Os tipos de filiação no ordenamento jurídico brasileiro

28/02/2017 às 19:22
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Trata-se dos tipos de filiação existentes no ordenamento jurídico e suas descrições.

 O instituto da Filiação no Brasil

Como visto no capítulo anterior o conceito de família sofreu transformações importantíssimas ao longo dos anos na medida em que as relações humanas evoluíam. O fator econômico não era mais o que unia as famílias, mas sim o afeto, este se sobrepondo ao patrimonialismo.

Neste capítulo serão abordados temas pertinentes à filiação que em decorrência da mudança do modelo familiar no Brasil precisou adaptar seu conceito e suas consequências jurídicas.

Evolução Histórica do Conceito de Filiação

Durante a vigência do Código Civil de 1916 só ele detinha o corpo de lei que disciplinava as regras de filiação e, portanto, fazia clara distinção entre filiação legítima e filiação ilegítima.

 Sendo que, o filho legítimo era aquele nascido da conjunção carnal de duas pessoas unidas pelo casamento, como disciplinava o Código de 1916 no art. 337: “São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado ou mesmo nulo, se contraiu de boa fé”. O filho concebido antes do casamento era ilegítimo até que se houvesse praticado os atos solenes do matrimonio.

 Já o filho ilegítimo eram aqueles havidos fora dos laços matrimoniais, ou seja, duas pessoas se uniram sexualmente, porém ambos não podem se casar por algum impedimento da lei ou por não expressarem vontade de fazê-lo, desse cenário é que surgiram as nomenclaturas de filho natural e espúrio. No caso dos filhos naturais, a lei determinava teriam direito a receber um quinhão destinado ao filho legítimo a título de herança.

Quanto aos filhos adulterinos, ou seja, aqueles nascidos da relação onde uma pessoa casada tem um filho com outra que não seja seu cônjuge e no caso dos filhos incestuosos nascidos de uma relação entre duas pessoas impedidas por lei de se relacionarem sexualmente, seja por impedimento civil ou natural (serem parentes) a esses filhos não eram conferidos direitos algum, pois a lei não os reconhecia.  

O filho ilegítimo era alvo de severas discriminações sociais uma vez que o mesmo poderia ter sido concebido por uma relação de adultério ou incesto. Em muitas sociedades a religião com sua mão de ferro obrigava que o pai abandonasse o seu filho não havido dentro do casamento mesmo que este quisesse.

No Código Civil de 16 era crime adulterar, pois após o casamento era imposto o dever de fidelidade. Porém, o maior prejudicado nesse contexto era o filho que não tinha culpa alguma das decisões tomadas por seus pais biológicos.

Nas palavras de Maria Berenice Dias sobre os filhos adulterinos (2007, p. 318): “Singelamente, a lei fazia de conta que ele não existia. Era punido pela postura do pai, que se liberava do ônus do poder familiar. E negar reconhecimento ao filho é excluí-lhe direitos, é punir quem não tem culpa, é brindar quem infringiu os ditamentos legais”

Como o adultério era crime o incesto também era e neste caso continua até os dias atuais. Assim, o filho havido de uma relação incestuosa, além de sofrer represália da sociedade também não tinha nenhum direito jurídico enquanto filho. Mais uma vez o filho pagava pelas condutas errantes de seus genitores.

Assim, apenas os filhos legítimos e os filhos naturais – estes quando fossem reconhecidos voluntariamente pelos pais, ou procedessem à investigação de paternidade/maternidade – poderiam manter relações jurídicas fundadas na parentalidade, ao passo que os filhos espúrios eram excluídos de qualquer proteção já que não poderiam sequer investigar a sua parentalidade. Os argumentos que se apresentavam para justificar a exclusão eram basicamente os mesmos: a necessidade de proteção da paz doméstica; a estabilidade dos casamentos; a tradição das famílias; a repressão aos escândalos que poderiam advir do estabelecimento dos vínculos de paternidade-maternidade-filiação (RAMOS, 2008, p.22).

Felizmente, com o advento da Constituição Federal de 1988 muitos dispositivos de lei foram revogados por não atenderem mais os princípios do novo Estado democrático de direito e por ferirem o princípio da dignidade humana.

Como preceitua o art. 227§6° da CF/88: “Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

A filiação, pois é fundada no fato da procriação, pelo qual se evidencia o estado de filho, indicativo do vínculo ou consanguíneo, firmado entre gerado e progenitores. É assim, a relação de parentesco entre os pais e os filhos, considerados na ordem ascensional, destes para os primeiros, do qual também procedem, em ordem inversa, os estados de pai (paternidade) e de mãe (maternidade) (SILVA, 1989).

A doutrinadora Maria Helena Diniz amplia o conceito de filiação como sendo:

Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo, ainda (CC, arts. 1.593 a 1.597 e 1.618 e s.), ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotivo ou advindo de inseminação artificial heteróloga. (DINIZ, 2006, p.436-437)

Não mais se leva em conta a condição dos genitores quanto às questões matrimoniais até porque o art. 1.565§2° e 226§7º da CF permite que o casal decida livremente sobre as questões referentes ao planejamento familiar. 

Para a especialista no assunto a doutrinadora Maria Berenice Dias

O reconhecimento da adoção de fato, de acordo com os princípios consagrados na CRFB e o mais moderno entendimento doutrinário, é de grande importância, na medida em que é valorizado o vínculo socioafetivo no melhor interesse da criança, relevando-se o caráter biológico e registral, com consequências, inclusive, na órbita atinente à obrigação de prestar alimentos. (DIAS, 2009, p.42)

A lei 8.560 de 1992 trouxe uma importante conquista na afirmação dos direitos de filiação. Como por exemplo, o art. 5° diz que é vedado fazer qualquer referência à filiação no registro de nascimento e ainda no art.6° caput e §1° o legislador diz que também é proibido constar na certidão que a concepção ocorreu de forma extraconjugal ou a natureza da filiação.

Todas essas mudanças refletem-se na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor trata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo etc. Tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial (DIAS, 2008, p.320).

Todos esses dispositivos visam efetivar a prevalência do princípio da igualdade e da dignidade humana, pois ninguém pode sofrer discriminação a respeito da matéria aja vista que perante a lei todos são iguais em direitos e obrigações.

 Das espécies de filiação no ordenamento jurídicos brasileiro

A seguir serão expostas algumas formas de filiação permitidas no Brasil decorrentes do vínculo biológico e do vínculo socioafetivo.

Como mesmo aduz o art. 1.593 do CC: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Como o direito é interpretativo tal texto de lei abre espaço para o entendimento que existem laços que se sobrepõe aos de sangue e, portanto, devem ser levados em consideração.

 Do reconhecimento voluntário dos filhos

No que tange ao reconhecimento dos filhos o Código Civil vigente explica que, o filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais em conjunto ou separadamente, ou seja, a lei deixa que as partes decidam individualmente (art. 1.607, CC).

O ato de reconhecer o filho é unilateral, bastando a sua vontade e será realizada por registro de nascimento, escritura pública ou particular, testamento e ainda por expressa autorização judicial é irrevogável, assim como expressa o art. 1.609, caput, do CC, só podendo ser questionado caso aja vício de vontade comprovado.

O reconhecimento voluntário se dá quando o pai, mãe ou ambos admitem por meio legal que existe um vínculo, não necessariamente sanguíneo, que os liga ao filho.

Tem legitimidade para anular o assento e desconstituir reconhecimento voluntário de paternidade não presumida todo aquele que tenha justo interesse em contestar a ação investigatória, ou seja, todas as pessoas afetadas direta ou indiretamente, tais como: o próprio filho reconhecido, a mãe, os filhos e pretensos irmãos, bem como aquele que se diz o verdadeiro pai, o pai biológico, e mesmo outros herdeiros. O Ministério Público figura entre os que têm legitimidade, por tratar-se de questão que diz respeito ao estado da pessoa (RAMOS, 2008, p. 31).

O estado constitutivo da posse do filho é requisito quando do reconhecimento e segundo Maria Berenice Dias (2010, p. 363): “São três os elementos que constituem a posse de estado de filho: o nome (nominativo), tratamento (tractatus) e fama (reputatio) ”.

Os atos também possuem algumas características como sendo: personalíssimo, pois só ao pai é conferido o direito de pratica-lo, o art. 1.608 do CC diz que a mãe só pode contestar o registro da maternidade quando comprovar a falsidade do termo ou declarações nele contidas.

Nos casos em que o genitor deseje reconhecer a paternidade não é necessário a outorga de terceiros, portanto é ato não receptício, e nem do filho incapaz, porem este pode impugnar o reconhecimento até quatro anos depois da maioridade ou emancipação (art. 1.614, CC), quanto ao filho maior este precisa concordar que seja reconhecido judicialmente.

Existem também os casos em que a pessoa reconhece como seu o filho de sua companheira e nesses casos não existe o vínculo biológico. A lei reconhece que desse ato unilateral nasce efeitos jurídicos do pai para com o filho mesmo que teoricamente o ato seja ilegal uma vez que não se pode registrar uma pessoa como seu filho fosse sem que aja vínculo biológico ou por adoção jurídica.

Porém, o companheiro muita das vezes querendo agradar a sua companheira procede ao registro, mas o problema reside quando resolvem pôr fim a relação conjugal. A lei felizmente entende que a pessoa adotada pelo marido da companheira não pode ficar desamparada e no ato do registro configurou-se o estado de posse do filho.

O Tribunal do Distrito Federal entendeu que,

EMENTA: CIVIL. PROCESSO CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO. AUSÊNCIA DE VINCULO GENÉTICO. RECONHECIMENTO DO ERRO. PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA CARACTERIZADA AO LONGO DE VÁRIOS ANOS. PREVALÊNCIA. 1. Se a paternidade sócio-afetiva está claramente caracterizada, afasta-se a possibilidade de desconstituição do registro de nascimento da ré, principalmente porque, mesmo sabendo que não era o pai biológico, o autor manteve com a ré um relacionamento de pai e filha, pautado pelo carinho e respeito, ao longo de vários anos. 2. Os eventuais abalos sofridos pela paternidade, em razão do desgaste da relação havida entre o autor e a mãe da ré não podem predominar sobre a relação de afeto construída ao longo de anos de convivência, e nem sobre o direito da ré de manter o nome, em seus registros, daquele que a criou e que reconhece como seu pai. 3. Recurso não provido (TJ-DF, APC n. 20130110233169, Rel. Cruz Macedo, DJE 28/04/2015).

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Explica Maria Berenice Dias (2007, p.436): “Inquestionável a vontade do pai registral em assumir a paternidade, não podendo ser aceito arrependimento posterior. Imperativo prestigiar a posse de estado de filho de que desfruta o registrado, na medida em que se configurou a filiação socioafetiva”.

A adoção é irreversível, como preconiza o ECA, portanto, se o adotante não consegue demonstrar juridicamente que no ato da adoção o mesmo foi coagido ou induzido a erro, o registro não pode ser alterado e as demais obrigações paternas continuam.

Da investigação de paternidade

A Súmula 149 do STF diz que a ação de investigação de paternidade é imprescritível, portanto, a qualquer tempo o interessado pode propor a ação e no caso o marido é o detentor legítimo da ação, conforme art. 1.601 do CC.

O cenário da ação é composto de um lado pelo filho que deseja provar a paternidade e de outro o investigado tentando provar que entre ele e o investigando não existe qualquer vínculo biológico e quando proferida a sentença o magistrado pode ou não declarar a paternidade.

