Resumo: O objetivo deste artigo é explanar o que venha a ser o Absolutismo na ótica do Filósofo Inglês Thomas Hobbes e o Liberalismo inglês, aprofundado pelo trabalho do brilhante iluminista John Locke. O presente trabalho busca confrontar as duas escolas teóricas, destacando os conflitos e concordâncias trazidas por elas. Revela a grande contribuição desses pensamentos filosóficos para a construção do mundo Moderno.
Palavras-chave: estado de natureza, contrato social, propriedade.
Abstract: The purpose of this article is to show what will be the absolutism of the English philosopher Thomas Hobbes to Liberalism also the English philosopher John Locke, we will show the conflict and agreement brought by these two theoretical schools. Themes that show the importance for the history of political philosophy.
Keywords: state of nature, social contract, property.
1. INTRODUÇÃO
Inicialmente faz-se necessário uma análise comparativa entre as formas de governo: de um lado o absolutismo de Thomas Hobbes, em Leviatã, e do outro o liberalismo de John Locke, em Segundo Tratado sobre o Governo, para explicar o surgimento e a manutenção do Estado.
Para tanto, será discorrido brevemente sobre os conceitos de estado de natureza, contrato social e propriedade, de maneira como os autores abordam cada tema a ser relatado.
Logo em seguida, apresenta-se-á como se deu a construção das ideologias políticos-filosóficos em cada obra desses filósofos para fins de comparação, mostrando em que pontos se assemelham e em quais se distanciam.
2. O ABSOLUTISMO E O LIBERALISMO
O Absolutismo de Hobbes era formado por um governo autoritário centralizador, onde o soberano tinha autonomia delegada pelo povo através de um contrato e teria poderes absolutos, sem limite algum, acumulava as funções de organizador da vida social (legislando a vida em sociedade e traçando os parâmetros segundo sua vontade soberana), de administrar a justiça, polícia e soberania. Todos os homens estavam subordinados ao “Leviatã”, que exercia de fato e de direito os atributos da soberania.
A teoria política de Hobbes se concentra na racionalização dos mecanismos do poder e de instituição do Estado. Sem soberania, não há ordem política. A soberania pertence ao todo coletivo, mas sua unidade exige a mediação de uma representação. A unidade política é mais do que o consenso, mas a unidade real de todos os indivíduos em uma só e mesma pessoa. Segundo Hobbes:
“O desígnio dos homens causa final ou fim ultimo (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos. ( Leviatã, cap.XVII, p.27.)
O homem, dentro de sua própria natureza, é um ser que se encontra em um estado de desordem quando não vigiado por uma instituição maior que o ampare e que aloque sua existência e seus interesses em harmonia com os outros indivíduos que participam da sociedade. Portanto, a figura imperativa do Estado é fundamental na medida em que garante o equilíbrio entre essência de caos do homem e sua necessidade de permanecer em grupo.
De acordo com Danilo Marcondes (2007, p. 203), Hobbes não defende propriamente a monarquia absolutista, baseado nas teorias tradicionais do direito divino dos reis, mas sim a ideia de que o poder, para ser eficaz, deve ser exercido de forma absoluta. Este poder absoluto resulta, no entanto, da transferência dos direitos dos individuas ao soberano, e é em nome desse contrato que deve ser exercido, e não para realização da vontade pessoal do soberano.
Fazendo oposição ao absolutismo, liberalismo surge com a luta da burguesia contra a nobreza e a Igreja, aspirando ter acesso ao controle político do Estado e procurando superar os obstáculos que a ordem feudal opunha ao livre desenvolvimento da economia. Ou seja: afirma a liberdade do indivíduo e a limitação dos poderes do Estado.
O problema central do liberalismo e da discussão política desse período parece ser assim a necessidade de conciliar as liberdades e os direitos individuais, concebidos como inerente a própria natureza, com as exigências da vida em comunidade e, portanto, com respeito ao direito do outro, imprescindível para o equilíbrio da vida social, bem como a determinação de interesses e rumos comuns essenciais à vida social.
De acordo com o Segundo Tratado:
A liberdade natural do homem deve estar livre de qualquer poder superior na terra e não depender da vontade ou da autoridade legislativa do homem, desconhecendo outra regra além da lei da natureza. A liberdade do homem na sociedade não deve estar edificada sob qualquer poder legislativo, exceto aquele estabelecido por consentimento na comunidade civil; nem sob o domínio de qualquer vontade ou constrangimento por qualquer lei, salvo o que o legislativo decretar, de acordo com a confiança nele depositada. Portanto, a liberdade não é o que Sir Robert Filmer nos diz: “uma liberdade para cada um fazer o que quer, viver como lhe agradar e não ser contido por nenhuma lei”. Mas a liberdade dos homens submetidos a um governo consiste em possuir uma regra permanente à qual deve obedecer, comum a todos os membros aquela sociedade e instituída pelo poder legislativo nela estabelecido É a liberdade de seguir a própria vontade em todas as coisas não prescritas por esta regra; e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem: como a liberdade natural consiste na não submissão a qualquer obrigação exceto a da lei da natureza.
3. ESTADO DE NATUREZA
Para Hobbes, o indivíduo é anterior à sociedade civil, é um ser completo e independente, possui direitos fundados na sua própria natureza. Dessa forma, todos os direitos da sociedade civil ou do soberano derivam de direitos que na origem pertenciam ao indivíduo. A natureza humana compõe-se tanto de paixão quanto de razão. As paixões são os movimentos que impulsionam os homens.
A ideia de Igualdade de todos os homens, não diante da lei, mas uma igualdade natural (na fraqueza e na insegurança) está na base de todas as teorias contratualistas, pois para ser legítimo o contrato social deve ser realizado entre indivíduos considerados iguais sem imposição de força.
Desta igualdade quanto à capacidade, deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo, é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro e disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um único outro homem, se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas do fruto de seu trabalho; mas também de sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros.
Também por causa de alguns que, comprazendo-se em contemplar seu próprio poder nos atos de conquista, levam estes atos mais longe do que sua segurança exige, se outros que, do contrário, se contentariam em manter-se tranquilamente dentro de modestos limites, não aumentarem seu poder por meio de invasões, eles serão incapazes de subsistir durante muito tempo, se limitar apenas a uma atitude de defesa. Consequentemente esse aumento do domínio sobre os homens, sendo necessário para a conservação de cada um, deve ser por todos admitidos.
Por outro lado, os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. Porque cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio e, na presença de todos os sinais de desprezo ou de subestimação, naturalmente se esforça, na medida em que a tal se atreva (o que, entre os que não têm um poder comum capaz de submetê-los a todos, vai suficientemente longe para levá-los a destruírem-se uns aos outros), por arrancar de seus contendores a atribuição de maior valor, causando lhes dano, e dos outros também, através do exemplo.
De modo que na natureza do homem encontram-se três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.
A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defendê-los; e os terceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome. (Leviatã, cap.XIII, p.96, 97,98.)
Hobbes tinha uma ideia negativa e pessimista a respeito da natureza humana, pois, considera o homem agressivo e revoltado. O Estado de natureza era segundo Hobbes, um estado de guerra de todos contra todos.
4. CONTRATO SOCIAL
Hobbes bem outros contratualistas defendem que é a passagem do estado de natureza ao estado social, ou seja, criar uma ordem estável seria através de um pacto também chamado de contrato onde todos renunciariam a sua liberdade passada seus direitos a um soberano.Segundo Francisco C. Weffort, (2005 p 63): “Para montar o poder absoluto, Hobbes concebe um contrato diferente, sui generis”. Observemos que o soberano não assina o contrato este é firmado apenas pelos que vão se tornar súditos, não pelo beneficiário. No momento do contrato não existe ainda soberano, que só surge devido ao contrato.
