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Precatórios judiciais. Descumprimento.

Necessidade de acionar mecanismos jurídicos, constitucionais e legais vigentes

09/08/2004 às 00:00
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Se houver desejo de eliminar os problemas decorrentes de precatórios, devem ser implementadas as medidas previstas na Constituição e na legislação ordinária, necessárias à proteção de interesses públicos e não para enfeitar o sistema jurídico.

1.Conceito de precatório judicial e seu processamento

             Precatório judicial significa requisição de pagamento feito pelo Presidente do Tribunal, que proferiu a decisão exeqüenda contra Fazenda Pública (União, Estados membros, DF e Municípios), por conta da dotação consignada diretamente ao Poder Judiciário. É uma ordem judicial de pagamento expedida contra Fazenda devedora. Funciona como sucedâneo da execução contra devedor solvente. A satisfação do precatório é vinculada e obrigatória, tanto quanto a submissão do devedor solvente à constrição judicial de seus bens.

            A matéria vem disciplinada no art. 100 e parágrafos da Constituição Federal:

            Art. 100 - À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

            § 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (redação dada pela EC nº 30/00).

            § 2º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito (redação dada pela EC nº 30/00).

            Além de observância dos requisitos dos artigos 58 a 64 da Lei nº 4.320/64, aplicáveis à generalidade das hipóteses de pagamentos de despesas públicas, o pagamento de montante oriundo de condenação judicial depende de procedimentos específicos, previstos nas normas constitucionais retrotranscritas.

            O caput do art. 100, fundado nos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade da Administração Pública, impõe a observância rigorosa da ordem cronológica de apresentação dos precatórios, ao mesmo tempo em que veda a designação de casos e pessoas nas dotações orçamentárias e extra-orçamentárias (abertura de créditos adicionais suplementares), excetuados os casos de créditos de natureza alimentícia, que podem ser pagos imediatamente, e assim devem ser feitos segundo, porém, as possibilidades do Tesouro. Obviamente, em havendo várias condenações judiciais da espécie, simultaneamente, impõe-se a inserção dos precatórios na ordem cronológica, formando-se uma fila específica de precatórios de natureza alimentar.

            Na forma do § 1º, o precatório entregue até o dia 1º de julho deve ter o seu valor consignado no orçamento do exercício seguinte, para pagamento atualizado até o final desse exercício, dentro da rigorosa ordem cronológica de sua apresentação. Exemplos: um precatório recebido em 2o de junho de 2004, deverá ter o seu valor incluído na lei orçamentária anual de 2005, para pagamento até o dia 31 de dezembro de 2005, devidamente atualizado; um precatório recebido em 2 de julho de 2004, deverá ter o seu valor inserido no orçamento de 2006, devendo ser pago até o final desse exercício, devidamente atualizado.

            De conformidade com o § 2º, as dotações orçamentárias, bem como os créditos abertos para pagamento de requisitórios judiciais (créditos adicionais suplementares) deverão ser consignados DIRETAMENTE ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exeqüenda ordenar o pagamento segundo as possibilidades do Tesouro. A disponibilidade jurídica da verba é do Judiciário, pelo que nenhuma lei poderia autorizar sua transferência parcial ou total para outra dotação. Porém, a realização de recursos financeiros correspondentes às dotações cabe ao Executivo, razão pela qual o Presidente do Tribunal deverá ordenar o pagamento dos precatórios dentro das possibilidades financeiras da entidade política devedora, só cabendo o seqüestro da receita pública, na hipótese de quebra da ordem cronológica e a requerimento do credor preterido.


2.A cultura do descumprimento de precatórios

            O descumprimento de precatórios judiciais tornou-se uma rotina, principalmente, após ter o STF sinalizado a adoção da tese de que esse fato, por si só, não importa em descumprimento da ordem judicial, a ensejar intervenção federal no Estado-membro, ou, intervenção estadual no Município. Recentemente, foi assentada a tese de que a medida excepcional se limita à hipótese de atuação dolosa e deliberada do ente devedor de não efetuar o pagamento, não bastando a simples demora de pagamento na execução de ordem ou decisão judiciária, por falta de numerário(1).

            Quanto maior a oportunidade com que acenam o Judiciário e o Legislativo para facilitar o pagamento de precatórios, maior a má vontade e o descaso demonstrado pelos governantes, para solução da dívida que vem crescendo vertiginosamente.


3. O perigo das flexibilizações de decisões judiciais

            A flexibilização do cumprimento de decisões judiciais transitadas em julgada, refletidas, em última análise, nos precatórios judiciais, abre um precedente perigosíssimo para a normalidade do regime democrático. Não são apenas os interesses de credores, por sinal relevantíssimos, pois milhares estão morrendo na fila dos precatórios, mas, outros interesses de natureza pública serão fatalmente atingidos. Logo virão as generalizações que, aliás, já são passíveis de constatação nos descumprimentos de medidas liminares. Hoje, essas rebeldias às ordens do Judiciário vêm camufladas em forma de ´´equívocos´´ na interpretação da determinação judicial. Amanhã, o seu descumprimento será ostensivo!

            No dia em que as decisões do Judiciário forem cumpridas quando os governantes se dispuserem a cumpri-las, e não nos termos da Constituição Federal e das leis em vigor, pode-se dizer que desapareceu o Estado Democrático de Direito, proclamado no art. 1º da Carta Política. É que o Poder Judiciário, que detém o poder jurisdicional em regime de monopólio estatal, é o único capaz de assegurar esse Estado Democrático de Direito, no exercício de suas funções inafastáveis e intangíveis (art. 5º, XXXV da CF).


4. Propostas de Emendas Constitucionais

            Preocupam-nos as soluções legislativas aventadas para resolver problemas decorrentes de desobediência às leis e às decisões judiciais. Duas moratórias constitucionais foram decretadas por via de Emendas Constitucionais, porém, as dívidas representadas por precatórios continuam crescendo de forma impressionante e incontrolável, no âmbito nacional. Maus governantes, ao invés de serem punidos, foram premiados com parcelamentos de débitos a serem satisfeitos com recursos provenientes de títulos da dívida pública, emitidos com dispensa dos limites constitucionais e legais. O que se viu foi um festival de gastança pública, o desvio da maior parte dos recursos obtidos, ensejando até uma CPI dos precatórios, que resultou em nada.

            Agora inúmeras Propostas de Emenda Constitucional foram apresentadas, algumas delas já em tramitação no Congresso Nacional.

            Uma delas modifica o § 1º do art. 100 da CF para limitar a inclusão orçamentária do montante requisitado ao máximo de dois por cento da receita corrente líquida da entidade política devedora. Ecaminhamos aos senhores líderes partidários, bem como ao Relator dessa Pec, proposta de emenda supressiva da alteração preconizada, bem como, de acréscimo do § 7º ao art. 100 da CF, prescrevendo a disponibilização obrigatória dos recursos financeiros correspondentes à dotação destinada ao pagamento de precatórios à razão de um doze avos por mês, juntamente com os demais recursos pertencentes ao Judiciário.

            Existe uma outra proposta consistente na substituição do atual precatório por ´´título sentencial´´ com possibilidade de sua livre circulação. Estamos ofertando sugestões para explicitar alguns pontos, bem como para suprir a omissão em relação aos precatórios alimentícios pendentes, que não estão sendo pagos desde 1998, por não terem sido incluídos nas duas moratórias constitucionais. Diga-se de passagem, a prática tem demonstrado que mudança de nomes ou substituição de órgãos por outros não têm contribuído para solução dos problemas.

            Outras propostas de emendas estão surgindo, uma mais detalhista que outra. Até parece que seus autores inspiraram-se no Regulamento do Imposto de Renda, tamanha a quantidade de artigos, incisos e parágrafos, espera-se, para facilitar e não para atrapalhar.

            Compreendemos que o pagamento de todos esses precatórios acumulados ao longo de diversas administrações requer providências legislativas. Contudo, não se pode ficar apenas remediando os efeitos, sem atacar as causas desse débito gigantesco e crescente com a responsabilização dos governantes nas esferas política, administrativa e penal.


5. O sombrio quadro de precatórios descumpridos pela PMSP

            O crescimento da dívida pública, representada por precatórios descumpridos é fenômeno nacional, pelo que tem despertado a atenção contínua do Parlamento Nacional, que tem presenteado os credores com as moratórias constitucionais. Maior responsável pelo volume da dívida são as desapropriações pelo valor venal dos imóveis. Urge adequar o DL 3.365/40 aos ditames da atual Lei de Responsabilidade Fiscal.

            Para fundamentar as medidas preconizadas no final deste estudo, transcreveremos dados pertinentes a precatórios de natureza alimentícia, pendentes de solução, desde 1998, no âmbito do Município de São Paulo.

            Segundo os elementos que coligimos (extraídos de Mapas Orçamentários elaborados pelo Departamento de Precatórios do E. Tribunal de Justiça, certidão do TCMSP extraída do processo de averiguação de contas e das leis orçamentárias anuais) para instruir o processo nº 342/04 do IASP, que versa sobre descumprimento de precatórios alimentícios, do qual somos Relator, temos os seguintes dados;

            a) A PMSP devia, em 1998, R$30.979.613,21 a título de precatório alimentício; hoje, ela deve R$1.471.251.264,01 em termos atualizados até abril de 2004;

            b) Dos 476 precatórios constantes do MOC de 1998 foram pagos, até hoje, apenas até o de nº 41/98;

            c) A partir do exercício de 2001 a PMSP passou a consignar em seu orçamento anual apenas parte da verba requisitada pelo Judiciário;

            d) O confronto de dados dos exercícios de 2001 a 2004 permite concluir que o total das condenações em geral, consignado em cada exercício, ficou bem aquém da própria condenação específica em verba de natureza alimentar, ou seja, o tal consignado em cada ano, corresponde apenas a uma parcela da condenação de natureza alimentar. São seguintes os percentuais incluídos:

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            l. exercício de 2001(...) 73,49%

            2. exercício de 2002(...) 24,21%

            3. exercício de 2003(...) 32,46%

            4. exercício de 2004(...) 42,59%

            e) A partir do exercício de 2002, coincidindo com o orçamento anual elaborado pela atual Administração, que teve início em janeiro de 2001, houve uma brutal elevação no percentual de sonegação das verbas alimentares. Só para exemplificar, no exercício de 2003, dos R$65.140.972,00 consignados no orçamento a título de despesas com condenação judicial apenas R$25.620.542,00 se refere às verbas de natureza alimentar, o que corresponde ao percentual aproximado de apenas 12,76% do total requisitado a esse título, no valor de R$200.651.201,14.

            f) O que é pior, do pouco que vem consignando nas leis orçamentárias anuais nada vem sendo pago a título de precatório alimentício, conforme se verifica dos comunicados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, anualmente publicados no DOE.

            g) Essas omissões e esses desvios representam uma clara demonstração de desprezo às determinações do Poder Judiciário pela Administração atual. Consigna valores aleatórios e irrisórios a cada exercício, ignorando o valor real das requisições feitas pelo Judiciário. O Executivo vem se apropriando de recursos financeiros correspondentes à dotação pertencente ao Poder Judiciário (art. 100, § 2º da CF).


6. Da necessidade de implementar as medidas previstas na Constituição Federal e na legislação ordinária.

            Ao invés de inovação da ordem constitucional pretendida, para passar uma esponja no passado, se houver desejo de eliminar os problemas decorrentes de precatórios devem ser implementadas as medidas previstas na Constituição Federal e na legislação ordinária. Afinal, essas medidas existem porque são necessárias à proteção de interesses públicos e não para enfeitar o sistema jurídico. Ainda que descartado o instituto da intervenção, outros remédios político-jurídicos restam para por cobro a esse inadmissível estado de permanente afronta às decisões do Poder Judiciário.

            Qualquer entidade política devedora, que se enquadre nas situações retratadas no item anterior estará sujeito às medidas saneadoras adiante mencionadas, para resolver, de vez, essa questão do endividamento irresponsável e da cultura do menosprezo às ordens do Judiciário.

            6.1. Dos crimes de responsabilidade

            A inclusão de verba no orçamento para pagamento de precatório recebido até o dia 1º de julho é obrigatória, nos termos do § 1º do art. 100 da CF. Obrigatório, também, o seu pagamento até o final do exercício, conforme § 2º do mesmo art. 100. O descumprimento dessas duas obrigações caracteriza crimes de responsabilidade nas três esferas de governo.

