RESUMO
O incidente de resolução de demandas repetitivas surgiu na tentativa de suprir a deficiências do sistema atual, com intuito de proteger cada vez mais ação de direitos individuais homogêneos. O incidente de resolução de demandas repetitivas será instaurado a partir de uma ação individual que possa ou já esta acarretando várias ações com a mesma causa de pedir e pedido. O presente trabalho objetivou analisar a viabilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas. E como objetivos específicos tem-se: conhecer os princípios constitucionais do processo no âmbito do Estado Democrático de Direito; argumentar sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas face ao princípio do devido processo legal, e, por fim, constatar os impactos da aplicação do incidente nos princípios da ampla defesa e do acesso à jurisdição, garantidos constitucionalmente a todos os cidadãos. Para a produção deste artigo, a metodologia utilizada é a bibliográfica, e o procedimento é o comparativo e hermenêutico com abordagem dedutiva. Através da revisão bibliográfica e do estudo do projeto de lei, alcançou-se o objetivo do presente artigo, uma vez que se confirmou a hipótese de que o incidente de resolução de demandas repetitivas ignorou princípios constitucionais legitimadores do processo e se mostrou incompatível com um processo participativo, uma característica fundamental do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Demanda Repetitiva. Código Processo Civil. Viabilidade do Incidente de Resolução.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o Código de Processo Civil sofreu inúmeras alterações com o objetivo de trazer maior celeridade aos processos, numa tentativa de concretizar o direito fundamental à duração razoável do processo.
Sabe-se que o Poder Judiciário, na sua função precípua de resolver as lides na sociedade moderna, não tem uma tarefa fácil diante do grande número de processos existentes e das limitações à tarefa judicante. Por isso, o Judiciário tornou-se moroso e, muitas vezes, não consegue atender a sociedade de forma eficiente.
O objetivo na implementação desse instituto é trazer maior racionalidade à técnica processual ao visar a uniformização da coletivização das lides na jurisprudência. Todavia, princípios constitucionais do processo seriam violados, podendo gerar insegurança jurídica no momento em que suprime o regular andamento das questões pelas instâncias inferiores e impõe-se uma decisão que poderá ser tomada sem o necessário amadurecimento próprio de um evoluir jurisprudencial.
Neste sentido, justifica-se analisar o novo instituto a ser introduzido no
ordenamento jurídico brasileiro, que se propõe a julgar demandas de massa, para verificar se realmente produzirá os resultados a que se propõe. Para o estudo do presente tema, partiu-se da seguinte problemática: Em que pese o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, ao proferir uma mesma decisão para casos
semelhantes, o juiz poderia estar promovendo uma unificação nos processos, podendo estar violando princípios constitucionais inerentes, no âmbito do Estado Democrático de Direito e consequente insegurança jurídica.
Como resposta a esse questionamento, a pesquisa se orientou pela seguinte hipótese: O incidente de demandas repetitivas, apesar de surgir como forte tendência se mostra como uma barreira para a promoção de um modelo de processo democrático e participativo, consequentemente coibindo a ampla discussão, o que não se coaduna com os princípios constitucionais do processo, garantidos no âmbito do Estado Democrático de Direito.
O presente trabalho tem por objetivo geral analisar sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas face ao princípio do devido processo legal,. E como objetivos específicos tem-se: conhecer os princípios constitucionais do processo no âmbito do Estado Democrático de Direito; e, verificar os impactos da aplicação do incidente nos princípios da ampla defesa e do acesso à jurisdição, garantidos constitucionalmente a todos os cidadãos.
Para a produção deste, a metodologia utilizada é a bibliográfica, e o procedimento é o comparativo e hermenêutico com abordagem dedutiva, fazendo uma ligação entre o incidente de resolução de demandas repetitivas e os princípios constitucionais do processo no âmbito do Estado Democrático de Direito.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
Segundo Leachter (2009), esse prazo razoável vai depender de cada caso concreto, cabendo ao juiz analisá-lo e buscar meios que possibilitem a tramitação do processo em um prazo correspondente àquela demanda específica (LEACHTER, 2009, p. 23). Os prazos estabelecidos legalmente precisam ser rigorosamente cumpridos, expurgando as dilações indevidas que prejudicam a eficácia da função social do processo, visando entregar ao titular uma prestação jurisdicional em tempo oportuno.
