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O instituto do consumo à luz do Direito Econômico

23/07/2004 às 00:00
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Resumo: dotado de embasamento teórico, de forma sintética, o artigo procura explicar o instituto do consumo em face do Direito Econômico. Para tanto, desenvolve reflexões acerca da importância do consumidor na sociedade, das medidas político-econômicas aplicadas e das inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Unitermos: Código de Defesa do Consumidor, instituto do consumo, medidas político-econômicas.


Noções introdutórias

Considerando que a economia de mercado se implementou, o consumidor passou a exercer papel importante junto à sociedade, aumentando consideravelmente o campo de incidência dessa economia, o número de participantes nessa esfera (fornecedores e consumidores) e a quantidade de bens e serviços ofertados e procurados, e por conseqüência, o número de relações jurídicas efetivadas. Assim, as relações de consumo que antes eram regidas apenas por regras de direito privado, passaram a requerer outros dispositivos a seu respeito, pela própria necessidade de bem regular as relações que passaram a se estabelecer.

O reconhecimento do consumidor deu-se com o advento da revolução tecnológica, a partir dos anos sessenta e setenta, após a Segunda Grande Guerra, quando passou a assumir posição que muitos reconhecem como hegemônica, calcada nos novos valores expressos em direito à manutenção de melhor qualidade de vida, de garantia de emprego e ganho suficiente às suas necessidades, de maior participação na distribuição da renda, de presença e participação decisional em igualdade de condições com as demais categorias na política de consumo traçadas pelos órgãos políticos e administrativos (SOUZA, 1994, p. 459-460).

A tendência protetora do consumidor contra a sua inferioridade econômica é notada em vários países, diferenciando-se, apenas, no grau de participação ou de proteção que lhe são fornecidos. E, em sendo a parte econômica mais fraca na relação jurídica, tem seus interesses e direitos garantidos em lei, com o amparo do poder público, o qual não se implementa apenas com o direito privado.


O consumo frente ao Direito Econômico

De acordo com SOUZA (1994, p. 462), sob o prisma jurídico, "a noção mais simples de CONSUMO, é a da ‘utilização’ do bem, pelo fato da transferência do ‘fornecedor’ ao ‘consumidor", o que faz nascer a relação jurídica de consumo, entre estas duas pessoas, aqui denominadas de sujeitos. Em relação à utilização desse bem essa será "momentânea’ ou ‘continuada’, caracterizando o ‘bem de consumo durável" (SOUZA, 1994, p. 462).

Todavia, este conceito de consumo difere pelas suas próprias características do seu conceito econômico. "A primeira delas refere-se à condição do ‘bem’ satisfazer as necessidades do sujeito" (SOUZA, 1994, p. 463), a qual, na legislação, em face do Código de Defesa do Consumidor é a de consumidor final que por sua vez visa a satisfação da "necessidade pessoal, familiar, ‘seletiva’ ou ‘de defesa" (SOUZA, 1994, p. 464). Se juridicamente essa relação formará ou não um contrato, "em Direito Econômico ela é observada pelo comportamento da política econômica a respeito do bem ou serviço de que se trate e das suas conotações com os interesses e as possibilidades do consumidor" (SOUZA, 1994, p. 464). Acerca do assunto preleciona Camargo (2001, p. 460):

[...] O fato jurídico do consumo pode ou não decorrer de contrato e, em Direito Econômico, a preocupação ultrapassa o campo da mera interpretação de cláusulas negociais, porquanto se chega tanto aos instrumentos de facilitação como aos de estímulo ao consumo, como se pode verificar na propaganda. [...]

Assim, geralmente, o que interessa aos juristas é o ato jurídico praticado para o efeito de consumir, ao contrário do Direito Econômico, que tem o seu interesse voltado às medidas tomadas pelo Estado (planejamentos e leis de proteção e defesa do consumidor) e pela postura adotada pelo próprio consumidor, o qual poderá agir pessoal ou coletivamente, através de ações que lhe são possibilitadas pelo Direito (SOUZA, 1994, p. 464). Por esses motivos, o consumo em Direito Econômico deve ser entendido como um verdadeiro instituto.


Medidas político-econômicas de consumo

Apesar das Constituições Brasileiras anteriores à de 1988 disporem sobre o salário e as demais fontes de ganho, como inerentes à possibilidade de consumo, deixaram de abordar com maior profundidade o instituto do consumo, o que a "realidade econômico-social já estava a exigir" (SOUZA, 1994, p. 465).

