Usucapião familiar e suas particularidades

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03/03/2017 às 21:31
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O presente artigo tem como intenção explanar um pouco mais sobre a usucapião familiar, uma forma tão nova de usucapião e que muitos desconhecem seus requisitos e função.

Resumo: O presente artigo foi elaborado como um Trabalho Acadêmico Complementar, visando um estudo direcionado sobre a usucapião, pertencendo este a classificação dos direitos reais, o qual é objeto de estudo do direito civil em seu módulo cinco. Com base em algumas pesquisas bibliográficas, como artigos científicos, jurisprudências, doutrinas e diversos web sites a respeito do recente artigo 1240-A do Código Civil. Este novo artigo do ordenamento jurídico brasileiro prevê uma modalidade diferenciada de usucapião: a usucapião por abandono do lar por um dos cônjuges. Essa modalidade prevê um curto espaço de tempo como requisito para a usucapião (dois anos) e tem como exigência o abandono do lar por um dos cônjuges. Evidentemente, tais requisitos têm causado muitas divergências e opiniões contrárias no mundo jurídico, e o objetivo deste presente estudo é esclarecer e pontuar algumas dessas discussões, tendo como acréscimo as visões de uma estudante de direito do terceiro ano.

Palavras-chave: Abandono do Lar. Requisitos. Usucapião. Direito civil. Posse.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo explanar a pouco falado e recente lei conhecido como usucapião familiar. Dentro deste tema, há muitas convergências doutrinárias sobre o tempo para usucapir, os direitos do casal, o que significaria o termo abandono neste caso, a liberdade individual do ser humano, o porquê foi criada em determinado momento dentro do ordenamento jurídico.

O tema é um assunto complexo, que ainda não tem muitas respostas para os questionamentos feitos, e neste artigo, busca-se desmistificar um pouco sobre o mesmo, trazendo algumas indagações que existem mas ainda remanescem pouco investigados.

O primeiro tema versado aqui expõe um resumo sobre a usucapião. Como parte primordial e a primeira do artigo, versa-se sobre a parte histórica, onde se narra a origem do mesmo, o significado do termo “usucapião”, alguns fatos históricos que resultam na evolução da lei, tal qual a era de Justiniano e a lei das doze tabuas e, não menos importante, a sua origem no Brasil, sendo anexo o primeiro artigo que tratou sobre a usucapião. Após essas constatações, há a evolução para a análise geral de cada modalidade, sendo elas: Extraordinária, Ordinária, Rural, Urbana, Coletiva e Familiar.

O segundo tema explana exclusivamente sobre a usucapião familiar, seus prazos, suas especificidades, o porquê da existência da mesma, os aspectos internos dessa modalidade tão particular, as peculiaridade dentro do conceito de abandono e a culpa do cônjuge, dentre outras minúcias existentes nessa usucapião especial, ainda tão escassamente comentada.

O terceiro tema apresentado versa sobre as imposições feitas pela lei da usucapião familiar, sendo algumas partes dela, consideradas nem tão coerentes e sensatas assim. Alguns doutrinadores entendem que determinadas partes da lei 1240-a, como explicita o artigo, são lesões aos princípios constitucionais resguardados no Brasil, pela lei maior que nos representa, que é a Constituição Federal de 1988. Dentro deste tema, há indagações sobre a lesão ao principio da igualdade e da liberdade.


2. USUCAPIÃO E SUAS MODALIDADES

Usucapião é o direito adquirido pelo individuo através da posse de um bem móvel ou imóvel, sendo este utilizado por um suficiente espaço de tempo, ininterrupto, de forma mansa e pacifica e exercendo a condição de dono; fazendo desta modalidade, integrante dos direitos reais.[1]

O usucapião ou a usucapião (de forma que as duas colocações se mostram corretas visto a origem latina do vocábulo) é um instituto próprio da posse. O termo “usucapião” vem do latim USUCAPIO, “aquisição de um bem pelo uso prolongado e não negado”, de USUS, “costume, hábito, uso”, mais CAPERE, “pegar, tomar”, de forma que entrega ao termo, o próprio sentido da coisa. O uso deste, tal qual seu nome, vem de épocas longínquas e se deu origem na lei das doze tábuas.