Conforme Amorim (2010, p.193), “reconhecer o direito de forma tempestiva acalma os ânimos e põe fim ao conflito”, conferindo, por consequência, maior credibilidade ao Poder Judiciário. Ainda segundo o autor, ao determinar a duração razoável do processo, o legislador pretende que este se utilize do tempo suficiente para a observância das normas constitucionais, não devendo ser muito rápido que impossibilite o contraditório e a ampla defesa, nem tão delongado ao ponto de tornar ineficaz a decisão, uma vez que o objeto da demanda tenha se perdido no decurso do tempo.
Insta acrescentar que a razoável duração do processo também deve estar em
harmonia com os demais princípios constitucionais, principalmente ao devido processo legal. Quanto ao devido processo legal, segundo Didier (2010), depreende-se desse princípio a necessidade por parte do legislador, na construção do procedimento, de levar em consideração as peculiaridades do objeto do processo a que servirá, ou seja, não só o procedimento, mas também a tutela jurisdicional. Afinal, um procedimento inadequado ao direito material pode importar em negativa da tutela jurisdicional. Ademais, deve o juiz, por sua vez, adaptar o procedimento às particularidades da causa que lhe é submetida.
Prega Teixeira (2010) que vigora no Brasil a corrente processual denominada
instrumentalista, e para seus defensores, “o processo não passa de um meio para se atingir um fim que, para eles, seria a efetivação de uma decisão judicial (sentença), que vise precipuamente, entregar ao cidadão o bem da vida (...) no menor espaço de tempo com o menor custo possível”.
Critica o autor que essa concepção mercantilista do processo não pode vigorar em um Estado Democrático de Direito, já que o processo “é direito fundamental do cidadão e do governante, só se compreendendo como processo aquele procedimento realizado em contraditório com as partes, que serão os destinatários da decisão judicial” (TEIXEIRA, 2010, p. 64).
Nessa mesma corrente, Theodoro (2009, p.15) declara que “a técnica processual não pode continuar sendo vista como um fim em si ou um valor em si mesma”. Apesar de ser necessária a observância das formas, estas se justificam apenas enquanto garantias do adequado debate em contraditório e com ampla defesa. Ou seja, “efetivo, portanto, é o processo justo, aquele que, com a celeridade possível, mas com respeito à segurança jurídica (contraditório e ampla defesa), proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material” (THEODORO, 2009, p. 16).
2.2 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Atualmente no Brasil, as decisões formuladas pelos tribunais não vem sendo adotadas como forma de aplicação da jurisprudência, não servindo assim como um padrão decisório, criando-se desta forma um quadro nebuloso de utilização da jurisprudência.
Para melhor compreensão do incidente proposto pelo Novo Código de Processo Civil, passa-se a análise dos dispositivos do projeto que tratam do seu procedimento. O caput do artigo 930 regula o cabimento do instituto no caso de identificação de controvérsia que possa gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de decisões conflitantes.
Segundo Bartilotti (2012), as situações jurídicas homogêneas são aquelas que, embora individuais, são repetidas em larga escala. Conforme palavras do autor, se examinadas individualmente, teríamos a mesma perspectiva das demandas tipicamente individuais, mas, se examinadas no seu conjunto, surge um interesse meta individual, visto que atinge de modo semelhante um grande número de pessoas, caracterizando, assim, um interesse coletivo.
Neste sentido, o legitimado para provocar a instauração do incidente deve convencer o tribunal sobre a potencialidade de multiplicação de determinada demanda, que cuide de idêntica questão de direito e que possa gerar uma insegurança jurídica diante da possibilidade de coexistirem decisões controversas. Tais requisitos devem ser demonstrados pelos legitimados através de prova documental, não sendo cabível outro tipo de prova (ALMEIDA, 2012).
O § 1º do artigo 931 prevê os legitimados a suscitarem o incidente, que pode ser feito de ofício pelo juiz, a requerimento das partes ou pelo Ministério Público, por intermédio de simples petição.
