, às potenciais consequências (outcomes e payoffs) derivadas do ingresso do feito; do comportamento da parte adversa, ao tempo estimado para obtenção de resposta finalística por parte do decisor.

O tempo esperado pelo cliente para alcance de uma solução definitiva; o grau de investimento que estima promover para tanto; o nível de proximidade que possui junto à parte demandada; e, até mesmo, o possível interesse em concretizar acordo extrajudicial são fatores que também integram a equação.

O cerne do pensamento estratégico se encontra, portanto, não no profundo domínio da processualística, no detido conhecimento da matéria tratada, na disposição de litigar até as instâncias últimas ou em qualquer outro fator. Todas essas necessárias virtudes devem ser subordinadas a uma outra, quase axiomática: os efetivos interesses do cliente.

A tomada racional de decisões que ratifiquem e se submetam aos fins ansiados pelo cliente pode até contrariar os meios que ele, o cliente, imagina serem os mais adequados.

Aliás, antes do recebimento de uma instrução detida quanto aos seus intentos e comportamentos, o constituinte pode sequer conceber hipóteses como a de realizar acordo, por exemplo.

Representado e representante devem, assim, investir em esforços que permitam o aprofundamento do diálogo sobre o problema. De um lado, para que haja conhecimento de todos os detalhes afeitos ao ocorrido e de tudo que se espera com a contratação de providências jurídicas (não necessariamente judiciais); de outro, para que, ciente das possibilidades postas à disposição, possa o cliente assentir - ou reconhecer - com aquela medida (ou conjunto de medidas) que melhor convenha para satisfação de seus objetivos.

O contexto inicial de assimetria de informações deve tomar como norte - destino ideal - o ponto mais próximo do pleno domínio mútuo das informações estratégicas.

A chave desse empreendimento não poderia ser melhor sintetizada de outro modo: ao advogado cumpre se empenhar em desenvolver, no desenhar da estratégia jurídica, razoabilidade e bom senso, sobretudo ao manejar os pedidos iniciais relacionados à lide, em caso de judicialização.

Se, de um lado, o advogado, no exercício do mandato, não pode "se subordinar a intenções contrárias do cliente", por outro, há expressa necessidade de "esclarecê-lo quanto à estratégia traçada" e, sobretudo, "informar o cliente, de modo claro e inequívoco, quanto a eventuais riscos da sua pretensão e das consequências que poderão advir da demanda" (arts. 9º e 11, CEOAB).

A confiança recíproca que sustenta as relações entre advogado e cliente se perfaz no desprendimento de esforços destinados à busca pela solução justa e mais favorável ao representado; mas não necessariamente por intermédio da via decisional promovida por um magistrado estatal. A indispensabilidade do advogado é à administração da Justiça, não apenas das atividades forenses - esse privilégio (e simultâneo encargo) amplia substancialmente o âmbito da atuação patronal.

Não por outro motivo, ter lealdade, boa fé, veracidade (art. 2º, II, CEOAB); desaconselhar lides temerárias, a partir de um juízo preliminar de viabilidade jurídica (art. 2º, VII, CEOAB); e, sobretudo, o estimular a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes - direcionada à preferencial prevenção à instauração de feitos judiciais - (art. 2º, VI, CEOAB) são deveres essenciais do advogado no exercício da profissão.

Um caso prático - e, infelizmente, real - pode enriquecer a reflexão ora proposta (os nomes dos envolvidos serão preservados).

Uma senhora, aposentada, buscou, ao final do ano de 2015, aconselhamento jurídico com a intenção de pôr termo a impasse junto a instituição financeira que havia promovido a negativação de seu nome junto a instituições privadas de proteção ao crédito.

Após explicar o caso e apresentar os documentos solicitados, o representante com quem havia tido, inicialmente, afirmou que o ingresso de feito judicial destinado a promover a anulação do contrato e reparação em função dos danos morais seria a única solução jurídica cabível.

O pedido foi, então, promovido em juízo.

Na audiência, o advogado da parte autora foi taxativo: "inexiste interesse da parte autora em qualquer proposta de acordo promovida pela parte demandada".

Nunca houve consulta à cliente, no entanto, quanto a tal possibilidade.

Algum tempo depois, ao final de 2016, o resultado infrutífero se materializa: completo indeferimento dos pedidos decorrente de pleno respaldo contratual em favor da instituição financeira. Avaliou-se que a dívida era existente, que os prazos e procedimentos legítimos de cobrança foram realizados e, finalmente, que a negativação do nome da interessada no cadastro de devedores ocorreu de forma devida.

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O que chama atenção, todavia, é que o intento da senhora representada nunca fora, efetivamente, o de questionar a validade daquele débito apresentado.

Pelo contrário.

Seu interesse em quitar a dívida de uma forma que não lhe promovesse maiores embaraços financeiros sempre foi manifestado e, aparentemente, olvidado pelo seu representante.