Esse direcionamento que faltava ao instituto do consumo surgiu com o advento da Constituição Federal de 1988, quando passou a ser positivado em vários artigos. Dentre estes artigos, destaca-se: a defesa do consumidor como princípio geral da atividade econômica (art. 170, inciso V); a proteção do consumidor como direito e fundamental da pessoa humana (art. 5º, inciso XXXII); a previsão para a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor (art. 48 das Disposições Transitórias); a possibilidade de impetração de mandado de segurança coletivo para defesa e preservação dos interesses e direitos dos consumidores (art. 5º, inciso LXX); a possibilidade de impetração de ação civil pública pelo Ministério Público para a proteção dos direitos dos consumidores (art. 129, inciso III); o âmbito em que pode haver legislação concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, restando incluída nessa esfera a normatização sobre produto e consumo bem como a responsabilidade por danos ao consumidor (art. 24); a determinação de medidas para que esclareçam os consumidores acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços (art. 150, parágrafo 5º); a menção a direito dos usuários com relação a serviços públicos (art. 175, parágrafo único, inciso II); e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família em relação à programação de emissoras de rádio e televisão (art. 221, inciso IV).

Assim, pode-se afirmar que esses elementos que foram reconhecidos pela nossa Carta Magna inspiram no Direito Econômico o que se chama de medidas político-econômicas, as quais são caracterizadas pela proteção do consumidor.

O consumidor ao organizar-se também elabora medidas político-econômicas para a sua própria defesa, seja reunido em associações, seja em ações individuais, através de "boicotes" a compra de determinados produtos, por exemplo. No mesmo sentido, agem os órgãos criados pelo Estado, por meio do Instituto de Defesa do Consumidor, dos Programas de Proteção ao Consumidor (PROCONs) e de órgãos como o Conselho Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial.

Souza (1994, p. 467) esclarece que a política econômica do consumo pode ser considerada, pelos seguintes prismas

a)as medidas postas em prática pelo Estado, tais como a que se traduz pela política tutelar ou pelas leis e os planos econômicos.

b)a política econômica da empresa, relacionada com a oferta de produtos e que, em termos de Direito Econômico, tanto pode ser tratada no sentido repressivo (exemplo: as leis referentes ao abuso de poder econômico), como no sentido estimulativo (exemplo: as medidas de incentivo fiscal, crédito e outras), destinadas a se refletirem na garantia de abastecimento ou na redução do preço final dos produtos.

c)o indivíduo, na sua política de aquisição e de defesa própria, utilizando-se dos expedientes de união com os demais, dando-lhe caráter coletivo com as ações próprias a que nos referimos anteriormente ou com atitudes pessoais de resistência à compra, e coletivas, de "boicotes".

O mesmo autor também refere que na defesa direta ou indireta do consumidor, se encontram a nível estadual os órgãos que se encarregam do abastecimento (a exemplo da COBAL e dos CEASAs), e a nível federal, os órgãos tabeladores de preços (SUNAB, Conselho Interministerial de Preços, Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) (SOUZA, 1994, p. 468).

Inclui-se também nesse rol protetivo, o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, o qual representa o consumidor junto ao Ministério Público, a fim de que se promovam medidas legais protetivas, incentivadoras, informadoras e fiscalizadoras dos meios capazes de prejudicá-lo; o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), previsto no CDC e integrado de órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e entidades privadas de defesa do consumidor e o Departamento Nacional de Direito Econômico, junto ao Ministério da Justiça, responsável pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Visando dimensionar a legislação protetiva dada ao consumo, exemplifica-se com as que se referem ao abuso do poder econômico (leis nºs 1.552, 4.137, 8.137, 8.158, 8.884, de 11.06.94); ao tabelamento de preços; as de proteção à economia popular (lei nº 5.768, de 20.12.71); as referentes ao consumo de bebidas (decreto nº 73.267, de 06.12.73). Contudo, a que coroou a legislação supramencionada é a lei nº 8.078, de 11.09.90, que dispõe sobre o Código de Defesa do Consumidor.


O Código de Defesa do Consumidor

A partir de setembro de 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, operou-se em nosso ordenamento jurídico, considerável mudança de rumo na ação protetora do Direito, em obediência e em conformidade com a Constituição Federal que, a partir de 1988, passou a prestigiar com status de princípio o direito fundamental da proteção do consumidor (art. 5º, inciso XXXII).

Este código passou a definir componentes essenciais à relação de consumo, quais sejam: a) o consumidor, tido como toda a pessoa física ou jurídica ou a coletividade de pessoas a ela equiparada, a qual adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (art. 2º); b) o fornecedor, toda a pessoa física, ou jurídica, e também os entes despersonalizados que desenvolve atividades de produção, montagem, criação, constituição, transferência, importação, exportação e a distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art. 3º); c) o produto, qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial (parágrafo 1º, do art. 3º); d) o serviço, a atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, salvo as decorrentes das relações trabalhistas (parágrafo 2º, do art. 3º).

