RESUMO: O texto procura tratar das principais fases históricas que deram origem ao Estado de Direito Social, além de apontar o perfil geral deste tipo de Estado no Brasil, especialmente dos anos 30 aos 90, quando se acentua dramaticamente sua derrocada. O texto, portanto, propugna por uma idéia bastante geral e ampla, acerca do conceito. Por fim, veremos que hoje nós temos um tipo de Estado Neoliberal, pois houve uma retomada de aspectos tacanhos, anacrônicos, limítrofes do antigo Estado Liberal (marcado pelo clássico liberalismo econômico) e a total subsunção da mais destacada característica do Estado de Direito Social, que era a salvaguarda dos direitos sociais e econômicos [1].
Palavras-chave: Estado de Direito Social; Estado-Empresa; socialismo; capitalismo.
Sumário: 1. História e tremores do Estado de Direito Social; 2. O Estado Social no Brasil; 3. Do Estado Social ao Estado Democrático.
História e tremores do Estado de Direito Social
O Estado de Direito Social é uma fase, ou melhor, é o resultado de uma longa transformação por que passou o Estado Liberal clássico e, conseqüentemente, é parte do curso histórico Estado de Direito, quando incorpora os direitos sociais para além dos direitos civis. Por este motivo, ao longo do texto, preferimos utilizar a expressão conjugada Estado de Direito Social, uma vez que em si traz esses sentidos.
Historicamente, o Estado de Direito Social é um modelo que nasce em meio à contradição histórica, pois se afirma em três experiências políticas e institucionais diferentes (dissonantes ou até mesmo opostas) e tem como resultado direto a produção de três documentos também diversos entre si, mas complementares e de grande consonância. Portanto, é claro como desde a origem a dinâmica histórica é contraditória, mas apresentando resultados complementares. Os momentos históricos mencionados são a Revolução Russa de 1917, a reconstrução da Alemanha após a Primeira Guerra e a Revolução Mexicana e suas conseqüências (como a fundação do PRI – Partido Revolucionário Institucional).
Já os três documentos resultantes são: a Constituição de Weimar de 1919 (um ícone social-democrático); a Constituição Mexicana de 1917 e a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, na Rússia revolucionária (socialista), de 1918. E assim definem-se, constitucionalmente, os direitos sociais e trabalhistas como direitos fundamentais da pessoa humana, sob a proteção do Estado. Desta fase em diante, pode-se dizer que estão dadas as bases do garantismo social: o Estado como provedor de garantias institucionais aos direitos sociais e trabalhistas – portanto, com um perfil fortemente marcado pelo protecionismo social.
Implicitamente, também vimos que o Estado Social nasce em função do socialismo [2] e é por isso que se diz que tanto o ataca (no Ocidente) quanto o defende (nas principais experiências socialistas após 1917). Para efeito didático, vamos chamar de Estado Social Ocidental aquele modelo que defende as linhas mestras do capitalismo e para tanto considera apropriado constituir e defender alguns direitos trabalhistas, entendendo-se que o "trabalhador assalariado é o principal consumidor da própria mercadoria por ele produzida" e isso também afastaria o "fantasma do socialismo [3]" (especialmente dos anos 50 até o final da década de 70 e 80) porque, mais satisfeito economicamente, o trabalhador mostra-se mais acomodado politicamente [4].
Então, como parte dessa relação dialética, histórica e contraditória, devemos notar que há ainda um outro pólo ideológico: o Estado Social Oriental (socialista) em que o desenvolvimento dos direitos sociais e trabalhistas fundamentais serve-lhe de empuxo para se distanciar ideologicamente do modelo capitalista (esse artefato estatal vigora até os abalos provindos da Perestroika e da Glasnost – Abertura e Transparência -, e culminando na queda do Muro de Berlin). Porém, sem que se tivesse proposto claramente a alternativa do socialismo, o Estado Social permaneceu limitado e definido como um simples modelo avançado do Estado Capitalista. Portanto, não se confirmou como real alternativa ao liberalismo que se propusera substituir, e basta lembrar do advento fulgurante do chamado neoliberalismo e da globalização ou internacionalização do capital financeiro. Um bom resumo dessa articulação entre protecionismo econômico e desenvolvimento dos direitos sociais, mediante a aplicação de políticas públicas específicas, é dado por Bonavides:
Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social (p. 186).
