Da ação de depósito

09/02/2017 às 13:56
Leia nesta página:

A ação de depósito é o procedimento especial que tem por finalidade exigir a restituição da coisa depositada que não tenha sido devolvida pelo depositante, sendo lícito ao autor ingressar com tal ação para que a coisa lhe seja devolvida. Veremos, a seguir, os aspectos básicos desse procedimento.

DA AÇÃO DE DEPÓSITO

A ação de depósito é o meio processual apropriado a garantir a devolução da coisa ao autor, incidindo apenas sobre coisa infungível. O ponto principal da ação de depósito refere-se à obrigação do depositário de devolver a coisa, logo que solicitado pelo depositante.

O art. 901 do CPC afirma que “esta ação tem por fim exigir a restituição da coisa depositada”. 

Entretanto, Alexandre Câmara entende que, apesar do mencionado artigo utilizar o termo “exigir”, a finalidade do mencionado procedimento é obter tal restituição, já que duas são as suas fases: uma cognitiva - destinada à prolação de sentença que determine a restituição da coisa; e outra executiva – para efetivação do comando contido na sentença.

Devemos observar que o Código de Processo Civil chama de ação o que na realidade é o procedimento voltado para a obtenção da restituição de coisas depositadas.

O contrato de depósito é regulado pelo Código Civil de 2002, em seus artigos 627 a 652. De acordo com o artigo 627 do CPC, através do contrato de depósito o depositário recebe um bem móvel, para guardar, até que o depositante o reclame. Pela redação dada ao artigo, extrai-se que apenas bens móveis podem ser objeto de depósito.

Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.

O depósito é contrato unilateral, gratuito, real e intuito personae. Eventualmente poderá ser bilateral e oneroso. Como regra geral, é unilateral porque gera obrigação apenas para o depositário. É real, aperfeiçoando-se com a tradição. Intuito Personae porque só se entrega o bem à pessoa que inspire confiança.

Art. 628. O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão.

Parágrafo único. Se o depósito for oneroso e a retribuição do depositário não constar de lei, nem resultar de ajuste, será determinada pelos usos do lugar, e, na falta destes, por arbitramento.

A finalidade principal do contrato de depósito é a guarda da coisa alheia, razão pela qual é vedado ao depositário usar o bem dado em depósito, exceto se autorizado pelo depositante.

Natureza jurídica

Segundo THEODORO JUNIOR apud CÂMARA (2009, p.296): “a propositura da ação de depósito dá origem a um processo de conhecimento”. Tem-se um processo sincrético, já que se subdivide em duas fases: uma cognitiva e outra executiva. A fase cognitiva é a destinada ao pronunciamento de sentença que determine a restituição da coisa ao depositante. Já na fase executiva há apenas a efetivação da ordem contida na sentença.

Trata-se de um processo que desenvolve, predominantemente, atividade cognitiva. Nas palavras de Alexandre Câmara (2009, p.297): “a atividade cognitiva é preponderante, já que- a execução limitar-se-á cumprimento de um mandado (art.904, CPC)”.

LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

A legitimidade ativa é conferida ao depositante, ou seja, a pessoa que entregou o bem à custódia do depositário. O depositário não precisa ser necessariamente o dono da coisa, bastando que exerça sua posse no momento do depósito.

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves (2009, p.1212), não há qualquer impedimento para que o depositante seja a pessoa jurídica e até mesmo pessoa formal. Da mesma forma são legitimados os herdeiros e sucessores do depositante (na hipótese de falecimento do depositante).

No polo passivo figurará o depositário infiel, ou seja, a pessoa que, tendo o dever de guardar o bem e restituí-lo quando solicitado, não o faz. Também são legitimados os herdeiros e sucessores do depositário, bem como a pessoa jurídica.

A doutrina majoritária entende ser cabível o ajuizamento da ação de depósito quando tratar-se de depósito regular (depósito de coisa infungível), não sendo adequada quando se tratar de depósito irregular (coisa fungível). É o que se pode extrair da lição doutrinária de CÂMARA (2009, p.295):

Ora sendo ‘ação de depósito’ dirigida à obtenção da coisa depositada, apenas no depósito regular, em que o depositário está obrigado a entregar a coisa cuja guarda lhe foi confiada, será adequada a utilização da’ ação de depósito’. Faltará, pois, interesse de agir (por falta de interesse-adequação) àquele que ajuizar ‘ação de depósito’ para obter a restituição, pelo depositário, de coisas fungíveis. Adequado será, nesta hipótese, ajuizar ‘ação de cobrança’, já que o depósito irregular é regido pelas mesmas regras do contrato de mútuo.

No caso de depósito irregular, em tese, afasta-se aplicação do procedimento especial, regendo-se pelas regras do contrato de mútuo, conforme dispõe o art. 645 do Código Civil.

Marinoni e Arenhart (2009) entendem que o âmago da questão centra-se na previsão, contida no art. 645 do Código Civil, que determina o emprego, a este tipo de depósito, das regras atinentes ao mútuo. 

Situa-se a maioria da doutrina brasileira, sustentando que, porque devem aplicar-se ao depósito irregular as regras referentes ao mútuo – inclusive no que se refere à impossibilidade de prisão do depositário infiel – é descabido o recurso à ação de depósito para a tutela dessa espécie de contrato.

A jurisprudência do Colendo STJ, aliás, vem consolidando o mesmo entendimento, ou seja, de que, nos casos de depósito irregular, não é possível a interposição da ação de depósito, senão vejamos:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

 "Depósito. Coisas fungíveis. O depósito irregular não se confunde com o mútuo, tendo cada um finalidades específicas. Aplicam-se-lhe, entretanto, as regras deste, não sendo possível o uso da ação de depósito para obter o cumprimento da obrigação de devolver as coisas depositadas, cuja propriedade transferiu-se ao depositário. O adimplemento da obrigação de devolver o equivalente há de buscar-se em ação ordinária, não se podendo pretender a prisão do depositário". (RSTJ 24/322, 53/180).

***

"O depósito de bens fungíveis é regulado pelas regras do mútuo e não enseja ação de depósito" (STJ-3ª Turma, AI 114.217-RS-AgRg, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 18.2.97, negaram provimento, v.u. DJU 24.3.97, p. 9.016)". (in "Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor", Theotonio Negrão, 35ªed, Saraiva, p. 858).

***

CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATO DE GUARDA E ARMAZENAGEM DE GRÃOS DE MILHO - BEM FUNGÍVEL - EGF/AGF - AÇÃO DE DEPÓSITO - NÃO CABIMENTO – PRISÃO CIVIL - INVIABILIDADE.

A orientação pacificada no âmbito da 2a Seção desta Corte é a de que os contratos de EGF e AGF, com o depósito de bens fungíveis, não autorizam, em caso de inadimplência, a ação de depósito e, como conseqüência, a prisão civil do responsável. Precedentes. Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 740385 / MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, 3ª Turma, julgado em 07/10/2008).


REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 15. ed. rev. e atual, volume III, Rio de Janeiro: Lumen juris, 2009.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca Novo CPC: A ressurreição da ação de depósito. Disponível em: <https://jota.info/colunas/novo-cpc/novo-cpc-ressurreicao-da-acao-de-deposito-02032015> Acesso em: 10 de jul. 2015

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Procedimentos Especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Nilvan de Jesus Viegas Junior

Universidade Federal do Maranhão - UFMA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos