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As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária

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05/08/2004 às 00:00
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3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Consoante as judiciosas palavras de CARLOS ARI SUNDFELD, as pedras de toque do Estado de Direito, cuja falta faria desmoronar todo o edifício, são a supremacia da Constituição, a separação dos Poderes, a superioridade da lei e a garantia dos direitos individuais. [13]

O Estado de Direito, portanto, está assentado em quatro idéias basilares, sendo uma delas a superioridade da lei, expressa no Princípio da Legalidade. Este princípio, também denominado por PONTES DE MIRANDA de Princípio da Legalitariedade, surge, então, como uma das vigas mestras do ordenamento jurídico brasileiro, visto ser um Estado calcado na superioridade da lei.

O Princípio da Legalidade está preceituado no art. 5º II da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Destarte, a Carta Magna vigente consagra, em seu art. 5º, no título concernente aos direitos e garantias fundamentais, mais especificamente no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, o Princípio da Legalidade, de suma importância para qualquer sistema jurídico oriundo de um Estado de Direito e um dos pilares em que se apóia todo o ordenamento brasileiro.

Não obstante o princípio estar inserido no capítulo referente aos direitos individuais, a doutrina entende que se trata de uma garantia constitucional individual, ou simplesmente garantia individual. Para CELSO RIBEIRO BASTOS, no fundo, portanto, o Princípio da Legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei. [14]

A proposição "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", enunciado do Princípio da Legalidade, é centenária no direito brasileiro, tendo sido consagrada em todas as Leis Fundamentais, com exceção da de 1937, omissa a respeito (art. 72, § 1º, da Constituição de 1891; art. 113, inciso II, da Constituição de 1934; art. 141, § 2º da Constituição de 1946; art. 150, § 2º da Constituição de 1967; art. 153, § 2º da E. C. nº. 1, de 1969).

Para que melhor se compreenda o que denota tal princípio é curial, contudo, que se entenda o significado da expressão "em virtude de lei", que equivale a dizer que somente a lei é que pode obrigar a "fazer" ou a "deixar de fazer" alguma coisa. Porém, qual o sentido que o legislador constituinte quis dar ao termo "lei", ao preceituar o Princípio da Legalidade?

O termo lei, para MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, ainda na Constituição de 1946, era tomado na acepção de ato normativo, votado pelo Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República (ou superado o veto deste por nova deliberação parlamentar), estabelecido, enfim, segundo um procedimento reservado, de tal modo que todo ato estabelecido por aquele canal e apenas os editados segundo esse caminho eram lei. A Constituição vigente, contudo, prevê diferentes modalidades de ato normativo (vide art. 59 da CF/88). Consoante o jurista, não é mais a lei, no direito pátrio, o único ato normativo primário. Outros há, como a medida provisória, que também derivam diretamente da Constituição. São atos, pois, que, tanto quanto a lei, em sua eficácia, aparecem no primeiro nível dos atos resultantes da Constituição. FERREIRA FILHO finaliza, dizendo que no texto em exame, lei não significa estritamente uma modalidade de ato normativo. Tem o sentido de gênero que abrange todos os atos normativos primários. Assim, atende ao Princípio da Legalidade, podendo comandar que se faça ou que não se faça alguma coisa, todo ato normativo, editado imediatamente com base em competência constitucional, incluído no chamado processo legislativo, dentro de seu âmbito próprio. [15]

ALEXANDRE DE MORAES expressa a mesma opinião, ao relatar que só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Ou, noutros termos, segundo o mesmo autor, pelo Princípio da Legalidade fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional. [16]

Corroborando o exposto, PINTO FERREIRA afirma ser a lei um ato normativo, entretanto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 59, sobre o processo legislativo, enumerou diversos atos normativos. Dessa forma, a lei não é o único ato normativo primário. Para o doutrinador, a lei tem o sentido de gênero que abrange todos os atos normativos primários. [17]

Por conseguinte, depreende-se do que foi até aqui consignado, que a regra de obrigatoriedade de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, definida como Princípio da Legalidade, considera "Lei" todos os atos normativos primários preceituados no art. 59 da Constituição Federal de 1988, que trata do processo legislativo. Em outras palavras, estará respeitando o Princípio da Legalidade todo comando normativo, que obriga alguém a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, expresso ou instrumentalizado por qualquer das espécies normativas preceituadas no art. 59 da atual Carta Magna brasileira. Enfim, o termo "Lei", declarado pelo Princípio da Legalidade, tem significação genérica, abrangendo todos os atos normativos primários compreendidos no processo legislativo (art. 59 da CF/88).