Assim, o Estado Social nasce na década de 1920 – como uma resposta, retaliação burguesa, oportunista e conservadora ao incremento dos movimentos sociais – e tem seu término selado nas décadas de 70 e 80, lembrando-se que a crise do Petróleo, com o aumento brusco em pouco tempo (amplamente referendado pela OPEP), só contribuiria para o agravamento desta crise. Portanto, forma-se, do ponto de vista jurídico (constitucional), a partir de 1917, mas passa a atuar como regulador e interventor mais assíduo na área econômica na década de 30, a fim de se evitar outra quebra da economia.
Considerando-se o próprio Estado Social nesta mão-dupla ideológica, nesta dubiedade, é possível confirmar que com o socialismo tanto se afirmam os direitos sociais e trabalhistas, quanto há uma verdadeira torrente de resistência ocidental às reivindicações populares e progressistas provindas do Leste Europeu. Mas, não se deve esquecer que o Estado do Bem-Estar Social europeu será forçado pela mesma corrente social que animaria os países socialistas. É de se frisar, então, que no centro de ambos os contextos estão os direitos sociais, mas utilizados de maneira claramente oposta e como armas ideológicas.
Mas, se o Estado de Direito Social surge em meio a esse turbilhão ideológico em que se debatem concepções e ideologias tão divergentes e opostas, também devemos notar que se trata de acerto de contas com o liberalismo tradicional e elitista, ou seja, de qualquer modo, o Estado de Direito Social expressará o clamor social pelas garantias e cumprimento dos direitos sociais. Assim, ainda que sirva de aparato ao avanço progressivo da onda socialista, o Estado de Direito Social será de certa forma popular, pois enunciará na lei algumas necessidades e demandas públicas e sociais. Como indica Bobbio:
Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX (...) Liberalismo e igualitarismo deitam suas raízes em concepções da sociedade profundamente diversas: individualista, conflitualista e pluralista, no caso do liberalismo; totalizante, harmônica e monista, no caso do igualitarismo. Para o liberal, a finalidade principal é a expansão da personalidade individual, abstratamente considerada como um valor em si; para o igualitário, essa finalidade é o desenvolvimento harmonioso da comunidade. E diversos são também os modos de conceber a natureza e as tarefas do Estado: limitado e garantista, o Estado liberal; intervencionista e dirigista, o Estado dos igualitários (2000, p. 42).
Até 1930, pode-se dizer que vigorava o receituário liberal clássico, do deixe fazer, deixe passar, sem grandes intervenções estatais na produção e na circulação de bens, produtos e mercadorias e que, após os anos 30, o Estado fraco tende a se fortalecer e, já como Estado forte (no tocante à intervenção na economia), irá pautar o processo capitalista em novas bases do próprio Estado de Direito. Neste marco histórico, o Estado de Direito agirá como produtor jurídico a fim de melhor organizar e defender o próprio sistema capitalista. Em geral, pode-se dizer que nasce sob forte pressão popular (movimentos socialistas), mas tem o firme propósito de legitimar e dar continuidade ao sistema capitalista.
Em outros termos, o Estado de Direito Social será o esteio jurídico do capital nacional e internacional, rompendo-se este liame somente durante a Segunda Guerra (1939-1945), e assim notaremos a ação do Estado mais fortemente marcada durante todo o período da Guerra-Fria: uma válvula de escape para as pressões sociais. Um momento da história em que era preciso uma transformação profunda do Estado de Direito a fim de que não mais se justificasse um regime de exceção como foi o nazismo, e o caminho apontado foi a positivação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Quanto a esta perspectiva humanitária, um passo importante para além das limitações jurídicas típicas do liberalismo clássico, na década de 40, foi formação da Organização das Nações Unidas (ONU – a 24 de outubro de 1945): como indicativo de que os direitos humanos deveriam reger as relações políticas, internas e externas [5]. Em seguida, em 1948, proclamou-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que veio assegurar os direitos sociais e corroborar o fluxo civilizatório que se impôs com o final da 2ª Guerra Mundial – e ainda que estivesse em pleno curso o nefasto período da Guerra Fria.
