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A audiência de conciliação no Juizado Especial Cível

13/08/2004 às 00:00
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RESUMO

O conciliador atuante no Juizado Especial Civel deve se ater a certas peculiaridades que podem interferir no resultado de um bom acordo. Para isto, o presente artigo visa sanar algumas dúvidas e oportunizar algumas dicas para quem irá desempenhar o papel fundamental de um conciliador.

Palavras chaves: Juizado Especial Cível - Audiência de Conciliação


A audiência de conciliação, em muitos casos, torna-se o primeiro momento que uma pessoa, autor ou réu, tem contato com o Poder Judiciário, sendo que, por este motivo, a pessoa que conduz esta audiência deve ter segurança, confiabilidade, e tentar transmitir segurança para as partes. Deve ter consciência de que, em poucos minutos, as partes tentarão solucionar um litígio que, por vezes, perdura anos até ser concretizado nos autos do processo que está sendo encaminhado para tentativa de conciliação.

Além disso, o conciliador que conduz a audiência deve manter uma postura condizente e disciplinar, para o bom andamento do feito. Sugere-se, em primeiro lugar, que o conciliador não deve transparecer, durante o decorrer da audiência, que está passando por algum problema. Este deve ser amável com as partes, transmitindo uma certa segurança e confiabilidade, como já foi referido anteriormente

Tanto o conciliador como a pessoa que o acompanha na concretização da audiência deve evitar comentários sobre o processo em andamento, passíveis de alguma conclusão antecipada por parte dos litigantes. Importante salientar que brincadeiras, risos em demasia, devem ser evitados, pois podem trazer constrangimentos às partes.

Enfim, deve-se ter ciência de que as partes estão vindo para solucionar um litígio mas, por detrás deste, há muito mais detalhes. Pode haver: desconfianças mútuas, rivalidade, birras, entre outros. O conciliador deve, no espaço de tempo que possui, tentar descobrir, apaziguar e resolver o litígio que envolve as partes.

Primeiramente, deve-se consignar na ata de audiência a Identificação das partes e, se acompanhadas de advogados, solicitar a inscrição na OAB para que conste na ata. Dê preferência para juntar as procurações dos advogados na conciliação e, se não houver, concede-se prazo para a juntada. Tal ato evita transtornos nas audiências posteriores. Quando qualquer das partes for pessoa jurídica (deverá ser apresentado contrato ou declaração de firma individual, não devendo se esquecer de verificar se a empresa for microempresa – caso não for esta não poderá prosseguir com o feito e o processo deve ir concluso para extinção), haverá a representação pelo sócio ou por preposto (com juntada da respectiva carta). Se condomínio, a representação fica ao encargo do síndico ou vice (com devida ata de assembléia de eleição). Na ata, deve-se identificar o nome da pessoa que está representando o requerido.

O conciliador não deve esquecer de observar as hipóteses constantes no artigo 3º e seguintes da Lei 9.099/95, quais sejam: a) Competência – o Juizado Especial Cível tem competência para causas: cujo valor não exceda 40 Salários Mínimos; as enumeradas no art. 275, II, do Código de Processo Civil Brasileiro; as ações de despejo para uso próprio; e as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 Salários Mínimos. b) Partes – Não podem ser partes no Juizado Especial Cível: os incapazes, presos, pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. Assim, se não for firmado acordo, verificado a ausência de competência, valores ou partes, o feito deverá ser encaminhado para extinção sem julgamento do mérito.

Cumpre mencionar que não se pode acrescer um autor tendo em vista a preclusão do prazo, pois este se deu no momento da propositura da ação.

Se houver a requisição de outro réu pelo autor, de forma que não caracterize denunciação à lide pelo réu, deve ser analisado se é pertinente à causa ou se não há nenhum impedimento conforme a Lei deste Juízo. Em caso positivo, o conciliador deve registrar o pedido do autor em ata, e designar nova data para audiência de conciliação, fazendo os autos conclusos para apreciação do pedido e alteração do feito na distribuição.