Convém salientar que o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de norma de ordem pública, impôs novo regime geral, propugnando pelo equilíbrio, a boa-fé e a equidade em todas as relações de consumo, revogando eventuais disposições e cláusulas abusivas fixadas em contratos antigos ou novos, em perfeita harmonia com a Constituição Federal de 1988. Assim, pode-se dizer que "com a edição do Código de Defesa do Consumidor, todas as questões que dizem respeito a relações de consumo receberam tratamento inovador" (EFING, 2000, p. 24).

Acerca do assunto, Camargo (2001, p. 467) enfatiza

[...] cumpre ainda esclarecer, ainda, que a Lei 8078/90 repeliu a idéia de um maniqueísmo, puro e simples, em que o fornecedor seria um vilão e o consumidor uma pobre vítima. É ele convocado, inclusive, a colaborar na política de consumo, seja na celebração das convenções coletivas, seja pela obtenção de incentivos na criação de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços e de mecanismos alternativos de solução das controvérsias instauradas com os consumidores. [...]

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Para Efing (2000, p. 29) "o CDC, instrumento normativo regente dos direitos do consumidor e como tal adotado de particularidades inerentes à relação de consumo, encontra na sua base princípios próprios que distinguem o direito do consumidor dos demais ramos do direito". E dentre as várias inovações por eles trazidas, destaca-se: o princípio da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor (art. 4º); o tratamento tutelar ao contrato, através do qual as cláusulas são interpretadas favoravelmente ao consumidor (art. 23, art. 47 e art. 51, inciso XV); a responsabilidade e a culpa pelo fato e pelo vício do produto e do serviço (art. 12, parágrafo 3º, inciso III e art. 22); a inversão do ônus da prova (art. 6º, inciso VIII, art. 38 e art. 51, inciso VI); a desconsideração da personalidade jurídica (art. 28); a consagração dos interesses difusos, coletivos e homogêneos, como as de pessoas indeterminadas e de entes despersonalizados (como sujeitos de direitos e obrigações); a preocupação com a facilitação do acesso à justiça para concretização da proteção do consumidor; a possibilidade do juiz tomar medidas adequadas, principalmente de caráter cautelar, que permitam a obtenção de resultado prático visando a satisfação dos direitos do consumidor; e a admissibilidade de todas as espécies de ações capazes de propiciar a efetiva tutela dos direitos e interesses protegidos pelo referido Código.

Não obstante todas essas inovações, o direito do consumidor dota-se de princípios que o difere dos demais sistemas jurídicos. Todavia, não "ocorre de todo o desligamento do direito o consumidor com os demais ramos, pois em casos de lacunas na lei de defesa do consumidor, outros diplomas legais concorrerão para suprimi-las, ao mesmo tempo em que não deverão contrariar os princípios vigentes no CDC" (EFING, 2000, p. 31).


Considerações finais

O presente artigo, de cunho teórico, abordou sem o compromisso de esgotar a matéria, alguns aspectos nos quais se desenvolve o instituto de consumo à luz do Direito Econômico, a partir do reconhecimento do papel exercido pelo consumidor no seio da sociedade ao longo dos tempos, bem como as medidas político-econômicas criadas e as maiores inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Percebeu-se de modo claro que o instituto do consumo perante o Direito Econômico se interessa pelas medidas político-econômicas que devem ser criadas e aplicadas, através de planejamentos e legislações, visando sempre a tutela do consumidor. Mais, medidas que deverão ser tomadas pelo Estado, através de seus órgãos, e pelo próprio consumidor, através de ações individuais e coletivas, para que assim, possa concretizar os seus direitos.

E, em relação ao Código de Defesa do Consumidor, frise-se que esse surgiu para estabelecer nova forma de agir, de conduta da sociedade de consumo brasileira, o qual consagrou as alterações que já vinham sendo pretendidas pela doutrina e também pela jurisprudência, no que se refere às relações de consumo.


Referências bibliográficas

CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Direito econômico: aplicação e eficácia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001.

EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 3. ed. rev. atual. São Paulo: LTr, 1994.

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Sobre a autora
Larissa Fialho Maciel

advogada junto à Stefani & Associados, pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade de Passo Fundo/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Larissa Fialho. O instituto do consumo à luz do Direito Econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 381, 23 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5498. Acesso em: 26 abr. 2024.

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