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A concepção de Direito no juspositivismo, no jusalternativismo e nas diferentes escolas jusnaturalistas

31/08/2004 às 00:00
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Debatem os juristas, há anos, em disputas aparentemente intermináveis, sobre a natureza do Direito. Salientam alguns, a partir das idéias renascentistas, que o único verdadeiramente jurídico é o Direito posto, aquele declarado tal por um comando positivo da autoridade – mormente o Estado –, sentença que se disseminou sobretudo no liberalismo da Ilustração. Outros firmam tese de que o Direito positivado deve subordinar-se a um Direito preexistente, a um sistema legislativo próprio da natureza do homem e do mundo. Por fim, nos últimos tempos levantam-se críticos de ambas as linhas, os quais postulam que tanto a lei positiva quanto a lei natural – para os que a admitem – devem basear-se em critérios sociais a serviço de uma terceira interpretação. Reúnem-se na chamada Escola do Direito Alternativo.

É o fim deste curto estudo desenvolver um pouco os traços gerais das três escolas, tecendo nossas opiniões, à guisa de contribuição à sadia discussão doutrinária.

Chamamos juspositivismo o posicionamento dos que só admitem um Direito posto, ignorando o Direito Natural e, por vezes, negando sua existência.[i] Noutros termos, os juspositivistas pensam e agem, ainda que nem sempre explicitamente, como se a lei dada pelo Estado criasse a verdade: está na lei, cumpra-se! Segundo João Baptista Herkenhoff, prócere das teses alternativistas, o juspositivismo "reduz o Direito a um papel mantenedor da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço da defesa da lei e dos valores e interesses que guarda e legitima, numa fortaleza inexpugnável." [ii] Para esse autor – que resume a teoria juspositivista com maestria, embora dele discordemos completamente por sua conhecida ideologia e posicionamentos doutrinários –, isso é o positivismo: se o Estado cria uma lei, cria uma verdade. E como tal, essa verdade deve ser defendida até que outra verdade – muitas vezes oposta! – tome seu lugar, em nova atividade legislativa estatal. Nisso reside a essência do contra-senso juspositivista, e os exageros kelsenianos, autêntico produto da filosofia liberal do século XVIII.[iii]

Por sua vez, jusnaturalistas são os que, aceitando a legitimidade do Estado em impôr leis, defendem a existência de leis preexistentes e naturalmente válidas e imutáveis, às quais deve submeter-se o sistema positivo. Ao contrário dos juspositivistas, que geralmente negam ou combatem o Direito Natural ou, pelo menos, rejeitam-lhe o rótulo de juridicidade, os adeptos do jusnaturalismo sustentam a validade, a eficácia e a própria necessidade do Estado exercer sua tarefa legislativa; se os primeiros só entendem como jurídica – no máximo – a norma positiva, os segundos são pelas duas, positiva e natural, com evidente subordinação daquela a esta. Conferem ampla liberdade para o Estado legislar nas matérias que lhe são próprias, desde que a ação legiferante respeite o Direito Natural e com ele não conflite. Até mesmo é recomendável, dizem os jusnaturalistas, que em certas matérias o Direito Positivo explicite o Direito Natural. Torna-se, de fato, a lei natural[iv] suporte da positiva, auxiliar em sua exegese, critério para a validade da norma estatal, a qual é tida por ancilla legis naturalis.

Jusalternativismo, enfim, corresponde à contemporânea teoria dos que criticam ambas as precedentes. Parte da dialética, preconizada por Hegel e aperfeiçoada por Marx, de que a História se move por constantes conflitos entre tese e antítese, formando uma síntese, que logo será tida por tese a ser novamente combatida por uma antítese, gerando outra síntese. Nessa perspectiva, há claro maniqueísmo na filosofia dialética[v] e profundo materialismo, disfarçado, n’alguns casos, de humanismo. Desejam os teóricos jusalternativistas pensar o Direito livre de qualquer lei absoluta, seja a dada pelo Estado – eis que, concordando com os jusnaturalistas, afirmam que a lei não tem o condão de criar a verdade –, seja alguma preexistente e natural – porque, e nisso está o enorme erro alternativista, sempre as tais leis naturais terão conceituação dogmática, e os dogmas, para eles, por serem uma tese, devem e serão atacados pela antítese. Preconizam que o autêntico Direito é o que move a antítese contra a tese, no que a atividade do jurista deve tender à revolução, para estar ao lado do oprimido – até porque, sustentam, a lei é feita para os poderosos (tese), e não para os "excluídos" (antítese). Fácil notar o caráter ideológico desta escola, que em vez da justiça almeja o igualitarismo e usar o Direito como ferramenta de transformação social, para a demonstração de que "um novo mundo é possível."[vi]

O juspositivismo e o Direito Alternativo, embora se confrontem, partem do mesmo pressuposto liberal: a verdade é relativa e, portanto, mutável. Para os seguidores do primeiro, tal verdade, vimos, é construída pela lei, emanada da função legislativa do Estado; o que a norma positiva disser, é ou torna-se verdade, pois a lei tem esse poder.[vii] Para os alternativistas, contudo, que muito criticam o positivismo, isso é absurdo, uma vez que a lei por si só pode estar afastada da realidade; o que deve construir a verdade, então, é a condição social, a análise da sociedade: distribui-se justiça na luta pela igualdade nos acidentes. Revitalizam os membros da Escola do Direito Alternativo as máximas da filosofia positivista de Comte – que nada tem a ver com o positivismo jurídico –, reconstruída ou reinterpretada à luz de Durkein, Webber e, sobremaneira, Marx e Gramsci. De qualquer modo, está presente, também neste, a idéia de mutabilidade da verdade, se não pela lei, pelo conflito dialético. A verdade muda conforme os interesses dos oprimidos, de modo a adaptar-se segundo sua busca pelo igualitarismo.

Criticam os defensores do alternativismo o sistema juspositivista por ser este último dogmático, já o dissemos. Ora, não é esse o erro do juspositivismo. Não há nada de mal nos dogmas. O problema é que o juspositivismo dogmatiza aquilo que não é objeto de dogma, que é impossível de ser dogma, dando essa condição a algo que dela é naturalmente desprovido. Sua noção de dogma, outrossim, é bastante confusa e equivocada, uma vez que, se a lei posterior revoga postulados anteriores, já uma mudança dogmática. Se o dogma é a definição e a explicitação da verdade, condicionada a uma fórmula perfeita, e se a lei é que o constrói, segundo os juspositivistas, a própria verdade muda com o advento de nova lei? Como admitir uma verdade mutável? A verdade deixa de ser verdade e passa a ser mentira? Não é próprio da verdade ser imutável e, por isso mesmo, atestar a perenidade de sua natureza?

Essa mesma mutabilidade é a matriz de seu rival, o jusalternativismo. Apenas o paradigma de elaboração da verdade é que o difere do aceito no juspositivismo. Porém, sua insistência na relativização da verdade é a mesma, adaptável às circunstâncias. Podemos resumir: se para o juspositivismo, a verdade é absoluta até que nova lei a modifique – logo, é relativa –, o alternativismo diz que a verdade é relativa – pois as condições sociais é que permitem sua aferição. Tem o mérito, ao menos, o jusalternativismo, de ser honesto ao admitir a relativização da verdade – se bem que nos perguntemos que tipo de mérito há em reconhecer um erro e nele persistir –, ao passo em que juspositivismo também a aceita somente diluindo-a sob um falso conceito de "dogma mutável" – expressão ilógica, absurda.

Quando o alternativismo jurídico aponta que a verdade não é criada pela lei, ele está certo em sua crítica ao juspositivismo. Prega a necessidade imperativa da verdade corresponder à realidade. Todavia, estamos novamente diante de um sofisma, eis que noção de realidade dos alternativistas é fortemente contaminada pela ideologia.[viii] Assim, o que o Direito Alternativo chama "realidade" é, isso sim, uma idéia, que inúmeras vezes com a própria realidade contrasta. E, se a idéia foge da realidade – mesmo que àquela os jusalternativistas chamem pelo nome desta –, a verdade está também comprometida.

Os dois sistemas são filhos da Renascença[ix], que tomou impulso em seu falso humanismo, terrivelmente antropocêntrico, com as idéias liberais universalizadas após a Revolução Francesa de 1789. Correto é afirmar que o humanismo renascentista e a filosofia liberal iluminista constituíram duas etapas do mesmo processo revolucionário[x], o qual, temendo a realidade – que contrariava os interesses egoístas de muitos –, a distorceu para implantar a ideologia. Daí, o Terror da era das guilhotinas, a fúria de Napoleão, as lutas fratricidas pelas unificações nacionais – a união necessária entre Estado e Nação é produto do liberalismo –, o pan-eslavismo da Sérvia e dos czares ocidentalizados, o pan-germanismo de Kaiser e de Bismark, a substituição da Civilização Cristã pela modernidade e o culto ingenuamente otimista no progresso, o contratualismo romântico de Rousseau, o socialismo utópico de Proudhon, sua versão pseudo-científica marxista, o ódio de Lênin e Stálin, o racismo político e doutrinário de Hitler, a adoração fascista pelo Estado, os defensores de pretensos "direitos" dos animais, o pensamento politicamente correto, todas as espécies de igualitarismos e totalitarismos[xi], a liberdade do erro, os movimentos pró-aborto, as gnoses dos conservadores e falsamente aristocráticos, as reações esquerdistas, um democratismo irracional etc.

Apresenta-se, nesse ponto, uma tentativa de resgatar o Direito Natural, como guia, inspirador e moderador da lei positiva. Igualmente criticado pelo jusalternativismo, a este só responderemos se pudermos minar seu sistema hermeticamente fechado, o que foge ao escopo do artigo. Talvez sob os escombros do que resta de civilização, reconheçamos a existência, validade, licitude e eficácia de postulados jusnaturalistas. Vestígios do apreço pelo Direito Natural encontramos no Código Civil da Áustria – nação que, mesmo sofrendo a imposição externa de perder sua tradicional Casa Imperial, os Habsburgo, símbolos do passado católico e combativo, continua baluarte de um sadio conservadorismo, sem afetação –, que dispõe, em tradução do erudito e justamente celebrado Carlos Maximiliano:[xii]

Art. 7º - Quando o caso não puder ser decidido de acordo com a letra do texto, nem com o espírito da lei, atender-se-á às prescrições análogas contidas claramente nas leis, bem como aos princípios aplicáveis a disposições relativas a assuntos semelhantes.

Se o caso permanecer ainda duvidoso, decidir-se-á, depois de coligir e apreciar cuidadosamente todas as circunstâncias envolventes, de acordo com os princípios da justiça natural.(grifos nossos)

Em que pese ser o comando legal austríaco reconhecimento do Direito Natural meramente como subsidiário do Positivo, como supridor de lacunas, já é um passo no universo juspositivista, contra o qual alguns querem ver combater somente o Direito Alternativo. E é só na Escola Jusnaturalista Clássica, de contornos escolásticos, principalmente tomistas, que encontraremos Direito real, não criando verdades, mas explicitando-as pela atividade positiva do Estado, ou respeitando-as quando as leis a elas não se referirem. Nesse diapasão, o ensino de Santo Tomás de Aquino: "A legislação humana não goza de caráter de lei senão na medida em que se conforma à justa razão; de onde se vê que ela recebe seu vigor da lei eterna. Na medida em que ela se afastasse da razão, seria necessário declará-la injusta, pois não se realizaria a noção de lei; seria antes uma forma de violência." [xiii] Para o Direito Alternativo, também, as leis positivas podem ser injustas. Entretanto, o critério para análise da injustiça é outro: no jusalternativismo é a dialética, a condição social, a percepção do que chamam de realidade, mas que, em verdade, é sua idéia, ideologia; no jusnaturalismo, o que torna uma lei positiva injusta é sua inadequação à verdadeira realidade, sua contraposição à razão, à natureza das coisas, à lei eterna e natural.

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Se mencionamos jusnaturalismo clássico, é porque outras tendências existem. E tais são, como o juspositivismo e o jusalternativismo, escolas de índole liberal. Prende-se, por exemplo, o jusnaturalismo racionalista[xiv] a valores puramente humanos, definindo a razão sem conexão alguma com valores eternos[xv], materializando a natureza de modo a que se aproximem seus pressupostos de certas nuances já encontradas no positivismo jurídico e na Escola do Direito Alternativo.

De outra sorte, o jusnaturalismo afirmado pela Teoria do Direito Natural de Conteúdo Variável ou Progressivo, por aderir ao refutado conceito de "dogma mutável", peca por seu historicismo que, igualmente, aproxima tal vertente daquelas duas escolas que ao jusnaturalismo se opõem. O liberalismo presente nessas duas correntes jusnaturalistas – uma que vê o Direito Natural simplesmente ligado a uma distorção do humanismo, como se a lei preexistente fosse criação do homem, o que redundaria numa espécie de lei positiva primitiva; outra que concebe a lei natural como um dado mutável – nos permite concluir que só aparentemente rompem com o juspositivismo, eis que sua matriz filosófica é racionalista, o que as aproxima também do jusalternativismo.[xvi] Há dogmatismo no jusnaturalismo racionalista e no jusnaturalismo de conteúdo variável, mas ou dogmatizou o que não pode ser objeto de dogma, ou entendem dogma desprovido de seu elemento substancial, a imutabilidade, a vinculação com a verdade, naturalmente imutável, explicitada por ele.

Fecha-se a questão no jusnaturalismo clássico, jusnaturalismo escolástico. Se a natureza pede a existência da verdade, se esta é, por definição a pela análise lógica da realidade, imutável, e se o dogma é exatamente a explicitação da verdade em uma forma essencial e acidentalmente perfeita, impossível ele ser como o entendem o juspositivismo e as outras duas escolas jusnaturalistas liberais. O juspositivismo e o jusnaturalismo de conteúdo variável pensam em "dogma mutável", seja pela ação legislativa, no primeiro caso, seja pelo decurso histórico, no segundo – o que o torna semelhante ao jusalternativismo, por sua visão cripto-dialética ou protodialética. Já o jusnaturalismo racionalista vê como dogma o que não é verdade, ou, quando aceita verdadeiro dogma, admite, em tese, sua mutabilidade, pois valores humanos podem sofrer alterações em sociedades diferentes. Admitindo a existência de dogmas, o que afasta as pretensões jusalternativistas, não podemos admiti-los como o querem o juspositivismo e os jusnaturalismos liberais, sob pena de não serem legítimos dogmas, mas falsificações. Desse modo, havendo dogma, e, como tal, imutável como a verdade por ele explicitada, só o teremos realmente se referido a valores eternos, restando única condizente com a realidade a teoria escolástica, o jusnaturalismo tomista, clássico, que repousa suas origens em Aristóteles. Conclui-se que a verdadeira lei natural é imutável.[xvii]

Encontraremos a verdade, matéria de um autêntico Direito Natural, nos valores eternos, geradores não só da norma jurídica válida – natural ou positiva sem conflito com aquela –, mas da norma moral. "O que não corresponde à verdade e à norma moral não tem direito algum, nem à existência, nem à propaganda, nem à ação." [xviii]

Entre Santo Tomás e Kelsen, ou Santo Tomás e Hegel ou Marx, ou ainda entre Santo Tomás e Voltaire, o Aquinate sai-se melhor. Aliamo-nos ao zelo pela ordem e pelo respeito à lei que têm os positivistas, mas submetendo a norma estatal à natural; e à crítica que fazem os alternativistas ao juspositivismo por sua idolatria do Direito posto. A proposta alternativa, todavia, não consegue corrigir os erros daquele, pois são "irmãos", e, em sua tese, compila os mesmos conceitos errôneos que ataca, sob nova roupagem e com outro viés.

Não mera hipótese, mas tese comprovada pelas evidências, o jusnaturalismo clássico é motor de uma sociedade verdadeiramente justa, inimiga das misérias humanas, promotora do bem comum, valorizadora do autêntico papel do Estado – nem mínimo como liberal, nem intervencionista como o totalitário –, incentivador das circunstâncias e características harmonicamente desiguais. Fundada em valores imutáveis e eternos, tal sociedade colocará a lei positiva a serviço da natureza, dela nunca discordando, mas aperfeiçoando-a, explicitando-a, ou legislando livremente nos campos pelo Direito preexistente não compreendidos ou vedados.