Conforme diz Venosa (2013, p. 201) a usucapião como modo de aquisição da propriedade mediante a posse suficientemente prolongada sob determinadas condições e já Gomes (2010, p. 180) a conceitua como o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei.

Tal lei versa sobre como foram os primeiros usos do instituto do qual se trata este artigo:

A coisa furtada nunca poderá ser adquirida por usucapião; O estrangeiro jamais poderá adquirir bem algum por usucapião; As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano; Que o vestíbulo de um túmulo jamais possa ser adquirido por usucapião, assim como o próprio túmulo.

Vemos nessa origem, uma valorização muito grande da propriedade. Ela se mostra crescente desde essa época, sendo mais exigentes os requisitos conforme o passar do tempo, os termos a se aceitar para fins de usucapir, com intuito de evitar uma retirada injusta do capital de outrem.

No auge do império Justiniano, no ano de 528 d.C, o imperador tomou como decisão a junção de dois institutos: usucapião e a prescrição aquisitiva.[2].

Segundo Rosenvald Farias, sobre o mesmo período tão importante para o desenvolvimento do presente tema, ele brilhantemente acrescenta:

Com o tempo, expandem-se as fronteiras do império, concedendo-se ao possuidor peregrino que não tinha acesso à usucapião, uma espécie de prescrição, como forma de exceção fundada na posse por longo tempo das coisas, nos prazos de 10 e 20 anos, servindo de defesa contra ações reivindicatórias. O legítimo dono não mais teria acesso à posse se fosse negligente por longo prazo, mas a exceção de prescrição não implicava perda da propriedade”. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p.395).

Entretanto, no âmbito nacional, a situação ocorreu de forma diferenciada. A primeira manifestação sobre a usucapião de forma legal, ocorreu em 18 de setembro de 1850, dentro da lei 601, artigo 5°.

Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:

§ 1º Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, comprehenderá, além do terreno aproveitado ou do necessario para pastagem dos animaes que tiver o posseiro, outrotanto mais de terreno devoluto que houver contiguo, comtanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual ás ultimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha.

§ 2º As posses em circumstancias de serem legitimadas, que se acharem em sesmarias ou outras concessões do Governo, não incursas em commisso ou revalidadas por esta Lei, só darão direito á indemnização pelas bemfeitorias. Exceptua-se desta regra o caso do verificar-se a favor da posse qualquer das seguintes hypotheses: 1ª, o ter sido declarada boa por sentença passada em julgado entre os sesmeiros ou concessionarios e os posseiros; 2ª, ter sido estabelecida antes da medição da sesmaria ou concessão, e não perturbada por cinco annos; 3ª, ter sido estabelecida depois da dita medição, e não perturbada por 10 annos.

§ 3º Dada a excepção do paragrapho antecedente, os posseiros gozarão do favor que lhes assegura o § 1°, competindo ao respectivo sesmeiro ou concessionario ficar com o terreno que sobrar da divisão feita entre os ditos posseiros, ou considerar-se tambem posseiro para entrar em rateio igual com elles.

§ 4º Os campos de uso commum dos moradores de uma ou mais freguezias, municipios ou comarcas serão conservados em toda a extensão de suas divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso, conforme a pratica actual, emquanto por Lei não se dispuzer o contrario.

O nome do instituto ainda não era utilizado na época de criação deste código, sendo tempo depois, integrado. Mas, desde tal época, era sabido que as duas coisas mais valorizadas nesse instituto são o direito de propriedade do dono (já que só perderá a propriedade mediante vários tipos de requisitos) e a função social da propriedade (há tempos é disseminado que não há lógica em deixar uma propriedade inutilizada ou abandonada e perdendo utilidade para a sociedade). Nota-se, nesta lei acima citada, fortes traços da primeira implantação da mesma, que ocorreu na lei das doze tábuas, como já mencionado anteriormente.

Esplanada a parte história, falemos das modalidades do usucapião.

O usucapião é muito utilizado, sendo exercido em varias modalidades, tais como: Extraordinária, Ordinária, Rural, Urbana, Coletiva e Familiar.

  • Usucapião extraordinária: tem como requisitos a posse ininterrupta de quinze anos, que poderá ser reduzida para dez anos nos casos em que o possuidor tiver realizado obras e serviços de caráter produtivo ou morar no imóvel. A posse deverá ser de forma mansa e pacifica, de modo a ser o dono, ao menos aparentemente, da propriedade. É prevista no artigo 1.238 do Código Civil.

  • A usucapião ordinária: está elencado no artigo 1.242 e tem como requisitos a posse contínua, também pelo prazo de dez anos, sendo este reduzido pela metade caso tenha adquirido o imóvel de forma onerosa e o registro ter sido cancelado. Evidentemente, esta modalidade também exige forma mansa e pacífica, tendo o justo título e a boa fé.

  • A usucapião rural: tem como requisitos a posse como sua por cinco anos ininterruptos e sem oposição, como todas as outras modalidades, a grande diferença deste é o limite da área rural que não poderá ser superior a cinquenta hectares, desde que já não seja possuidor de qualquer outro imóvel, este sendo rural ou urbano. Aqui, ainda há o dever de tornar a terra produtiva, caso contrário não há respeito à função social da propriedade.[3]

  • Já a usucapião urbana: tem como requisitos básicos a posse sem oposição, limite da área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, sendo estabelecida a moradia por cinco anos ininterruptos, sendo vedada a posse de qualquer outro imóvel.

  • Usucapião coletiva: tem como requisito a ocupação por cinco anos ininterruptos e que os possuidores não sejam proprietários de qualquer outro imóvel, como nos outros casos de usucapião. Deve-se compreender também, que nesta modalidade, os terrenos não podem estar delimitados, a área deve ser comum, para que somente depois os moradores delimitem entre si.

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A mais recente modalidade de usucapião nasceu da Lei n° 12.424/11 acrescentou o art. 1240-A ao Código Civil:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

E é desta ultima modalidade, que o presente artigo tem como enfoque.


3. USUCAPIÃO FAMILIAR

Aqui, a família é estabelecida como prioridade. O abandono da família é o principal requisito para essa modalidade ocorrer, visto que ela visa proteger a família que foi “deixada para trás”, desamparada, sem nenhum tipo de auxilio. Torna-se obvio que ela intenta amparar prioritariamente a moradia da família em detrimento do cônjuge que os abandonou.

A questão da união estável entre homossexuais também é um sinal sobre a proteção absoluta nesse artigo, visto que dificilmente em alguma situação no Brasil, mesmo que já aceito como união estável, os homossexuais são vistos como família. Eles aqui, também detentores do direito de usucapir, sendo um grande avanço legislativo.

Entretanto, junto ao ato de defender a instituição familiar, e justamente por esse quesito, nota-se no legislador uma vontade pessoal de vingança contra quem abandona o lar. Visto de apenas um ângulo a questão de usucapir em prazo mínimo contra quem abandonou o lar, é extremamente aplicável esta lei. Porém, considerando o lado de quem abandonou, talvez a retirada de um bem pela culpa de uma união mal sucedida, não seja tão aplicável assim.

Outro aspecto duvidoso dessa modalidade, é que mesmo que o casal seja casado em regime de separação total de bens, se um deles abandonar o imóvel onde residiam, mesmo que sendo de sua propriedade, o parceiro tem sim a possibilidade de usucapir o bem, o que não mostra nenhuma coerência, visto que se a separação é total, não há causas do porque um pode possuir o bem alheio.[4]

A nova lei também entende que casais separados, seja de fato ou de direito, podem ter seus imóveis passiveis de usucapião. No caso, a separação de fato se assemelha ao abandono, encaixando-se então na modalidade familiar, como exemplifica a jurisprudência abaixo:

1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após decisão liminar de separação de corpos. 2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio.

(REsp 1065209/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 16/06/2010).

Nesse sentido, cabe a discussão também do que seria abandono, no caso do artigo 1240-A. O abandono[5] deve ser caracterizado por total ausência do ex-cônjuge, não havendo em nenhuma hipótese visitas ou então alguma tentativa de recuperar o imóvel, sendo ela judicial ou extrajudicial.[6]

Nota-se também, que não há uma vontade do legislador de simplificar o ato da usucapião para a pessoa abandonada. Evidentemente, o lapso temporal é significativamente mais curto que nas outras modalidades, mas a burocracia continua igual. Se a intenção era ajudar o abandonado, que está provavelmente, passando por dificuldades e tendo pouca renda familiar, nesse quesito, a lei falhou. O excesso de burocracia e de custos exorbitantes inerentes à usucapião são os termos que mais se encaixam na definição.

No entanto, entendendo a divergência de opiniões sobre o assunto, na visão de Silva, a decisão dos legisladores foi coerente, respeitando visivelmente o direito de moradia, tão valorizado na Constituição Federal:

Conforme Silva (2010, p. 314), Quer-se que se garanta a todos um teto onde se abrigue com a família de modo permanente [...]. Mas é evidente que a obtenção da casa própria pode ser um complemento indispensável para a efetivação do direito à moradia. Silva (2010, p. 314), também cita em seu texto, o art. 1º, III “à dignidade da pessoa humana” e o art. 5º, X que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, art. 5º, XI, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial.

Outro ponto que deve ser analisado, também discordado da doutrina acima citada: a quem exatamente o legislador quis beneficiar com essa lei?

Vejamos: Caso tanto o marido quanto a esposa saibam dessa modalidade, nenhum dos dois vai querer deixar o imóvel, fazendo com que a vontade das partes envolvidas não seja a prioridade; também não fica claro na lei se é ou não possível os dois cônjuges usucapirem; porém, tudo indica que não. Contudo, essa ideia é um tanto cômoda para o legislador, já que o intuito da lei é proteger o ser humano que não possui moradia, mas por outro lado, deixa o abandonado sem imóvel e ainda não permite a usucapião pelos dois. Aqui, o legislador também não considera a estrutura emocional da família, deixando um prazo extremamente pequeno; visto que se trata de uma modalidade unicamente familiar, as questões emocionais envolvidas em uma relação deveriam ser pertinentes ao momento. É evidente que existe o viés bom desta lei, mas nem todas as partes dela são bem estruturadas.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias explica:

Mas nada justifica a inserção da culpa no âmbito das relações familiares. A ideia sacralizada da família, considerada por muito tempo como uma instituição, sempre serviu de justificativa para buscar a identificação de um culpado pelo fim do casamento. A tentativa era desestimular a dissolução da família, intimidar os cônjuges para que não saíssem do casamento. Quando a lei permitia a inquirição de culpa ou impunha a identificação de culpados, acabava por aplicar penas no mais das vezes, de conteúdo econômico. (2011, p. 112) Grifos da autora.

Ao longo da história do direito das famílias, o que se constata é a falta de sensibilidade do legislador com as especialidades da matéria familiar. Prefere ignorar que o bem jurídico tutelado é a dignidade das pessoas que compõem a família e acaba fazendo importação de institutos, como a culpa, que encontram em outros ramos do direito civil espaço mais propício à sua assimilação e aplicação. Essa postura punitiva sempre contou com um dado de ordem psicológica: a enorme dificuldade de qualquer pessoa de romper um vínculo que foi estabelecido para ser eterno. A separação abala a própria identidade da pessoa e é difícil aceitar o fim de uma união sem ceder à tentação de culpar e tentar punir quem tomou a iniciativa de, finalmente, pôr fim à infelicidade. Havia uma convergência de interesses na apenação de infratores, tanto que vários institutos perseguiam culpados e lhes aplicavam sanções. (Maria Berenice Dias apud Pedro Thomé de Arruda Neto, 2011, p. 113).

Cabe aqui, outra consideração sobre o objeto de estudo: e se o abandono for estritamente do lar? A família em si, tem como definição: “Designa-se por família o conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco entre si e vivem na mesma casa formando um lar”. Logo, o lar pode ser abandonado, mas não necessariamente a família. Supondo que haja abandono no lar, o ex-cônjuge fique no imóvel e a ex-esposa saia juntamente aos filhos. Ela mereceria, além de tudo, perder o imóvel que os dois conquistaram? Ou, se fosse a situação contraria o esposo não mereceria da mesma forma. Novamente, visões da lei que podem ser facilmente deturpadas.

Como versa Simão (2011, p. 05) “esta modalidade de usucapião significará acirramento de lutas patrimoniais no seio da família (mesmo acabada a família conjugal, prossegue a parental) comprometendo a manutenção de bons vínculos parentais, no mais das vezes”. Aqui, podemos concluir que essa modalidade, mesmo tendo boas intenções, nem sempre será uma boa escolha, considerando o valor dos bens materiais na atualidade.


4. LESÃO AO PRINCIPIO DA LIBERDADE E IGUALDADE EXISTENTES NA USUCAPIÃO FAMILIAR.

Como já dito anteriormente, o artigo 1240-a dá a clara possibilidade da usucapião por um dos parceiros quando este abandonar a residência. Aqui, em decorrência disso, cresce o questionamento sobre a liberdade do ser humano elencada no caput artigo 5º da CF/88, como uma das garantias constitucionais. Diversos autores questionam a possível obrigação de um casamento mal sucedido para efeitos de não perder o bem.

E se o convívio familiar estivesse tão abalado, que fosse insustentável permanecer sob o mesmo teto? O legislador não teve o cuidado de pensar nessa parte, a pequena parte de que todo ser humano é livre para fazer o que bem entender, inclusive sendo essa a essência humana e do direito.[7] Cabe apenas ao casal, decidir se deve ou não permanecer em união, não existindo a necessidade de intromissão do estado.

Nesse sentido, Amorim (2011, p. 2): temos que o abandono de lar deve ser analisado sobre a vertente da função social da posse e não quanto a moralidade da culpa pela dissolução do vínculo conjugal. Ou seja, não é de se analisar se o abandono de fato caracterizou culpa, ou se a evadir-se foi legítimo ou até mesmo urgente. Buscará apenas qual dos dois permaneceu dando destinação residencial ao imóvel e pronto, independente da legitimidade da posse e do abandono.

Tendo isso como consideração inicial, há outro porém, apenas o imóvel urbano pode ser objeto da usucapião familiar. Mas não necessariamente a moradia no sitio vai ser exclusivamente para o labor, como indica a lei. Há a grande possibilidade de famílias desfavorecidas, que sofreram abandono, morem em imóveis rurais também, não sendo justo que a modalidade de usucapião só exista para áreas urbanas.

Sobre a questão igualitária, a primeira consideração que aqui deve ser feita, é sobre a maior inconsistência dessa lei: o prazo extremamente menor para usucapir que o previsto em outras modalidades. A finalidade por trás dessa decisão, não se sabe, entretanto, muitos doutrinadores questionam esse viés da lei[8], alguns até mesmo o considerando inconstitucional.

Além de ter um viés inconstitucional, o prazo menor extingue também a possibilidade de uma possível reconciliação familiar, um arrependimento do abandono. Ela versa sobre uma pena muito restrita em um curto prazo de tempo. E se mesmo após dois anos, o cônjuge que abandonou, resolva voltar, a situação da família ficaria extremamente estranha, visto que a pessoa perdeu total acesso a um bem que já era seu, e agora voltou a possui-lo, ainda que sem ter a propriedade.

Jatahy (2013, p. 88) faz uma comparação com a usucapião especial urbana: A aquisição integral do domínio em dois anos encontra-se em desacordo com as demais modalidades de usucapião que receberam uma atenção especial do constituinte e do legislador. O ideal seria que fosse mantido o prazo de cinco anos, tal como ocorre com a usucapião especial urbana.

Por fim, cabe constar que o § 2º do art. 1.240-A foi vetado, visto que atingia o pacto federativo da união, não recolhendo os tributos onde na visão do estado, seria necessário. "Os dispositivos violam o pacto federativo ao interferirem na competência tributária dos Estados, extrapolando o disposto no § 2º do art. 236 da Constituição”.

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Sobre a autora
Thaísa Gimenes

Estudante de Direito da UNIFOZ - Foz do Iguaçu, aluna do 7° período. Estagiária na Defensoria Publica da União.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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