Diz que um Estado é origina-se quando uma multidão de homens concorda e pactua, cada indivíduo, que integra o Estado, consente em permanecer socialmente vinculado a todos. a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante ), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outro e serem protegidos dos restantes homens.
É desta instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido. Assim relata Hobbes: em Leviatã:
“Construção de uma ordem estável, puramente terrena, contando, como totalidade do material, com indivíduos livres e iguais, portadores de direitos naturais, pré-sociais, cada indivíduo autoriza, do mesmo modo que os outros, as ações do representante soberano.” (Leviatã, cap.XVIII, P.132).
Para Hobbes, a multidão de homens torna-se uma só pessoa, cuja unidade está na identidade do pelo qual cada indivíduo de uma multidão desorganizada a autoriza a falar e agir em seu nome.
5. PROPRIEDADE EM HOBBES
A propriedade pertencia ao soberano, no momento que o homem passa seus direitos através do pacto firmado, passa também o direito da propriedade.
O individuo conserva um direito a vida talvez sem paralelo em nenhuma teoria política moderna.
Weffort nos informa que:
“Hobbes reconhece o fim das antigas limitações feudais ao direito de propriedade e está de acordo com as classes burguesas, empenhadas em acabar com o direito das classes populares à terra comunal ou privada – mas, ao mesmo tempo, estabelece um limite muito forte à pretensão burguesa de autonomia.” (Weffort, 1.991: 72,73).
Alguns textos do livro o “Leviatã” são transcritos para confirmar a afirmação acima:
A distribuição dos materiais dessa nutrição é a constituição do meu e do seu. Isto é, numa palavra, da propriedade. E em todas as espécies de Estado é da competência do poder soberano. Porque onde não há Estado conforme Já se mostrou, há uma guerra perpétua de cada homem contra seu vizinho, na qual, portanto, cada coisa é de quem a apanha e conserva pela força, o que não é propriedade nem comunidade. E também: Suprimi as leis civis, e ninguém mais saberá o que é seu e o que é dos outros. Visto que a introdução da propriedade é um efeito do Estado, que nada pode fazer a não ser por intermédio da pessoa que o representa, ela só pode ser um ato do soberano, e consiste em leis que só podem ser feitas por quem tiver o poder soberano. Bem o sabiam os antigos, que chamavam Nómos (quer dizer, distribuirão) ao que nós chamamos lei, e definiam a justiça como a distribuição a cada um do que é seu.
Podemos concluir que a propriedade que um súdito tem em suas terras consiste no direito de excluir todos os outros súditos do uso dessas terras, mas não de excluir o soberano, quer este seja uma assembleia ou um monarca. Dado que o soberano, quer dizer, o Estado (cuja pessoa ele representa), entende-se que nada faz que não seja em vista da paz e segurança comuns, essa distribuição das terras deve ser entendida como realizada em vista do mesmo. Em consequência, qualquer distribuição que ela faça em prejuízo dessa paz e dessa segurança é contrária à vontade de todos os súditos, que confiaram a paz e a segurança de suas vidas à discrição e consciência do soberano, e assim essa distribuição deve, pela vontade de cada um deles, ser considerada nula. É certo que um monarca soberano, ou a maioria de uma assembleia soberana, pode ordenar a realização de muitas coisas seguindo os ditames de suas paixões e contrariamente a sua consciência, e isso constitui uma quebra da confiança e da lei da natureza. Mas isto não é suficiente para autorizar qualquer súdito a pegar em armas contra seu soberano, ou mesmo a acusá-lo de injustiça, ou a de qualquer modo falar mal dele. Porque os súditos autorizaram todas as suas ações, e ao atribuírem-lhe o poder soberano fez-nas suas. Mas em que casos as ordens do soberano são contrárias à equidade e à lei de natureza é coisa que será examinada adiante, em outro lugar.