É preciso reforçar que os direitos sociais são histórica e ideologicamente socialistas, inclusive porque a lógica coletivista/organicista, que lhe é implícita, desafia o ritmo da apropriação individual do capital. Aqui é dado um passo além das conotações jurídicas do liberalismo porque, ao invés de se premiar o esforço ou o desempenho individual - a exemplo do direito à propriedade - gratificam-se as necessidades e as demandas sociais, públicas, coletivas, como quer o direito à educação.
A Constituição Alemã de 1949 (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha), logo na introdução, seria muito específica (explícita) em suas intenções e por isso afirmaria logo de início que o Estado de Direito seria democrático e social:
A Lei Fundamental constitui a base para o desenvolvimento pacífico e livre do Estado alemão. Os elementos fundamentais do novo estado estão inequivocamente definidos na constituição: - A República Federal da Alemanha é um Estado de direito, democrático e social; todo o poder estatal emana do povo (...) Os autores da Constituição, depois da nefasta experiência com as violações do direito pelo Estado nacional-socialista, empenharam-se particularmente em salientar as características dum Estado de direito (1975, p. IV- VIII).
O mesmo espírito do Estado de Direito do pós-guerra (da necessidade do controle democrático), portanto, continuaria presente nas décadas seguintes. Depois, em seu artigo primeiro, a Constituição trataria especificamente da positivação do princípio da dignidade da pessoa humana:
Artigo 1 (Proteção da dignidade do homem) (1) A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público. (2) O Povo Alemão reconhece portanto os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamentos de qualquer comunidade humana, da paz e da justiça no mundo. (3) Os direitos fundamentais a seguir discriminados constituem direito diretamente aplicável para os poderes legislativo, executivo e judicial (1975, p. 06).
E no artigo 20 justificaria ou referendaria, positivando as mesmas intenções quanto à salvaguarda do Estado de Direito já aventadas em sua introdução:
Artigo 20 (Princípios constitucionais – Direito de resistência) (1) A República Federal da Alemanha é um Estado federal, democrático e social. (2) Todo o poder estatal dimana do povo. É exercido pelo povo por meio de eleições e votações e através de órgãos especiais dos poderes legislativo, executivo e judicial. (3) O poder legislativo está vinculado à ordem constitucional; os poderes executivo e judicial obedecem à lei e ao direito. (4) Não havendo outra alternativa, todos os alemães têm o direito de resistir contra quem tentar subverter essa ordem (1975, p. 14).
Como vimos, a Constituição Alemã traria (inovando) garantias democráticas ao Estado de Direito, como normas impeditivas de retorno ao Estado de Exceção. É de se frisar que se propunha o Estado de Direito fundado na democracia e na previsão constitucional de ser social, importando assim no desenvolvimento de políticas públicas e sociais. Esta norma constitucional, por sua vez, ganharia continuidade especial com o Plano Marshall, o plano de restauração da Europa Ocidental no pós-guerra [6].
De lá para cá, porém, ocorreu um desmanche real nas intenções e nas ações estatais de cunho social, e que provocaria um processo de soterramento do Estado de Direito Social com os governos de Ronald Reagan (EUA) e Margaret Tatcher (Inglaterra), iniciando-se no princípio dos anos 80, pois o socialismo já não era mais uma ameaça e os investimentos nos equipamentos sociais poderiam ser reduzidos – sem que houvesse uma resistência massiva.
Em 1989 é decretado o documento chamado de Consenso de Washington, em que se sobrepõe o controle dos gastos públicos a despeito das necessidades sociais e econômicas.
