Apontamentos sobre a greve e a vedação do locaute (lockout) no Direito do Trabalho Brasileiro

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24/02/2017 às 09:19
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O presente artigo tem como escopo desenvolver uma pesquisa sobre a origem da greve e a proibição do Locaute no ordenamento brasileiro, com fundamentos na Lei de Greve – Lei nº 7.783/89, em cotejo com o direito comparado e relatos históricos.

Palavras-Chave: Locaute, Autotutela, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho.

Sumário: Introdução; 1. Meios de composição dos conflitos; 1.1 Autotutela ou Autodefesa; 1.2 Autocomposição; 1.3 Heterocomposição; 1.4 Conciliação; 1.5 Mediação; 2. Breve histórico do instituto da Greve; 2.1 Conceito de Greve; 2.2 Requisitos e Limites do exercício do direito a Greve 3. Locaute considerações históricas; 3.1 Conceito de Locaute; 3.1.1 Distinção do Locaute e outras paralisações empresariais;  4. Proibição do locaute no direito Brasileiro; 5. Considerações finais; 5.1. Ocorrências de movimentos Grevistas e Locaute no Brasil; 6. Conclusão; Referências Bibliográficas.

Introdução

O trabalho Apontamentos sobre a greve e a vedação do Locaute “lockout” no Direito do Trabalho Brasileiro têm como base de analise o direito do trabalho brasileiro com o direito comparado, demonstrando os motivos da vedação deste instituto no ordenamento pátrio, onde reflete diretamente com um dos fundamentos basilares da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana, assim, enfrentando o assunto em um sistema dimensional de amplo alcance, iniciando pela classificação moderna dos meios compositivos de conflitos.

Seguido da analise do direito a greve no ordenamento brasileiro, começando pelo conceito[1] e origem deste instituto, em especial após o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988 e da lei da Greve de 28 de Junho de 1989. De outro norte, um estudo pormenorizado do locaute, como meio de defesa ou contra-ataque do empregador perante a prática de greve dos empregados.

Em continuação examinaremos o instituto do locaute proibido no direito brasileiro, através dos fundamentos constitucionais pátrios em contra partida ao direito comparado e a possibilidade de aplicação em diversos países do mundo atual, com enfoque no direito Alemão e do México, nas respectivas constituições destes países precursores de inúmeros direitos e garantias fundamentais no mundo contemporâneo.

Encerando o estudo com considerações importantes e históricas da utilização do locaute no Brasil[2] e no mundo[3] de onde decorreram sérias violações a direitos e a dignidade do trabalhador. Deste modo, é matéria de especial importância, porque apesar de sua proibição ocorrem relatos de situações análogas no âmbito trabalhista no cotidiano atual brasileiro.

  1. Meios de composição dos conflitos

Historicamente dividimos os meios de resolução dos conflitos entre os homens, na seguinte classificação: Autotutela ou Autodefesa, Autocomposição, Heterocomposição, conciliação e atualmente a mediação aplicada, sendo que os quatro primeiros são os meios de solução de conflitos com peculiar percepção no âmbito trabalhista, sendo o conflito de interesse segundo Ives Gandra Filho “quando duas ou mais pessoas têm interesse pelo mesmo bem” [4], surgem às formas de resolução dos conflitos supracitadas para por fim ou solucionar esta disputa entre as partes.

1.1. Autotutela ou Autodefesa

 Primeiramente nos primórdios da humanidade onde o estado ainda não interferia na vida social do homem, a única forma de solução dos conflitos era a autotutela ou autodefesa, que era instaurada através da força[5], assim, como conseqüência lógica o mais forte sempre se sobrepunha aos mais fracos.

Destarte, em determinado momento quando surge o interesse de qualquer pessoa em obter certo bem, móvel, imóvel ou apodera-se de certa pessoa, iniciava-se o conflito, que era solucionado no fundamento do mais forte, garantindo a vitoria sempre do mais forte e não uma justiça equânime, neste sentido leciona Candido Rangel Dinamarco:

Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus punitionis, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais independentes e desinteressadas. A esse regime chama-se autotutela (ou autodefesa) e hoje, encarando-a do ponto-de-vista da cultura do século XX, é fácil ver como era precária e aleatória, pois não garantia a justiça, mas a vitoria do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido[6].

Neste diapasão, a autotutela era o método primitivo dos homens resolverem seus conflitos, não havendo mínimas diretrizes para equilibrar os interesses particulares de cada homem. Assim, chega-se a conclusão de que a autotutela utilizada de forma demasiada, jamais reinaria um estado de paz entre os homens, não esquecendo que apesar de existirem formas legais de autotutela no mundo contemporâneo, são tais medidas limitadas pelo ordenamento jurídico de cada estado. 

1.2. Autocomposição

Em seguida surge a Autocomposição, que é um modelo de solução dos conflitos entre iguais, conforme conceito de Fredie Didier Jr: “é a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio” [7], ainda, o ilustre professor leciona no sentido de que a Autocomposição é gênero que se divide em subespécies, sendo primeiramente a transação que é a concessão de ambas as partes de seus direitos para solucionar o conflito, em seguida a submissão que nada mais é do que uma parte submeter-se a pretensão da outra e por fim, a renúncia, que é ato unilateral de uma das partes de desistência da pretensão em questão[8].

Destarte, a Autocomposição apenas solucionava pequena parcela os problemas dos primórdios da civilização, pois como a relação se solidificava entre iguais, minimamente se solucionaria todas as desigualdades entre quem detinha o maior poder econômico perante os desprovidos de riquezas. Nestas relações entre forte e fraco ainda se cristalizava a autotutela, que era vista não como proibida, mas apenas afastada nas relações dentre iguais. De outro lado, a Autocomposição não visava uma proteção aos indivíduos que não eram considerados cidadão perante o Estado. Neste contexto, podemos exemplificar o direito em Roma, nas palavras de Elder Lisbôa:

A sociedade romana era multifacetária. Era dividida em classes, que eram representadas por camadas, estas de forma distinta: o patriarcado e a plebe. Somente os patrícios possuiam direitos civis, religiosos e políticos. Isto significava que somente eles poderiam participar da vida política da sociedade da época, inclusive ocupando cargos como, por exemplo, o de magistrados e de senadores[9].

