O direito constitucional de defesa do acusado no devido processo penal eletrônico

Exibindo página 3 de 5
24/01/2017 às 01:32
Leia nesta página:

5 O DIREITO CONSTITUCIONAL DE DEFESA NO PROCESSO PENAL VIRTUAL

O Direito, fugindo do estático e taxativo texto jurídico positivado, tem como precípua finalidade o alcance dos anseios de determinada sociedade. Para tanto, a interpretação das normas do ordenamento jurídico deve se dar em sintonia a situação social, cultural e mesmo jurídica daquela sociedade em que é aplicado.

Deste modo, o aplicador do Direito, embora deva se ater a uma interpretação fria e objetiva da lei, não deve o fazer de modo a desconsiderar tais fatores, ao contrário, deve o traduzir a luz das circunstâncias fáticas em que se encontra determinado povo.

Nesse contexto, passaremos a analisar uma grande inovação ocorrida nas últimas décadas, que atingiu todos os ramos da vida social, e, de maneira categórica, ainda, o nosso ordenamento jurídico, qual seja a chegada da informática.

Embora, como toda e qualquer mudança, haja havido, inicialmente, resistência e ceticismo na aplicação da informática dentro do processo judicial, e nos benefícios que esta traria, questionando-se, inclusive, a constitucionalidade de seu uso; mostrou-se inevitável a inserção deste novo e eficaz artifício no Direito. Os aplicadores da lei, não viram outra escolha, senão a adequação dos obsoletos procedimentos ao universo digital. Vejamos:

A novidade tecnológica, a despeito de haver gerado surpresa e desconfiança iniciais a seus aplicadores e destinatários, não sofreu restrições severas, porque não foi descurada a manutenção das garantias processuais necessárias à instauração do processo regular, no qual os mecanismos de garantia dos direitos individuais fundamentais são atendidos, acautelando-se o devido processo legal.[17]                                                 

É um processo irreversível, não somente por ser uma imposição social, mas também pelos grandes investimentos realizados pelos tribunais. O PROJUDI (Processo Judicial Digital) e o PJE (Processo Judicial Eletrônico), sistemas de processo eletrônico, já estão em pleno funcionamento em todo país.

A modernização dos procedimentos processuais, com a utilização da cibernética, trouxe, dentre diversos benefícios, a possibilidade de se aplicar de maneira mais eficaz o Princípio da duração razoável do processo, possibilitando maior celeridade à tramitação de processos.

Nesse sentido:

 O objetivo do sistema brasileiro, o qual não possui similar em outro país, é dotar o processo eletrônico dos meios que assegurem maior celeridade de sua tramitação, mediante a garantia fundamental de sua razoável duração, sem descurar a observância dos postulados que protegem o respeito à dignidade da pessoa humana.[18]

Sob outro enfoque, o processo judicial (e, inclusive, o Administrativo), dentro do Direito, objetiva o acesso à justiça, por meio de diversas garantias firmadas na Constituição Federal de 1988. Dentre as garantias elencadas por esta, está a garantia constitucional de defesa, consubstanciada pela Ampla Defesa e pelo Contraditório, previstos no Art. 5º no referido diploma.

Assim sendo:

A toda pessoa que tem contra si uma acusação é assegurado o direito de se defender, apresentando a sua versão dos fatos, impugnando as alegações daquele que ingressou com a Ação em Juízo. Em razão dessa necessidade legal de sempre ouvir-se a parte contrária antes de qualquer decisão judicial, as medidas que o Juiz pode tomar inaudita altera parte têm caráter restrito, somente podendo ser deferidas mediante criteriosa análise, que levará em conta o fumus boni iuris 290 em conjunto com o periculum in mora 291 (no caso de provimentos cautelares) e a prova inequívoca, somada à verossimilhança das alegações e receio de dano irreparável ou de difícil reparação (para a concessão da Antecipação da Tutela 292).[19]

Desse modo, qualquer que seja o processo judicial em apreço, deve-se observar a garantia da aplicação do direito à defesa, sobretudo no processo penal, em que se encontra em jogo os mais importantes direitos individuais, quais sejam o da liberdade, da propriedade e da honra.

Assim sendo, na aplicação do processo penal eletrônico, não pode ocorrer de modo diverso. Deve-se aplicá-lo em acordo a todas as garantias constitucionais do devido processo legal, sobretudo no que se refere a garantia da Ampla Defesa.