            6.1.1 Crimes de responsabilidade do Presidente da República

            Constituem crimes de responsabilidade do Presidente da República, dentre outros atos, deixar de apresentar ao Congresso Nacional a proposta orçamentária anual até o dia 30 de agosto de cada ano, e infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária, conforme art. 10, 1 e 4 da Lei nº 1.079/50 c.c. o art. 35, § 2º, inciso III, do ADCT.

            A apresentação de proposta orçamentária anual, obviamente, deverá ser feita de conformidade com os artigos 22 a 31 da Lei nº 4.320/64 e art. 5º e parágrafos da Lei Complementar nº 101/00 - LRF - o que pressupõe a inclusão de despesas para pagamento de precatórios entregues até o dia 1º de julho, mesmo porque a Constituição Federal determina sua inclusão obrigatória (§ 1º do art. 100).

            Uma vez aprovada a Lei Orçamentária Anual, com a fixação de despesas para satisfação de débitos oriundos de sentenças judiciárias, as verbas consignadas a esse título deverão ser integralmente utilizadas no pagamento de precatórios, até o dia 31 de dezembro. Qualquer desvio dessa verba, para pagamento de outras despesas, por mais relevantes que sejam, implica crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, VI(2) da CF e art. 10, inciso 4 da Lei nº 1.079/50.

            Processo e julgamento

            O processo e julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade estão disciplinados nos artigos 14 a 38 da Lei nº 1.79/50.

            Começa com denúncia perante a Câmara dos Deputados por meio de qualquer cidadão. Recebida e processada a denúncia o processo segue ao Senado Federal que promoverá o julgamento em sessão presidida pelo Presidente do STF. Condenado, o acusado perderá ipso fato o cargo e ficará inabilitado para o exercício de qualquer função pública pelo prazo que for fixado, sem prejuízo de eventual ação penal.

            6.1.2. Crimes de responsabilidade dos Governadores

            Além do art. 74 da Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade do Governador, a Constituição do Estado de São Paulo dispôs, expressamente, em seu art. 48:

            Art. 48 - São crimes de responsabilidade do Governador os que atentem contra a Constituição Federal ou a do Estado, especialmente contra:

            I - (...);

            V - a probidade na administração;

            VI - a lei orçamentária;

            VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

            Processo e julgamento:

            Na forma do art. 75 da Lei nº 1.079/50, qualquer cidadão poderá denunciar o Governador perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade. A denúncia assinada pelo denunciante e com firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos (art. 76). O art. 77 prescreve que, apresentada a denúncia e julgada objeto de deliberação, se a Assembléia Legislativa por maioria absoluta, decretar a procedência da acusação, será o Governador imediatamente suspenso de suas funções. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado senão a perda do cargo, com inabilitação até cinco aos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum (art. 78).

            O art. 49 da CE prescreve que admitida a acusação contra o Governador, por dois terços da Assembléia Legislativa, será ele submetido a julgamento perante Tribunal Especial. Esse Tribunal Especial é composto por sete Deputados e sete Desembargadores, sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que também o presidirá (§ 1º). O Governador ficará suspenso de suas funções após instauração do processo pela Assembléia Legislativa (§ 3º, inciso 2), cessando o afastamento se o julgamento não tiver sido concluído, no prazo de 180 dias (§ 4º). O art. 50 da CE faculta a qualquer cidadão, partido político, associação ou entidade sindical denunciar o Governador, por crime de responsabilidade perante a Assembléia Legislativa, único órgão competente para receber a denúncia e promover o respectivo processo (art. 20, XXV da CE).

            6.1.3. Crimes de Responsabilidade dos Prefeitos

            Em perfeita sintonia com a Lei nº 1.079/50, dispõe o Decreto-lei nº 201/67:

            Art. 4º - São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

            I - (...)

            V - deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a proposta orçamentária;

            VI - descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro;

            VII - praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática.

            Entretanto, a definição dada por esse art. 4º não prevalece nos Municípios, onde a respectiva Lei Orgânica tenha definido de forma diferente. A Lei Orgânica do Município de São Paulo dispõe o seguinte sobre essa matéria:

            Art. 72 - O Prefeito e o Vice-Prefeito serão processados e julgados:

            (...)