O § 2º prevê a necessidade de se comprovarem os requisitos do incidente, conforme dito acima, e o § 3º a intervenção obrigatória do Ministério Público. Insta ressaltar que, conforme ensinamentos de Bartilotti (2012, p.125), “quando os juízes ou relatores pedirem a instauração do incidente, devem escolher a demanda inicial ou recursal que condense a maior quantidade possível de argumentos sustentados pelos litigantes no que diz respeito a matéria discutida”.
O artigo 931 trata da publicidade do incidente, estabelecendo a necessidade de divulgação e ampla publicidade por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça sobre a instauração e o julgamento do incidente. O parágrafo único deste artigo dispõe sobre a constante atualização do cadastro, como forma de possibilitar o mais amplo conhecimento de que todos os processos que versem sobre determinada matéria estão suspensos até o pronunciamento do órgão especial ou plenário do tribunal sobre o tema, evitando-se, assim, que algum processo sobre matéria que ainda será decidida continue a tramitar, podendo gerar alguma decisão conflitante.
Leal (2012) afirma que “o objetivo desta publicidade é proporcionar ao jurisdicionado ampla divulgação sobre a existência dos incidentes instaurados em todo o território nacional, o teor das discussões e, sobretudo, o resultado, justamente para observância e obediência” ou seja, para que o precedente criado pelo julgamento do incidente seja observado nos demais casos que envolva a mesma questão jurídica.
Com a entrada em vigor da Constituição de 1988 os litígios aumentaram e se tornaram mais complexos, e, o processo passou a ser utilizado com a finalidade de garantir direitos privados e fundamentais. Devido a este fato, o Poder Judiciário se vê abarrotado de litigiosidades repetitivas e, esta postura de utilização jurisprudencial deve ser levada em conta, principalmente para dimensionar essas demandas.
Visando agilizar o andamento destas inúmeras ações ajuizadas com base no mesmo fato ofensor, este modelo propõe a uniformização das soluções dadas aos conflitos concretos, tentando assim reduzir os litígios a trazendo uma rápida e justa solução estatal (NUNES; PATRUS, 2013).
Tal procedimento é dividido em três etapas, sendo que na primeira a corte distrital elege uma causa representante de todas as demandas, que por sua vez é submetida ao tribunal estadual. Desta decisão que escolhe a causa que servirá de modelo não poderá se interpor recurso, salvo no caso de a corte distrital indeferir o pedido de processamento do incidente. Na segunda fase, ocorre o julgamento da causa eleita e profere-se decisão resolvendo as questões de fato e de direito. Já na terceira e última etapa ocorre o julgamento posterior de todas as outras causas sobrestadas e que serão decididas com base na decisão-modelo prolatada pelo tribunal (THEODORO JR., 2009).
Cabe ressaltar aqui que tal procedimento só é aplicado se houver requerimento de um ou mais demandantes nas causas repetitivas, devendo em seu requerimento demonstrar que as questões tratadas em sua demanda transcendem sua esfera individual, podendo ser assim de grande relevância para outras demandas em andamento.
Definindo-se assim o litigante-modelo, os outros atuarão no feito como interessados, cabendo também a eles exercer todos os atos processuais desde que suas alegações não interfiram e nem contrariem as do primeiro; bem como ter acesso a todos os dados desta demanda-padrão.
O julgamento-modelo da mesma forma afetará não só o representante que serviu de modelo mas os demais que tiveram suas demandas sobrestadas. Contudo, os demais demandantes estarão vinculados na medida de sua participação no procedimento. E, ainda, as custas processuais serão repartidas entre os demandantes que se submeteram à eficácia de tal decisão (DIDIER, 2010).
Expôs-se até aqui, de forma sintetizada, o procedimento-modelo alemão. É mister salientar que, apesar deste procedimento ser bastante sofisticado, ele não é muito utilizado na prática judicial alemã, uma vez que na maioria das vezes os conflitos de massa acabam sendo resolvidos no âmbito administrativo.
De forma análoga, cabe neste momento, a exposição de tal instituto no direito brasileiro que é vislumbrando pelo projeto do novo Código de Processo Civil, e que visa buscar uma maior sintonia com a Constituição Federal.