O contexto criado lhe foi, ao final, dos mais desfavoráveis: com o indeferimento do pedido e transcurso do tempo para prolação da decisão judicial, acumulavam-se parcelas vencidas e consequentes juros, multas e correções monetárias.

Apreciação acurada da questão apontava, desde o início, para uma segura inviabilidade jurídica daquilo que se propunha (ou se intentava propor). O contrato não fora maculado por nulidades e a interessada realmente incorreu em mora no pagamento da dívida. E mais: em tendo existido interesse, por parte da própria constituinte, em, também desde o início, negociar uma forma razoável de quitação do débito, a situação era convidativa à promoção de, ao menos, tentativa de negociação extrajudicial junto à entidade bancária.

Uma solução infalivelmente mais benéfica às duas partes.

Inobstante seu restrito conhecimento jurídico, ela teve certeza de que algo havia de estranho com o desenrolar daquela questão.

Buscou outro escritório de advocacia, no qual, após reanálise do caso e da documentação afeita, foi-lhe apresentada, como proposta preliminar e preferencial, a constituição de representação extrajudicial destinada a tentar tratar, junto ao setor responsável da instituição financeira, a renegociação da dívida quanto às parcelas vencidas e vincendas, bem como a forma e os prazos de seu pagamento.

Um contato telefônico de, aproximadamente, 60 minutos foi capaz de sanear uma lide judicial que desenrolava há quase doze meses e que, ao final, lhe havia sido completamente desfavorável.

Outro detalhe: o acordo foi promovido e firmado junto à instituição bancária mesmo após a vitória da instituição de crédito financeiro em juízo. Ao final, o vasto decurso do tempo apenas se serviu para comprometer o alcance de uma proposta negociada ainda mais favorável àquela senhora demandante.

Os instrumentos processuais utilizados pelo primeiro advogado da demandante não possuíam qualquer mácula. Seu interesse, certamente, não era o de, deliberadamente, prejudicar sua então cliente. Mas se pode inferir, também seguramente, que sua estratégia não foi respaldada pelo vetor dos efetivos interesses do cliente. Ou, ainda, que ele não atentou para as possibilidades de resolução da questão fora das paredes do fórum.

Todo o desgaste inato a qualquer feito judicial, assim como as externalidades negativas posteriormente impostas à cliente por meio da sentença desfavorável, poderiam ter sido evitados, se, desde o início, a comunicação entre representante e representado tivesse sido razoavelmente dirigida à análise do contraponto das consequências prováveis e dos efeitos esperados das providências judiciais e extrajudiciais postas a disposição.

Com efeito, a nossa proposta de resposta ao questionamento trazido nas linhas iniciais deste artigo se funda nisto: a representação advocatícia envolve muito mais que os esforços promovidos em juízo. Tem início com a atenção acurada a todos os detalhes da questão proposta; se qualifica com o compartilhamento, junto ao representado, das soluções possíveis - e dos esforços necessários ao alcance de cada uma delas; e abrange, sobretudo, evitar reduzir as soluções dos problemas jurídicos àquelas obtidas exclusivamente pela via forense. Talvez este seja o momento para conceber as estratégias de composição como efetivas ferramentas não apenas alternativas - senão preferenciais - de resolução de certos conflitos.

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Sobre o autor
Juvencio Almeida

Nascido em João Pessoa/PB, ao ano de 1994. Mestre em Direito Econômico pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (PPGCJ/UFPB). Graduado em Ciências Sociais e Jurídicas pela UFPB. Servidor Público Federal em exercício na Divisão de Prestação de Contas e Tomada de Contas Especial do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública (DIPCTCE/DEPEN/MJSP). Exerceu a advocacia (OAB/PB nº 23.138) entre os anos de 2016 e 2019. Foi, durante o curso de mestrado, pesquisador bolsista pela CAPES (Coordenação de Apoio de Pessoal de Nível Superior). Foi Editor-Gerente do Periódico Jurídico Lexmax (ISSN nº 2446-4988), vinculado à OAB/PB, no biênio 2018/2019. Foi Diretor Acadêmico da Comissão Editorial de fundação do Periódico Jurídico Ratio Iuris (ISSN nº 2358-4351), no biênio 2013/2014. Foi Secretário-Geral da Comissão da Jovem Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraíba (CJA-OAB/PB) nos anos de 2017 e 2018. Foi, durante a Graduação, por duas vigências consecutivas (2012/2013; 2013/2014), bolsista de iniciação científica pelo CNPq (PIBIC) do grupo de pesquisa em Retórica, Hermenêutica e Direito; e, por dois semestres consecutivos (2014.2; 2015.1), monitor bolsista da disciplina Hermenêutica Jurídica (CCJ/UFPB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Juvencio. A que serve a representação advocatícia?: Reflexões sobre a participação do advogado na solução de questões jurídicas - e, não necessariamente, forenses. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4946, 15 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54688. Acesso em: 27 abr. 2024.

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