O Estado Social no Brasil
No Brasil, o Estado de Direito, em 1930, sofre um profundo abalo com o golpe de Getúlio Vargas e depois, com o Estado Novo (1937-1945), o capitalismo será protegido e estimulado ainda mais pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1942). Afinal, o capitalismo necessita de trabalho livre (pois sem salário não há consumo) e esta modalidade de trabalho e de produção precisa de respaldo jurídico para não regressar às formas de produção arcaicas [7] – lembremos que, nesta época, 70% da população vivia na área rural. Assim, o Estado Liberal brasileiro, em vias de se modernizar e se aprofundar na formação do Estado de Direito Social, tratou de (re)produzir [8] um novo ordenamento jurídico para que as relações de produção não retornassem às fases anacrônicas, anteriores e contrárias aos interesses do capital [9].
Como só iniciamos nosso processo de transformação social a partir dos anos 30, é como se no Brasil houvesse um certo capitalismo tardio [10], porque as bases sociais, políticas, econômicas, culturais nunca alcançaram com o mesmo fluxo ou no mesmo ritmo o próprio desenvolvimento das forças sociais e econômicas da produção. Convive, lado a lado, desde sempre, o arcaico e aquilo que quer florescer, a escravidão e as forças motrizes da economia que motivaram a expansão do capital para além-mares. Após a Abolição, com a República que não foi para valer [11] (em que o povo foi apenas convidado para assistir ao desfile cívico), vimos conviver um capitalismo de alta tecnologia com a miséria humana absoluta, acostumamo-nos a conviver (adequadamente, sob a lógica do capital, mas de forma contraditória, sob a ótica da justiça social) no país-continente, de terras e riquezas sem fim, com os sem-terra, sem-teto, sem-escola, sem-nada.
É como se nossa história republicana ainda fosse um quadro bem definido, pois, desde que nasceu com uma profunda desconfiança e descrença popular, mostrou-se bem pouco capaz de sensibilizar a sociedade e os poderes públicos acerca da necessidade, ou melhor, da urgência em se implantar efetivamente o Estado de Direito – quer fosse em sua versão limítrofe e própria do Estado Liberal, quer fosse em razão do acréscimo dos benefícios públicos e gerais ofertados pelo conjunto global dos direitos sociais.
Em outras palavras, no Brasil dos anos 30, com a nossa revolução industrial e burguesa, sob o comando populista de Getúlio Vargas, inauguramos um regime dúbio: de um lado, ocorre a cortesia com o povo ao se admitir a prevalência dos direitos trabalhistas (CLT) e, de outro, há a adaptação da economia capitalista industrial aos interesses da aristocracia política rural – bem como ao sistema econômico internacional, em vias de se globalizar. Há um ajuste entre a necessidade de transformação dos meios de produção e as relações sociais que predominavam naquela fase. Por isso, Getúlio Vargas ainda será chamado de Pai dos Pobres e de Mãe dos Ricos. A reforma do ensino liderada por Fernando de Azevedo, agora de caráter gratuito no ensino primário, é outro indicador de que o capital precisa de mão-de-obra qualificada.
Com isso, o pensamento político também se revigora, e será a década da mais profícua produção das ciências sociais – é a era da chamada Geração de 30, com destaque para Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr.
Uma síntese das interpretações desenvolvidas por esses autores se encontra nos seguintes livros: Evolução do Povo Brasileiro, de Oliveira Vianna; Interpretação do Brasil, de Gilberto Freyre; A Evolução Industrial do Brasil, de Roberto C. Simonsen; Evolução Política do Brasil, de Caio Prado Júnior; e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. A despeito da ênfase social, econômica, política ou cultural, evidente em cada um, empenharam-se em apresentar explicações abrangentes, globalizantes (...) suas interpretações do Brasil tornaram-se paradigmáticas (...) Conservadores, autoritários, liberais, democratas e socialistas já têm ao seu dispor um esquema básico, uma referência coerente, um paradigma para pensar e agir. Assim, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Roberto C. Simonsen e Caio Prado Júnior adquirem a aura de clássicos (1994, p. 41).
Em oposição a Getúlio, insurge-se um movimento de resistência liderado pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), em 1935, no Rio de Janeiro e no Nordeste, denominado de Intentona Comunista, mas que não logra sucesso. Em relação a este movimento político, é de se notar a influência do famoso Tenentismo (desde 1922) e da Coluna Prestes (nos anos seguintes), e agora sob a liderança de Luís Carlos Prestes – em fuga, durante dois anos e meio, a Coluna percorreu cerca de 25 mil quilômetros.
Em 1941, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o Brasil dá um passo decisivo rumo à industrialização. Nos anos cinqüenta, devemos ressaltar a conhecida política de substituição de importações em que, à custa do crescimento vertiginoso da dívida externa brasileira, a base do capitalismo brasileiro é instigada à modernização com a solidificação da indústria de base, de transformação (metalurgia: a indústria do ferro e do aço) em contraste com o período anterior (anos 30) em que a produção estava calcada na manufatura e na monocultura agrícola. Capitaneados por Juscelino Kubitschek e seus 50 anos em 5, com certeza aqui produzimos nosso sonho mais megalomaníaco: Brasília [12].
Com a industrialização também cresce a necessidade de mão-de-obra qualificada, não bastando que o trabalhador rural viesse a se alojar nos centros urbanos e, por isso, as reformas educacionais vão acentuar um ensino público, gratuito, obrigatório e suficiente para tornar aptos aqueles trabalhadores: alfabetizados para assimilar certo Know How, os trabalhadores mostram-se capazes de operacionalizar as ferramentas, os equipamentos e as máquinas mais complexas. Nesta fase, a melhor escola é a escola pública.
Nos anos 60, há um arremedo de modernização e democratização das instituições políticas, com João Goulart retomando alguns temas populistas, mas de qualquer modo foi um período fortemente estimulado pelas lutas sindicais, estudantis (UNE) e partidárias em prol do aprofundamento dos direitos sociais. Há muito, as bases do igualitarismo eram evidenciadas na política externa, com destaque para a Revolução Cubana e as várias guerrilhas espalhadas pela América Latina, a exemplo de que, anos depois, fariam as FARC na Colômbia e o movimento Tupac Amaru, no Peru. Como conseqüência, ao invés de aprofundarmos o Estado Social e a Social-democracia no Brasil, sofremos um revés e, com o golpe militar de 64, o sonho do igualitarismo social é dizimado nos porões da tortura e do Estado Social de Exceção.
No Brasil, o período áureo desse Estado Social de Exceção se deu com o chamado milagre econômico, na década de 1970, mas seu encerramento se dará, definitivamente, com o primeiro governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) e a era das privatizações (CSN, Vale do Rio Doce). Além disso, os oito anos de FHC à frente do governo central sistematizaram o desmanche do suporte popular e a via (ou veia) sindical que é a essência de toda política social-democracia: quebram-se as pernas do sindicalismo combativo e se incentivam o sindicalismo de resultados. Deve-se frisar ainda que se acentua o êxodo rural e a mecanização do campo – o fermento da atual situação de miserabilidade urbana e da violência no campo [13].
Nos anos 80, além de abdicar da defesa constitucional dos direitos sociais, o Estado Social também diminuiu bruscamente, continuamente sua participação como agente de financiamento ou de investimento econômico: o superávit primário, de meio regulador do orçamento, passaria a instrumento de medição técnica de controle da economia nacional pelo capital externo. Os países mais pobres são (in)justamente os mais controlados pelas agências internacionais de regulação da economia global, como o FMI.
Nos anos 90, no Brasil, além da derrocada total do Estado Providência (com o agravamento substancial da miséria, do desemprego e da violência social), a burocracia estatal atendeu a mais uma imposição do capital externo e impôs a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (promulgada em 2000): em que se tem a previsão de que as políticas públicas sejam controladas com mão-de-ferro para que não se aumente a dívida nacional – em resumo, o Estado brasileiro abdicou da saúde e da educação para pagar a dívida externa. Nesta fase de total controle da economia e da soberania nacional pelo capital externo (financeiro e especulativo), constituiu-se o que os especialistas chamam de Estado Global: a economia globalizada escraviza todos os Estados nacionais, com uma mesma receita de base, mas os pequenos ou fracos economicamente sentem este embargo com pesos duplicados. Esta fase viria a suceder o que se entendia nos anos 90 por Capitalismo Monopolista de Estado: quando o próprio Estado era o principal financiador do capital monopolizado ou oligopsônico.