3. CONCLUSÃO
Impõe-se como conclusão apenas se admitir que o constituinte reformador tem imprimido rumos tortuosos ao Direito Tributário, criando figuras gelatinosas e desestabilizando a harmonia do sistema tributário, acostumado a classes rígidas e a figuras puras, tudo em homenagem à segurança jurídica. Assim, afirma-se que:
- apesar de o tráfego jurídico privado, ou mesmo o legislador, não poderem criar figuras tributárias mistas, o poder constituinte derivado reformador o tem feito;
- as formas mistas, em prejuízo à segurança jurídica, dificultam a fiscalização acerca do cumprimento, pelas contribuições, das finalidades que legitimaram sua criação, bem como desestabilizam o sistema original de distribuição de competências da constituição, desenhado para sempre estar assentado em uma ordenação classificatória das espécies tributárias. Exemplo desta última hipótese é o fato de a União ter criado contribuições com base em determinadas finalidades constitucionalmente postas e, em seguida, desvincula-las, tornando-as, em parte, verdadeiros impostos cujas receitas não precisam ser divididas com os demais entes federados.
- um direito tributário inseguro e desestabilizado, mesmo tendo sido totalmente constitucionalizado e sendo formalmente válido, tende a ser ilegítimo. E a ilegitimidade do sistema tributário provoca a ruptura da harmonia que deve existir entre a sociedade e o ordenamento jurídico, promovendo uma imposição fiscal que, ao invés de estar assentada no regime político constitucional, antes se mostra extremamente autoritária, gerando no cidadão verdadeira sensação de confisco, e não de tributação.
- o sistema tributário constitucional deve ser interpretado com harmonia em relação à totalidade da Constituição. ATALIBA (no seu prefácio à obra de DERZI, 1988), já alertara sobre os efeitos deletérios que os chamados ‘tributaristas’ podem provocar no ordenamento fiscal, ao interpretarem o Direito Tributário de forma apartada dos Direitos Constitucional e Administrativo. E é tomando como fundamento não só os princípios da Constituição Tributária, mas sim estando em sintonia com todos os valores, princípios e programas estabelecidos ao longo do Texto Maior, que o sistema tributário poderá operar de forma legitima e efetiva, sintonizado com os anseios da sociedade.
- as formas híbridas são elementos sintomáticos da crise de legitimidade por que passa o sistema tributário, que tem sido expressão constante de manifestações anti-democráticas do Estado, reincidente na prática de violações contra a segurança jurídica, constitucionalizando-as, em nítida demonstração de que não está preocupado com a efetivação dos programas constitucionais, mas sim em encher os cofres das Pessoas Públicas, a qualquer custo.
Assim, o que se busca alertar através deste trabalho é que as formas tributárias mistas, previstas na Constituição, não são apenas afronta a meras concepções acadêmicas, mas sim parte de uma turbulência por qual o sistema tributário passa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - AMARO, Luciano. "Direito Tributário Brasileiro". 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 491p.
2 - ATALIBA, Geraldo. "Hipótese de Incidência Tributária". 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. 182p.
3 - BECKER, Alfredo Augusto. "Teoria Geral do Direito Tributário". 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972.
4 - CARVALHO, Paulo de Barros. "Curso de Direito Tributário". 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. 451p.
5 - COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. "Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária". São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. 201p.
6 - COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. "Curso de Direito Tributário Brasileiro". 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 801 p.
7 - DERZI, Misabel de Abreu Machado. (atualizadora) "Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar". 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 859 p.
8 - DERZI, Misabel de Abreu Machado. "Direito Tributário, Direito Penal e Tipo". São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. 291p.
9 - GRECO, Marco Aurélio. "Contribuições (uma figura ‘sui generis’)". São Paulo: Dialética, 2000. 255 p.
10 – GODECHOT, Jaques. (organizador) "Les Constituitions de la France depuis 1789". Paris: GF Flammarion, 1995. 514p.
