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Dos pressupostos processuais e das condições da ação no processo civil

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27/07/2004 às 00:00
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2. Pressupostos processuais

2.1. Síntese histórica

Até meados do século XIX, o direito processual ainda não era reconhecido como ciência autônoma. Na chamada fase imanentista, o processo era tratado como mero apêndice do direito material. [40] Os civilistas ou imanentistas, consideravam essencial o direito material, por isso o denominaram direito substantivo, ao passo que o processo, tido como simples conjunto de formalidades para atuação prática daquele, era chamado direito adjetivo. [41]

A formulação das teorias da relação processual e da nova conceituação do direito de ação pelos alemães, sob influência do direito italiano, foram decisivas para o desmembramento do direito processual frente ao direito material.

O marco inicial da autonomia científica do direito processual data da publicação, em 1868, da notável obra do jurista alemão Oskar von Bülow denominada Die Lehre von den Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen (Teoria das Exceções e dos Pressupostos processuais) [42], com a qual se inicia o desenvolvimento da teoria do processo como relação jurídica. O trabalho de Bülow traçou os princípios básicos de forma a dar contornos de ciência ao direito processual civil. [43]

2.2.Conceito

Preceitua o inciso LIV do art. 5º da CF que "ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

Embora a atividade jurisdicional seja de incumbência exclusivamente estatal, ela não pode ser exercida de forma arbitrária. A garantia de due process of law, da qual decorrem os demais princípios processuais, impõe limites à jurisdição, ficando esta impedida de intervir em patrimônio alheio ou restringir a liberdade de alguém sem o trâmite de um processo justo, na forma da lei.

Para que se tenha um "devido processo legal", é necessário não apenas observar as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, da proibição de provas obtidas por meios ilícitos, etc, mas também é essencial o cumprimento de determinadas regras estabelecidas pela lei processual.

Pressupostos Processuais, segundo Jorge Luís Dall’agnol, são os "requisitos necessários para a existência jurídica e o desenvolvimento do processo". [44]

2.2.Terminologia

Convém aduzir que o termo "pressupostos processuais" não é aceito com unanimidade pelos processualistas, pois nem todos os pressupostos podem ser enumerados rigorosamente, já que alguns se aplicam a um tipo de processo. Ademais, não são realmente indispensáveis para a existência do processo, visto que ainda na ausência de um deles a relação processual existe, tanto que o juiz profere sentença, embora seja para extinguir o processo (art. 267, IV, CPC). [45]

Bülow, criador da expressão, dizia que

os pressupostos processuais são os requisitos para a admissibilidade (die erfordenisse für die zulässigkeit), as condições prévias para a formação definitiva de tôda (sic) relação processual (die vorbedingungen für zustandekommen des ganzen prozessverhältiness), a condição de existência da relação processual, os requisitos para a válida formação definitiva da relação processual. [46](grifo nosso)

No mesmo sentido se pronuncia Kohler, "que afirmava não nascer qualquer processo e não se formar qualquer relação processual se faltasse um pressuposto processual". [47]

Da análise das posições desses dois renomados juristas alemães, infere-se que os pressupostos processuais, para a doutrina tedesca, designam tão-somente os requisitos mínimos para a existência do processo, não abarcando os impropriamente denominados "pressupostos de validade do processo".

Celso Neves leciona que o termo "pressupostos processuais" refere-se aos requisitos sem os quais "não pode ter existência a relação jurídica processual dispositiva", reservando para os requisitos de validade do processo o vocábulo "supostos processuais". [48]

As indagações e vacilações referentes ao instituto, podem ser resultado, conforme afirma Luís Eulálio de Bueno Vidigal, da impropriedade da expressão "pressupostos processuais". Aduz, ainda, que a expressão utilizada originalmente por Oskar von Bülow foi prozessuale voraussetzungen. Voraussetzungen significa "suposição", "pressuposição", "pressuposto", "hipótese". Nenhum desses significados se adequa ao sentido em que se emprega aquela expressão. [49]

Na seqüência, Vidigal apresenta sua ilação:

Sejam os pressupostos os requisitos necessários para a constituição da relação processual, sejam os necessários para uma sentença qualquer, ou, finalmente, os necessários para uma sentença de mérito, a denominação sempre permanece inadequada. [50]

Contudo, em que pese as posições dos renomados processualistas acima citados, o vocábulo "pressupostos processuais" é terminologia tradicional no direito processual brasileiro, sendo aceita pela maior parte a doutrina e consagrada na legislação processual (art. 267, IV, CPC).

2.4. Os pressupostos processuais no direito brasileiro

2.4.1. As principais correntes

Atualmente, duas correntes merecem destaque na discussão do tema.

A primeira corrente, de influência italiana, sustenta que os pressupostos processuais se dividem em dois grupos: os pressupostos processuais de existência e os pressupostos processuais de validade.

A segunda corrente afirma existir apenas pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito. Adepto dessa linha, José Frederico Marques, cuja doutrina encontra respaldo no alemão Friedrich Lent, ensina que os pressupostos processuais e as condições da ação, "constituem espécie de que os pressupostos processuais de admissibilidade da tutela jurisdicional são o gênero". [51]

Por questões didáticas, preferimos optar pela primeira corrente, pois se vislumbram de forma mais clara os requisitos mínimos para o nascimento da relação processual e aqueles necessários ao seu desenvolvimento regular.

2.5. Pressupostos de existência do processo

Segundo José Milton da Silva, "os pressupostos antecedentes, ou de existência do processo, são aqueles que deverão preexistir à relação processual". [52] São os requisitos necessários para a instauração do processo.

Para que se possa determinar os requisitos mínimos para a formação de um processo, convém, primeiramente, definir o momento em que ele tem início. É preciso, pois, fixar o instante em que nasce a relação processual.

A demanda, "ato pelo qual se dá o impulso oficial à atuação do Estado-juiz" [53], é formulada quando o titular de uma pretensão insatisfeita apresenta a petição inicial ao Poder Judiciário. O processo passa a existir no instante em que a demanda é proposta, isto é, quando o autor deduz sua pretensão em juízo.

A existência da relação processual também está condicionada à presença de um juiz investido de jurisdição. Destarte, o processo só existe quando seu trâmite se dá perante um órgão apto ao exercício da função jurisdicional.

Grande parte da doutrina considera também a citação e a capacidade postulatória como pressupostos de existência. Tal entendimento, permissia venia, não parece correto.

A citação não é requisito para a formação do processo, pois ele já existe mesmo antes dela. Contudo, é evidente que esse processo não produzirá efeitos em face do réu, pois ele ainda não foi chamado a ingressar na relação processual. Assim, por exemplo, se o juiz entender que a petição inicial apresentada é inepta, extinguirá o feito proferindo uma sentença, que é ato do processo.

A ausência da capacidade postulatória não impede a instauração do processo pois, conforme ensina Chiovenda

Ainda nessa conjuntura, todavia, impende ao juiz uma obrigação: a de enunciar a razão pela qual não pode prover sobre o mérito. Há, portanto, também uma relação jurídica. [54]

Diante do exposto, percebe-se que a existência do processo está condicionada a apenas dois pressupostos processuais: "a propositura de uma demanda e a investidura jurisdicional do órgão a quem ela é endereçada (...)" [55]

2.6. Pressupostos de validade do processo

São os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, conforme a expressão do texto legal (art. 267, IV, CPC).

Uma vez instaurada a relação processual, é necessário que ela esteja revestida de determinados requisitos para atingir seu objetivo: o provimento de mérito.

Os pressupostos processuais responsáveis pela validade da relação processual podem ser classificados sob dois aspectos distintos: os pressupostos positivos, que devem estar presentes no processo, e os pressupostos negativos, cuja ausência é necessária para a validade da relação processual. [56]

2.6.1. Pressupostos processuais positivos subjetivos

2.6.1.1. Relativos ao juiz

2.6.1.1.1. Competência

Para a existência do processo, basta que se leve ao conhecimento do órgão jurisdicional determinada pretensão através da petição inicial. Porém, o desenvolvimento regular desse processo está subordinado à aptidão do juiz emanada da lei, para exercitar sua jurisdição em determinado caso concreto.

Fernando da Costa Tourinho Filho conceitua a competência como sendo o "âmbito, legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão exerce o seu poder jurisdicional". [57]

A competência constitui um dos elementos do princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, LIII e XXXVII da Constituição Federal, que dizem, respctivamente: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente"; "não haverá juízo ou tribunal de exceção" [58], ou seja, um órgão jurisdicional criado ex post facto.

É necessário salientar que a competência que se constitui como pressuposto processual de validade é absoluta (ratione materiae, ratione personae e funcional), uma vez que a incompetência relativa (valor da causa e territorial) pode convalescer em razão da preclusão, se não for argüida através de exceção em tempo oportuno. [59]

A incompetência absoluta pode ser suscitada em qualquer fase do processo e, numa última oportunidade, através da ação rescisória (art. 485, CPC). A ausência desse pressuposto excepciona a regra do art. 267, IV, havendo a nulidade dos atos decisórios e a remessa dos autos ao juízo competente para a causa.

2.6.1.1.2. Imparcialidade

O órgão jurisdicional não pode ter interesse no desfecho da demanda. Para que suas decisões gozem de credibilidade, o juiz precisa manter uma posição neutra em relação às partes.

Para que a atuação dos magistrados ficasse imune à influências externas, comprometendo, dessa forma, a retidão de duas decisões, a Constituição Federal estabeleceu as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de vencimentos. Ademais, o texto constitucional diz, no parágrafo único do art. 95 que, é vedado ao juiz exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; e dedicar-se à atividade político-partidária.

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Como lembra Tesheiner, a imparcialidade dos órgãos jurisdicionais encontra-se também inserida no art. 10 da Declaração dos Direitos do Homem:

"Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele." [60]

O pressuposto processual da imparcialidade refere-se à ausência de impedimento (art. 134, CPC). A ausência de suspeição (art. 135, CPC) não é pressuposto processual, pois, se não suscitada em tempo hábil opera-se a preclusão.

Segundo José Olivar de Azevedo

extrai-se das lições da doutrina que a suspeição é menos grave que o impedimento, tanto que aquela se não alegada em prazo certo (15 dias a contar do conhecimentos dos fatos) gera a preclusão, ao passo que o impedimento, por ser pressuposto processual positivo de validade do processo não preclui, sendo inclusive motivo ensejador de ação rescisória - art. 485, II, CPC - viciando até mesmo a coisa julgada. [61]

A ausência de imparcialidade não leva à extinção do processo nos termos do art. 267, IV. Em atendimento ao princípio da economia processual, os autos são enviados para um juiz desimpedido.

2.6.1.2. Relativos às partes

2.6.1.2.1. Capacidade de ser parte

No direito material, todo aquele que tiver capacidade para contrair direitos e obrigações na ordem jurídica, é dotado de capacidade de direito. Decorrente da personalidade, essa aptidão reflete-se no Direito Processual Civil naquilo que se denomina capacidade de ser parte. [62]

Conforme dispõe a 1ª parte do art. 4º do CC, "a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida". Do teor desse dispositivo conclui-se que, um menor de 12 anos de idade, por exemplo, poderá figurar como parte num processo, pois tem personalidade e, por corolário, detém capacidade de direito.

A personalidade é atributo da pessoa natural e também da pessoa jurídica. Porém, existem determinados entes desprovidos de personalidade jurídica como a massa falida, o condomínio, as sociedades de fato, aos quais a lei (art. 12, CPC) confere capacidade de ser parte. Como bem observa Marcelo Abelha Rodrigues:

Se podemos dizer que todos que possuem capacidade de direito (personalidade jurídica) possuem capacidade de ser parte, o mesmo não podemos dizer ao contrário, ou seja, nem todos que possuem capacidade de ser parte possuem capacidade de direito. Exemplo disso são os entes desprovidos de personalidade judiciária mas sem personalidade jurídica. [63]

A observação acima torna-se mais esclarecedora com a posição de Tesheiner, que ensina:

A capacidade de ser parte traduz-se melhor pela expressão "personalidade judiciária" do que por "personalidade jurídica", porque podem ser partes, no processo, como autores ou réus, entes que não são pessoas, como a massa falida. [64]

2.6.1.2.2. Capacidade processual

Capacidade processual é a capacidade de estar em juízo, isto é, a aptidão para atuar pessoalmente na defesa de direitos e obrigações.