Quanto à legitimidade para o pedido de instauração do incidente, são legítimos o juiz ou relator; as partes e/ou o Ministério Público ou a Defensoria Pública, que verificando ações repetitivas tem o “dever” de solicitar ao Presidente do Tribunal onde se processa a demanda. O projeto inovou ainda em seu artigo 931, criando um registro eletrônico onde se constará todos os incidentes de resolução de demandas repetitivas, visando assim obter a divulgação necessária bem como dar publicidade ao fato. Uma vez admitido, e havendo requerimento das partes, pode o STJ ou o STF, determinar a suspensão de todos os processos que tratem da mesma questão jurídica da causa escolhida como piloto (DIAS, 2008).
Sendo assim, o incidente terá preferência sobre os demais feitos e deverá, portanto, ser julgado no prazo máximo de 6 (seis) meses. Esta será uma exceção no ordenamento jurídico brasileiro, que raramente impõe um lapso temporal para que os requerimentos e os pedidos das partes sejam analisados pelos magistrados.
Julgado o incidente de resolução de demandas repetitivas, a tese jurídica expande os seus efeitos sendo também aplicada a todos os processos que ficaram sobrestados aguardando a decisão-piloto (DIAS, 2008).
É preciso expor ainda, que caso haja interposição de Recurso Extraordinário e Recurso Especial em face da decisão proferida no incidente, estes terão efeitos suspensivo, e, a existência da repercussão geral da matéria já se presume. Cabe ainda reclamação perante o Tribunal se não for observada a tese jurídica adotada.
Por tudo que se pesquisou e estudou sobre o assunto, chegou-se à
conclusão que a tentativa da efetividade da razoável duração do processo é muito
difícil, porque pode esbarrar ou prejudicar outros princípios fundamentais, de iniciar
a construção do temerário processo instantâneo, além de considerar que cada caso
tem as suas peculiaridades.
O Projeto do Novo Código de Processo Civil vem tratando do assunto ao criar
alternativas na composição de lides e no enxugamento dos prazos e nas formas
recursais, que no sistema processual civil atual, a nosso ver, são excessivos.
Para que haja mais efetividade na composição das lides, em nossa opinião, se faz necessário, além da reformar no sistema atual, o seguinte: a) maior
envolvimento dos julgadores na condução dos processos; b) identificar e combater a
má fé das partes que utilizam todas as formas possíveis para protelar a conclusão
da lide; c) o aumento do quadro de servidores no judiciário.
Com o projeto do Novo CPC estar-se-á dando evoluindo em busca da promessa constitucional da razoável duração do processo. Todavia, este passo só será firme se houver investimento estruturaste no sistema Judiciário presente.
2.3 CRÍTICAS AO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
Dentre as principais inovações apresentadas pelo projeto do novo CPC, uma que vem sendo responsável por inúmeras discussões, é o incidente de resolução de demandas repetitivas , que antes de ser efetivamente aprovado, já está levantando inúmeras discussões sobre sua constitucionalidade, vantagens e desvantagens.
A questão é que o projeto do novo código prevê a possibilidade de o Tribunal, a requerimento do juiz ou relator, do Ministério Público ou das próprias partes, fixar uma tese jurídica para o caso discutido nos autos, aplicando tal tese em todas as demandas que envolvam as mesmas questões de direito, objetivando evitar decisões conflitantes.
O referido requerimento deverá ser realizado por meio de uma petição dirigida ao presidente do Tribunal, o qual requisitará informações sobre o caso ao Juízo em que tramita o procedimento originário, tendo o prazo de 15 (quinze) dias para realizar tal feito. Findo este prazo, será designada data para a admissão do incidente devendo o Ministério Público ser intimado. Vale destacar que o Ministério Público estará sempre presente, ainda que não tenha sido ele que tenha realizado o requerimento.
Após realizadas as diligências legais, as partes e demais interessados na demanda terão prazo comum de 15 (quinze dias para se manifestarem, devendo o relator pedir dia para julgamento do incidente após isso. Depois do relator se manifestar sobre o assunto será aberto novo prazo para as partes e demais interessados se manifestarem, para só depois ser prolatada decisão final.