Se a causa for acima de 20 salários mínimos, torna-se obrigatória a presença de advogado. Abaixo deste valor, as partes podem dispensar mas, o conciliador deve consignar na ata de que a parte ficou ciente da advertência, a fim de evitar uma transferência posterior.

Na ausência o autor, conforme determina o art. 51, I da Lei 9099/95, é causa de extinção do feito sem julgamento do mérito, que poderá, posteriormente, ser reativado mediante o pagamento das custas respectivas. Mas, estando presente o advogado do autor, com poderes especiais para conciliar, poderá, com a concordância do réu, buscar-se acordo. Não concordando o réu em conciliar com o advogado do autor, extingue-se o feito.

Na ausência do réu, devidamente citado, é caso de aplicação das penas da revelia, cuja decisão é da competência do Juiz de Direito. Mas, estando presente o advogado do réu, com poderes especiais para conciliar, e havendo a concordância do autor, poderá obter-se a conciliação.

Presentes as partes, deverá o conciliador, após inteirar-se a respeito do pedido, dedicar-se afinco na aproximação das partes para a busca da conciliação. Para isto, não é suficiente apenas propor formalmente o acordo, mas haver empenho e uma certa técnica na condução da audiência, dando oportunidade para as partes exporem sinteticamente suas razões, deixando-as à vontade, tratando-as com respeito e expondo-lhes, sem entrar no mérito da questão, as vantagens de um acordo.

Criando um clima inicial favorável, deverá então o conciliador partir para o momento das propostas das partes e, com base nelas, ir sugerindo alternativas de aproximação, como um valor intermediário, pagamento em prestações, datas de pagamento, etc...

O conciliador não deve criar vinculações com uma das partes, além de que, também não deve tentar criar juízos de valor sobre a causa. É importante esclarecer a finalidade da audiência, tentando demonstrar interesse para a solução do conflito, através de uma linguagem compatível com o nível das partes, evitando mostrar irritação, impaciência, amizade, agressões, ou parcialidade.

O conciliador deverá conter quaisquer eventuais animosidades ou tumultos. Não deixar as partes dispersarem-se com assuntos secundários. Uma sugestão oferecida pela Dra. Vera Feijó, em palestra proferida na Ajuris (Porto Alegre, 2001), pode ser seguida pelos conciliadores:

...compreendo o problema, vamos resolver a questão da melhor maneira possível, a discussão de fatos já ultrapassados não leva à solução que se está buscando agora.

O conciliador deve evitar que todos falem ao mesmo tempo. Outra sugestão oferecida é tentar transmitir que não consegue ouvir a todos ao mesmo tempo e tentar organizar a conversa.

SEM EMPENHO DO CONCILIADOR,

DIFICILMENTE SE CONSEGUIRÁ UM ACORDO.

PACIÊNCIA, PERSISTÊNCIA E TRANQUILIDADE

SÃO DÁDIVAS DE UM EXCELENTE CONCILIADOR.

Cumpre salientar que o empenho prolongado não significa forçar acordo contra a vontade das partes, mas o exagero deve ser evitado.

Havendo êxito na conciliação entre as partes, o conciliador lavrará o respectivo termo em linguagem bem clara, de forma a possibilitar uma futura execução em caso de descumprimento. Havendo interesse das partes, estipula-se uma cláusula penal, não superior a 10%, que incidirá sobre o valor remanescente do débito, para a hipótese de inadimplemento. Lavrado o termo, este é homologado pelo Juiz-Presidente do Juizado.

Existem alguns requisitos básicos para um acordo ser homologado. As quatro questões básicas que deverão constar no acordo são: a) quanto: neste tópico verifica-se o valor total do acordo, o número de parcelas, o valor de cada parcela; b) quando: neste tópico verifica-se a data de vencimento de cada parcela, ou seja, se o valor será pago de forma mensal e consecutiva a partir de...; c) como: neste tópico verifica-se o local ou a forma que será paga as prestações, ou seja, se será efetuado através de depósito bancário, indicar o nome do banco, agência e conta, se será efetuado através de pagamento no escritório do procurador na rua.. . mediante apresentação de recibo; d) cláusula penal.

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A cláusula penal utilizada comumente no Juizado Especial Cível é 10% sobre as parcelas não pagas. Pode-se estipular vencimento antecipado das parcelas em caso de descumprimento do acordo.

Se o acordo firmado for uma obrigação de fazer, deve ser estipulada multa diária em caso de descumprimento num valor razoável ao valor do acordo fixando-se um limite máximo. Ex.: o requerido entregará no dia 30/04/04 o Código de Processo Civil do autor na residência deste. Arbitra-se uma multa diária de R$10,00 em caso de descumprimento, até o limite máximo de R$500,00

A pessoa que redige o termo de audiência não deve efetuar rasuras no termo, evitando erros de português e redigindo de forma clara e coerente a transcrição da audiência. Sugere-se, no momento do erro, que o estagiário/conciliador utilize a palavra ‘digo’, ao invés de rebater qualquer palavra.

Não havendo acordo, compete então, ao Conciliador, orientar as partes no sentido de trazerem todas as provas que pretendem produzir na audiência de instrução e julgamento, como documentos e testemunhas (no máximo três). Já ficam as partes presentes intimadas da nova data para audiência de instrução. É importante fazer constar na audiência, inclusive, a advertência se uma das partes estiver com procurador e a outra não.

Sugere-se não receber, neste momento, nenhum documento, a não ser carta de preposto ou identificação da empresa. A contestação será oferecida na audiência de instrução.

Poderá, entretanto, o réu alegar, na audiência de conciliação, incompetência do juízo ou ilegitimidade de parte ou outro impedimento, por petição ou por termo, levando-se o caso a apreciação do Juiz de Direito.

No processo de execução, caso a conciliação reste inexitosa, o processo nunca irá para audiência de instrução e julgamento, deverá ser apresentados os embargos pela parte executada, em audiência, se houver penhora de bens lavrada nos autos.

No caso de apresentação de embargos, o exeqüente poderá se manifestar na audiência ou ser concedido prazo de 10 dias para manifestação.

Na ausência de embargos, existindo bens penhorados, o autor poderá adjudicar dos bens registrando no termo sua pretensão devendo o processo ser remetido para apreciação pelo Juiz Togado. Se não houver a adjudicação pela parte autora, o processo será remetido para o Juiz Togado apreciar as datas para leilão.

Na ausência de bens penhorados, abre-se prazo de 5 a 15 dias para indicação de bens pela parte autora.

É importante mencionar que as partes devem ser recebidas com cordialidade, as partes devem ser esclarecidas da finalidade da audiência, o conciliador deve evitar alianças com alguma das partes, ouvindo as versões de cada um e identificando o ponto de controvérsia, questionando as partes sobre quais as soluções que entendem viáveis para um acordo, mantendo a ordem e evitando agressões. O conciliador deve intervir propondo soluções.

Quando o conciliador redigir o acordo, este deve fazê-lo em linguagem clara, com um português perfeito, observando todos os requisitos necessários à eventual execução, evitando rasuras nas atas de audiências.

Deve-se evitar estabelecer alianças com alguma das partes, não se deve usar termos muito técnicos pois muitas vezes a pessoa que procura o Juizado Especial Cível não tem este conhecimento, procure não emitir juízo sobre o mérito ou mostrar impaciência ou irritação. As partes não precisam saber dos problemas que afligem os conciliadores, estas tentam solucionar o litígio.

Em relação à postura do conciliador este deve se vestir de maneira adequada, falar claramente e ser paciente. Procure não fazer comentários desnecessários para não se prolongar.

Em qualquer dúvida, não evite perguntar no cartório.

Até os mais sábios possuem dúvidas. Às vezes, por medo, muitas pessoas causam uma impressão errada por não perguntar.

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Sobre a autora
Roberta Pappen da Silva

advogada em São Leopoldo (RS), especialista em Processo Civil pela ULBRA, pós-graduanda em Processo Civil pela Universidade Luterana do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Roberta Pappen. A audiência de conciliação no Juizado Especial Cível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 402, 13 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5590. Acesso em: 29 mar. 2024.

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