Enquanto a capacidade de ser parte relaciona-se com a capacidade de gozo ou de direito (aptidão para contrair direitos e obrigações na órbita civil), a capacidade processual guarda relação com a capacidade de exercício ou de fato (aptidão para exercer por si os atos da vida civil).

O art. 7º do CPC reza que "toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo". É a capacidade processual plena ou total, podendo o seu titular exercer livremente os seus direitos.

Entretanto, existem determinadas pessoas cuja capacidade processual é restrita ou limitada, hipótese em que deverão ser representadas (absolutamente incapazes) ou assistidas (relativamente incapazes), conforme o grau de incapacidade. É o que disciplina o art. 8º do CPC: "os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil."

No entendimento do professor José Frederico Marques:

A capacidade de estar em juízo tem a capacidade de ser parte como seu pressuposto. Uma pessoa capaz pode não ter a capacidade processual de estar em juízo, tal como sucede com os loucos de todo o gênero, ou com os menores de dezesseis anos; tais pessoas não têm capacidade, por isso mesmo, para atuar processualmente, praticando atos processuais ou deles tendo ciência. [65]

A capacidade processual, também reconhecida como legitimatio ad processum (legitimação para o processo) não se confunde com a legitimatio ad causam (legitimação para a causa). Aquela é pressuposto processual que se relaciona com a capacidade para estar em juízo, enquanto esta é condição da ação. O menor de dezesseis anos possui legitimidade ad causam para propor ação contra suposto pai, contudo, não possui legitimidade ad processum, devendo ser representado porque não detém capacidade para estar em juízo. [66]

Recorremos, novamente, à lições do saudoso José Frederico Marques, cujos ensinamentos permaneceram sempre vivos:

A legitimação ad processum (ou capacidade processual de agir) é aptidão in genere para cada pessoa, independentemente de sua relação particular com determinado processo; a legitimação ad causam, ao contrário, fixa-se em razão de um processo concreto, tendo-se em vista a posição da pessoa na lide que neste vai ser composta ou solucionada. [67]

2.6.1.2.3.Capacidade postulatória

Capacidade postulatória é "a capacidade de requerer e postular em juízo". [68]

No sistema processual brasileiro, apenas o advogado tem capacidade postulatória. Não tendo habilitação técnica, a parte, obrigatoriamente, deverá constituir um procurador judicial. É o que se vislumbra da análise da 1ª parte do art. 36,CPC: "a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado (...)". Vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da instrumentalidade do advogado, não se permitindo, senão em casos expressamente ressalvados pela lei, o exercício do jus postulandi a qualquer pessoa. Para impetrar habeas corpus, por exemplo, qualquer pessoa tem capacidade postulatória. [69]

A Constituição Federal (art. 133) considera o advogado figura essencial e imprescindível à administração da justiça. A assistência de um profissional do direito legalmente habilitado, ou seja, inscrito na OAB, proporciona, "em princípio, segurança à parte de que os seus direitos serão defendidos por quem em tese tem aptidão para isso." [70]

Não se pode confundir a representação, cuja finalidade é suprimir a incapacidade da parte, com a representação do advogado (capacidade postulatória) e, ainda, com a representação das pessoas jurídicas e entes despersonalizados (art. 12, CPC). Assim, o síndico, representante do condomínio (art.12, IX, CPC), necessita também de capacidade postulatória, razão pela qual deverá fazer-se representar por advogado. [71]

Marcelo Abelha Rodrigues atenta para uma importante questão:

Outro aspecto importantíssimo com relação à capacidade postulatória, diz respeito ao fato de que este instituto só é pressuposto de validade positivo da relação jurídica processual com relação ao autor e não com relação ao réu, vez que, se este deixa de se fazer representar por advogado, e, mesmo após o juiz determinar o prazo para suprir tal irregularidade, continua a postular sem advogado, a conseqüência não será a mesma se no lugar do réu fosse o autor. Se o vício for causado pelo autor, a conseqüência será a extinção do processo sem julgamento do mérito, com base no art. 267, IV, do CPC (art. 13, I, do CPC). Todavia, se o vício é causado pelo réu, aplicar-se-á a regra do art. 13, II, do CPC. [72]

2.6.2. Pressupostos processuais objetivos

Os pressupostos processuais objetivos, segundo Vicente Greco Filho, "referem-se à regularidade dos atos processuais" [73]. Subdividem-se em intrínsecos e extrínsecos.

