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As incongruências da sucessão do cônjuge e do(a) companheiro(a) no novo Código Civil

20/08/2004 às 00:00
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RESUMO: O Novo Código Civil Brasileiro contém inovações substanciais na parte do direito de família, as quais ainda não foram assimiladas em seu todo pela comunidade jurídica e sociedade em geral, trazendo dúvidas e polêmicas a respeito da interpretação da lei, seu alcance e objetivo. A elevação do cônjuge à condição de herdeiro necessário é uma das questões mais complicadas para o operador do direito, em razão das inúmeras controvérsias que esta novidade pode suscitar nos casos concretos, especialmente pelo fato de que a própria legislação parece ser vacilante e contraditória no assunto. Como conseqüência, pode ser necessária uma nova e profunda modificação do Código Civil, espancando suas possíveis inconveniências.

Palavras-chave: Sucessão. Cônjuge. Companheiro(a). Novo Código Civil.

O casamento sempre foi uma das cerimônias mais emblemáticas da sociedade e sua realização está envolta em muitas formalidades, simbologias, crenças e festividades. Porém, a eterna frase: "E que sejam felizes para sempre...", parece ter perdido o seu sentido na atualidade, sendo que no mundo moderno a idéia de um relacionamento com vistas à constituição de uma família sólida e estruturada, com os noivos cumprindo o juramento secular de amar e respeitar um ao outro, "até que a morte os separe", apesar de emocionar multidões e, ressalvadas as exceções, já não causam o mesmo temor de tempos atrás.

De outro lado, o divórcio era quase sempre visto como um tabu, com fortes conotações religiosas. Na Bíblia Sagrada podemos encontrar várias referências ao casamento e o divórcio, das quais merecem especial destaque o livro de Malaquias 2:16, onde se lê que Deus detesta o divórcio ("Eu detesto o divórcio, diz o Senhor Deus de Israel"), ou ainda, uma frase singular de Jesus encontrada no livro de Mateus 19:4-6, ao dizer que deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne; sendo este um grande mistério.

Contudo, o que se vê nas estatísticas divulgadas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é um elevado número de divórcios no Brasil. No ano de 2002 foram realizados 715.166 casamentos, representando um aumento de aproximadamente 4% em relação ao número de casamentos ocorridos em 1991 e de apenas 1% se comparado a 2001, sendo que esse aumento pode ser atribuído à realização de casamentos coletivos em várias Unidades da Federação. Contudo, no mesmo ano houveram 129.520 pedidos de divórcio, dos quais 126.503 foram concedidos em 1a. Instância.

Ainda de acordo com o IBGE, se for considerado o tempo transcorrido entre as datas do casamento e da sentença, pode-se observar que um número maior de divórcios têm ocorrido em casamentos contraídos há 20 anos ou mais, quando os valores morais e religiosos eram mais fortes e presentes, o que vem confirmar que o casamento já não é visto como um dogma, embora a doutrina religiosa ainda o preserve como ponto fundamental e indiscutível.

Por outro lado, a legislação brasileira tem caminhado em sentidos diametralmente opostos a respeito do casamento, pois enquanto a Constituição Federal assegura no seu artigo 226, caput, que a família [1] é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado e, ainda, que é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (§ 3º), acabou por contemplar, via da legislação infra-constitucional, um maior prestígio às uniões extra-matrimoniais, tal como se vê pela Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996 e,agora, pelo Novo Código Civil.

É bem certo (e isso não se pode ignorar), que a lei precisava regulamentar estas situações de fato e lhes dar uma solução adequada, conferindo proteção àqueles que se encontram em união estável, pois esta é uma realidade em nosso país, não se podendo desprezar, ainda, os motivos que levaram os indivíduos a conviver à margem do casamento, especialmente o aspecto econômico. E em determinados casos, sem margem de dúvida, esta é uma solução que os próprios indivíduos adotam como sendo o melhor para o relacionamento que pretendem contrair, o que deve ser respeitado por todos, especialmente o Estado.

Contudo, o que se vê é que o casamento parece ter sido desprezado ou diminuído em importância, tantos os direitos que se conferiram aos companheiros, inclusive, com a diretriz de que "As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos" (Art. 1.724, NCC), o que nos conduz àquela pergunta disseminada pela sabedoria popular: "Casar para quê?".

O Novo Código Civil, ao tratar do direito das sucessões, veio erigir os companheiros à condição de sucessor na herança do outro, cujas conseqüências avultam em importância, sobretudo por ser uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, a norma do artigo 1.790 do NCC dispõe, textualmente, que "A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável", estabelecendo seus incisos as condições em que se opera essa sucessão.

E ao estabelecer as diretrizes da sucessão dos companheiros, o NCC acabou por praticar enorme injustiça para com aqueles que, histórica e sociologicamente, são os verdadeiros beneficiários da sucessão legítima e necessitam da guarida e proteção estatal, que são os filhos e pais. Estes foram enormemente prejudicados pelo texto legal, o qual, sob o pretexto de ser moderno, acabou por ignorar os princípios elementares do direito natural, que é anterior a qualquer direito positivo.