Neste entendimento, não existia uma equidade na aplicação da Autocomposição, pois sua utilização dependia das classes em relação no contexto social da época. Assim, dificilmente se sustentaria a Autocomposição sem um nível razoável de equidade nos conflitos neste período longínquo. De outro lado, no mundo contemporâneo utiliza-se do instituto da Autocomposição de forma moderada, mas com regular efetividade das negociações.

1.3. Heterocomposição

A Heterocomposição é o agir de um terceiro, que não se relaciona com o conflito em questão, mas que de forma imparcial, trará uma solução ao problema, impondo uma decisão, que deve ser cumprida pelas partes envolvidas, neste aspecto, pode o terceiro ser o Estado-Juiz ou uma pessoa previamente escolhida pelas partes, para solução de possível litígio futuro. Mas de regra, o Estado através do Juiz é quem tem poder coercitivo sobre seus cidadãos, para determinar e cumprir suas decisões.

Neste sentido, adotamos o conceito de heterocomposição de Mauro Schiavi, que leciona da seguinte forma: “A heterocomposição exterioriza-se pelo ingresso de um agente externo e desinteressado ao litígio que irá solucioná-lo e sua decisão será imposta ás partes de forma coercitiva” [10]

Não obstante, se observa que ao intervir o Estado e proibir a justiça privada entre os homens, abraça a sua competência o ônus de prestar e garantir a jurisdição, sendo o Estado o único legitimado e detentor do monopólio da força, devendo atender todos os interessados que buscarem solução dos conflitos na esfera do judiciário, sobre a jurisdição esclarece Humberto Theodoro Junior:

Ao vetar a seus súditos fazer justiça pelas próprias mãos e ao assumir a jurisdição, o Estado não só se encarregou da tutela jurídica dos direitos subjetivos privados, como se obrigou a prestá-la sempre que regularmente invocada, estabelecendo, de tal arte, em favor do interessado, a faculdade de requerer sua intervenção sempre que se julgue lesado em seus direitos[11].

       

Neste entendimento, a heterocomposição estatal funda-se na prestação jurisdicional pelo Estado, pretendendo afastar a justiça com as próprias mãos da sociedade como um todo, prevendo apenas algumas exceções a regra, limitadas e positivadas no ordenamento de cada Estado.

1.4. Conciliação

A conciliação é um meio alternativo de pacificação dos conflitos, onde o juiz tenta inicialmente solucionar o conflito, encontrando e direcionando ambas as partes a alternativas variáveis de resolução. A conciliação pode ser antes do processo iniciar, na fase sendo denominada extraprocessual, ou já no curso do processo, conhecida pelo epíteto endoprocessual, neste sentido leciona Candido Rangel Dinamarco:

A conciliação pode ser extraprocessual ou (como nos casos vistos acima) endoprocessual. Em ambos os casos, visa a induzir as próprias pessoas em conflito a ditar a solução para a sua pendência. O conciliador procura obter uma transação entre as partes (mútuas concessões), ou a submissão de um à pretensão do outro[12].

Ainda, neste mesmo sentido:

Tratando-se de conciliação endoprocessual, pode-se chegar ainda à mera desistência da ação, ou seja, revogação da demanda inicial para que o processo se extinga sem que o conflito receba solução alguma[13].

Neste entendimento, que a conciliação surge como forma de encurtar o tempo despendido no processo ordinário, e de outro lado, apaziguar as partes de forma a solucionarem seu conflito, sem a interferência direta do Estado-juiz na decisão. Assim, a conciliação extraprocessual surge antes mesmo de a ação iniciar-se no poder judiciário, e a endoprocessual visa encerrar a ação que de certa forma já esta em curso no judiciário.

1.5. Mediação

A mediação pode ser conceituada sendo um método de solução dos conflitos, entre as próprias partes, mas com auxilio de um terceiro, que atua de forma imparcial e neutra, visando à construção de uma solução em conjunto entre mediador e mediandos, de modo que as partes interessadas ajustem e decidam a melhor forma de solução do conflito, sendo levados a refletirem sobre a questão de forma construtiva por intermédio do mediador.

Neste sentido, trata o manual da mediação judicial do CNJ (Conselho Nacional de Justiça):

A mediação pode ser definida como uma negociação facilitada ou catalisada por um terceiro. Alguns autores preferem definições mais completas sugerindo que a mediação um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição[14].

Neste entendimento, a mediação judicial surge com a entrada em vigência da lei 13.105/2015 e da lei 13.140/2015, iniciou-se uma nova etapa de resolução dos conflitos através da mediação, que tende a ser um processo autocompositivo, com a peculiaridade de um terceiro de forma imparcial e neutra, na condução e auxilio para os fins desejados do procedimento.

O Código de processo civil de 2015 (Lei 13.105/15) em seu artigo 334, no caput e seus parágrafos descreve todo o procedimento da mediação, sobre a ótica de novas técnicas para a solução dos conflitos[15], determinado de que forma será conduzido o processo de mediação[16].

Perceptível é o conceito de Mauro Schiavi: “mediação é forma de solução dos conflitos por meio da qual o mediador se insere entre as partes, procurando aproximá-las para que elas próprias cheguem a uma solução consensual do conflito” [17].

Feitas estas considerações relacionadas aos meios de solução dos conflitos, em uma projeção histórica da humanidade, passamos a analise intrínseca do instituto da greve no direito do trabalho.

2. Breve histórico do instituto da Greve

A greve como conhecemos na sociedade atual, no contexto dos trabalhadores perpassa a historia da humanidade, sendo inicialmente vista como delito, após determinado tempo passou a ser apenas tolerada e finalmente tornou-se direito dos trabalhadores.