Outras peculiaridades que envolvem o instituto em comento residem no fato de ser estipulado prazo de 6 (seis) meses para que o Tribunal julgue o incidente, bem como no fato de que, enquanto estiver sendo processado o incidente, o Tribunal poderá suspender todos os processos análogos ao caso do incidente que estiverem tramitando em primeiro e segundo grau de jurisdição, com exceção dos que envolvam réu preso e habeas corpus.
Ademais, a decisão final a que chegar o Tribunal, todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitam na área de jurisdição do respectivo Tribunal será aplicada. Além disso, caso sejam interpostos recurso especial ou extraordinário em face da decisão final prolatada pelo Tribunal, os mesmos terão efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral da matéria eventualmente discutida. Outro diferencial é a possibilidade de reclamação ao Tribunal competente caso a decisão jurídica prolatada no caso do incidente não seja observada (PIMENTEL, 2012).
É por todas essas inovações que o instituto de resolução de demandas repetitivas gera inúmeras discussões, acerca de o mesmo ser um avanço ou um retrocesso. São vários os posicionamentos sobre o tema, incluindo várias críticas, chegando a ser colocada em discussão até mesmo sua constitucionalidade.
A grande crítica direcionada ao instituto e à maneira como ele foi abordado no projeto do novo CPC, reside no fato dele delegar ao Tribunal uma função legislativa que não é de sua competência, pois ao prolatar uma decisão que deverá ser aplicada e observada em milhares de causas semelhantes, ele estaria atuando como um órgão legislativo, o que não está dentre suas funções (TREVISAN, 2012).
Outro ponto negativo apontado pelos juristas também, é o fato de o instituto suprimir o debate processual e a renovação de argumentos que possam trazer solução diferente e mais efetiva para o conflito, o que, segundo alguns doutrinadores seria uma barreira para o modelo de processo democrático participativo que deveria ser promovido dentro de qualquer Estado Democrático de Direito (TEIXEIRA, 2010).
O instituto não possibilita meios para as partes, no caso de sua situação for diversa da situação discutida no incidente, demonstrarem isso, o que representaria uma grave violação aos princípios constitucionais processuais do contraditório e da ampla defesa. Não será colocado à disposição das partes qualquer mecanismo que as possibilite demonstrar as peculiaridades de seu caso em relação ao processo paradigma.
O instituto em tela é muito criticado também pelo fato de que ele será aplicado para resolução de demandas que versem sobre as mesmas questões de direito. Assim, a solução encontrada no incidente seria aplicada para a solução de casos análogos. Eis o grande problema da questão, os casos em que o instituto será aplicado são apenas análogos, possuem as mesmas questões de direito e isso não quer dizer que eles possuem as mesmas questões de fato (DIDIER, 2010).
Assim, por mais que os casos sejam parecidos, dessa forma não estariam sendo respeitadas as particularidades e especificidades de cada um. Aqui, a crítica está diretamente ligada à dificuldade de se dissociar as questões de direito dos fatos. As questões de direito e de fato encontram-se intrinsecamente ligadas, o que impossibilita realizar uma diferenciação tão nítida entre ambos, como propõe o instituto em tela. Na realidade, o que estaria sendo feito é dissociar o direito de sua realidade social.
Para que o incidente não fique amarrado, foi atribuída ampla legitimidade para sua instauração. Podem suscitar o incidente: o Ministério Público, a Defensoria Pública, as próprias partes do processo e o juiz, de ofício. A exemplo da Ação Popular, o parágrafo terceiro do art. 930 dispõe que nos casos em que não houver proposto o incidente, o MP atuará como fiscal da lei e poderá assumir a titularidade do mesmo em caso de desistência ou abandono do titular. Nos estritos termos do art. 931 do Novo Projeto de CPC, ao incidente deverá ser atribuída ampla divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, formando-se um cadastro eletrônico a ser abastecido pelos Tribunais (ALMEIDA, 2011).
Ao contrário do que ocorre no Procedimento-Modelo alemão, uma das principais influências do Incidente, em que o juiz de origem possui atribuições importantes, como a de fixar a matéria de direito a ser decidida, no procedimento proposto pela comissão especializada de juristas brasileiros o juízo de admissibilidade e o julgamento do incidente competirão ao plenário ou ao órgão especial do Tribunal, se houver, conforme literalidade do art. 933 do Novo Projeto de CPC.
Além dos requisitos de admissibilidade, o Tribunal encarregado da decisão sobre o incidente possui a competência de analisar a conveniência da adoção da tese paradigmática (LEAL, 2012), o que constitui requisito subjetivo completamente desarrazoado. Conhecendo a resistência a que nossos Tribunais têm ao novo, não é difícil imaginar um cenário no qual alguns Tribunais deixem o incidente tornar-se letra morta, apenas pela inércia, entendendo “não ser conveniente a adoção da tese paradigmática”.
Em todo caso, rejeitado o incidente, o curso dos processos será retomado. Caso seja admitido, suspendem-se os processos de mesma tese jurídica pendentes, em primeiro e segundo graus de jurisdição e então é julgada a questão de direito, aplicando-se a mesma tese jurídica a todos os casos idênticos. Este dispositivo é o que, indubitavelmente, causa e causará mais controvérsia doutrinária. Ao que parece, trata-se de verdadeira previsão de efeito vinculante e não de extensão de coisa julgada (PIMENTEL, 2012), como ocorre no Procedimento-Modelo alemão.
Apesar de não restar clara no texto legal a questão relativa aos limites subjetivos da vinculação da coisa julgada, ou seja, se a tese jurídica adotada pelo Tribunal será aplicada a todos os processos, incluindo aqueles que vierem a ser propostos após a decisão ou apenas aos processos suspensos quando do julgamento do incidente, uma interpretação sistemática dos dispositivos, em especial a previsão de reclamação para descumprimento da tese adotada e também do objetivo extraprocessual (reduzir o número de demandas) buscado pelo legislador permite concluir-se que a tese jurídica valerá também às demandas eventualmente propostas após a decisão (BARTILLOTI, 2012)
Observando-se o princípio geral de cautela, estabeleceu-se a previsão de que podem ser concedidas medidas de urgência no juízo de origem, ainda que durante a suspensão dos processos (ALMEIDA, 2011). O Relator do incidente ouvirá então as partes e demais interessados, incluídos entre estes pessoas, órgãos e entidades com interesse no deslinde da controvérsia. Haverá prazo de quinze dias para a juntada de documentos, bem como para requisição de diligências necessárias e, após, no mesmo prazo de quinze dias, manifestação do Ministério Público.
Considerando que o objetivo do legislador foi o de unificar a jurisprudência e possibilitar um ganho em segurança jurídica, interposto recurso extraordinário ou especial, poderão ser suspensos todos os processos que versem sobre a questão objeto do incidente no território nacional (DURÇO; SOUZA, 2012). Vale lembrar que como a eficácia da decisão é válida para toda a área de competência do Tribunal que a emana, uma vez conhecido o incidente pelos Tribunais Superiores, a tese jurídica haverá de ser aplicada em todos os tribunais pátrios.
Nesse diapasão, não causa estranheza a disposição do parágrafo único do art. 937, que estabelece que qualquer parte em processo no qual se discuta a mesma questão jurídica objeto de discussão via Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode requerer a suspensão do processo (LEAL, 2012). Ressalte-se que por expressa disposição legal, presumir-se-á a repercussão geral de recurso extraordinário interposto em face de decisão no Incidente e que o os recursos especial e extraordinário interpostos serão dotados de efeito suspensivo, tendo seu juízo de admissibilidade realizado no Tribunal a quem for endereçado o recurso.
Observado que um dos objetivos precípuos da instauração do incidente é garantir a celeridade do processo, estabelece-se que o incidente será julgado no prazo de seis meses, tendo preferência a qualquer processo que não verse sobre direito de réu preso ou pedidos de habeas corpus (DURÇO; SOUZA, 2012). Completa-se o sistema com a previsão de que será cabível reclamação endereçada ao tribunal competente no caso de descumprimento da tese adotada na decisão proferida no incidente.
2.4 IMPACTOS DO INCIDENTE NAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO
PROCESSO
Neste último tópico tratar-se-á dos reflexos do incidente de resolução de demandas repetitivas nas garantias processuais constitucionalmente garantidas, no intuito de se verificar se o referido instituto é passível de cumprir o objetivo previsto pelo legislador sem anular os princípios essenciais ao processo no âmbito do Estado Democrático de Direito.
Como já dito anteriormente, o fenômeno da massificação dos litígios vem causando preocupação geral, e busca-se, portanto, aparelhar o judiciário com ferramentas para enfrentar as demandas. No entanto, conforme salienta Bartilloti (2012, p.08), “é preciso assegurar que a recepção dos instrumentos normativos criados para enfrentar o problema de massificação dos litígios não se afaste das garantias processuais” quais sejam: a razoável duração do processo, o devido processo legal e o acesso à jurisdição.
Por conseguinte, apesar da preocupação com a prestação jurisdicional dada com a razoável duração do processo, principal desígnio a que se pretende prestar o incidente de resolução de demandas repetitivas, não se pode preterir as demais garantias constitucionais.
Existe toda uma característica nos discursos processuais, de busca de compensação nos déficits de igualdade material entre as partes e de inclusão social de todos os cidadãos ao sistema de “prestação jurisdicional”, mas que na prática se desnatura numa busca desenfreada de rapidez procedimental e produtividade industrial de decisões desviadas de nosso modelo constitucional de processo, garantindo estruturas processuais aplicando as normas em sua amplitude e de modo legítimo (BARTILLOTI, 2012, p.29).
Para Durço e Souza (2012, p.245) “no presente estado de constitucionalização do processo civil, o acesso à justiça através de um procedimento ágil e eficaz, deve respeitar as características do processo justo decorrentes da moderna visão constitucional do direito ao devido processo legal” (TREVISAN, 2012, p. 46), afinal, considera-se segurança jurídica como medida de razoabilidade da criação e interpretação legal.
Por sua vez, como consequências do devido processo legal formal, os princípios do contraditório e da ampla defesa são indispensáveis para a jurisdição se tornar legítima. É primordial, neste sentido, assegurar às partes as condições necessárias que lhes possibilitem trazer para o processo todos os elementos de defesa, exigência esta, na relação processual, que decorre da democracia que deve haver nos procedimentos.
Neste contexto, buscando promover ampla participação das partes e demais
interessados no processo, o artigo 935 do projeto do incidente de resolução de demandas repetitivas prevê, conforme dito anteriormente, a intervenção no prazo de quinze dias, a fim de se possibilitar a manifestação a respeito do incidente.
Ademais, prossegue o autor ao advertir que a plenitude de ampla defesa no Estado Democrático de Direito é aquela que se dá em tempo e modo suficiente para sustentá-la, o que não se alcança quando as partes possuem um prazo ínfimo para alegarem suas razões (LEAL, 2012).
Quanto ao contraditório, sendo entendido como a igualdade de oportunidade no processo, o incidente também não o assegura, uma vez que nele não há espaço para uma condução dialógica do processo. Neste sentido, Pimentel (2012) adverte que a decisão passaria a ser um ato isolado do juiz que, diante de um ato meramente discricionário, levaria em consideração apenas aquilo que constasse dos autos em análise, sem sequer ter possibilitado aos interessados diretos, que sofrerão os efeitos da decisão, a oportunidade de construir o provimento jurisdicional consoante preconiza o Estado Democrático de Direito.
Afinal, se muitos forem os processos atingidos pela instauração do incidente,
considerável será o número das partes envolvidas e que deverão ter assegurada a participação no julgamento da questão de direito. No entanto, isso se apresenta, no mínimo, improvável, porque o prazo para manifestação é pequeno e o tempo de que dispõe o julgador para proferir a decisão também é, tal seja, seis meses.
A ideia de acesso à justiça visa garantir um sistema jurídico moderno e igualitário. Nas palavras de Leal (2012, p.55), o acesso à jurisdição é um “direito de ação criado pela norma constitucional como direito incondicionado de movimentar a atividade judicacional do Estado”.
Segundo Trevisan (2012), o incidente de resolução de demandas repetitivas é uma manifestação de segurança jurídica, de confiança legítima, de igualdade, e objetiva acelerar e racionalizar o trabalho do Poder Judiciário, gerando um processo justo, onde se observa os princípios constitucionais do processo.
Conforme entendimento dos autores, o princípio do acesso à justiça deve ser
garantido de forma imperativa, e no caso do incidente, percebe-se desde logo que se primou mais pela celeridade processual do que pelo princípio do amplo acesso à jurisdição. Ademais, importante ressaltar a argumentação de Almeida (2011, p.181), ao dizer que “um dos pontos observados geradores de preocupação, diz respeito à ampliação dos poderes do Estado em demandas de cunho particular, os quais vem acarretando inúmeras arbitrariedades nos julgamentos”. No tocante ao incidente, percebe-se uma concentração de poderes aos juízes, especialmente os de segundo grau.
Depois de decidido o incidente, a tese jurídica alcançada e que consta no conteúdo do acórdão deve ser aplicada aos processos que versem sobre a mesma questão de direito. Por conseguinte, nota-se a flagrante limitação no tocante a discussão dialógico participativa dos cidadãos na construção do provimento final. Não há ampla e irrestrita participação das partes, pois a tese não trará possibilidade de rediscussão, para os processos sobrestados, nem de discussão, para as possíveis demandas que venham a surgir.
Neste sentido, alega Almeida (2011, p.182) que “o sistema apresenta filtros sobrepostos que dificultam o jurisdicionado de recorrer da decisão, ou mesmo alegar que a causa selecionada para o julgamento do incidente é diversa da tese que veicula na sua ação, gerando um obstáculo ao pleno acesso à justiça”.
Por fim, apesar da grande discussão sobre a efetividade da prestação jurisdicional, prejudicada pela ineficiência e morosidade, consoante Kramer (2012), não se descarta a necessidade de mudanças e rupturas comportamentais decorrentes de imposições normativas para o alcance da eficiência da tutela jurisdicional. No entanto, “este não é um problema exclusivamente legislativo, mas um fenômeno que decorre de dificuldades estruturais, cujas causas e alternativas precedem às alterações dos Códigos de Processo” (KRAMER, 2012, p. 184), não sendo justificável, neste caso, a violação aos princípios constitucionais
fundamentalmente garantidos.
3 CONCLUSÃO
Ao Poder Judiciário está reservada a função jurisdicional, imprescindível para a sociedade, vez que cabe a esse Poder julgar os conflitos de interesse levados a sua apreciação. Ocorre que após a promulgação da Constituição Federal de 1988 a realidade da sociedade brasileira tornou-se outra. Os conflitos ganharão nova dimensão, isso acarretou uma enxurrada de demandas levadas à apreciação da Justiça. Contudo o Poder Judiciário não acompanhou essa realidade, nos deparamos com um Judiciário burocrático e lento, incapaz de atender a multiplicidade de demandas ajuizadas.
Através do projeto nº 166/2010, o legislador busca meios de melhorar a prestação jurisdicional. A solução proposta para amenizar esse quadro em que se encontra, foi à implantação de uma reforma. Dentre algumas propostas de reformulação estão o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas,
tal instituto surge no ordenamento jurídico brasileiro como meio de racionalizar a atividade jurisdicional, eis que visa à celeridade das ações ajuizadas que buscam solução para a mesma discussão no que diz respeito às questões de direito, mas, é de se destacar que é necessário um estudo aprofundando sobre o mecanismo de resolução de demandas repetitivas, com a finalidade de que a celeridade não acabe por violar garantias fundamentais do processo.
Desta forma, conforme se pode constatar das exposições realizadas, o projeto trará mudanças significativas para o ordenamento jurídico, litigantes e todos os envolvidos no plano do Direito e na sociedade, visando à acessibilidade livre à justiça para a defesa dos direitos inerentes aos indivíduos, protegendo-se os dispositivos constitucionais e assegurando assim os princípios definidos na Constituição Federal de 1988.
4 REFERÊNCIAS
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