6. ESTADO DE NATUREZA DE LOCKE
O estado de natureza, para Locke, é hipoteticamente prazeroso e pacífico. É um estado “pré-político”, “pré-estatal”, mas não pré-social, pois o homem vive guiado pela lei natural, através da sua razão. O estado de natureza não é idêntico ao estado de guerra. Pode haver um estado de guerra, no interior de uma sociedade civil. Quando a harmonia da convivência é quebrada, faz-se necessário a constituição da sociedade civil.
De acordo com o Segundo Tratado do governo civil:
“Entretanto, ainda que se tratasse de um ‘estado de liberdade’, este não é um ‘estado de permissividade’: o homem desfruta de uma liberdade total de dispor de si mesmo ou de seus bens, mas não de destruir sua própria pessoa, nem qualquer criatura que se encontre sob sua posse, salvo se assim o exigisse um objetivo mais nobre que a sua própria conservação. O ‘estado de Natureza’ é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens; todos os homens são obra de um único Criador todo-poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a um único senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço; são, portanto sua propriedade, daquele que os fez e que os destinou a durar segundo sua vontade e de mais ninguém. Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em uma única comunidade da natureza, não se pode conceber que exista entre nós uma ‘hierarquia’ que nos autorizaria a nos destruir uns aos outros, como se tivéssemos sido feitos para servir de instrumento às necessidades uns dos outros, da mesma maneira que as ordens inferiores da criação são destinadas a servir de instrumento às nossas.” (LOCKE, p. 35).
A lei natural, a que todos estão submetidos, estabelece um estado de liberdade que consiste em dispor e ordenar como se quiser a própria pessoa, ações, posses e toda sua propriedade e, portanto, não estar sujeito à vontade arbitrária de outrem. A liberdade natural do homem consiste em estar livre de qualquer poder superior sobre a Terra.
No estado de natureza, todo homem tem o direito de punir o transgressor e de ser o executor da lei da natureza.
Segundo Weffort (2005 p. 84), ”o estado de natureza diferia do estado de guerra hobbesiano, baseado na insegurança e na violência, por ser um estado de relativa paz, concórdia e harmonia”.
De acordo com o Segundo tratado:
Assim, no estado de natureza, um homem adquire um poder sobre o outro; mas não um poder absoluto ou arbitrário para tratar um criminoso segundo as exaltações apaixonadas ou a extravagância ilimitada de sua própria vontade quando está em seu poder; mas apenas para infringir-lhe, na medida em que a tranqüilidade e a consciência o exigem, a pena proporcional a sua transgressão, que seja bastante para assegurar a reparação e a prevenção. Pois estas são as únicas duas razões por que um homem pode legalmente ferir outro, o que chamamos de punição. Ao transgredir a lei da natureza, o ofensor declara estar vivendo sob outra lei diferente daquela da razão e eqüidade comuns, que é a medida que Deus determinou para as ações dos homens, para sua segurança mútua; e assim, tornando-se perigoso para a humanidade, ele enfraqueceu e rompeu o elo que os protege do dano e da violência. Tratando-se de uma violação dos direitos de toda a espécie, de sua paz e de sua segurança, garantidas pela lei da natureza, todo homem pode reivindicar seu direito de preservar a humanidade, punindo ou, se necessário, destruindo as coisas que lhe são nocivas; dessa maneira, pode reprimir qualquer um que tenha transgredido essa lei, fazendo com que se arrependa de tê-lo feito e o impedindo de continuar a fazê-lo, e através de seu exemplo, evitando que outros cometam o mesmo erro. E neste caso e por este motivo, todo homem tem o direito de punir o transgressor e ser executor da lei da natureza. (p.37)
Segundo Locke, no estado de natureza os “homens vivem juntos segundo a razão e sem um superior comum sobre a Terra, com autoridade para julgar entre eles”.