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A natureza jurídica do demurrage, a Solução de Consulta COSIT nº 108/2017 e as obrigações do Siscoserv

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A Solução de Consulta COSIT nº 108/2017 acabou por tratar o pagamento do demurrage como sendo parte do valor de transporte e, por consequência, determina que tal pagamento deverá ser informado no Siscoserv.

Foi publicada no dia 20 de fevereiro do corrente ano a Solução de Consulta COSIT nº 108/2017, a qual trata sobre o pagamento de sobre-estadia de contêineres (demurrage), entendendo que essa sobre-estadia seria parte do valor do transporte:

ASSUNTO: OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINERES. INCLUSÃO NO VALOR DO TRANSPORTE EM CONTÊINERES. OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO NO SISCOSERV. O valor pago ao transportador internacional a título de sobre-estadia de contêineres (“demurrage”) é parte do valor de transporte de longo curso em contêineres e deve ser informado no Siscoserv no código 1.0502.14.90 da NBS.

Dispositivos Legais: Lei nº 12.546, de 2011, arts. 24 e 25; Decreto nº 7.708, de 2012; Portaria Conjunta RFB/SCS nº 1.908, de 2012; e IN RFB nº 1.277, de 2012, art. 1º.

Sabe-se que a demurrage tem como natureza jurídica a característica de indenização, tendo em vista que se trata de um pagamento feito em decorrência do atraso na devolução de contêineres, o que acaba gerando prejuízos ao armador – paga-se, portanto, a sobre-estadia como forma de compensar estes prejuízos causados.

Ou seja, a demurrage não é um pagamento feito por uma prestação de serviços, mas é uma multa/compensação paga por um descumprimento de contrato por retenção de contêineres além do prazo previamente estipulado.

A doutrina internacional reforça este entendimento, como é o caso do espanhol Francisco Farina (in Derecho comercial marítimo. Tomo II. Madri: Departamento Editorial del Comisariado Espanol Maritimo, 1948, p. 180), que afirma:

No frete ou preço do transporte, subentende-se incluídos os dias necessários para carga e descarga. Ao ver-se impossibilitado de realizar essas operações, no prazo pré-fixado, e permanecendo ‘imobilizado’ o navio, ocorre um prejuízo para o armador, que tem direito à indenização, por parte dos afretadores ou consignatários, mediante o recebimento de uma quantia fixada em função da tonelagem do navio, até o mesmo terminar a carga e/ou descarga.

Também o STJ tem o entendimento de que a demurrage tem natureza jurídica de indenização:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SOBRE-ESTADIAS DE CONTAINERS (DEMURRAGES). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA. INDENIZAÇÃO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DESÍDIA DO DEVEDOR. LIMITAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. PACTA SUNT SERVANDA.

1. (...).

2. As demurrages têm natureza jurídica de indenização, e não de cláusula penal, o que afasta a incidência do art. 412 do Código Civil.

3. Se o valor das demurrages atingir patamar excessivo apenas em função da desídia da parte obrigada a restituir os containers, deve ser privilegiado o princípio pacta sunt servanda, sob pena de o Poder Judiciário premiar a conduta faltosa da parte devedora.

4. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 1286209/SP, Rel. Min João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 14/03/2016)

Tem-se ainda que o próprio Banco Central por meio da Circular 2.393 de 22/12/93 conceitua demurrage como sendo uma indenização convencionada entre as partes:

I - SOBREESTADIA ("DEMURRAGE") E RESGATE DE ESTADIA ("DISPATCH MONEY") 1 - Para efeito do disposto nesta seção, entende-se por:

a) "DEMURRAGE" - a indenização convencionada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de carregar e descarregar as mercadorias no tempo pactuado;

Porém, a Solução de Consulta COSIT nº 108/2017 traz o entendimento de que o valor pago a título de sobre-estadia de contêineres é parte do serviço de transporte internacional contratado pelo importador, tendo em vista que a disponibilização dos contêineres está incluída no valor relativo ao transporte pago ao transportador.

Fazendo isso, a Receita Federal do Brasil acabou por enquadrar o instituto do demurrage na categoria de prestação de serviços, entendendo ser o mesmo acessório ao serviço de transporte (principal), determinando que o “serviço” demurrage deve ser classificado na NBS sob código 1.0502.14.90 (“serviços de transporte aquaviário de navegação de cabotagem e de longo curso de outros tipos de contêineres”).

Como consequência deste entendimento, de que o demurrage é parte do valor de transporte, a Receita Federal do Brasil passou a determinar que o valor pago a este título deverá ser informado no Siscoserv, no RAS (Registro de Aquisição de Serviços) e no RP (Registro de Pagamento) e aqui é possível se apontar outra incongruência.

De acordo com o art. 25 da Lei nº 12.546/2011 tem-se que:

Art. 25. É instituída a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados.

Ora, o demurrage é uma indenização paga em caso de descumprimento do prazo para devolução dos contêineres como forma de compensar os prejuízos causado ao armador, e por ser uma compensação tal pagamento visa repor perdas, justamente evitando variações no patrimônio daquele que está recebendo a indenização – compensa-se os prejuízos causados pela retenção dos contêineres mediante o pagamento de um valor previamente determinado.

Não é demais dizer, numa interpretação bastante ampla do teor da Solução de Consulta em questão, que, ao se entender que o demurrage é, na verdade, um pagamento por uma prestação de serviços e que tal pagamento acaba por produzir variação no patrimônio daquele que o recebe, surgindo, por consequência, a obrigação de se declarar o pagamento da sobre-estadia no Siscoserv, é o mesmo que dizer que o recebimento de demurrage caracteriza-se, ao final, como renda.

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Data maxima venia, ao deixar de lado a natureza jurídica do demurrage, a Solução de Consulta COSIT nº 108/2017 acaba por se caracterizar como uma resposta sem embasamento legal concreto, o que acaba por trazer uma insegurança jurídica para aqueles que atuam no comércio exterior.

De toda forma, por se tratar de uma Solução de Consulta COSIT, tem-se que a mesma tem efeito vinculante perante a Receita Federal do Brasil e surte efeitos perante terceiros, não apenas aquele que foi o autor da consulta, nos termos do art. 9º da Instrução Normativa RFB nº 1396/2013:

Art. 9º A Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB, respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento.

Assim, sempre que ocorrer o pagamento do demurrage tal valor deverá ser informado no Siscoserv, por ser parte do valor de transporte, segundo entendimento da Receita Federal do Brasil, tendo o importador a obrigação de informar tal valor no Registro de Aquisição de Serviços e no Registro de Pagamento.

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Sobre a autora
Milene Regina Amoriello Spolador Ribeiros

advogada atuante nas áreas tributária e empresarial na cidade de Curitiba (PR), vogal do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná nos mandatos 2011/2013 e 2013/2015, graduada em direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro e pós graduada em Direito Empresarial com ênfase em Direito Tributário pela PUC/PR, autora de artigos jurídicos e pareceres, coordenadora da obra “Guia Prático Alianças Estratégicas com empresas Brasileiras: uma visão legal”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIROS, Milene Regina Amoriello Spolador. A natureza jurídica do demurrage, a Solução de Consulta COSIT nº 108/2017 e as obrigações do Siscoserv. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4997, 7 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56005. Acesso em: 2 nov. 2024.

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