A palavra "lei", outrossim, pode ser conceituada segundo os critérios formal e material. Lei em sentido formal designa todo ato jurídico emanado pelo Poder Competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição. Por outro lado, a lei em sentido material pode ser definida como o ato jurídico normativo que contém uma regra de direito objetivo, é uma norma, um comando abstrato, geral e impessoal.

Como corolário de tal definição, classifica-se a lei em sentido amplo e restrito. Para que o comando normativo seja considerado lei em sentido restrito, é mister que se enquadre no conceito de lei formal e material simultaneamente. Ou seja, a lei em sentido restrito é o ato jurídico normativo que contém uma regra de direito objetivo, é uma norma, um comando abstrato, geral e impessoal, emanado pelo Poder Competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição.

Ao revés, para que o ato normativo seja considerado lei em sentido amplo, é necessário apenas que seja lei material ou lei formal. O Princípio da Legalidade contenta-se somente com a lei em sentido amplo, ou, noutros termos, para que o Princípio da Legalidade seja respeitado, torna-se suficiente que o ato jurídico seja emanado pelo Poder Competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição (Lei Formal), ou que o ato jurídico normativo contenha uma regra de direito objetivo, um comando abstrato, geral e impessoal (Lei Material). Ressalta-se, enfim, que tal explanação ajusta-se perfeitamente com o que foi anteriormente dito, isto é, o termo "Lei", declarado pelo Princípio da Legalidade, tem significação genérica, abrangendo todos os atos normativos primários elencados no art. 59 da Constituição Federal de 1988, que trata do processo legislativo.

Deriva do Princípio da Legalidade, contudo, um outro princípio também de enorme importância para o Direito, denominado pela doutrina de reserva legal ou reserva de lei formal. Este princípio nada mais é do que uma intensificação, exacerbação ou um aprofundamento do mesmo Princípio da Legalidade.

Segundo ALEXANDRE DE MORAES, o Princípio da Legalidade é de abrangência mais ampla do que o princípio da reserva legal. Por ele fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional. Por outro lado, encontra-se o princípio da reserva legal. Este opera de maneira mais restrita e diversa. Ele não é genérico e abstrato, mas concreto. Ele incide tão-somente sobre os campos materiais especificados pela Constituição. Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao Princípio da Legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei. [18]

Em outras palavras, pelo princípio da reserva legal, somente a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) poderá regulamentar algumas matérias indicadas expressamente pela Constituição. Difere, portanto, do Princípio da Legalidade, pois este exige apenas a lei em sentido amplo (ou quaisquer dos atos normativos primários elencados no art. 59 da CF/88) e para todos os comportamentos humanos.

Em suma, enquanto no princípio da reserva legal serão objeto de lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) somente alguns comportamentos humanos, apenas os especificados expressamente pela Constituição, no Princípio da Legalidade todos os comportamentos ficam sujeitos a lei em sentido amplo ou quaisquer dos atos normativos primários compreendidos no processo legislativo (art. 59 da CF/88). Devem respeitar o princípio da reserva legal, por exemplo, os comportamentos humanos que são preceituados em normas incriminadoras de Direito Penal, além das regras que criam ou aumentam tributos, como será visto posteriormente.

Destaca-se, ainda, que a Carta Magna vigente estabelece essa reserva de lei, de modo absoluto ou relativo. Destarte, ocorre a reserva absoluta de lei formal, quando a lei em sentido restrito há de ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela. Por outro lado, quando a Constituição Federal deixa claro que o que se requer é uma referência legal, uma previsão por parte da lei em sentido restrito, sem qualquer caráter de exaustão, há reserva relativa de lei formal. Neste caso, tudo a que o indivíduo está sujeito não há de estar minuciosamente descrito na lei em sentido restrito.

Sobre o consignado, JOSÉ AFONSO DA SILVA declara ser absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: "a lei regulará", "a lei disporá", "a lei criará", a lei poderá definir", etc. É relativa a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é em parte admissível a outra fonte diversa da lei, sob a condição de que esta indique as bases que aquela deva produzir-se validamente. Assim é quando a Constituição emprega fórmulas como as seguintes: "nos termos da lei", "no prazo da lei", "na forma da lei", "com base na lei", "nos limites da lei", "seguindo critérios da lei". [19]

No mesmo sentido, consoante ALEXANDRE DE MORAES, tem-se a reserva legal absoluta quando a norma constitucional exige para sua integral regulamentação a edição de lei formal. Por outro lado, tem-se a reserva legal relativa quando a Constituição Federal, apesar de exigir edição de lei formal, permite que esta fixe tão-somente parâmetros de atuação para o órgão administrativo, que poderá complementá-la por ato infralegal, sempre, porém, respeitados os limites ou requisitos estabelecidos pela legislação. [20]

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Por derradeiro, é de se ressaltar, visto que será útil no capítulo seguinte, que o Principio da Legalidade em matéria tributária, consagrado no art. 150 I da atual Carta Magna, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal.


4. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

Conforme o exposto no capítulo anterior, o art. 5º`, inciso II, da atual Carta Magna, estabelece um dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro. Ficou consignado, outrossim, que do Princípio da Legalidade flui um outro, também de grande valor para o Direito, denominado de princípio da reserva legal ou de reserva de lei formal.

Demonstrou-se, ademais, que a diferenciação entre ambos é qualificada pela abrangência. O Princípio da Legalidade, mais amplo, designa que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas compreendidas no processo legislativo constitucional (art. 59 da CF/88), ou seja, de uma lei em sentido amplo (lei material ou lei formal). Por outro lado, o princípio da reserva de lei formal, menos abrangente, indica que apenas a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) poderá regular algumas matérias indicadas expressamente pela Constituição.

Por fim, destacou-se que a Constituição em vigor estabelece essa reserva de lei, de forma absoluta ou relativa. Assim, quando a Lei Fundamental brasileira deixa claro que o que se requer é uma referência legal, uma previsão por parte da lei em sentido restrito, sem qualquer caráter de exaustão, há reserva relativa de lei formal. Em conseqüência, tudo a que o indivíduo está sujeito não há de estar minuciosamente descrito na lei em sentido restrito. Ao revés, quando a lei em sentido restrito há de ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela, ocorre a reserva absoluta de lei formal.

Não obstante o Princípio da Legalidade estar preceituado genericamente no referido dispositivo constitucional, pairando sobre todo o ordenamento jurídico brasileiro, no que concerne ao Direito Tributário a Carta Magna foi mais específica, consignando o princípio também no art. 150, inciso I, no capítulo referente ao sistema tributário nacional. Destarte, com tal atitude, o legislador constituinte deixou evidente o primordial prestígio do Princípio da Legalidade dentro da matéria tributária, porquanto não se contentou apenas com a norma genérica antes relatada.

O princípio da legalidade tributária, assente no art. 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dita que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". Fica claro, portanto, à vista do exposto, que se pretendeu enaltecer e dar uma maior especificidade ao Princípio da Legalidade dentro do sistema tributário nacional, haja vista que, com outras palavras, porém com a mesma retórica, os mesmos ditames foram preceituados no art. 5º, inciso II.

LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JÚNIOR, explicando a razão-de-ser do princípio específico da legalidade tributária, declara que o art. 5º, II da CF consagra o princípio genérico da legalidade, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Entretanto, tal princípio genérico é considerado por si só insuficiente para conferir ao contribuinte a garantia que decorre do princípio específico, exigindo, para cada instituição ou majoração de tributo, norma jurídica emanada pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição. [21]

Pelo princípio da legalidade tributária, por conseguinte, tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei. A Constituição é explícita. Tanto a criação como o aumento dependem de lei.

HUGO DE BRITO MACHADO entende, contudo, que para bem compreender o princípio da legalidade tributária, é importante ter presente o significado das palavras lei e criar. Aliás, dizer que só é válida a criação do tributo por lei nada significa se não se sabe o que é lei, e o que significa criar. [22]

À vista disso, confirmando o que foi dito no capítulo anterior, para o mencionado jurista, em sentido formal, lei é o ato jurídico produzido pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição. Diz-se que o ato tem a forma de lei. Foi feito por quem tem competência para fazê-lo, e na forma estabelecida para tanto, pela Constituição. Nem todos os atos dessa categoria, entretanto, são leis em sentido material. Por outro lado, em sentido material, lei é o ato jurídico normativo, vale dizer, que contém uma regra de direito objetivo, dotada de hipoteticidade. Em outras palavras, a lei, em sentido material, é uma prescrição jurídica hipotética, que não se reporta a um fato individualizado no tempo e no espaço, mas a um modelo, a um tipo. É uma norma. Nem sempre as leis em sentido material também são leis em sentido formal. Assim, a palavra lei tem um sentido amplo e outro restrito. Lei, em sentido amplo, é qualquer ato jurídico que se compreenda no conceito de lei em sentido formal ou em sentido material. Basta que seja lei formalmente, ou materialmente, para ser lei em sentido amplo. Já em sentido restrito só é lei aquela que o seja tanto em sentido formal como em sentido material. Segundo HUGO DE BRITO MACHADO, no Código Tributário Nacional, a palavra lei é utilizada em seu sentido restrito, significando regra jurídica de caráter geral e abstrato, emanada do Poder ao qual a Constituição atribuiu competência legislativa, com observância das regras constitucionais pertinentes à elaboração das leis. Só é lei, portanto, no sentido em que a palavra é empregada no CTN, a norma jurídica elaborada pelo Poder competente para legislar, nos termos da Constituição, observado o processo nesta estabelecido. [23]

Para HUGO DE BRITO MACHADO criar um tributo, no contexto do princípio da legalidade tributária, é estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago. Assim, a lei instituidora do tributo há de conter: (a) a descrição do fato tributável; (b) a definição da base de cálculo e da alíquota, ou outro critério a ser utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; (c) o critério para a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; (d) o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade. [24]

Logo, ante o apregoado, percebe-se claramente que a lei, para o CTN, não designa quaisquer dos atos normativos primários, mas sim somente aquele que se enquadra no sentido restrito de lei, ou seja, norma jurídica elaborada pelo Poder competente para legislar, nos termos da Constituição e observado o processo nela estabelecido. A referida lei, ademais, deve conter, para a criação do tributo, todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago.

Destarte, tendo em vista tais particularidades, o princípio da legalidade tributária é também conhecido por outras expressões: princípio da reserva legal; princípio da estrita legalidade; princípio da estrita legalidade tributária e princípio da reserva absoluta de lei formal.

Manifesta-se dessa forma CELSO RIBEIRO BASTOS, ao declarar que um dos princípios essenciais do estado moderno é o da legalidade da tributação – também conhecido por reserva de lei – que a doutrina considera como regra fundamental do direito público. O doutrinador continua, dizendo que a simples aplicação desse princípio leva à idéia de que ninguém seria obrigado a pagar tributo que não viesse antecedido de lei. Acontece, entretanto, que esse princípio é reforçado em matéria de tributação. Daí surgir o que os autores chamam de princípio da estrita legalidade. [25]

Também discorre sobre o assunto IVES GANDRA MARTINS, quando diz que a lei tributária deve preencher os requisitos da estrita legalidade, da tipicidade fechada e da reserva absoluta de lei formal. [26]

Tais expressões são utilizadas, enfim, por JOSÉ AFONSO DA SILVA, ao relatar que o fenômeno tributário, como atividade estatal, obedece ao princípio da legalidade, mas não à simples legalidade genérica que rege todos os atos e atividades administrativas. Subordina-se a uma legalidade específica, que, em verdade, se traduz no princípio da reserva de lei. Esta legalidade específica constitui garantia constitucional do contribuinte, em forma de limitação ao poder de tributar que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I). O constitucionalista finaliza, afirmando que esse princípio da estrita legalidade tributária compõe-se de dois princípios que se complementam: o da reserva de lei e o da anterioridade de lei tributária. [27]

A despeito das diversas maneiras em que se enuncia o princípio da legalidade tributária, adotar-se-á a expressão "reserva absoluta de lei formal", diante de tudo o que foi expresso no capítulo concernente ao princípio genérico da legalidade. Dessa forma, repetindo as últimas linhas que encerraram o capítulo antecedente, o princípio da legalidade em matéria tributária, consagrado no art. 150, inciso I, da atual Carta Magna brasileira, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal.

Por conseguinte, a norma constitucional que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça", preceituada no art. 150 I da CF/88, manifesta-se como uma reserva absoluta de lei formal, decorrendo disso algumas conseqüências importantes.

Destarte, um tributo somente pode ser criado ou aumentado por meio de lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente), ou seja, apenas o ato jurídico normativo que contém uma regra de direito objetivo, um comando abstrato, geral e impessoal, emanado pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, na forma estabelecida pela Constituição, pode instituir ou majorar um tributo (princípio da reserva de lei formal). Ademais, esta lei em sentido restrito, que cria um tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago. Isto é, a referida lei deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela. Assim, a lei em sentido restrito, instituidora do tributo, deve conter a descrição do fato tributável; a definição da base de cálculo e da alíquota, ou outro critério a ser utilizado para o estabelecimento do valor do tributo; o critério para a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; o sujeito ativo da relação tributária, se for diverso da pessoa jurídica da qual a lei seja expressão de vontade (princípio da reserva absoluta de lei formal).

LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JUNIOR corrobora a assertiva, ao consignar que algumas observações devem ser feitas a respeito do que dispõe o art. 150, I, quando exige lei prévia para a instituição ou majoração de tributo. Em primeiro lugar, referindo-se o dispositivo legal a tributo, nenhuma dúvida existe que o princípio da legalidade deve ser aplicado a todas as espécies do gênero, inclusive aos tributos que não existem autonomamente como espécies tributárias (empréstimos compulsórios e contribuições parafiscais). Em segundo lugar, o mesmo dispositivo menciona o termo lei e não legislação. Como se sabe, o CTN distingue esses dois termos, e essa distinção foi recepcionada pela Constituição.

Assim, a expressão legislação tributária "compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes" (CTN, art. 96). Em outras palavras, legislação tributária significa norma jurídica em sentido lato, não importando a sua origem. De outro lado, o CTN refere-se ao termo lei em seu sentido restrito de lei propriamente dita, lei formal, para significar a norma jurídica emanada do Poder competente para a função legislativa e que tenha observado todas as formalidades constitucionais. Todavia, lei em sentido restrito deve ser lei também em sentido material. ROSA JUNIOR acrescenta que, por outro lado, ALBERTO XAVIER afirma que o princípio da legalidade difere no Direito Administrativo e no Direito Tributário. Assim, no Direito Administrativo o princípio da legalidade contenta-se com uma simples reserva relativa, porque "a lei não tem que fornecer necessariamente o critério de decisão no caso concreto, que o legislador pode confiar à livre valoração do órgão de aplicação do direito – o administrador". Todavia, o Direito Tributário exige mais: reserva absoluta da lei. [28]

Igualmente confirmando o exposto, LUCIANO AMARO declara que quando se fala em reserva de lei para a disciplina do tributo, está-se a reclamar lei material e lei formal. A legalidade tributária não se contenta com a simples existência de comando abstrato, geral e impessoal (lei material), com base em que sejam valorados os fatos concretos. A segurança jurídica requer lei formal, ou seja, exige-se que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão titular de função legislativa (reserva de lei formal). Ademais, consoante o mencionado autor, é mister que a lei defina in abstrato todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e à quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente, determinar se "A" irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação. Os critérios que definirão se "A" deve ou não contribuir, ou que montante estará obrigado a recolher, devem figurar na lei e não no juízo de conveniência ou oportunidade do administrador público. Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei. A legalidade tributária implica, por conseguinte, não a simples preeminência da lei, mas a reserva absoluta de lei [29].

Ressalta-se, por derradeiro, que, da reserva absoluta de lei formal, surgiu um princípio específico do Direito Tributário, denominado pela doutrina de princípio da tipicidade. ALBERTO XAVIER explica que o princípio da tipicidade não é, ao contrário do que já uns sustentaram, um princípio autônomo do da legalidade: antes é a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei, ou seja, sempre que se encontra construído por estritas considerações de segurança jurídica. Segundo o autor, a técnica da tipicidade é, porém, a mais adequada à plena compreensão do próprio conteúdo de reserva absoluta e, portanto, dos limites que a lei impõe à vontade dos órgãos de aplicação do direito em matéria tributária. É precisamente pela análise da origem normativa dos tipos, do objeto da tipificação e dos caracteres da tipologia tributária, que resulta com nitidez o alcance da regra nullum tributum sine lege e que se poderá traçar com rigor o âmbito das matérias que, pelo princípio da legalidade, estão reservadas à lei e as que, eventualmente, estejam confiadas à vontade dos seus órgãos. [30]

Assim, consoante LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JUNIOR, segundo o princípio da tipicidade, na tributação não basta simplesmente exigir-se lei formal e material para a criação do tributo. Tudo isso não contenta ao moderno Estado de Direito no que concerne à proteção do contribuinte face ao poder impositivo do Estado. Há necessidade, ademais, que a lei que institua um tributo defina tipo fechado, cerrado, todos os elementos da obrigação tributária, de modo a não deixar espaço algum que possa ser preenchido pela Administração em razão da prestação tributária corresponder a uma atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3º CTN). Desse modo, a lei formal deve conter a hipótese de incidência sob todos os seus aspectos: objetivo, subjetivo, espacial, temporal e valorativo. [31]

Em suma, o que deve ser fixado do capítulo que finda, é que somente a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) pode instituir ou majorar um tributo. E que esta lei em sentido restrito, criadora do tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago, ou seja, deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela.

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Sobre o autor
Rodrigo Spessato

Advogado em Curitiba/PR, Especialização Lato Sensu pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná– FEMPAR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPESSATO, Rodrigo. As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5542. Acesso em: 24 abr. 2024.

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