A adoção do Processo Eletrônico apenas confere nova roupagem ao Processo Judicial. O Processo Judicial Eletrônico deverá estar sujeito às mesmas formalidades essenciais que o Processo tradicional, no tocante a ser obedecido o procedimento legalmente previsto para a apuração da verdade, em uma sucessão concatenada de atos Processuais, em que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, umbilicalmente ligados ao Princípio do Devido Processo Legal

Sobre tal ponto o professor juiz Eulálio Figueiredo[20] adverte:

Destarte, a lei do processo eletrônico não precisa contemplar os princípios que garantem o respeito ao direito de defesa do demandado, pois como norma infraconstitucional deve submeter-se à supremacia da Carta Magna, a qual relaciona tanto os pressupostos que vedam os abusos estatais na aplicabilidade do novel procedimento digital, quanto os que garantem o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, como postulados decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana.

Entende-se, portanto, que a modernização dos procedimentos ao universo da informática, deve se dar de modo a facilitar o trâmite processual, sem, contudo, deixar de observar toda a procedibilidade positivada legalmente.

Nesse caso, considerar inconstitucional a aplicação de tal tecnologia não faria menor sentido, uma vez que, além de ser possível a coexistência pacifica entre o processo penal eletrônico e a observância das garantias constitucionais, tal artifício trouxe a possibilidade de aplicação mais efetiva dos princípios da celeridade e da razoável duração do processo.

Ainda no que se refere ao direito constitucional de defesa no âmbito do processo penal virtual, faz-se mister a abordagem do regramento das comunicações processuais da citação e intimação. Tal importância se dá, pois tais ações que dão conhecimento dos atos processuais às partes, para que possam gozar do direito ao contraditório e ampla defesa.

As principais modificações feitas pelo novo sistema ocorreram nos atos de comunicação. Em face da difundida utilização de e-mails para comunicação em geral, as tradicionais formas de citar ou intimar já podem ser consideradas ultrapassadas. Importa ressalvar que o legislador, no tocante às citações, excetuou aquelas relativas aos direitos processuais criminal e infracional, podendo as demais, inclusive da Fazenda Pública, serem feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando, conforme dispõe o art. 6º, da Lei 11.419/2006.

Não somente no que se refere à comunicação, como a diversos outros atos judiciais, insere-se o novo modelo, que, ao invés de abalar a garantia constitucional de defesa, proporciona maior segurança jurídica com o uso de modernas técnicas de segurança da informação, criptografia, assinaturas digitais, certificados virtuais, uso de chaves públicas e privadas, etc.

Outra possibilidade trazida pela lei de informatização do processo é a de que os atos sejam gravados. A videoconferência no âmbito do processo penal foi assegurada não apenas pelo referido diploma legal, mas também pelo Código de Processo Penal. Por meio dela é possível realizar toda coleta da prova oral virtualmente.

Dissertando sobre o assunto, Araújo Lima Neto[21] acrescenta, in verbis:

As recentes reformas do Judiciário, principalmente após a vigência da EC nº 45/04, pautam-se pela busca da efetivação e celeridade processuais no julgamento dos feitos, uma vez que a espera do cumprimento de cartas em outra jurisdição e a tomada de depoimento de testemunhas em comarcas contíguas acaba por retardar a entrega da prestação jurisdicional. Com a utilização do interrogatório virtual, seria possível um encerramento e entrega da resposta jurisdicional num lapso temporal menor.


6. DEVIDO PROCESSO LEGAL

Seguindo as tendências do mundo, o devido processo legal brasileiro vem sofrendo modificações ao longo do tempo, chegando cada vez mais próximo de concretizar as garantias processuais. O devido processo legal primeiramente, apareceu na constituição americana[22], consagrada pela expressão "due process of law", aonde diz: no person shall be [...] deprived of life, liberty ou property, without due process of law". Este princípio consagra principalmente o fato que ninguém deve ser condenado, sem direito a um processo e a uma sentença justa.

Entretanto, a simples garantia formal do dever do Estado de garantir a todos o direito igualitário de acesso ao judiciário, não cumpre a necessidade atual para garantir a dignidade da pessoa humana, significa dizer que deve haver meios para garantir que viabilizem uma tutela jurídica rápida, efetiva e adequada.

 O devido processo legal relaciona-se não apenas com o princípio da legalidade, mas também com a legitimidade. A esse propósito, consoante, o devido processo legal é o “processo devidamente estruturado” mediante o qual se faz presente à legitimidade da jurisdição, entendida jurisdição como poder, função e atividade.

O devido processo legal gera: a garantia de que todo e qualquer processo se dá em relação a fatos cuja ocorrência é posterior às leis que os regulamentam; significa também que o Poder Judiciário deve apreciar as lesões e ameaças à liberdade e aos bens dos indivíduos. Em relação ao primeiro aspecto citado, o processo tem de se submeter a um ordenamento preexistente e, se este se alterar, estando em curso o processo, os atos já realizados serão respeitados. O princípio do devido processo legal permite, ainda, a necessária imparcialidade do juiz.