            II - pela Câmara Municipal nas infrações político-administrativas, nos termos da lei, assegurados dentre outros requisitos de validade, o contraditório, a publicidade, ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e a decisão motivada que se limitará a decretar a cassação do mandato do Prefeito.

            § 1º - Admitir-se-á a denúncia por Vereador, por partido político e por qualquer munícipe eleitor.

            § 2º - A denúncia será lida em sessão de até 5 (cinco) dias após o seu recebimento e despachada para avaliação a uma Comissão Especial eleita, composta de 7 (sete) membros, observada, tanto quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

            § 3º - A Comissão a que alude o inciso anterior deverá emitir parecer no prazo de 10 (dez) dias, indicando se a denúncia deve ser transformada em acusação ou não.

            § 4º - Admitida a acusação por 3/5 (três quintos) dos membros da Câmara Municipal, será constituída Comissão Processante, composta de 7 (sete) Vereadores.

            § 5º - A perda do mandato do Prefeito será decidida por, pelo menos, 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal.

            § 6º - Não participará do processo, nem do julgamento o vereador denunciante.

            § 7º - Se decorrido 90 (noventa) dias da acusação e o julgamento não estiver concluído, o processo será arquivado.

            § 8º - O Prefeito, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

            § 9º - A lei definirá os procedimentos a serem observados desde o acolhimento da denúncia.

            Art. 73 - O Prefeito perderá o mandato, por cassação, nos termos do inciso II e dos parágrafos do artigo anterior quando:

            (...)

            IV - atentar contra:

            (...)

            d) a probidade na administração;

            e) a lei orçamentária;

            f) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

            Como se vê, do ponto de vista material, a LOMSP elegeu como crimes de responsabilidade do Prefeito as mesmas condutas descritas na Constituição Estadual em relação aos crimes de responsabilidade do Governador que, por sua vez, guardam simetria com o disposto na Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República.

            Desta forma, bastará confrontar as verbas consignadas em cada exercício, na Lei Orçamentária Anual, com os valores de precatórios pagos, até o dia 31 de dezembro, para saber se houve ou não desvio de verbas.

            Processo e julgamento

            A parte processual, está minudentemente disciplinada pela Lei Orgânica, que estabelece a legitimidade dos denunciantes; o recebimento da denúncia; a formação de Comissão Especial para exarar o parecer quanto à convolação, ou não, da denúncia em acusação; a admissão da acusação por quorum de 3/5 dos membros da Câmara Municipal e constituição da Comissão Processante.

            O art. 390 do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de São Paulo já regulamentou o procedimento para julgamento do Prefeito por crime de responsabilidade definida no art. 73 da LOMSP, nos seguintes termos:

            Art. 390 - O Prefeito e o Vice-Prefeito serão processados e julgados pela Câmara Municipal nas infrações político-administrativas definidas no artigo 73 da Lei Orgânica do Município, assegurados, dentre outros requisitos de validade, o contraditório, a publicidade, ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e a decisão motivada, que se limitará a decretar a cassação do mandato do Prefeito.

            § 1º - Será admitida a denúncia por Vereador, por partido político e por qualquer munícipe eleitor.

            § 2º - A denúncia será lida em sessão, até 5 (cinco) dias após o seu recebimento, e despachada para avaliação a uma Comissão Especial eleita, composta de 7 (sete) membros, observada, tanto quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

            § 3º - A Comissão a que alude o parágrafo anterior deverá emitir parecer no prazo de 10 (dez) dias, indicando se a denúncia deverá ser transformada em acusação ou não.

            § 4º - Admitida a acusação por 3/5 (três quintos) dos membros da Câmara Municipal, será constituída Comissão Processante, composta de 7 (sete) Vereadores, indicados por sorteio.

            § 5º - A perda do mandato do Prefeito será decidida por, pelo menos, 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal.

            § 6º - Não participará do processo nem do julgamento, o Vereador denunciante.

            § 7º - Se decorridos 90 (noventa) dias da acusação e o julgamento não estiver concluído , o processo será arquivado.

            § 8º - O Prefeito, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

            § 9º - Serão observados outros procedimentos definidos em lei.

