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O incentivo fiscal sobre o ISS da construção civil após o advento da Constituição de 1988:

como interpretar?

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17/08/2004 às 00:00
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4. Conclusão.

Diante dos inúmeros argumentos apresentados e das muitas posições tomadas, percebe-se que a idéia central deste texto não é em momento algum a defesa de determinada interpretação ou a negação de qualquer método hermenêutico, mas sim um exercício baseado na própria retórica em argumentar tanto a favor como contra as teses levantadas.

Embora não se tenha compactuado claramente com qualquer argumento levantado, isso não faz do presente texto um mero discurso sofista de aspecto geral, nem mesmo uma tentativa de persuasão do ouvinte fundado em opiniões e não na busca da verdade, a ser então relegada a caráter secundário.

Pressupondo um estilo de pensar orientado para problemas, partindo deles e neles chegando, como exposto na tópica por Viehweg [30], procurou-se demonstrar a contribuição deste entendimento para toda decisão jurídica não fundada no consenso, mas concebida mediante regras e fundamentada como todo ato racional, apresentado por um estilo flexível que é exatamente o reflexo do direito e a constante tentativa de não enrijecimento de suas normas, indispensável a ele, ao se ter como ponto de partida problemas.

O real problema apresentado no texto foram as opiniões confrontadas e não a simples dúvida sobre a interpretação do ISS na norma tributária. Procurou-se fazer uma discussão, um controle das premissas para determinar o conhecimento da ciência em questão.

Nesse ponto, lembramos Aristóteles em considerar o conhecimento científico como atribuição do conhecimento universal, que é um limite da experiência, uma vez que o particular e o genérico são indeterminados por condições espaço-temporal inconstantes. [31]

Assim, elaborou-se um discurso que pudesse culminar não só na apodítica de Aristóleles, retomada contemporaneamente por Habermas [32], ou seja, uma conclusão partindo de proposições universais, verdadeiras e primárias, mas também na dialética, partindo de opiniões gerais.

Diante de todo o exposto, fica claro que o fenômeno social que é o direito, não pode ser analisado sob os mesmos parâmetros metodológicos da física ou da biologia, por exemplo, baseado na demonstração, típica de uma lógica formal de paradigma positivista.

Para uma melhor elucidação, convém citar Perelman [33], que explica que demonstração é um cálculo feito de acordo com normas previamente estabelecidas. A prova demonstrativa independe de qualquer tipo de adesão por parte daqueles perante os que ela se realiza, dos conteúdos valorativos ou padrões culturais daqueles que a observam, sendo por si só válida. Em um processo de demonstração, basta indicar os pressupostos metodológicos que levaram a uma determinada conclusão, sem haver preocupação maior com os conteúdos axiológicos e de experiência que porventura possam tê-la influenciado. Caracteriza o sistema formal, assim concebido, pois apresenta absoluta coerência entre suas premissas e conclusões.

O processo argumentativo, diversamente, pressupõe um encontro de mentes, segundo o mesmo Perelman supracitado, logo, daí, surgirem as figuras do orador e do auditório. O primeiro é o que se dirige, oralmente ou por escrito, a um interlocutor determinado, o auditório, formado por uma ou mais pessoas das quais se busca a adesão a uma idéia proposta. Essa adesão é a finalidade maior desse processo, estando sua eficácia vinculada a ela. Não se pode falar em argumentação se não existe uma inequívoca identidade entre a tese proposta e o auditório.

Diferentemente da demonstração, o discurso argumentativo destina-se a um auditório específico, cuja adesão é de vital importância. Para Perelman, aliás, um argumento não é aceito por ser verdadeiro e sim porque é socialmente útil, justo ou razoável. O processo argumentativo também difere do demonstrativo, quando este último admite a existência de conhecimentos imutáveis e dotados de uma certeza científica. As teses argumentativas normalmente são admitidas em um local determinado, durante um certo período de tempo. Logo, todo conhecimento que deste processo resulte pode, a qualquer tempo, ser contraposto de modo eficiente, perdendo seu caráter hegemônico.

Na antigüidade clássica, Aristóteles, em sua Retórica, distinguiu três elementos que se relacionam no ato do discurso: o caráter do orador; as disposições onde se situa o ouvinte e aquilo que o discurso pretende demonstrar.

O nível de empatia que o pregador consegue estabelecer com o auditório é diretamente proporcional ao grau de persuasão que pretende alcançar. Daí a necessária "vinculação" ou "comunhão" entre emissor e receptor da mensagem.

Voltando ao tema proposto, é de se concluir que o objetivo foi alcançado. Conseguiu-se levantar diversos argumentos e confrontá-los como problemas em um discurso de controle de premissas, demonstrando-se a cada um deles pelo menos algum elemento de persuasão fundado no próprio objeto demonstrado.