2.6.2.1. Pressupostos processuais objetivos intrínsecos

São aqueles que se verificam dentro da relação processual, quais sejam: petição apta e citação válida.

2.6.2.1.1.Petição apta

Como já mencionado alhures, a existência do processo está subordinada à propositura de uma demanda a um órgão investido de jurisdição. A demanda é formulada através de uma petição inicial, ainda que de forma irregular.

Entretanto, para que a relação processual possa se desenvolver de forma regular e válida, é necessário que o pedido endereçado ao órgão jurisdicional seja apto, isto é, preencha determinados requisitos previstos pela lei processual.

Os arts. 282 e 283 do CPC exigem que a petição inicial seja encaminhasa ao juízo competente para o feito, que contenha os fatos e fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir), o pedido que delimita atuação do órgão jurisdicional (art. 128, CPC), as provas que pretende produzir para corroborar suas alegações, o valor da causa e o requerimento de citação do réu. [74]

Na hipótese do autor deixar de atender, quando deduz sua pretensão em juízo, algum requisito do art. 282 do CPC, o juiz, verificando que tal irregularidade é sanável, proferirá um despacho determinando que o autor emende sua petição em certo prazo. Se o vício existente for insanável ou o autor não cumprir o despacho, a conseqüência será a extinção do processo com fundamento no art. 295, I, do CPC.

2.6.2.1.2.Citação válida

Citação é ato pelo qual o demandado toma conhecimento de que contra ele está sendo ajuizada uma demanda. A citação não é necessária para a formação do processo, uma vez que ele já existe antes dela.

Com a propositura da demanda, forma-se uma relação processual, a qual ainda é imperfeita ou anômala, porque constituída apenas de dois sujeitos: autor e juiz. O preenchimento do pólo passivo da relação processual com o ingresso do réu no processo, torna-a completa, isto é, com a citação, a relação jurídica linear torna-se trilateral.

Não basta, porém, como determina grande parte da doutrina, que exista a citação, isto é, o conhecimento do réu de que em face dele move-se uma demanda (conseqüência do princípio do contraditório: ciência e participação), mas é preciso que esta citação seja realizada conforme as regras exigidas pelo CPC. Assim, por exemplo, preceitua o art. 225, II do CPC, que o mandado deve conter o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência de que, caso o réu não ofereça contestação, haverá presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, se a causa versar sobre direitos disponíveis. Diante disso, se o réu é citado e não contesta no prazo, mas no mandado não consta a advertência prevista nos arts. 285 e 225, II, ambos do CPC, não sofrerá os efeitos da revelia. [75]

Entretanto, a falta de citação nem sempre compromete o desenrolar dos atos processuais, pois é possível que o demandado, de outra forma, tome conhecimento da demanda e compareça para constestar. Nesse sentido, o parágrafo 1º do art. 214, CPC, assevera que "o comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação". Embora o caput do art. 214 preceitue que a citação inicial do réu é indispensável para a validade do processo, a exceção prevista no parágrafo 1º fez com que alguns processualistas não considerassem a citação como pressuposto de validade do processo.

2.6.2.2. Pressupostos processuais objetivos extrínsecos

São fatores externos que influem na formação da relação jurídica processual. São conhecidos também como pressupostos processuais negativos, pois sua "presença impede o julgamento do mérito" [76]. Rogério Tucci aduz que os pressupostos processuais objetivos extrínsecos, "referem-se à inexistência de fatos impeditivos de sua formação". [77]

2.6.2.2.1. Litispendência

"Do latim litis, de lis, que significa lide, e pendentia, de pendere, que significa pender" [78], o vocábulo litispendência tem duplo sentido. Pode se referir à existência de lide pendente, processo em andamento, como também pode significar o fenômeno de pressuposto processual negativo.