O ponto histórico inicial não encontra consenso, assim, podemos adotar como ponto de partida a Revolução Francesa, no século XVIII, em 1789, deste modo às revoltas dos trabalhadores com maior intensidade datam do século XVIII e XIX, com destaque na França, com a Lei Le Chapellier, em 1791 e, de outro lado na Inglaterra com a repressão aos movimentos grevistas através do Combination Act, em 1799, nestes períodos traçados pelo reinado de Napoleão, a greve era vista como crime/delito no ordenamento do império[18].

Em 1825, após grandes movimentos socialistas, o instituto da greve foi retirado da esfera penal, devido às reinvidicações violentas e que de certo modo, acabaria por comprometendo o regime capitalista[19], ainda, neste mesmo contexto, apesar de contraria as posições socialistas devemos observar que a própria Igreja Católica também se movimentou em favor de mitigar as desigualdades sociais e respeitar a dignidade dos trabalhadores tratando-os como homens e não escravos, positivando a Encíclica “Rerum Novarum” [20].

Neste período histórico a greve ainda não era observada como um direito do trabalhador, mas já evoluía quanto a sua proibição penal, sendo tolerada de certa forma, mas sem garantias positivadas nos ordenamentos jurídicos da época[21].

Após este largo período lacunoso surge a primeira Constituição a legislação sobre o direito de greve a Constituição do México, em 1917, mas precisamente em seu Inciso XVIII do artigo 123, que descreve que a Greve é licita quando tiver por objetivo o equilíbrio entre os direitos dos trabalhadores e o capital, vedada quando houver atos de violência contra pessoas ou bens[22].  

Apesar de existir o direito a greve, este direito era sustentado sobre a égide do liberalismo, ou seja, quem não quiser trabalhar que não trabalhe, mas não impeça quem queira, assim, a Greve era direito individual de cada pessoa, não podendo intervir na liberdade dos demais. Deste modo, o direito a greve somente incorpora em definitivo no direito do trabalho, em 1940, com a Convenção de Chapultepec no México, onde os trabalhadores como ser coletivo podem exigir seus interesses através do instituto da greve[23].

Este rápido histórico mundial da greve se sustenta na tradicional divisão histórica do direito de greve em três períodos como leciona Jorge Boucinhas Filho:

O escorço histórico traçado ate aqui se identifica com a tradicional divisão do direito de greve em três períodos bem diferenciados, o da proibição e tipificação como um delito, o da permissibilidade, porém sujeita às regras de direito privado, e finalmente, a fase do reconhecimento como um direito[24].

Neste entendimento, ainda, destaca o autor citado, que o primeiro período ocorreu entre a transição do regime artesão e o industrial, o segundo, nas ultimas décadas do século XIX ate o fim da primeira guerra mundial e por fim, o terceiro período, entre o desencadear das duas guerras mundiais[25].

No contexto Brasileiro a greve seguiu o mesmo rumo, mas não na mesma linha cronológica, inicialmente como liberdade[26], posteriormente sendo tipificada como ilícito penal, as constituições de 1824 e 1891 não fizeram referência a greve, a Constituição de 1937 lecionava sobre a associação sindical, mas proibia a greve e o locaute, tratando a greve como recurso anti-social, o código penal de 1940 também tipificava como crime o ato de greve[27].

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Na Consolidação das Leis do Trabalho promulgada em 1943 seguiu inicialmente com a proibição e punição a pratica de Greve, esclarecedora é a lição de Sergio Pinto Martins:

Em 1943, ao ser promulgada a CLT, estabelecia-se pena de suspensão ou dispensa do emprego, perda do cargo do representante profissional que estivesse em gozo de mandato sindical, suspensão pelo prazo de dois a cinco anos do direito de ser eleito como representante sindical, nos casos de suspensão coletiva do trabalho sem prévia autorização do tribunal trabalhista (art. 723). O art. 724 da CLT ainda previa multa para o sindicato que ordenasse a suspensão do serviço, além de cancelamento do registro da associação ou perda do cargo, se o ato fosse exclusivo dos administradores do sindicato.[28]    

Nessa senda, a primeira grande legislação trabalhista, surgiu com base da Carta Magna de 1937, proibindo a greve, para somente mais tarde, na Constituição Brasileira de 1946, declarava a greve como direito, mas ficando sua regulação a Lei Ordinária posterior, conforme o artigo 158 da Constituição de 46.

A primeira Legislação sobre o instituto da Greve, promulgada em 1964, foi a Lei 4.330/64, a qual legislava limitadamente sobre a matéria, proibindo tal pratica em serviços públicos e atividades essenciais. Sendo revogada posteriormente pela Lei 7.783/89, atual legislação sobre a Greve no ordenamento Brasileiro, advinda das medidas provisórias nº 50 e 59 de 1989, pouco após a proclamação da atual Constituição Brasileira de 1988[29].

A Lei 7.783/89 descreve o conceito de greve, define quais atividades são essenciais para a sociedade, não define como legal ou ilegal a pratica da Greve apenas limita o abuso do direito de greve[30], ainda trata como suspenso o contrato de trabalho no período que decorrer a pratica da greve pelos paredistas.

2.1. Conceito de Greve

O instituto da greve não tem um conceito majoritário, dependendo da linha doutrinaria que seguimos[31], deste modo, completo e esclarecedor e o conceito de Mauricio Godinho Delgado que descreve o alcance amplo do dispositivo Constitucional elencado no artigo 9º, o qual se relaciona com o texto do artigo 2º da Lei 7.783/89:

Seria a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos[32].

Neste entendimento, a greve trata-se da suspensão temporária das atividades no âmbito de trabalho dos empregados, perante seus empregadores, ampliando seu alcance aos tomadores de serviços como bem descreveu o aludido autor, com o escopo de serem atendidos os interesses da classe.

2.2. Requisitos e Limites do exercício do direito a Greve

O ato de greve não se inicia por acaso, para que surtam os seus efeitos com a devida validade necessita da ocorrência e cumprimento de alguns requisitos, os quais são: ocorrência da negociação coletiva, aprovação do ato pela assembléia de trabalhadores, aviso-prévio com 48 horas de antecedência da empresa ou de seu sindicato e por fim, respeitar as atividades inadiáveis da comunidade[33].

Deste modo, a greve se limita aos referidos requisitos, devendo o movimento grevista atender a todos os requisitos para tal pratica ser considerada licita. Assim, deve antes de iniciar buscar solucionar o conflito pela negociação coletiva, sendo uma condição para o exercício da greve[34], após as tentativas de negociação não tendo solucionado o conflito, deve ser instaurada a greve, mas com a necessidade de convocação de assembléia geral na qual vão ser definidas as reivindicações da categoria, sendo o sindicato um dos legitimados para instaurar a Greve[35].

Decorrido o cumprimento dos dois primeiros requisitos, é necessário o aviso prévio da outra parte, no caso, a empresa ou seu representante sindical, em um lapso temporal de 48 horas antecedentes ao inicio do movimento paredista, quanto ao aviso prévio ensina Amauri Mascaro Nascimento que a lei 7.783/89 regulou o tempo de aviso antecedente a pratica da greve, em alcance geral e também nas áreas essenciais[36]. Devendo ser observado para garantir a licitude do direito de greve.

Para encerrar este tópico, resta analisarmos o ultimo requisito que é a necessidade de atenção as atividades essenciais inadiáveis para a comunidade em geral, que se caracterizam por terem peculiaridade importantíssima para a manutenção da vida das pessoas na sociedade. Assim, a lei não proíbe a greve nas atividades essenciais, mas exige à manutenção dos serviços inadiáveis a sociedade, conforme lição de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino em sua obra conjunta lecionando que “A carta política não vedou a realização de greve nos serviços e atividades essenciais. Estabeleceu o legislador constituinte, porém, a necessidade de manutenção dos serviços inadiáveis prestados à população” [37].

São considerados serviços essenciais tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, assistência medica e hospitalar, distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos, funerários, transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto e lixo, telecomunicação, guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares, processamento de dados ligados a serviços essenciais, controle de tráfego aéreo e compensação bancaria conforme dispõe a Lei de Greve. [38]

Destarte, as praticas abusivas por parte dos trabalhadores não são permitidas pela lei, sendo ilícitas tais praticas como a boicotagem, sabotagem, piquetes violentos e ocupação do estabelecimento, sendo responsabilizados os participantes dos atos ilícitos e, também, o sindicato dos trabalhadores pelas perdas e danos que surtirem das praticas abusivas[39].

Por fim, a greve é ato licito, sendo tratado como direito fundamental com disposição no artigo 9º da Carta Magna, e regulado pela Lei ordinária nº 7.783/89. Mas que apesar de ser tratada como direito fundamental deve ser analisada e dependo do caso, limitada diante do confronto a outros direitos fundamentais, podendo ser responsabilizados pela pratica ilícita de atos que atinjam outros direitos fundamentais, como exemplo ao confrontar o direito de propriedade, aonde os paredistas tentam impedir a entrada dos demais trabalhadores que não aderiram ao movimento ou as equipes de empregados que tem como finalidade garantir à subsistência da manutenção de maquinas e equipamentos que causariam prejuízos irreversíveis a empresa[40].

3. Locaute considerações históricas

A origem do locaute em fontes materiais, ou seja, os fatos sociais, econômicos e políticos que ensejaram a criação de uma regra jurídica a respeito, não tem um ponto concreto de inicio, devido ao refluxo que sofreu em comparação ao instituto da greve, que no cenário atual tornou-se direito[41], sendo o locaute um instituto que não se tem um estudo minucioso na historia.

Deste modo, sugerimos uma analise a partir das primeiras organizações sociais, mais precisamente nas corporações medievais, as chamadas corporações de oficio, apesar de não expor-se da forma definida no mundo contemporâneo, pois o comercio era organizado e limitado aos mestres e seus aprendizes, sendo permitida a coalizão dos mestres para buscar benefícios aos membros da corporação, neste sentido compactua-se com a lição de Ronald Amorim e Souza, “a corporação tinha como finalidade assegurar os benefícios de seus membros e controlar o mercado produtor” [42], aonde podemos observar que apesar da não existência da relação de emprego que existe no contexto atual, existia uma espécie de força imposta pelos mestres (empregadores) diante das necessidades ou reivindicações dos oficiais ou aprendizes (empregados) Assim “melhor se identificavam com a atividade empresarial e, arriscamo-nos a afirmar, sob o aspecto de um cartel” [43], findando que neste contexto arcaico “A coalizão patronal era permitida, por seu turno, desde que não visasse forçar uma injusta redução dos salários” [44], apesar da coalizão não se confundir com a greve, mas é verídico que neste período histórico, já fluía o locaute, mesmo que de forma adversa da conhecida hoje.

Avançando na historia, após os relatos de locautes prolongados no período das organizações corporativas dos séculos XVII e XVIII[45], surgem às primeiras legislações tratando do assunto, começando pela constituição do México de 1919, que positivou o direto de greve e locaute em seu artigo 123, neste sentido leciona Maria Lucia Freire Roboredo: “A constituição do México apresenta uma gama de proteção aos direitos Sociais do trabalho, de forma direta e transparente. Estabelece o exercício da greve e lock-out, embora com restrições a este último (art. 123)” [46], a mesma autora completa dizendo que “o lock-out depende de prévia autorização estatal” [47].

O locaute também é positivado na Constituição Alemã de 1919 que permite o locaute como licito. A Constituição da Alemanha posterior de 1949, conhecida como Lei fundamental de Bönn, garante o direito de greve e locaute, sendo que a posição doutrinaria majoritária Alemã defende como uma liberdade comum, existindo assim a paridade de armas entre a Greve e o Locaute como direito de igualdade[48].

No Brasil, nas primeiras cartas políticas sequer foram mencionadas a greve e o locaute[49], assim, a constituição Imperial de 1824 e a constituição após a proclamação da República de 1891 silenciaram-se sobre o Locaute[50], no mesmo sentido a constituição de 1934 nada mencionou sobre o locaute, apenas fazendo referencia a aos sindicatos e associações em seu artigo 120, demonstrando a distancia entre o Brasil e o restante do mundo diante de movimentações e reivindicações de seus cidadãos.

A primeira menção sobre o Locaute, foi na Constituição de 1937[51], a qual tratava da matéria como crime, sendo proibidas a pratica do locaute e consequentemente da greve, com os fundamentos de tais atos atentarem a segurança e nocivos ao trabalho no mercado brasileiro[52], decorrendo sem legislações que versassem sobre o assunto por aproximadamente três décadas, com a promulgação da primeira Lei de Greve em 1º de Junho de 1964, que criminalizava o locaute, mas de forma genérica.

Após a ditadura militar, com a Constituição de 1988, em vigência no ordenamento, a Greve foi tratada de forma explicita em seu artigo 9º, mas o Locaute de forma implícita não foi autorizado pela Carta Magna, conforme assevera Mauricio Godinho Delgado dizendo que “Ainda que o texto legal fosse omisso, tal proibição derivaria, indubitavelmente, de vasto e harmônico conjunto de regras e princípios constitucionais” [53], relacionando a sua vedação com os principais princípios basilares da Constituição de 1988:

O locaute, enquanto poder maximo do empregador, conspira contra a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, ungidos pela Constituição como alguns dos fundamentos da Republica do Brasil (art. 1º, III e IV). Enquanto poder incontrastável, conspira também contra os objetivos fundamentais da Republica, de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, promover o bem de todos, sem discriminações (art. 3º, I, II, III e IV, CF/88) [54].

Neste entendimento, a Constituição Democrática Brasileira, afastou de forma inconteste, qualquer pratica que vise prejudicar a dignidade humana dos trabalhadores, tratando como ilícita a pratica do locaute.

Não obstante, o constituinte originário preferiu que a matéria fosse tratada em Lei Ordinária. Assim, em 1989 Ab-rogou-se a lei 4.330/64 com a promulgação da Lei 7.783/89, atual Lei de Greve, a qual proíbe de forma expressa o Locaute em seu artigo 17º, apesar de não surtir muitos efeitos, pois os empresários tendem a agir de tal modo, sem nenhuma punição pelas autoridades[55].

3.1. Conceito de Locaute

Após esta analise histórica, surge à pergunta, quais são os efeitos sociais e jurídicos do locaute? É o que vamos esmiuçar neste tópico. O locaute conforme lição do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Mauricio Godinho Delgado conceitua-se como “a paralisação provisória das atividades da empresa, estabelecimento ou seu setor, realizada por determinação empresarial, com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, frustrando negociação coletiva ou dificultando o atendimento a reivindicações coletivas obreiras” [56].

Seguindo a lição supramencionada, o locaute inicia-se com a finalidade de contra ataque ou defesa do empregador, perante as reivindicações de seus empregados, tentando desta forma, forçar a parte economicamente mais fraca que é o empregado, cedendo assim suas pretensões perante o empregador. Também importante salientar que a paralisação tem caráter provisório e não precisar ser total, podendo atingir apenas um setor da fabrica, para ser configurado como locaute.

Para caracterizar o locaute, necessita do cumprimento de requisitos, segundo a doutrina são: paralisação empresarial, total ou parcial; ato de vontade do empregador, não sendo tipificada situação diversa da vontade do empregador; tempo de paralisação, em regra é temporária ate atingir as pretensões do empregador; e por fim, os objetivos pretendidos pela empresa, que são sem duvida pressionar os trabalhadores, enfraquecendo o movimento e as reivindicações[57].

3.1.1. Distinção do Locaute e outras paralisações empresariais

O locaute não deve ser confundido com outras formas de paralisação das atividades empresariais, pois o próprio conceito[58] reforça que é ato próprio do empregador com finalidades especificas, diversas das que trataremos a seguir.

Neste sentido, diferenciar o locaute das demais paralisações é essencial. Primeiramente existe a possibilidade do fechamento da empresa por falência[59], apesar de ocorrer em determinadas ocasiões reivindicações por parte dos empregados a falência é uma situação adversa do locaute, com disposição aos direitos dos empregados no artigo 449 da CLT[60].

Em seguida, as paralisações das atividades oriundas de acidente do trabalho, ou de força maior, não devem ser confundidas com o locaute, pois possuem regulamentação prevista no Art. 61, §3º da CLT. No mesmo sentido, não se confunde com as paralisações por férias coletivas determinadas pelo empregador, é claro que devendo ser obedecidas às disposições do inciso II do art. 133 da CLT[61].

Ainda nos casos de força maior, também existe a possibilidade de fechamento da empresa por ato do governo[62], conforme art. 486 da CLT, com disposições em lei esparsa, como exemplo, fechamento pela aplicação de penalidade ao não cumprimento da lei federal sanitária (Lei 6.437/77), nestes casos sendo garantido indenizações aos empregados conforme artigo 502 da CLT.

4. Proibição do locaute no direito Brasileiro

No ordenamento jurídico pátrio, a pratica do locaute é vedada, com fundamentos constitucionais na dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho, neste sentido a Lei de greve proíbe expressamente em seu artigo 17º a pratica do locaute no Brasil, assim esclarece João Armando Moretto Amarante:

O problema que pode ser constatado em relação ao “lock-out” é sua própria finalidade, que acaba culminando no fechamento da empresa e que, por conseguinte, demonstra o poder do capital frente ao trabalho, com a qual o empregador prioriza seus próprios interesses em detrimento dos empregados, compelindo-os a se submeterem à atitude que ele lhes quer impor. Diante do flagrante desequilíbrio existente entre as forças envolvidas neste embate, é conduta repudiada por nosso ordenamento jurídico [63].

Neste entendimento, a pratica do locaute seria uma afronta aos fundamentos constitucionais, em especial, ao valor social do trabalho e a livre iniciativa, sendo punível por abuso de direito do empregador[64].

Apesar de existir lei que o proíba, sua pratica não esta totalmente afastada da sociedade brasileira, existindo doutrinas diversas sobre a matéria. De um lado existem aqueles que defendem a igualdade entre a greve e o locaute, pois a própria constituição federal não mencionou expressamente sua proibição[65]. De outro lado, existe a linha doutrinaria que trata o locaute ofensivo como atitude anti-social e nociva ao desenvolvimento de qualquer nação[66], admitindo apensa a situação defensiva do locaute.

Em analise as divergências doutrinarias, resta esclarecer que a igualdade defendida por ideologicamente, não deve ser confundida, pois é esclarecedor que a greve direito fundamental ao ser declarada abre a opção aos trabalhadores para aderirem ou não, de forma adversa o locaute atinge todo o coletivo de empregados, não distinguindo os empregados[67].

O locaute deve ser analisado no caso concreto, pois deve iniciar de pratica dolosa do empregador, na tentativa de atrapalhar as negociações coletivas, não por motivos diversos como crise econômica e financeira, neste sentido necessita do ato antijurídico para ser configurado o locaute[68], com base legal no art. 17º da Lei de Greve. Assim, elucidativa é a lição de Mauricio Godinho Delgado:

De fato, o locaute conspira contra o exercício dos direitos sociais, contra as noções de segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça eleita como valores supremos da sociedade brasileira. Conspira contra a intenção normativa de se fazer fraterna essa sociedade, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacifica das controvérsias [69].

Neste sentido, o locaute no entendimento do autor supracitado é um instrumento de autotutela, utilizado de forma injusta com fundamentos nos interesses empresariais[70], deixando de observar a sociedade como um todo.

A proibição do locaute no ordenamento brasileiro, surge como forma de limitar a autotutela ou autodefesa do empregador, que ao perceber os movimentos paredistas que tendem reivindicações, utiliza o locaute como meio de vingança, tumultuando as ações grevistas, neste sentido, elucidativas são as palavras de Ronald Amorim e Souza: “O locaute não pode ser tido como um instrumento de vingança, de retaliação praticada pelo empregador” [71], e complementa que “o locaute em relação ao contrato individual de trabalho deverá ser visto como infração grave á sua execução, pelo empregador, quando, diante da notícia de que uma greve se prenuncia...” [72].

Ainda, a pratica do locaute abre espaço para aplicação de efeitos no contrato de trabalho, pois tal atitude ilícita acaba facultando ao empregado romper o contrato de trabalho, garantindo as indenizações previstas na lei trabalhista[73], diferente da greve relação que estabelece a suspensão do contrato de trabalho, ficando os empregados sem remuneração no período de greve, o que não ocorre no locaute, pois neste fica interrompido o contrato, sendo devedor da remuneração o empregador[74].

Em síntese o locaute na maioria dos paises industrializados é reprimido, sendo visto como crime por parte do empregador, apesar de existirem entendimentos contrários na doutrina pátria[75], o locaute é proibido e visto como crime no ordenamento brasileiro, sendo aplicáveis às penas do Art. 722 da CLT, como multa, perda de cargos, suspensão a eleições de cargos e pagamento dos devidos salários aos empregados.

5. Considerações finais

Em relação ao direito comparado é necessário uma analise sobre a posição dos diversos ordenamentos no mundo globalizado moderno e o órgão internacional que trata de matéria trabalhista a Organização Internacional do Trabalho – OIT. Deste modo, partimos analisando o posicionamento da OIT, órgão que surgiu do Tratado de Versalhes, vinculado a ONU e principal defensor dos direitos sociais e trabalhistas.

A Convenção nº. 87 da OIT[76] que trata dos direitos e da liberdade sindical não foi ratificada pelo Brasil ainda, mas esta importante convenção trata em especial da liberdade e igualdade de direitos entre os trabalhadores e os empregadores. Assegurando a criação de organizações para ambos os lados na relação jurídica, abrindo margem para entendimento de que a greve e o locaute são validos na defesa dos interesses em questão, apesar de não declarar expressamente, mas tende a uma interpretação neste sentido. Assim, enquanto o Brasil não ratificar esta convenção fica a previsão em vigência, de um lado a ilegalidade do locaute, de outro a garantia fundamental da greve, claro que com limites conforme analisado anteriormente[77].

Seguindo, em analise ao direito comparado, encontramos ordenamentos que tratam como direito licito a greve e o locaute e outros que vedam a pratica deste ultimo, sendo assim antes de tratarmos do assunto em questão é importante explicar o alcance que o direito adquiriu desde sua origem na historia do homem, deste modo, são as palavras de Maria Lúcia Roboredo, que leciona dizendo “O direito é um fenômeno presente em qualquer sociedade, com um mínimo de complexidade, acompanhando o fenômeno social porque é inerente a ele próprio” [78].

O berço constitucional tanto da greve como do locaute é o México, que em sua constituição de 1917, em seu artigo 123, garante ambos, limitando apenas o locaute a prévia autorização estatal[79], no mesmo sentido, a Cuba reconhece a greve e o locaute, mas tipifica a greve no código penal[80] quando usada com excesso.  Em entendimento parecido, posicionou a Alemanha na Constituição de Weimar em 1919, no artigo 9º, denominando tais reivindicações como legais diante da paridade de armas, sendo direito fundamental a igualdade de defesa entre ambos empregados e empregadores[81].

Na França o locaute é licito, conforme o Código do Trabalho Francês, sendo apenas observado seu abuso indevido, assim, os locautes que se estenderem por mais de três dias o Ministério do Trabalho Francês pode autorizar o pagamento dos subsídios dos empregados pelo empregador[82].

Na Espanha o locaute é previsto nas situações de perigo, mas segundo Ronald Amorim e Souza, é impossível uma avaliação naquele ordenamento dos reais riscos ao empregador, para ensejar o locaute, desta forma a jurisprudência Espanhola dificilmente admite a licitude do locaute apesar de sua disposição legal[83].  De outro lado, a Suécia admite ambos os movimentos, podendo os trabalhadores e empregadores recorrer a autotutela da greve e do locaute, mas existindo confederações de negociações em nível nacional para diminuir a pratica de tais institutos[84].

Em situação peculiar encontram-se os Estados Unidos, Inglaterra e Suíça, que de certo modo, não são totalmente adeptos destes meios de reivindicações. Assim, os americanos trabalham com um grupo de conciliação e mediação em nível federal, para solucionar os conflitos, apesar de ocorrem situações de greve, são tidas como ilícitas, não existe justiça do trabalho no ordenamento americano, onde as partes negociam livremente, apesar de ocorrem focos de greve é muito pequeno em relação aos ordenamentos comparados, ocorrendo em aproximadamente 5% dos casos[85].  

A Inglaterra garante amplamente o direito de Greve, apesar de atualmente existir fortes reivindicações no parlamento para limitar este direito[86]. Estas manifestações ocorrem em poucos casos, pois o governo adota uma política rigorosa de segurança no trabalho e as empresas buscam propiciar benefícios e incentivos aos seus empregados, além de treinamentos para afastar o desemprego, em situação parecida esta o Reino unido que detem de organismos de negociação coletiva para afastar a pratica da greve e do locaute[87]. Não esquecendo que a Inglaterra foi palco no passado de tragédias pelo excesso de proibição dos movimentos paredistas, onde no século XVIII o parlamento britânico criou lei que punia com pena de morte os movimentos grevistas, tendo neste desfecho inúmeros trabalhadores executados[88].

    Por fim, a Suíça não leciona explicitamente sobre o locaute, pois devido ao sistema em vigência no ordenamento Suíço, aonde os sindicatos trabalham com clausulas de paz em seus contratos coletivos, admitindo a greve só em ultimo caso, a jurisprudência trata da questão com proporcionalidade, examinando os interesses da empresa e dos empregados em conjunto com as clausulas de paz no trabalho[89]

5.1. Ocorrências de movimentos Grevistas e Locaute no Brasil

No Brasil relatos de movimentos grevistas e locautes, têm intensidade a partir do início do século XX, em meados de 1902, no Rio de Janeiro, conforme relata Sheldon Leslie Maram em sua Obra:

Em fins de 1902 a capital federal testemunhou sua primeira greve importante organizada e dirigida por um sindicato. Iniciou-se na Bordallo & Cia após a firma ter mandado prender uma delegação de trabalhadores que havia tido a audácia de reivindicar ao Sr. Bordallo o pagamento de uma quota por peça igual à que pagavam os demais fabricantes de sapatos [90].

Neste sentido, não se trata da primeira greve histórica no Brasil, mas de uma das primeiras organizações operarias com importância no território brasileiro, pois refletiu na primeira greve geral do Rio de Janeiro, onde profissionais de outras áreas da indústria aderiram ao movimento grevista, entre eles pintores, gráficos, chapeleiros e outros[91].

Ainda em 1907 ocorreram greves dos estivadores em Porto Alegre e na Bahia por parte dos trabalhadores da indústria têxtil[92], em 1908, movimentos grevistas ocorreram entre os trabalhadores da Companhia de Gás “Light” e os trabalhadores da Fabrica de tecidos Cruzeiros no Rio de Janeiro[93]. Neste mesmo ano, de forma incipiente observamos alguns traços do locaute, apesar de não acontecer de modo claro, capaz de ser classificado como locaute, mas com fortes traços, pois as empresas das docas de Santos no Rio de Janeiro, removeram centenas de trabalhadores das plantações de café, para manter as operações do Porto, enquanto o exercito e a policia intervinham no movimento grevista[94].

Em 1909, os movimentos grevistas na Companhia Industrial Confiança, no Rio de Janeiro, sucederam de fortes repressões entre a policia e os operários, conflitos onde se envolveram inclusive mulheres e crianças que trabalhavam na indústria[95]. Já em 1912, milhares de trabalhadores das fabricas de São Paulo entraram em greve por melhores salários devido ao alto custo de vida[96].

No período entre 1914 a 1916 as greves foram menos intensas, tratavam formalmente de pagamento de salários atrasados[97], em 1917, eclodiu-se a grande greve de São Paulo, a qual perdurou por aproximadamente um mês, entre junho e julho, ocorrendo tentativas frustradas das forças policiais e do exercito, na tentativa de controlar a situação, tendo como personagem Eloy Chaves, que na época secretario da justiça e da segurança publica tentou negociar diretamente com os trabalhadores, mas fracassou[98]. Ainda em 1917, ocorre o locaute na fábrica têxtil da família Crespi, como relata Luiz Werneck Vianna em sua esclarecedora obra:

Na fabrica têxtil da Família Crespi, unidade fabril com mais de 2 mil trabalhadores, os operários retrucam com pedido de 25% de aumento salarial à extensão da jornada de trabalho imposta pela empresa. Diante da negativa desta, 400 trabalhadores de uma secção da fábrica iniciam uma greve. Crespi responderá com igual violência através do lock out, procurando recorrer à solidariedade patronal para jugular a parede. Para isso, encomenda a empresas do interior a confecção de produtos a ele confiada[99].

Neste entendimento, esclarecedora é a lição do autor supramencionado, demonstrando a pratica do locaute no Brasil, apesar de poucos relatos históricos, ocorreram diversos locautes no curso da historia brasileira. Neste mesmo ano, o deputado Mauricio de Lacerda debatia no Congresso a tentativa de uma legislação social, inspirado na Encíclica Papal de Leão XIII, sem surtir efeitos, pois seus pares no Congresso não concordaram com o projeto[100].

Em 1919, eclodiu uma serie de greves como descreve Sheldon Leslie Maram, “O Brasil nunca havia presenciado uma onda tão grande de greves como a que varreu a nação em 1919” [101], neste momento da historia os sindicatos contavam com um fortalecimento, o que diferenciou estes movimentos dos anteriores, que eram organizados por imigrantes e operários na maioria dos casos. Em primeiro de maio de 1919, as greves continuaram em expansão, na capital federal, ocorreram ajuntamento de aproximadamente sessenta mil trabalhadores, também em São Paulo, vinte mil trabalhadores entraram em greve, apesar de controlada rapidamente pela policia[102].

No período entre 1920 a 1929, sucederam poucas greves, em comparação ao período anterior, em especial em São Paulo neste período ocorreram 50 greves em comparação a 66 greves entre os anos de 1915 e 1919, apesar de os estudiosos da época propor diversas respostas ao fenômeno, uma das melhores respostas é a de Luis Werneck Viana que segue:

A situação, de uma complexidade ate então inédita, se qualificaria de um lado pelo novo posicionamento do setor organizado da classe operária, que buscava introduzir-se na política e ganhar uma influencia “geral” sobre a sociedade, em particular sobre as demais classes subalternas. E de outro, pela ação do Estado, que, com seu estatuto liberal alternado, se constitui num rival temível, uma vez que no concreto pode – como pôde – resolver alguns problemas materiais da massa operária[103].

Neste sentido, os trabalhadores após longas greves, as quais não alteraram de forma complexa as legislações do trabalhador, optaram por enraizar seus pares na política, na busca de futuras alterações e, também, o Estado após a eclosão de diversas greves começou a atuar profundamente no ideário liberalista.

Passando para a década de 50, após uma grande expansão da indústria em nível global, onde no Brasil, o governo Vargas realizava importantes conquistas, como a criação da Petrobras em 1953 e do BNDES em 1952, se inicia novos movimentos grevistas em São Paulo março de 1953, os marítimos que contaram com a participação de aproximadamente 300 mil trabalhadores do setor têxtil reivindicavam um aumento salarial de 60% e rediscutir algumas leis trabalhistas[104].

Em 1957, após tentativas frustradas de negociação entre as categorias, iniciou novamente a greve, com o apoio do CIG (Comitê Intersindical de Greve), em 15 de outubro, atingindo 80% dos operários, reivindicando aumento salarial e extinção da lei antigreve, atingindo um numero de 400 mil participantes da greve, fato inédito ate o momento, encerando este momento da historia após o Tribunal Superior do Trabalho estabelecer um aumento de 18%, o que não deixou satisfeitos os grevistas, mas os sindicatos aderiram e decretaram o fim da greve[105], para não estender demasiadamente esta analise histórica, limitamos a estes movimentos dos anos 50, sabendo que ocorreram inúmeros atos grevistas e locautes após este período na historia do Brasil.

6. Conclusão

O desenvolvimento deste estudo possibilitou uma analise do locaute, instituto que é pouco compreendido devido à falta de estudos pormenorizados sobre este instituto[106], pois mesmos os paises que aderem a pratica do locaute não estudaram profundamente a matéria, alem disso, possibilitou uma pesquisa histórica das movimentações operarias ocorridas no curso da historia brasileira, desta forma justificando a vedação no ordenamento brasileiro.

Em síntese, ambos os institutos da greve e do locaute, delinearam importantes movimentações no mundo em geral. De um lado os trabalhadores reivindicando melhorias salariais e nas próprias condições de trabalho, de outro, os empregadores, utilizando o locaute para satisfazerem seus interesses, apesar de proibido em diversos paises, o mesmo é legalizado em outros, como meio de autotutela do empregador.

Sendo assim, justificada a sua impossibilidade, pois trata de ferramenta de retaliação e repressão ao direito de greve garantido constitucionalmente, agredindo também o principio da dignidade humana, principio vetor do ordenamento pátrio. Neste ponto, elucidativos são os relatos de Sheldon Leslie Maram, ao descrever a situação dos funcionários de uma fabrica no Rio de Janeiro, denominada Fábrica Cruzeiro, que impediu os operários de saírem da fabrica, para aderirem à greve, com ajuda dos seguranças e da policia local, ressaltando que havia dezenas de mulheres e crianças trabalhando neste local, aos quais foi vedado arbitrariamente o direito constitucional de locomoção[107].

Contudo, existem paises que dispõe sobre o locaute, dando legalidade a este instituto. Sendo em sua maioria legalizados com peculiaridade e requisitos específicos, para evitar o abuso por parte do empregador, como é o caso da França, que limita a pratica do locaute há três dias, após este decurso, torna-se ilegal a sua pratica.

Isto posto, podemos indagar que a dificuldade de obter um parâmetro seguro para a pratica do locaute no Brasil, fundamentou sua vedação, pois já é difícil o estado, sendo através do executivo ou do judiciário, estar em todos os locais para fiscalizar os movimentos grevistas, incluindo mais um instrumento de autodefesa como o locaute para o empresário tornaria impossível a fiscalização, refletindo em diversas violências a direitos constitucionais garantidos a todos os cidadãos pátrios.

Por fim, a pratica da greve é legislada pela lei 7.783/89, a qual deve permanecer vigente por longo período, devido aos fundamentos identificados alhures. Lembrando do excelente romance de Émile Zola “Germinal” que descreve a vida dos mineradores do norte da França em uma época sem qualquer legislação ao trabalhador. Assim, concluímos este trabalho com a certeza e esperança de que haverá o dia em que não precisaremos utilizar de instrumentos como a greve e o locaute, para alcançar nossos objetivos nesta vida.

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Sobre o autor
Fabio Cesar Orlandi

Acadêmico em Direito, cursando o 9º Semestre na Uniritter - Laureate International Universities - Campus Canoas/RS. Estudos direcionados ao Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Participante do Grupo de Estudos da Uniritter Laureate International Universities - Campus Canoas - Direitos Humanos: Entre Justiça Material e Justiça Procedimental - coordenado pelos professores Dr. João Paulo Kulczynski Forster e Dr. Mártin Perius Haeberlin

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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