Ao analisar as disposições do artigo 1.790 e seus incisos, vê-se que o(a) companheiro(a) possui mais privilégio do que os próprios filhos do autor da herança e, especialmente, se estes não forem filhos comuns, ocasião em que lhe tocará "a metade do que couber a cada um daqueles", o que é absolutamente incompreensível e contrário aos preceitos de direito natural, pois mesmo que se reconheça que o companheiro ou a companheira merece alguma proteção no caso de morte do outro, não se deve ignorar que estes não têm as mesmas necessidades que os filhos do autor da herança.

O mesmo se deve dizer com relação às inovações trazidas pelo NCC com referência à sucessão legítima, a partir da introdução do cônjuge na relação de herdeiro necessário, vindo este a concorrer com os descendentes ou ascendentes do autor da herança, o que repugna os mais elementares princípios de direito natural e de ordem social.

Com efeito, o filho é e sempre será filho, assim como o pai e a mãe, mas o mesmo não se pode dizer do cônjuge ou companheiro, que vão e vem ao sabor dos sentimentos afetivos, amorosos e vicissitudes dos relacionamentos que unem homens e mulheres. As pessoas se casam ou se unem pelas mais variadas circunstâncias e motivos, como também se separam ou divorciam com a mesma desenvoltura. Daí erigir o cônjuge ou companheiro à condição de herdeiro necessário é uma grande temeridade, com enorme possibilidade de lesão àqueles que são os verdadeiros necessitados e legítimos sucessores (por ordem natural), ou seja, os descendentes e ascendentes.

O legislador parece ter ignorado o fato de que o cônjuge ou companheiro chegam quando o indivíduo já alcançou um estágio avançado de sua vida. Após ter sido criado, sustentado e educado por seus pais (ou às vezes por conta própria, como a maioria das pessoas que trabalham para prover seu próprio sustento), esta pessoa vai constituir algum patrimônio, conhecer novas pessoas, namorar, se unir a alguém ou se casar. É a ordem natural das coisas. Agora, colocar essa nova pessoa, na mesma condição dos pais ou de um filho que, inclusive, pode ser apenas do autor da herança, na condição de herdeiro necessário, é algo incompreensível.

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Veja-se, ainda, que o Código não estipulou um período de convivência para se alçar o cônjuge ou companheiro à condição de herdeiro necessário, podendo acontecer que a união tenha durado a efemeridade de 1 dia, ou até mesmo longínquos 20, 30 ou 40 anos.

Ademais, não se pode perder de vista que, por vezes, as pessoas mantêm seu casamento ou continuam a conviver sob o mesmo teto e lar, sob a aparência de um relacionamento estável e duradouro, quando, na verdade, estão ruindo, desgastados, à beira da falência afetiva e logo chegarão à conclusão de que se equivocaram, que não era este o tipo de união ou a pessoa que desejavam, que as diferenças e as desavenças suplantam o amor, não lhes restando melhor alternativa senão o divórcio ou a separação. Esta é uma realidade triste, porém real e concreta para inúmeros casais, conforme dados vistos anteriormente. O que dizer, então, para o cônjuge sobrevivente, que em tal situação tenha se tornado viúvo ou viúva? Que pela Lei é o mesmo herdeiro necessário e que merece toda a proteção do Estado, concorrendo na herança juntamente com filhos somente do autor da herança ou juntamente com seus ascendentes?

Por certo que teria sido melhor que o legislador não fizesse tais mudanças no NCC, lembrando sempre que, conforme o ditado alemão, "mudar e mudar para melhor são coisas diferentes", ou, ainda, que fosse estabelecido um prazo mínimo e razoável de convivência pública e notória, talvez com outros elementos circunstanciais, a fim de que o cônjuge ou companheiro pudesse ser erigido à condição de herdeiro.


REFERÊNCIAS

ALVARENGA, Maria Amália de Figueiredo Pereira; ROSA, Virgínia de Figueiredo Pereira do Couto. Apontamentos de Metodologia para a Ciência e Técnicas de Redação Científica (Monografias, Dissertações e Teses) de acordo com a ABNT 2000. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil nº 191-A, Brasília, DF, 5 de out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 29 mai. 2004.

BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil revogado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 05 jun. 2004.

BRASIL. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 jun. 2004.

BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 jun. 2004.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 30 jun. 2004.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. População. Estatísticas do Registro Civil. Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 07 jun. 2004.

METODOLOGIA PARA ELABORAÇÃO DE ARTIGO CIENTÍFICO. Disponível em <http:/www.unl.med.br/arquivosaula/metodologia/artigo.htm>. Acesso em: 20 jul. 2004.

SANTOS, Nivaldo dos. Monografia Jurídica. Coleção Curso de Direito – Orientação para graduação e pós-graduação, Normas técnicas, Bibliografia. Goiânia: AB Editora, 2000.


NOTAS

1 Adotado aqui o sentido restrito do termo, como sendo pessoas aparentadas, que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos.

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Sobre o autor
Rozemberg Vilela da Fonseca

Advogado em Goiânia-GO atuando nas áreas de Direito Civil e Direito Bancário, especializando em Direito Civil pela Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas e especializando em Docência Universitária pela Universidade Estadual de Goiás

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Rozemberg Vilela. As incongruências da sucessão do cônjuge e do(a) companheiro(a) no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 409, 20 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5526. Acesso em: 26 abr. 2024.

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