A Gratuidade da Justiça no Novo Código de Processo Civil, e a presunção de veracidade da declaração de incapacidade econômica.

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A presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência da parte se manteve intacta no novo CPC. Assim sendo, não se pode utilizar o § 2º do artigo 99 para obstacularizar ou dissipar do litigante a presunção amparada pela lei.

Com o advento da lei 13.105/15, tem-se visto hodiernamente uma interpretação um tanto quanto contraditória no que diz respeito à concessão da agora intitulada Gratuidade da Justiça.

Tal controvérsia normalmente emerge, quando a parte autora requer desde logo, na peça de ingresso, as benesses de tal instituto, que são seguidas de decisões inaugurais determinando a devida comprovação de incapacidade econômica para fazer jus à tal benefício, sob pena de indeferimento.

Ocorre que, na grande maioria das vezes, tal determinação de comprovação decorre de forma puramente genérica, sem qualquer critério, ou seja, sem que tenha emergido nos autos qualquer dúvida quanto à condição de pobre na acepção legal do termo, declarada expressamente na exordial.

Quer dizer, o raciocínio lançado nas ditas decisões, dão conta que a incapacidade econômica ainda que expressamente declarada deve ser acompanhada de comprovação, convergindo ao entendimento que tais elementos comprobatórios devam instruir a peça inaugural, aparentando pois, se tratar de documento indispensável para a análise do pleito.

Para dar fundo à tal entendimento, o magistrado habitualmente lança mão do novo dispositivo do CPC, capitulado no seu § 2º do artigo 99, que traz o seguinte texto:

“§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.” 

Interpretações à parte, entendo que de fato, o texto do parágrafo acima colacionado autoriza o magistrado determinar a comprovação da condição de hipossuficiência quando pleiteada tal benesse, contudo, para tal deliberação, deve o julgador observar criteriosamente se no caso concreto inexistem pressupostos para a concessão do pedido.

Afinal, o próprio dispositivo legitima indubitavelmente a presunção de incapacidade da parte quando expressamente declarada, pois em sua interpretação literal coloca o indeferimento e mesmo a própria determinação de comprovação como mera exceção.

Ademais, o caput do mesmo artigo, bem como o seu § 3º dispensa qualquer interpretação, pois, traz explicitamente a presunção de veracidade da declaração, nos seguintes termos:

“Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso

(...) 

§ 3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. (Grifamos)”

Ou seja, reafirmado mais uma vez que, para o magistrado empregar o que versa a parte final do § 2º do artigo 99 e determinar a comprovação do preenchimento dos pressupostos de incapacidade econômica, deverá fundamentar em algum elemento que evidencie com clareza a ausência de tal condição.

Eis que, como visto, neste caso, a determinação de prova não é um mero ato discricionário do magistrado com fundamento apenas em seu livre convencimento, mas deve ser pautado em elementos que levem à esta suspeita, sendo uma decisão obrigatoriamente baseada em um mínimo indício material.

E tudo isso se dá, pelo fato de que todas as imposições legais acima transcritas, trazem na sua essência, veemente preservação da presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência, sendo certo que a determinação de comprovação de tal condição na inicial, ou mesmo decretação de comprovação sem elementos pré-existentes que evidenciem a falta dos pressupostos legais, seria interpretar a lei do lado avesso.

Pois a presunção é condição preconcebida pelo texto legal, e como dito, pode ser relativizada ou superada tão somente com a presença nos autos de evidencias robustas em sentido contrário.

Sendo certo, que a decisão genérica, não lastrada em qualquer evidencia material que a ampare, é um insulto ao acesso à justiça, que esvazia totalmente a presunção de veracidade da declaração do litigante garantida pela legislação em vigência.

Nesta toada, percebe-se que, embora o novo diploma processual tenha trazido pequenas alterações no instituto da Gratuidade da Justiça, este manteve a essência da Lei 1.060 DE 05.02.1950, e mesmo da Constituição Federal, que é possibilitar o acesso à justiça dos despossuídos, aliás, com contornos de maior ênfase à tão debatida presunção de veracidade da declaração.

Aliás, a preservação de tão festejado instituto pelo Novo Código de Ritos, veio para alinhar-se ao que já versava a legislação específica e vigente que regula a espécie, já que a LEI Nº 7.115 DE 29.08.1983, publicada no DOU 30.08.1983, e que trata de provas documentais relativos à residência, bons antecedentes, pobreza, dependência econômica, e outras, já prescrevia em seu Art. 1º, que a declaração sob as penas da lei, quando firmada pelo interessado ou por seu procurador, goza da presunção de veracidade, in verbis:

“LEI Nº 7.115 DE 29.08.1983 - DOU 30.08.1983 Dispõe sobre Prova Documental nos Casos que Indica e dá outras Providências.

Art. 1º A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador bastante, e sob as penas da lei, presume-se verdadeira.

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Eis que a nova Lei Processual neste ponto, choveu no molhado, e diferente das interpretações reiteradamente aplicadas e aqui debatidas, não limitou, tampouco condicionou a concessão da Gratuidade da Justiça à prova pré-constituída, sendo certo que manteve-se em vigor absoluto a presunção de veracidade da simples declaração de incapacidade lançado pela parte ou por seu procurador, aliás, mais que isso, o § 3º do artigo 99, avulta ainda mais este entendimento, que não era explícito no seu predecessor.

Sendo manifesto, no entanto, que a seção IV do Código de Processo Civil atual, foi na verdade, inteiramente pensado e editado em homenagem à doutrina e jurisprudência antecedentemente consolidadas nos tribunais superiores, e baseado na melhor interpretação da Lei 1.060/50, bem como ao próprio texto constitucional que garante o acesso à justiça.

Como se percebe pela jurisprudência aqui colacionada em que espelha-se o entendimento do STJ:

"EMENTA: Assistência judiciária. Benefício postulado na inicial, que se fez acompanhar por declaração firmada pelo Autor. Inexigibilidade de outras providências. Não-revogação do art. 4º da Lei nº 1.060/50 pelo disposto no inciso LXXIV do art. 5º da constituição. Precedentes. Recurso conhecido e provido. 1. Em princípio, a simples declaração firmada pela parte que requer o benefício da assistência judiciária, dizendo-se 'pobre nos termos da lei', desprovida de recursos para arcar com as despesas do processo e com o pagamento de honorário de advogado, é, na medida em que dotada de presunção iuris tantum de veracidade, suficiente à concessão do benefício legal." [STJ, REsp. 38.124.-0RS. Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.] (Grifamos)

____________

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - REQUISITOS PARA A

OBTENÇÃO - "A assistência judiciária (Lei 1060/50, na redação da Lei 7510/86)- Para que a parte obtenha o benefício da assistência judiciária, basta a simples afirmação de sua pobreza, até prova em contrário. (Art. 4º. E § 1º.). Compete à parte contrária a oposição à concessão." (STJ-REsp.1009/SP, Min. Nilson Naves, 3ª. T. J: 24.10.89, DJU 13.11.89, p.17026) (Grifamos).

Por tudo que fora exposto, infere-se que, embora revogados os principais artigos da lei 1060/50, a presunção de veracidade da declaração de incapacidade econômica da parte se manteve intacta no Novo Código de Processo Civil.

Deste modo, não se pode utilizar do § 2º do artigo 99 do Código de Processo Civil, para obstaculizar ou dissipar do litigante a presunção amparada pela lei, tornando-a mero elemento figurativo.

Ou seja, é equivocada, senão descabida a decisão judicial que determina a comprovação da incapacidade econômica sem sustentáculo em qualquer elemento que contraponha a declaração expressa da parte exposta na exordial, sob pena de grave mácula aos princípios tanto da Lei Processual, quanto da Lei Federal 7.115/83, bem como ao próprio texto constitucional, sendo tal ato um óbice ao tão festejado acesso à justiça.

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Sobre o autor
Eusébio José Francisco Pereira

Advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Pós graduando em Direito Processual Civil - (PUC MINAS), Sócio fundador do escritório jurídico PEREIRA & OLIVEIRA ADVOCACIA, com sede em Uberlândia-MG.http://www.pereiraeoliveira.adv.br

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