            Aplicável, também, naquilo que não tiver sido contrariado pela LOMSP, as disposições processuais, previstas no Decreto-lei nº 201/67, que dispõe sobre responsabilidade de Prefeitos e Vereadores.

            O procedimento é mais ou menos igual àqueles previstos nas esferas federal e estadual. No que se refere ao denunciante prevalece a legitimação prevista na LOMSP e Regimento Interno da Câmara, que não se restringem ao eleitor. Outra particularidade é que no julgamento do Prefeito, por crime de responsabilidade, não há participação de autoridades judiciárias, como ocorre na esfera federal, cuja sessão e julgamento no Senado Federal é presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, e na esfera estadual em que a sessão de julgamento pelo Tribunal Especial, composto de sete Deputados e sete Desembargadores, é presidido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Além disso, tanto a LOMSP, quanto o Regimento Interno e o Decreto-lei 201-67 determinam a conclusão do processo em noventa dias, a contar da data da notificação do acusado, sob pena de arquivamento, facultada a reapresentação da denúncia, ainda que sobre os mesmos fatos.

            6.2 Crimes do Decreto-lei nº 201/67

            O desvio ou a aplicação indevida de rendas ou verbas públicas são condutas tipificadas no art. 1º, inciso III, do Decreto-lei nº 201/67. A pena cominada para esses crimes é de detenção, de 3 meses a 3 anos (§ 1º do art. 1º).

            Os crimes definidos no art. 1º do referido diploma legal, apesar de rotulados de ´´responsabilidade dos Prefeitos´´ são crimes comuns, sujeitos ao julgamento pelo Poder Judiciário. Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: HC nº 70.671-PI, Rel. Min. Carlos Velloso; HC nº 76.852-RS, Rel. Min. Sydney Sanches; RHC nº 80.711-PE, Rel. Min. Sydney Sanches.

            Trata-se de crimes de ação pública, porém, nada obsta a representação ao Ministério Público por quem tenha conhecimento das infrações.

            6.3 Atos de improbidade administrativa

            Não consignar na Lei Orçamentária anual o montante requisitado pelo Judiciário, bem como não efetuar o pagamento dos requisitórios no prazo constitucional, ou promover o desvio de verbas consignadas constituem atos de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, I e II da Lei nº 8.429/92.

            As penalidades previstas para essas hipóteses consistem na perda de função pública, na suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos, na multa de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente infrator, e no ressarcimento integral dos danos, se houver (art. 12, III).

            Qualquer pessoa é parte legítima para formular representação ao Ministério Público. O Órgão Ministerial poderá instaurar a investigação de ofício ou por representação, e no seu curso, requerer medidas cautelares. A perda de função pública e a suspensão de direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

            6.4 Seqüestro das verbas desviadas

            As verbas consignadas para pagamento de precatórios, tanto quanto aquelas destinadas ao pagamento das despesas do Judiciário, não pertencem ao Executivo. Dessa forma, as habituais delegações contidas nas Leis Orçamentárias Anuais para o Executivo transferir, até um determinado percentual, as verbas de uma dotação para outra, não abrangem as dotações do Poder Judiciário. Estas, nem por lei podem ser transferidas, em razão do princípio constitucional da autonomia administrativa e financeira do Judiciário, prevista no art. 99 da CF.

            Assim, cabe ao Presidente do Tribunal de Justiça determinar, de ofício ou por representação, o seqüestro de rendas da entidade política devedora, até o importe das verbas consignadas ao Judiciário e que foram desviadas.

            6.5 Rejeição de contas do Executivo

            O descumprimento de normas orçamentárias - não inserção orçamentária dos valores requisitados, não pagamento dos precatórios do exercício e desvio de verbas para seu pagamento - importa na rejeição das contas anuais do Chefe do Executivo.

            O julgamento dessas contas é privativo da Casa Legislativa competente, precedido de parecer prévio do Tribunal de Contas respectivo. Qualquer pessoa poderá formular representação perante o Tribunal de Contas e a Casa Legislativa competentes, apontando as infrações à Lei Orçamentária Anual.

            A conseqüência imediata de quem teve as contas rejeitadas é a sua inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 5 anos seguintes, contados a partir da data da decisão (art. 1º, I, ´´g´´ da Lei Complementar nº 64/90).

            6.6 Limites globais da dívida consolidada das entidades políticas

            Compete ao Senado Federal fixar os limites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 52, VI da CF). Nos termos do § 7º do art. 30 da Lei de Responsabilidade Fiscal, os precatórios judiciais não pagos no exercício correspondente passam a integrar a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites de endividamento.

            Ao prescrever a norma do § 7º, para avaliação do possível limite a ser fixado pelo Senado Federal, o legislador procurou moralizar e inverter a absurda tradição de venerar o procedimento amoral, consistente no calote dos precatórios.

            Assim, é importante promover a representação, perante a Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal, da entidade política que não vem cumprindo os precatórios inseridos na Lei Orçamentária Anual.

            6.7 Desrespeito aos direitos humanos - OEA

            O descumprimento sistemático de precatórios alimentícios já acarretou a morte de mais de 25.000 (vinte e cinco mil) pessoas só no Estado de São Paulo, segundo o Presidente do Conselho Deliberativo da Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Julio Bonafonte (ASSETJ - Notícias, Ano XII, nº 104, março/2004, p. 8).

            Tal fato importa na violação, não só, do direito interno, como também das disposições do Pacto de San José da Costa Rica, que regula a Convenção Americana de Direitos Humanos. O Brasil é signatário desse Pacto, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 27/92 e internado pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, data em que passou a surtir efeitos no plano interno.

            Logo, por força do disposto no § 2º, do art. 5º da CF o credor por precatório de natureza alimentar, tem garantido seu direito em nível de cláusula pétrea, insuscetível de alteração por via de Emendas (art. 60, § 4º, IV da CF).

            Ante o manifesto desprezo a esse direito fundamental do cidadão, cabe ao interessado pleitear a condenação do Estado Brasileiro perante o Tribunal Internacional, sob a égide da Organização dos Estados Americanos - OEA - como, aliás, já noticiado pelo Jornal do Advogado da OAB/SP (Ano XXIX, nº 278, dezembro/03, p. 8).


7. Conclusões

            7.1 Não basta a mera previsão constitucional e infraconstitucional das infrações cometidas por entes políticos e seus agentes. É preciso responsabilizar efetivamente os infratores nos limites legais, nos campos político, administrativo, funcional e penal.

            7.2 É preciso fazer com que o princípio maior da Federação, o da harmonia e independência dos Poderes passe a atuar de fato, a fim de que o Estado Democrático de Direito, proclamado no art. 1º da Carta Política, passe a ser uma realidade.

            7.3 É preciso que haja mobilização da opinião pública, o exercício efetivo e contínuo da cidadania, para reverter esse quadro de dominação dos dois outros Poderes da República pelo Poder Executivo, e banir de vez esse estado de afronta sistemática às decisões do Judiciário, sob pena de destruição do estado de direito.

            7.4 É preciso despertar em todos uma visão crítica, no que diz respeito ao direcionamento dos incomensuráveis recursos financeiros, coativamente retirados do setor privado, por meio de intermináveis tributos.

            7.5 Uma sociedade que só sabe reclamar de tributos, mas fica alheio às despesas públicas, permitindo o seu desvio sistemático, como nos casos de precatórios, em nada contribui para a saúde financeira e administrativa do Estado.


NOTAS

            (1) IF 492/SP, Rel . Marco Aurélio, Tribunal Pleno, por maioria de votos, DJ de 01-08-2003, p. 00111; no mesmo sentido as seguintes decisões do Pleno: IF 2772/SP, Rel. Min. Marco Aurélio e IF 2926/SP, Rel. Min. Marco Aurélio; decisões monocráticas: IF 4426/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 11-12-2003, p. 006; IF 1909/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-12-2003, p. 041 e IF 3728/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-12-2003, p. 045.

            (2) Art. 85 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da Republica que atentem contra a Constituição federal, e, especialmente contra:

            (...)

            V - a probidade na administração;

            VI - a Lei Orçamentária.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Precatórios judiciais. Descumprimento.: Necessidade de acionar mecanismos jurídicos, constitucionais e legais vigentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 398, 9 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5535. Acesso em: 24 nov. 2024.

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