Conforme o disposto no art. 219 do CPC, a citação válida induz litispendência. Nessa hipótese, que representa o sentido originário do vocábulo, a litispendência foi utilizada no sentido de lide pendente, ou seja, para designar a existência de uma ação já em curso em juízo. Portanto, "litispendência, no sentido literal da palavra, é um estado de lide ainda não decidida, achando-se pendente de decisão judicial". [79]

Sob outro aspecto, a expressão litispendência é empregada como pressuposto processual negativo do processo. É o que se deduz do teor do art. 267, V, do CPC, o qual determina que o juiz profira sentença terminativa, quando presente a figura da litispendência. Nesse caso, existem dois ou mais processos idênticos em curso, pois os elementos constitutivos das ações que os instauraram são os mesmos: partes, pedido e causa de pedir (tríplice identidade).

Empregada como pressuposto processual negativo, a litispendência assim é demonstrada, ilustrativamente, por Luiz Rodrigues Wambier:

A existência de um processo pendente entre A e B, baseado numa determinada causa de pedir que resulta no pedido X, desempenha o papel de pressuposto processual negativo para um outro processo entre A e B, que tenha a mesma causa de pedir e em que se formule o mesmo pedido. [80]

Segundo Marcelo Abelha Rodrigues, "havendo tríplice identidade, estaremos diante de ações iguais, devendo ‘sobreviver’ a que primeiro alcançou a prevenção". [81]

O fundamento da litispendência como pressuposto processual negativo está na economia processual e no perigo de decisões conflitantes. [82]

2.6.2.2.2. Coisa julgada

Não obstante o princípio do duplo grau de jurisdição permitir o reexame das decisões dos órgãos jurisdicionais, existe um momento em que, os efeitos da sentença que decide a questão levada a juízo, tornam-se imutáveis, não sendo mais permitida a discussão da causa sentenciada no âmbito de outro processo. É a chamada coisa julgada, que segundo José Frederico Marques, consiste na "imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente". [83]

A coisa julgada difere da litispendência, pois esta impede a propositura de uma ação em razão de já existir outra, de elementos idênticos, em curso, aquela impede que se mova uma ação já decidida.

Ressalta-se, entretanto, que há duas espécies de coisa julgada, a formal e a material. Conforme o magistério do professor Elpídio Donizetti Nunes:

Diz-se que há coisa julgada formal quando a sentença terminativa transita em julgado. Nesse caso, em razão da extinção da relação processual, nada mais pode ser discutido naquele processo. Entretanto, como não houve qualquer alteração qualitativa nem repercussão nenhuma na relação (intrínseca) de direito material, nada impede que o autor ajuíze outra ação, instaurando-se novo processo, a fim de que o juiz regule o caso concreto. [84] (grifo nosso)

E prossegue ainda o magistrado mineiro:

Também a coisa julgada material ocorre com o trânsito em julgado da sentença (...). O que a diferencia da coisa julgada formal é que agora a sentença transitada em julgado não só encerra a relação processual, mas, além de por fim ao processo, compõe o litígio, havendo, portanto, uma modificação qualitativa na relação de direito material subjacente ao processo (...). A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, mas a recíproca não é verdadeira. A ocorrência da coisa julgada material veda não só a reabertura da relação processual, como qualquer discussão do direito material. A coisa julgada formal veda apenas a discussão do direito material no processo extinto pela sentença. [85] (grifo nosso)

A coisa julgada é pressuposto processual negativo, pois impede a repropositura de nova ação que envolva as mesmas partes, tenha a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

2.6.2.2.3. Perempção

Perempção é a perda do direito de demandar em razão do processo ter sido extinto três vezes por abandono da causa, pelo autor, por mais de trinta dias.

Assim, quando o autor, pela quarta vez deduzir sua pretensão em juízo, o magistrado prolatará uma sentença que extinguirá o processo sem a análise do mérito (art. 267, III, CPC). Embora o autor não possa mais demandar sobre esta pretensão, a lei (art. 268, parágrafo único) permite que ele invoque seu direito em matéria de defesa. Ex.: ação possessória.

A doutrina não é unânime em considerar a perempção como pressuposto processual. Na visão de Luiz Rodrigues Wambier

a doutrina majoritária não relaciona a perempção dentre os pressupostos processuais negativos, por considerá-la fenômeno que atinge apenas o autor, não se constituindo, portanto, em pressuposto negativo para o réu, que poderá ser autor em idêntica ação. Trata-se segundo a doutrina majoritária, de fato impeditivo para a formação da relação processual válida por iniciativa do autor. [86]

Em sentido contrário, obtempera Marcelo Abelha Rodrigues:

Não é o fato de se permitir seja a perempção alegável em matéria de defesa (que não se confunde com a propositura da ação), que sua natureza jurídica de pressuposto processual de validade negativo seja desfigurado. Portanto, existindo o fenômeno da perempção, não deve seguir adiante a relação processual. [87]

2.6.2.2.4. Convenção de arbitragem

Com o escopo de diminuir o número excessivo de demandas judiciais e possibilitar uma solução mais rápida dos litígios, foi instituída pela lei nº 9.307/76 o juízo arbitral.

Na arbitragem, a lide é decidida por um juiz leigo (não togado) ou por uma instituição especializada (Câmara de Arbitragem). Através da convenção de arbitragem, "as partes se recusam a submeter o litígio, para acertamento do direito controvertido, ao Poder Judiciário(...)". [88] A convenção de arbitragem pode ser de duas espécies: cláusula arbitral (antes da propositura da demanda) ou compromisso arbitral (processo já em curso).

A doutrina se divide quanto à convenção de arbitragem ser ou não pressuposto processual.

A Lei de Arbritagem (lei 9.307/96) alterou a redação do inciso VII do art. 267,CPC, substituindo o vocábulo compromisso arbitral pela expressão mais genérica, convenção de arbitragem. Ocorre que, o parágrafo 4º do art. 301, CPC, preceitua que "com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício as matéria enumeradas neste artigo". (grifo nosso)

Um dos entendimentos possíveis é o de que apenas o compromisso arbitral não é pressuposto processual negativo, uma vez que para seu reconhecimento é necessária a argüição da parte.

Digna de aplausos é a posição de Luiz Rodrigues Wambier:

A solução que permite compatibilizar a existência desses dois textos legais (art. 301, IX, e art. 301, parágrafo 4º) é a seguinte: a lei de arbitragem, ao alterar o inciso IX, incluindo a convenção de arbitragem como causa de extinção processo sem julgamento do mérito, teria revogado tacitamente o par. 4º, que é norma anterior à lei 9.307/96. [89]

Se a intenção do legislador foi a de valorizar a arbitragem (equivalente jurisdicional) como meio alternativo de solução de litígios, a melhor interpretação parece ser a de considerar tanto a cláusula arbitral como o compromisso arbitral como pressupostos processuais negativos. [90]

2.7. Ausência dos pressupostos processuais

A falta de algum pressuposto de existência do processo tem por corolário a inexistência da relação jurídica processual. Essa inexistência (jurídica) pode ser reconhecida a qualquer tempo, durante ou após o término do processo. Sobre esse aspecto, ensina Marcelo Abelha Rodrigues:

Vale ressaltar que antes de ser declarada a inexistência da relação jurídica, quando confrontada com o processo já findo, onde sobre este pese a autoridade da coisa julgada, não se impede que existam os efeitos práticos dessa relação, que para o mundo jurídico é inexistente. Se ninguém atacar aquela decisão, alegando falta de pressupostos processuais de existência e a conseqüente inexistência da relação jurídica, seus efeitos, mais uma vez dizendo, subsistiram no plano fático. [91]

A ausência de algum pressuposto de validade da relação processual causa, em regra, a extinção do processo sem resolução do mérito. No que pertine à imparcialidade (suspeição e impedimento) e à competência absoluta do juízo, sua inobservância não leva à extinção do processo, havendo a nulidade dos atos decisórios e a remessa dos autos ao juiz desimpedido ou absolutamente competente, conforme o caso.

Na hipótese de já ter sido prolatada sentença com trânsito em julgado, poderá se declarar a nulidade da relação processual através de ação rescisória.

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Sobre o autor
Leandro Silva Raimundo

Técnico Bancário pela Caixa Econômica Federal em Jacarezinho – PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAIMUNDO, Leandro Silva. Dos pressupostos processuais e das condições da ação no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 385, 27 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5493. Acesso em: 28 mar. 2024.

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