A norma de Direito Natural "fornece os fundamentos sólidos sobre os quais pode o homem construir o edifício das regras morais que orientarão suas opções. Ela assenta igualmente a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens. Proporciona, enfim, a base necessária à lei civil que se relaciona com ela, seja por uma reflexão que tira as conclusões de seus princípios, seja por adições de natureza positiva e jurídica." [xix]


Notas

[i] Fábio Ulhoa Coelho sintetiza esse entendimento, originada da filosofia jurídica de Hans Kelsen, considerado pai do moderno positivismo jurídico: "O cientista do direito deve-se ocupar exclusivamente da norma posta. Os fatores interferentes na produção da norma, bem como os valores que nela se encerram são rigorosamente estranhos ao objeto da ciência jurídica." ("Para entender Kelsen", São Paulo: Max Limonad, 1999, 3ª ed., p. 22)

[ii] "Para onde vai o Direito? Reflexões sobre o papel do Direito e do jurista", Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 16

[iii] O liberalismo enfatizou a liberdade individual até no que não deveria, mas deu ao Estado poderes maiores e mais perigosos dos que aqueles existentes no Estado absoluto que combateu – mais perigosos porque velados, mascarados com a idéia de bem comum, que nada mais é do que o definido pelo próprio Estado. Não é à toa que os totalitarismos do século XX, nazi-fascismo e socialo-comunismo, sejam cria do liberalismo, e este filho do absolutismo esclarecido e do pseudo-humanismo renascentista.

[iv] Sobre o conceito de lei natural: "Onde é, então, que se acham inscritas essas regras, senão no livro desta luz que se chama a verdade? Aí está toda a lei justa, dali ela passa para o coração do homem que cumpre a justiça, não que emigre para ele, mas sim deixando aí a sua marca, à maneira de um sinete que de um anel passa para a cera, mas sem deixar o anel." (Santo Agostinho. De Trin., 14,15,21) E também: "A lei natural outra coisa não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus. Por ela, conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar." (Santo Tomás de Aquino. Decem praec., 1) Se bem que ambos fossem filósofos com amplos conhecimentos jurídicos, citemos um terceiro pensador, desta vez fora do círculo cristão, amado por todos os cultores do latim, que o identificam como a sua língua: "Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme à natureza, difundida em todos os homens, ela é imutável e eterna; suas ordens chamam ao dever; suas proibições afastam do pecado. (...) É um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária; é proibido não aplicar uma de suas disposições; quanto a ab-rogá-la inteiramente, ninguém tem a possibilidade de fazê-lo." (Cícero. Rep., 3,22,33) Por esses pensamentos, já concluímos o caráter absoluto da lei natural e sua substância, a vinculação a um valor perene e imutável, o que refuta tanto a tese juspositivista quanto as aspirações da Escola do Direito Alternativo, e ainda certas deturpações de correntes jusnaturalistas de feitio liberal e racionalista, como veremos mais adiante.

[v] Para Hegel, mentor da filosofia dialética, o Direito não é, faz-se.

[vi] Qualquer semelhança não é mera coincidência.

[vii] Não é por outra razão que os primeiros apoiadores do liberalismo tenham sido os monarcas absolutistas, os "déspotas esclarecidos". A Revolução Francesa apenas usou o absolutismo como pretexto de sua fúria – até porque a mesma filosofia que a conduziu, o Iluminismo, foi a geradora do Estado absoluto. O grande inimigo do liberalismo foi o Estado feudal, destruído pelo absoluto, mas cujos benéficos traços ainda existiam: os liberais precisavam destruir a Cristandade, e por isso substituíram-na pelos reis absolutos, num primeiro seus títeres, logo seus inimigos, identificados cinicamente, na legenda negra, como medievais, ainda que em nada houvesse semelhança entre uma monarquia absoluta e uma medieval.