Durante o processo serão coletadas provas documentais e também testemunhais que colaborarão para o convencimento do juiz. A lei 12.004 de 2009 regulamente a ação e diz:

Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.

Parágrafo único.  A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

O art. 27 do ECA preconiza que, é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível o reconhecimento do estado de filiação, ou seja, a mãe não pode privar o filho de saber quem é seu pai biológico.

Muitas crianças se sentem menosprezadas por não saberem quem são seus pais e muitas delas enfrentam situações constrangedoras no meio social em que vivem principalmente nas escolas. Entendendo toda essa situação, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou um projeto de lei que alterou a Lei 8.560/92 e que não permite mais que os cartórios averbem os registros de nascimento sem o nome do genitor.

Ter uma identidade reconhecida é direito de todo o ser humano, assim:

Visando reverter esta realidade o Conselho Nacional de Justiça – CNJ instituiu o “Programa Pai Presente”, por meio do Provimento 12/2010, determinando às Corregedorias de Justiça dos Tribunais de todos os Estados que encaminhem aos juízes os nomes dos alunos matriculados sem o nome do pai, para que deem início ao procedimento de averiguação da paternidade (DIAS, 2012, p.03).

Os cartórios começaram a fazer um trabalho nas escolas a fim de regularizar as certidões dos menores e, então entram em contato com as mães para obter informações do suposto pai.

O art. 2° da referida lei diz: “Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação”.

O §1° do ar. 2° da lei analisada fala que: “O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independentemente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída” e caso o suposto pai não comparecer à audiência ou negar a paternidade o Ministério Público inicia o processo de investigação de paternidade.

Porque ter um sobrenome faz parte da identidade da pessoa e se a criança ou adolescente está sendo privada disto está sofrendo forte violação da dignidade da pessoa humana e por isso tal questão precisa ser sanada.

Com o avanço de a ciência investigar a paternidade se tornou muito fácil através dos exames de DNA, pois a exatidão do resultado diminuiu em quase zero as chances de constituir uma paternidade mediante erro.

Já vai longe o tempo em que a perícia hematológica só tinha caráter absoluto quando excluía a paternidade, não servindo como prova concludente quando incluía o investigando no rol dos milhares de possíveis pais. Com o progresso científico e a invenção do teste de DNA (ácido desoxirribonucléico), a paternidade pode ser determinada com absoluta certeza, tornando-se obsoletos, como observa Zeno Veloso, todos os métodos científicos até então empregados para estabelecer a filiação. A comparação genética através do DNA é tão esclarecedora e conclusiva quanto as impressões digitais que se obtêm na datiloscopia, daí afirma-se que o DNA é uma impressão digital genética (GONÇALVES, 2006).

Em inúmeros casos a investigação da paternidade é proposta em nome do investigando (no caso o filho), mas a maioria é menor de idade e, portanto, precisam estar representados pela genitora que acaba sendo naquele momento a maior interessada. Ocorre que o afeto não vem necessariamente junto com o fator genético e o filho acaba por sofrer rejeições.

Aos poucos, o exame de DNA ganhou notável prestígio na comprovação da filiação, tendo o condão de afastar outras diligências que pudessem contrariá-lo [...]. Constata-se, sob a vertente de ótica de autoridade do DNA, que a verdade biológica passou a dominar o parâmetro para o reconhecimento da filiação como realidade indiscutível (GOMES, 2008, 29-30). 

O Código Civil no art. 1.597 enumera as hipóteses da chamada presunção “pater is est”:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

 II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

 III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

No caso da morte do marido a lei estabelece que a viúva só possa se casar depois de decorridos 10 meses do começo da viuvez ou da separação judicial, justamente para que não aja dúvida quanto à paternidade caso a mesma volte a engravidar, porem se a mulher provar o nascimento do filho antes do novo casamento ou ainda provar a inexistência da gravidez durante a fluência do prazo fica liberado por lei para contrair novo matrimonio (art. 1.523, parágrafo único).

 A adoção no ordenamento jurídico brasileiro

Sabe-se que a filiação nem sempre resulta da união sexual, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil reconhece a filiação sociológica ou também chamada adoção: “A adoção corresponde ao ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim”.  (RAMOS, 2008, p.24).

Pelo princípio da isonomia o art. 227, §6 da CF estabeleceu que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Houve um tempo principalmente durante o Período Romano que a adoção decorria única e exclusivamente da vontade de quem o fazia sem atentar ao melhor interesse do adotado. Hoje a adoção tem caráter de natureza jurídicos sendo necessários vários passos até que se consiga adotar uma criança.

Assim, o art. 41 do ECA dispõe que “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”. E como disciplinado pelo mesmo Estatuto, a adoção é medida excepcional e irrevogável e devem ocorrer depois de esgotadas todas as tentativas de manter a criança e/ou adolescente em sua família de origem.

Quando da adoção cria-se um vínculo de amor pelo o adotando que transcende os laços de consanguinidade. Portanto, aquele que optar por adotar deve estar movido única e exclusivamente pela solidariedade em ajudar alguém que necessita de um lar.

 Como disciplina o art. 43 do ECA:  “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. Qualquer outro motivo que não este deve ser repudiado.

Nas palavras do doutrinador Sérgio Gischkow Pereira:

A adoção faz-se baseada em laços afetivos poderosos e insere o adotando na vida familiar, integrando-o plenamente. Significa a demonstração pensada a consciência do amor. Quantas vezes o filho biológico, infelizmente, não é desejado (que o diga o enorme número de abortos). É problema que não se dá no referente ao adotivo. Quantos parentes, mesmo nos graus mais próximos, mantêm distância e nutrem ódios recíprocos. Não é o vínculo consanguíneo, por si só, que deve ser levado em conta, mas a realidade da afeição, da convivência, da assistência, da amizade, da simpatia e da empatia. (PEREIRA, 2004, p.53)  

Mas, o Estado deve tomar todo o cuidado quando se tratar de adoção. Sabe-se dos riscos que uma criança ou adolescente pode correr se inserido em um seio familiar que não esteja realmente interessado em criar laços de afeto.

Tamanha a gravidade que existe um artigo constitucional que confere a obrigação do Estado nessas questões: Art. 227, §5°, CF - “A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros”. Quando não observada de perto pode ocorrer o que a doutrina chama de adoção à brasileira.

Da adoção à brasileira

Nome popularmente conhecido daqueles que trabalham de perto com o instituto da adoção e que constitui o chamado “jeitinho brasileiro”. Algumas pessoas não entendem e não querem esperar todo o tramite processual exigido por lei para a adoção de uma criança ou adolescente. Muitos os casos que o desejo de ter um filho é tão grande que os futuros pais e mães acabam por praticar uma conduta delituosa.

Assim, o art. 242 do Código Penal traz o seguinte texto:

Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Mas, o que os doutrinadores do assunto e também muitos Tribunais começaram a entender e a defender é que por traz desta conduta delituosa existe um sentimento de afetividade muito maior e que não oferece risco ao adotado uma vez que o requisito da filiação socioafetiva é justamente o sentimento de afeto, amor ao próximo que está adentrando ao seio familiar.

A severidade da norma penal choca-se tão frontalmente com os relevantes motivos sociais que acompanham imemorialmente atos dessa natureza, que os sentimentos do homem médio comum, dos quais não se pode excepcionar o juiz, que, com raras exceções, são unânimes a doutrina e a jurisprudência em diligenciar meios e pretextos para contornar o texto álgido da lei a fim de não cominar pena alguma, alguns, entre esses milhares de casos que anualmente ocorrem, chegam, por qualquer circunstância às barras dos tribunais. Ninguém resiste à verdadeira coação de ordem moral decorrente do alto valor espiritual e humano que inspiram tais gestos (CHAVES, 1995, p. 38).

Assim, muitos pedem para que o art. 242 seja descaracterizado e comece a reconhecer o vínculo socioafetivo que existe na adoção à brasileira. Felizmente muitos Tribunais têm entendido dessa forma, mas vale ressaltar, devem ser analisados caso a caso.

 Dos filhos de criação

Tal instituto é bastante conhecido por todos por ser uma prática comum em muitos lares brasileiros, porem poucos sabem dos efeitos jurídicos que a adoção de fato gera.

O filho de criação é aquele que adentra aos lares de uma determinada família a convite destes e passa a viver ali como se fizesse realmente parte do núcleo família. A essência que o iguala aos filhos biológicos da casa é o afeto, mesmo que esse sentimento seja nutrido só pelo pai ou só pela mãe.

Diferentemente da adoção à brasileira ou do reconhecimento voluntário nestes casos não existe nenhum ato formal que regularize tal situação. A pessoa só se deixa viver dentro daquele lar, porém não chega a ser registrado por nenhum dos “pais”, mas a situação corriqueira de afeto é que regulariza a situação.

O reconhecimento da adoção de fato, de acordo com os princípios consagrados na CRFB e o mais moderno entendimento doutrinário, é de grande importância, na medida em que é valorizado o vínculo socioafetivo no melhor interesse da criança, relevando-se o caráter biológico e registral, com consequências, inclusive, na órbita atinente à obrigação de prestar alimentos. (NETO, 2008, p. 43)

Antes de o ordenamento jurídico permitir a adoção por casais homossexuais era comum que estes vivendo em uma união estável optassem por adotar uma criança, assim um deles registrava a criança como sua, porem o outro a tratava como se filho legítimo fosse.

Das reproduções artificiais

Com o avanço da medicina tornou-se possível conceber um filho por meio da inseminação artificial homólogo ou heteróloga, fertilização in vitro ou na proveta.

A inseminação homóloga (CC 1.597, III) pressupõe que a mulher seja casada ou mantenha união estável e que o semêm provenha do marido ou companheiro. É utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por várias etiologias (problemas endócrinos, impotência, vaginismo, etc.). A inseminação heteróloga (CC 1.597, IV) é aquela cujo semêm é de um doador que não é o marido ou companheiro. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido, incompatibilidade do fator Rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido etc. Com frequência, recorre-se aos bancos de esperma, nos quais, em tese, os doadores não são e não devem ser conhecidos. Destaca-se que se a inseminação heteróloga deu-se sem o consentimento do marido, este pode impugnar a paternidade. Se a inseminação deu-se com seu consentimento, há que se entender que não poderá impugnar a paternidade que assumiu (CC 1.597, V) (RAMOS, 2008, p. 27).

A questão polemica se instaura nos casos de inseminação heteróloga. O doador que vai até um banco de esperma não tem vontade alguma de ser pai, mas sua função é simplesmente de ajudar uma mulher que por problemas de infertilidade não consegue engravidar pelo método natural.

A Resolução do Conselho Federal de Medicina ditou algumas regras e dentre elas aquela de que os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e assim vice-versa, e, portanto, nestes casos, a genitora não pode posteriormente ingressar com uma ação de investigação de paternidade, pois caso isso fosse possível o doador teria inúmeros filhos espalhados pelo mundo.

Por isso a importância do consentimento do marido daquela que receberá o sêmen de terceiro, pois ele será a figura do pai socioafetivo e a ele caberá as funções inerentes aos pais.

Logo, se a figura paterna deseja contestar a filiação o mesmo deve produzir as provas necessárias para tanto, conforme art. 1.601 do CC. Porém, tal ação requer total cuidado do Estado e do órgão julgador, pois o filho não tem culpa da indecisão dos pais quanto à filiação.

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