11 - MANEIRA, Eduardo. "Base de Cálculo Presumida". Tese de Doutorado. Belo Horizonte, UFMG, 2002.
12 - SPAGNOL, Werther Botelho. "As Contribuições Sociais no Direito Brasileiro". Rio de Janeiro: Forense, 2002. 158p.
NOTAS
1"De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. No tocante às contribuições sociais – que dessas modalidades tributárias é a que interessa para este julgamento -, não só as referidas no art. 149 - que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional – têm natureza tributária, como resulta, igualmente, da observância que devem ao disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao título ‘Da Ordem Social’."(Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 146.133-9/SP. Relator: Ministro Moreira Alves)
2 Conferiri a obra de Sacha Calmon Navarro COÊLHO (1982 e 2001)
3 Ver, para tanto, os comentários sobre tal assunto que são tecidos por CARVALHO, Paulo de Barros."Curso de Direito Tributário". 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. 451p., e por AMARO, Luciano. "Direito Tributário Brasileiro". 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 491p.
4 Diz-se aqui ‘por conveniência’ porque o objeto deste trabalho não é procurar indicar qual é a teoria correta. Assim, tendo em vista que o STF adota a concepção de que são cinco as espécies tributárias, este trabalho, que precisa em certos momentos se posicionar sobre a questão, adotará, quando necessário for, a citada classificação. Mas, ressalte-se, ao longo da maior parte do trabalho é irrelevante saber se está sendo adotada teoria tricotômica ou a acima descrita, já que mesmo a primeira leva em consideração o elemento finalidade em sua classificação, chamando a maioria das contribuições de impostos vinculados. Assim, no caso das contribuições sociais, estaríamos, após a D.R.U,. quase sempre diante de figuras mistas de impostos e impostos vinculados. Como o presente ensaio tem por enfoque a existência de tais figuras, entendo que a adoção da teoria que admite as contribuições como espécies autônomas é mais conveniente, pois demonstra de modo acentuadamente contundente a existência das figuras híbridas na CF.
5 Misabel DERZI (in MANEIRA, 2002: 43) ainda afirma que "A legalidade estrita, a segurança jurídica, a uniformidade e a praticidade determinam a tendência conceitual prevalecente no Direito Tributário. Além desses princípios citados, a repartição constitucional do poder tributário, assentada, sobretudo, na competência privativa, tem como pressuposto antes a forma de raciocinar por conceitos fechados do que por tipos. Os tributos são objeto de uma enumeração legal exaustiva, de modo que aquilo que não está na lei, inexiste juridicamente. A diferenciação entre um tributo e outro se dá através de uma classificação legal, esgotante do conceito de tributo. Criam-se, a rigor, espécies tributárias como conceitos determinados e fechados que se distinguem uns dos outros por notas fixas irrenunciáveis.
(...)
Ou se está em presença de uma taxa, ou de um preço; ou imposto sobre serviços ou sobre operação de circulação de mercadorias... tertium non datur. Ao intérprete não é dado dizer que se tem, no caso, tanto uma taxa quanto um preço ou o imposto A, B e C. A segurança jurídica e a certeza, imperantes nesse ramo jurídico, levam a uma decisão excludente. A competência de um ente político para exigir o tributo é privativa e definida segundo a natureza jurídica de cada exação, forçando a escolha alternativa, sem possibilidade de conciliações mistas e fluidas." (grifos nossos)
6 "Art. 13 – Pour l’entretien de la force publique, et pour les dépenses d’administration, une contribuition commune est indispensable; elle doit être également répartie entre tous les citoyens, em raison de leurs facultes.
Art. 14 – Les citoyens ont le droit de constater, par eux-mêmes ou par leur représentants, la nécessité de la contribuition publique, de la consentir librement, d’em suivre l’emploi, et d’em déterminer la quotité, l’assiete, le recouvrement et la durée." (GODECHOT, 1995: 35)