[viii] Ideologia é a insubmissão da idéia à realidade. Ao real deve corresponder a idéia, e nisso verifica-se a verdade. Quando uma idéia não corresponde nem se submete à realidade, "forçando as coisas", como se diz, estamos diante de uma ideologia.

[ix] Entre os males da Renascença: volta da escravidão, instituto desconhecido na Idade Média; paganismo; erotização da arte e mesmo entre os clérigos – muitas vezes, o próprio Vaticano renascentista foi palco de escândalos de luxúria –; culto à riqueza; os fundamentos do mercantilismo e da falsa noção de liberdade; relativismo ético; absolutismo etc. Tudo isso como resultado do resgate dos valores greco-romanos... Valores esses que nunca precisariam ser resgatados, eis que a Igreja e a Civilização Ocidental sempre o preservaram: Direito Romano, filosofia grega, estética clássica, latim, grego etc. O que os renascentistas resgataram foram os contra-valores greco-romanos.

[x] Cf. Donoso Cortes, Joseph de Maistre, Plínio Corrêa de Oliveira, e Roberto de Mattei.

[xi] "O totalitarismo nasce da negação da verdade em sentido objetivo: se não existe uma verdade transcendente, na obediência à qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens. Com efeito, o seu interesse de classe, de grupo, de Nação contrapõe-nos inevitavelmente uns aos outros. Se não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder, e cada um tende a aproveitar-se ao máximo dos meios à sua disposição para impor o próprio interesse ou opinião, sem atender aos direitos do outro." (Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Centesimus Annus, em 1º de maio de 1991, nº 24) O mesmo Romano Pontífice, gloriosamente reinante, indica o risco semelhante ao totalitarismo, do liberalismo que é sua matriz: "o risco da aliança entre democracia e relativismo ético, que tira à convivência civil qualquer ponto seguro de referência moral, e, mais radicalmente, priva-a da verificação da verdade." (Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Encíclica Veritatis Splendor, em 6 de agosto de 1993, nº 101) É a crítica, transportando para o mundo do Direito, do juspositivismo e do jusalternativismo, por suas concepções errôneas da verdade.

[xii] "Hermenêutica e Aplicação do Direito", Rio de Janeiro: Forense, 1997, 16ª ed., p. 297

[xiii] S. Th., I-II, q. 93, a. 3, ad. 2

[xiv] Representantes dessa Escola Racionalista de Jusnaturalismo são Grócio, Tomásio, Puffendorf, Rousseau – o que prova a origem liberal dessa vertente jusnaturalista –, e Kant – idem. Alguns afirmam que Kelsen o sustentava. Se bem que neokantista, Kelsen é mais bem situado entre os teóricos do juspositivismo moderno. Ainda que tenha reconhecido a existência de um Direito Natural – de feições liberais, em que a verdade é construída na natureza e não descoberta nela conforme ensinam os jusnaturalistas escolásticos, clássicos –, não aceitou seu caráter jurídico, preferindo resumi-lo ao campo da moral. Interessante também é perceber que um seu defensor seja Kant, advogado do imanentismo em sua teoria filosófica, enquanto essa corrente jusnaturalista é explicitamente anti-imanentista.

[xv] Sobre o conceito de razão ligada a valores eternos e a falsa interpretação do que seja racional, com critérios materialistas: "Mas esta prescrição da razão não poderia ter força de lei se não fosse a voz e o intérprete de uma razão mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade devem submeter-se." (Sua Santidade, o Papa Leão XIII. Encíclica Libertas Praestantissimum, de 20 de junho de 1888)

[xvi] O que não poderia ser diferente, pois jusalternativismo e juspositivismo são também da mesma matriz liberal.

[xvii] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes, em 7 de dezembro de 1965, nº 10

[xviii] Sua Santidade, o Papa Pio XII. Alocução aos juristas católicos, em 6 de dezembro de 1953

[xix] Catecismo da Igreja Católica, § 1959

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Sobre o autor
Rafael Vitola Brodbeck

Delegado de Polícia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRODBECK, Rafael Vitola. A concepção de Direito no juspositivismo, no jusalternativismo e nas diferentes escolas jusnaturalistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 426, 31 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5621. Acesso em: 19 nov. 2024.

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