Um dos exemplos do princípio do devido processo legal se encontra no princípio de que nula poena sine iudicio (não há pena sem processo).  Trata-se de um princípio do direito penal, significando que nenhuma sanção penal pode ser imposta sem a intervenção do juiz, através do competente processo. Nem com a concordância do próprio infrator da norma penal, pode ele sujeitar-se à sanção, extrajudicialmente. 

6.1 Virtualização do Ordenamento Jurídico 

É neste contexto que a Lei n. 11.419/2006[23] dispôs sobre a informatização do processo judicial, criando a figura do processo eletrônico ou virtual. Esta Lei traz regras acerca de envio de petições, comunicação eletrônica de atos processuais, sobre a produção de prova documental, entre outras.

Aparentemente, tal diploma legislativo veicula regras de direito processual. Entretanto, o processo virtual acaba por trazer uma nova cultura de processo, quebrando paradigmas no que tange a princípios clássicos do processo, como é o caso do princípio dispositivo, da lealdade processual, do contraditório, entre outros. Por isso, é difícil afastar a assertiva de que essa lei tenha unicamente cunho procedimental.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em relação ao princípio que deve andar de mãos dadas com o devido processo legal, o princípio da duração razoável do processo, na forma como introduzido em nosso Ordenamento Jurídico, pode e deve ser considerado como comando dirigido para a efetividade da prestação jurisdicional. Mas com a ponderação acerca das medidas necessárias para que tal aceleração na obtenção da decisão judicial final não seja obtida em detrimento da segurança em relação ao mérito do direito material propriamente em discussão.

Necessário é o equilíbrio entre o oferecimento da prestação jurisdicional de forma pertinente para o caso em concreto com a duração da marcha processual até a obtenção de tal desiderato, o que se constitui em verdadeiro termo médio que apenas o processo eletrônico poderia oferecer o que restou materializado com a Lei nº 11.419/2006.

O termo médio aqui referido pode ser obtido com base na noção de que a duração razoável do processo é materializada no momento em que o jurisdicionado obtém a tutela jurisdicional de forma tempestiva e adequada para o caso em concreto, o que pode ser visualizado com as modificações na seara processual subsequentes à , com destaque para o tema aqui em discussão da Lei n. 11.419/2006, que introduziu o processo virtual em nosso Ordenamento Jurídico como plataforma integralmente eletrônica de acesso e tramitação de feitos judiciais.

Ora, neste trilhar é que se sobressai como verdadeira revolução na forma de prestação jurisdicional a adoção de meios eletrônicos para a consecução de inúmeros ritos processuais, o que restou Emenda Constitucional nº 45/2004[24] através da Lei nº 11.419/2006, que admitiu a possibilidade de tal utilização para tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais (art. 1º), com ganhos na economia e na celeridade processual, mas que inegavelmente demanda uma releitura de alguns princípios processuais que a seguir será realizada.

É preciso que o princípio do contraditório, que é englobado pelo princípio do devido processo legal, seja reavaliado, para não dizer atualizado. E, no processo eletrônico, tem-se, através do meio virtual em que se insere oportunidade ideal para realização dessa releitura. O meio eletrônico possibilita um aprimoramento do princípio do contraditório, tornando-o mais imediato, mais instantâneo, mais interativo.

Ao passo que, no processo em autos físicos, em que se tem um contraditório mais engessado, os sujeitos processuais muitas vezes viram escravos dos prazos, no processo eletrônico tem-se um novo cenário. No meio virtual, concebe-se um contraditório mais dinâmico, mais imediato, onde o conteúdo dos atos se torna mais instantâneo e verossímil. Assim, a participação no processo é muito mais efetiva, assim como o próprio direito de defesa.

Portanto, a semelhança do que já foi consignado acima, o contraditório torna-se interativo, possibilitando uma participação ativa, efetiva e instantânea de todos os sujeitos processuais, o que acaba por alterar a própria estrutura da relação processual, que deixa de ser angular para ser reticular consoante já afirmado. Quebram-se, pois, os paradigmas do ônus da prova.

Também não se pode olvidar o compromisso deste novo contraditório com um processo baseado na verdade real o que agrega um componente de natureza substancial a este princípio. Assim, o contraditório no processo eletrônico tem por escopo a busca de um processo mais democrático, onde os sujeitos processuais possam interagir entre si, de forma imediata, compartilhando informações e, inclusive, o ônus da prova.

Dentre outra finalidade que foram alcançadas pelo devido processo legal virtual, o equilíbrio entre as partes no processo, levando à oportunidade de ambas as partes conseguirem alegar e demonstrar os fatos, de forma que faça prevalecer à isonomia processual. A virtualização da Justiça, que ainda engatinha no judiciário, será a grande passada em rumo à democracia.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos