Integram tradicionalmente os serviços sociais autônomos as entidades pertencentes ao denominado Sistema “S”, a saber: Serviço Nacional de Aprendizado Industrial – SENAI (Decreto Lei nº 4.048/42), Serviço Social da Indústria – SESI (Decreto Lei. nº 9.403/46), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC (Decreto Lei nº 8.621/46), Serviço Social do Comércio – SESC (Decreto Lei nº 9.853/46), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE (Lei nº 8.029/90 e Decreto nº 99.570/90), Serviço Social de Transporte – SEST e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte - SENAT (Lei nº 8.706/93), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR (Lei nº 8.315/93), Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – SESCOOP (Medida Provisória nº 2.168-40/2001).
Existem outras entidades que utilizam a terminologia “serviços sociais autônomos”, tais como: Associação das Pioneiras Sociais – APS (Lei nº 8.246/91), Agência de Promoção de Exportações do Brasil - APEX (Lei nº 10.668/03) e Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI (Lei nº 11.080/04), mas suas características distanciam-se do conceito propriamente dito de serviço social autônomo, não possuindo qualquer semelhança com as entidades do Sistema “S”[1].
Segundo Hely Lopes Meirelles, os serviços sociais autônomos são:
"Todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com a administração e patrimônios próprios"[2]. (grifos nossos)
Denota-se, pois, que são instituições privadas sem fins lucrativos, pertencentes ao grupo de entes paraestatais, que colaboram com o Estado, desempenhando atividades de interesse coletivo.
Ainda que administrem verbas de natureza parafiscal, com recursos recolhidos do setor produtivo beneficiado, possuem patrimônio e receitas próprias, bem como a prerrogativa de autogestão de seus recursos e autonomia administrativa.
É certo também que não pertencem à Administração Pública direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) ou indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas), vez que apenas atuam ao lado do Estado, realizando atividades e serviços de cooperação e fomento que lhes são atribuídos em virtude do interesse específico das categorias ou grupos profissionais que representam, não se trata, portanto, de prestação de serviço público, mas de atividade privada de interesse público, como bem leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
A Suprema Corte corrobora desta fundamentação:
"Os serviços sociais autônomos integrantes do denominado Sistema “S”, vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinados basicamente por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, ostentam natureza de pessoa jurídica de direito privado e não integram a Administração Pública, embora colaborem com ela na execução de atividades de relevante significado social. Tanto a Constituição Federal de 1988, como a correspondente legislação de regência (como a Lei 8.706/93, que criou o Serviço Social do Trabalho – SEST) asseguram autonomia administrativa a essas entidades, sujeitas, formalmente, apenas ao controle finalístico, pelo Tribunal de Contas, da aplicação dos recursos recebidos"[3]. (grifamos)
Contudo, embora possuam natureza privada, em razão de seu peculiar regime jurídico, em especial pelo fato de gerirem recursos advindos de contribuição parafiscal, de desempenharem atividades de relevante valor social e por gozarem de privilégios próprios dos entes públicos, submetem-se a certas regras típicas da Administração Pública, tais como o dever de licitar e de prestar contas aos órgãos de controle.
Entretanto, inobstante a obrigação de licitar, os serviços sociais autônomos não se submetem aos estritos termos da Lei nº 8.666/93, que disciplina as normas para licitações e contratos da Administração Pública.
Isto porque, a Lei de Licitações elenca expressamente as entidades que estão adstritas às suas regras, restando evidente que não contemplou os serviços sociais autônomos. Vejamos:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Ao contrário, conferiu-se a estas instituições a possibilidade de criar regras mais simplificadas para as suas contratações, desde que pautadas nos princípios licitatórios que visam garantir a lisura do certame, a igualdade de condições e a seleção da proposta mais vantajosa.
Aliás, este é o entendimento há muito tempo sedimentado pelo Tribunal de Contas da União (TCU):
"1.1 – improcedente, tanto no que se refere à questão da “adoção” pelo SENAC/RS, da praça pública Daltro Filho, em Porto Alegre – quanto no que tange aos processos licitatórios, visto que, por não estarem incluídos na lista das entidades enumeradas no parágrafo único do art.1º da Lei 8.666/93, os serviços sociais autônomos não estão sujeitos à observância dos estritos procedimentos na referida lei, e sim aos seus regulamentos próprios devidamente publicados”.[4]. (grifamos)
De tal forma, em razão da especial natureza jurídica que ostentam, as contratações de obras, serviços, compras e alienações dos serviços sociais autônomos devem ser precedidas de licitação, em conformidade com regras próprias, estabelecidas por meio de seus Regulamentos de Licitações e Contratos.
REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS
BORGES, Alice Gonzalez. Serviços Sociais Autônomos – Natureza Jurídica. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 26, abril/maio/junho de 2011. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-26-ABRIL-2011-ALICE GONZALEZBORGES.pdf>. Acesso em 31/01/2017.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
VARESCHINI, Julieta Mendes Lopes Vareschini. Licitações e Contratos no Sistema “S”. 5. ed. Curitiba: Editora JML, 2012.
[1] Em recente julgado no STF (RE 789.874) o Min. Teori Zavaski teceu uma profunda análise sobre a natureza jurídica dos entes paraestatais, deixando claro que estas entidades (APS, APEX e ABDI) não devem ser confundidas com serviços sociais autônomos, vez que possuem configuração jurídica e peculiaridades próprias.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
[3] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 789.874. Min. Rel. Teori Zavaski, julgado em 17/09/2014.
[4] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Decisão 907/1997 – Plenário, Min. Rel. Lincoln Magalhães da Rocha.