O Brasil tem 8.515.767,049 Km² e mais ou menos 205 milhões de habitantes. Vivemos, portanto, num país vazio. No entanto, o espaço geográfico brasileiro não é igualmente distribuído entre os habitantes do país. A terra é propriedade de poucos e a riqueza intelectual e financeira sempre foi concentrada nas mãos de uma minoria.
Em nosso país (construído durante séculos através da exploração intensiva de mão de obra escrava e da apropriação privada das terras comunais dos indígenas), o poder público nunca esteve a serviço de todos os que habitam seu território. Muito pelo contrário, o Estado brasileiro tem apenas alguns donos e eles sempre usaram os meios de violência estatal para se apropriar daquilo que poderia ter valor mediante a exclusão da arena política de vastos contingentes populacionais que foram sendo brasilisados.
Lula e Dilma criaram e administraram políticas públicas (educação, saúde, renda mínima, habitação) para incluir toda a população no universo político. A reação feroz da imprensa e dos privilegiados (que apesar de não terem perdido seus privilégios se sentiram excluídos) levou ao golpe de estado de 2016. Empossado na presidência, Temer faz exatamente o oposto do que foi feito pelos seus dois antecessores. O usurpador está privando a maioria da população da convivência civilizada ao revogar direitos sociais, trabalhistas e previdenciários que foram lentamente conquistados.
Roma se espalhou pela Europa e chegou na Lusitânia. De lá, algumas de suas instituições foram levadas pelos portugueses às suas colônias. Algumas delas chegaram ao Brasil. A principal delas era a absoluta separação entre os cidadãos romanos (sujeitos ao direito civil romano) e aqueles que não eram cidadãos (sujeitos ao direito das gentes). Quando havia conflito entre um cidadão romano e um não cidadão, o direito romano prevalecia sobre o direito das gentes.
Além de excluir contingentes populacionais conquistados dos benefícios da civilização, Roma lidava com a pressão populacional de duas maneiras: realizando guerras externas e estabelecendo colônias. Após a descoberta do Brasil, uma dinâmica semelhante foi empregada por Portugal. Isto explica satisfatoriamente o processo de diferenciação entre “colonos” e os “outros” brasileiros e entre os seus descendentes.
Todos são iguais perante a Lei e a pena de morte é proibida pela constituição. Todavia, um senador pode traficar impunemente 450 Kg de cocaína sem ser importunado pela Polícia Federal. E o usuário de 0,045 Kg de cocaína na favela pode ser preso ou morto por um PM sem que o homicídio resulte em punição.
Após cinco séculos, o Brasil continua vazio. Mas seus governantes se comportam como se o país estivesse cheio porque o Estado brasileiro continua sendo propriedade de alguns e eles não querem compartilhar seus bens nem proporcionar os benefícios da civilização à maioria da população. Pior, ao contrário dos romanos eles não sabem o que fazer com o excesso populacional.
A exclusão social produz o crime. Ao invés de prevenir o fenômeno educando a população, o Estado se limita e encarcerar e a matar criminosos e suspeitos. A letalidade policial crescente só é vista como um problema quando os PMs executam alguém “bem nascido”. Quando os presídios superlotados explodem e os prisioneiros se matam às dezenas, os agentes públicos recolhem os corpos e enterram os mortos. Alguns lamentam o “acidente” outros dizem publicamente que as chacinas deveriam ser maiores e mais frequentes. Sem papas na língua e com muito pouco na cabeça, Bolsonaro diz que 200 mil bandidos deveriam ser exterminados.
Vazio, o Brasil tem diante de si mesmo três saídas: incluir toda sua população e construir um futuro decente para o país; preservar a exclusão e continuar convivendo com índices crescentes de violência privada, policial e carcerária; adotar como política pública o extermínio programado de contingentes populacionais que nunca poderão ser incluídos nos benefícios da civilização.
Cada uma destas opções acarretará sacrifícios. A primeira obrigará a elite a pagar impostos e a abrir mão do controle absoluto dos meios de construção do imaginário privado (da imprensa) e da vida pública (da política). A segunda não irá melhorar em nada a imagem do Brasil interna e externamente. A terceira provocará uma guerra interna e externa, com prejuízo inclusive e principalmente para aqueles que acreditam na necessidade ou possibilidade de um genocídio. Façam suas escolhas e apertem os cintos, pois nossa história não terminou. De fato, ela não está nem começando.