Toda a evolução hermenêutica teve seu confronto com todos os aspectos já criados para busca da solução de casos como o desse texto. A evolução do imposto em questão e toda a dúvida gerada demonstram que a ciência jurídica não pode preterir nem um dos elementos que interferem no direito, não somente os critérios que determinam seu objeto, mas também o modo de pensar seu conteúdo e o caráter argumentativo do seu discurso.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993;

BEVILÁQUA, Clovis. Teoria Geral do Direito Civil. s.l.: Paulo de Azevedo, 1972;

CAMARGO. Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2001;

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998;

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2001;

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HART. Herbert. O conceito de direito. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994;

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998;

MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 21ª ed. São Paulo: RT, 1993;

THEODORO JR., Humberto. O juiz e a revelação do direito in concreto. Revista Prática Jurídica. Ano I, nº. 6, 30 de setembro de 2002.


NOTAS

1"Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.

§ 1º. Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei".

2 Decreto-lei n.º 406/68, Decreto-lei n.º 834/69 e Lei Complementar n.º 56/87.

3 "Art. 181. Na execução de obras hidráulicas ou de construção civil, o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes:

a. ao valor dos materiais adquiridos de terceiros quando fornecidos pelo prestador do serviço;" (Código Tributário Municipal – Lei n.º 1.466/73).

4 "Altera dispositivos da Lei n.º 1.466, de 26 de outubro de 1973 e legislação suplementar e dá outras providências."

5 Theodoro Jr, Humberto. O juiz e a revelação do direito in concreto. Revista Prática Jurídica. p. 50.

6 "Art. 12. Compete aos Estados o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadoria, realizadas por comerciantes, industriais e produtores.

(...)

Art. 15. Compete aos Municípios o imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados.

Parágrafo Único. Lei Complementar estabelecerá critérios para distinguir as atividades a que se refere este artigo das previstas do art. 12."

7 Para efeito do ISS, considerou "serviço":

"I – locação de bens móveis;

II – locação de espaço e bem imóveis, a título de hospedagem ou para a guarda para bens de qualquer natureza;

III – jogos e diversões públicas;

IV – beneficiamento, confecção, lavagem, tingimento galvanosplastia, reparo, conserto, restauração, acondicionamento, recondicionamento e operações similares, quando relacionados com mercadorias não destinadas a produção industrial ou a comercialização;

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V – execução, por administração ou empreitada de obras hidráulicas ou de construção civil, excluídas as contratadas com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquias e empresas concessionárias de serviços públicos;

VI – demais formas de fornecimento de trabalho com ou sem utilização de máquinas ferramentas ou veículos."

8"Art. 156. Compete aos municípios instituir impostos sobre:

(...)

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar."

9 Gadamer, Hans-Georg. O problema da consciência histórica, in Camargo, Margarida Lacombe. Hermenêutica e Argumentação, p. 39.

10"Compreender é buscar o significado de alguma coisa em função das razões que orientam. Buscar os valores subjacentes à lei, cuja aplicação foge da mera relação causa-efeito."(Camargo, Margarida Lacombe. op. cit., p. 13).

11 Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito, passin.

12 Camargo, Margarida Lacombe. op. cit., p. 17.

13 Digesto, Livro 1º, Título 3º, fragmento 17.

14 Montoro, André Franco. Introdução à ciência do direito. p. 85.

15 Beviláqua, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. p. 39.

16"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".

17 Camargo, Margarida Lacombe, op. cit. p. 83.

18 "Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

(...)

II – outorga de isensão;"

19 Hart, Herbert. O conceito de direito. p. 159.

20"Dispõe sobre o imposto dos Municípios sobre serviços de qualquer natureza – ISS, regulamentando o disposto no art. 156, III, da Constituição Federal.

21 Savigny in Camargo, Margarida Lacombe. op. cit., p. 79-80.

22 Dworkin, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 9.

23 Camargo, Margarida Lacombe. op. cit., p. 96

24 Heck in Camargo, Margarida Lacombe. op. cit. p. 98.

25 Recaséns Siches. Estudios de filosofia del derecho. in Montoro, André Franco. op. cit. p. 164.

26 Radbrush in Camargo, Margarida Lacombe. op. cit., p. 126-127.

27 Larenz. in Camargo, Margarida Lacombe. op. cit., p. 128.

28 Alexy, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. p. 83.

29 Kelsen, Hans. op. cit. p. 387.

30 Viehweg, Theodor. In Ferraz Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. p. 323.

31 Aristóteles in Ferraz Jr., Tércio Sampaio. op. cit.. p. 325.

32 Habermas, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. passin.

33 Perelman, Chain. in Ferraz Jr., Tércio Sampaio. op. cit. p. 323.

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Sobre o autor
Sergio Fernandes Martins

Procurador Geral do Município de Campo Grande/MS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Sergio Fernandes. O incentivo fiscal sobre o ISS da construção civil após o advento da Constituição de 1988:: como interpretar?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 406, 17 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5570. Acesso em: 16 abr. 2024.

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