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O tributo é um direito da sociedade e não do Estado

30/08/2004 às 00:00
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Creio no improvável, porque, se acreditarmos nas probabilidades, vamos rumo ao caos demográfico, ao caos econômico, ao caos ecológico, ao caos nuclear...Mas o improvável pode acontecer.

Edgar Morin

Tributar é um dever do Estado, porém, o tributo é um direito da sociedade. A assertiva é óbvia, talvez uma daquelas obviedades de que falava Alfredo Augusto Becker, todavia, repisemo-la: o tributo é um direito da sociedade e um dever do Estado. Neste sentido, o tributo não é um direito do Estado, até porque o Estado nas mais das vezes é um delinqüente tributário. Esta distinção é importante na medida em que com ela podemos separar os interesses do Estado dos interesses da sociedade, cujo antagonismo se acentua com o passar dos dias.

O tributo é da sociedade e não do Estado. Neste sentido o tributo arrecadado não é do Governo Lula, ou do Governo FHC, mas, sim, da sociedade brasileira. Da sociedade de miseráveis de que nos fala Manfredo A. de Oliveira. Assim como o direito de punir não é do Estado, mas sim da sociedade como nos ensina o procurador-geral da República, Dr. Claudio Fonteles, o tributo também não é do Estado, mas da sociedade.

Ratificar estas obviedades nos parece ser sempre oportuno quando vemos governos e mais governos gastando o tributo da sociedade em obras inacabadas, licitações superfaturadas, avião de luxo, prédios públicos suntuosos, salários nababescos, viagens desnecessárias, enfim, quando assistimos o total desrespeito ao tributo sofridamente arrecadado do bolso do contribuinte brasileiro. Não bastassem estas distorções, ainda temos no inventário da delinqüência tributária a péssima qualidade do serviço público prestado no Brasil.

Do ponto de vista dogmático podemos vislumbrar duas relações jurídicas a partir das colocações supra. Na primeira o Estado é credor em nome da sociedade, de uma obrigação de dar dinheiro (comportamento) cujo sujeito passivo é o contribuinte que revele capacidade contributiva (art. 145, § 1º da CF). Na segunda, o cidadão é o sujeito ativo, credor do Estado, que é devedor do tributo arrecadado, ou seja, o Estado é devedor do tributo que se tornou receita, daí porque quando mal gasta estes recursos tributários está sujeito as responsabilidades pela malversação do tributo da sociedade. [1] Em ambas relações jurídicas o elemento legitimador é a adequação do agir do Estado com o interesse da sociedade, reside aqui o princípio do justo gasto do tributo arrecadado.

Corolário do princípio da moralidade e da eficiência, ambos previstos no art. 37 da Constituição Federal, o princípio do justo gasto tributo arrecadado, encontra base empírica ainda em diversos outros artigos do Texto Constitucional, a destacar o 37 já mencionado, o art. 3º I, bem como o art. 70 caput.

Na era do Estado Fiscal, a qual vivemos hodiernamente, o tributo é a receita derivada que dá sustentação à existência do Estado, daí crescer a importância e a correta aplicação dos princípios que norteiam o gasto público. Moralidade, eficiência, economicidade e legitimidade são conceitos jurídicos que formam o núcleo substancial do princípio do justo gasto do tributo arrecadado. Gastar de forma justa os valores arrecadados mediante a tributação, é gastar de forma a atender a moral, a eficiência, a economicidade e a legitimidade, enfim, atender os anseios da sociedade, porque insista-se, o tributo é um direito da sociedade e não do Estado.

Cabem ao Judiciário, ao Ministério Público Federal, a própria sociedade organizada e mormente aos Tribunais de Contas a missão constitucional, na forma do art. 70 caput da Constituição Federal, de viabilizar na realidade jurídica brasileira, a aplicação do princípio do justo gasto do tributo arrecadado, otimizando os conceitos jurídicos de legalidade, economicidade e legitimidade na aplicação dos recursos públicos, punindo os agentes públicos que malversarem os escassos recursos públicos.

O princípio em questão envolve os gastos de todas as espécies tributárias arrecadadas (impostos, taxas, contribuições de melhorias, empréstimos compulsórios e as contribuições em geral). Insista-se à exaustão: na pós-modernidade prevalece o complexo, o híbrido, o plural, logo, tanto o direito tributário quanto o financeiro dialogam entre si, para juntos, declararem a justeza ou não dos valores arrecadados e gastos pelo Estado. Tributo arrecadado cuja receita é malversada, é tributo injustamente arrecadado, portanto, tributo passível de devolução, bem como, de punição dos responsáveis pela má utilização dos recursos públicos.

Diante deste princípio constitucional, fica patente a duvidosa constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 42/2003, que fez alterar a redação do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que diz: "Art. 76. É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2003 a 2007, vinte por cento da arrecadação de impostos e contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais".

Trata-se dos propalados Fundo Social de Emergência (FSE), ou Fundo de Estabilização (FEF), que ofendem gravemente princípios orçamentários. Pois bem. O justo gasto do tributo arrecadado no caso das contribuições sociais é justamente, a afetação dos recursos aos fins desejados pela lei e pela Constituição, i.e, a lei ou a emenda constitucional não pode contrariar o próprio Texto Constitucional. Na medida em que a EC 42/2003 desvincula 20% dos valores arrecadados a título de contribuições sociais da União, fere de morte o tributo contribuição social e o princípio do justo gasto do tributo arrecadado, sendo tais valores passíveis de devolução ao cidadão-contribuinte, até porque o TRIBUTO É DA SOCIEDADE E NÃO DO ESTADO, logo, o respeito à Constituição há que ser prévio a qualquer temática que envolva a instituição de tributos e seu gasto, controlando-se desta forma a contumaz delinqüência tributária do Estado Fiscal brasileiro.

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Nota

1 Cf. Gabriel Troianelli, Responsabilidade do Estado por dano tributário. São Paulo: Dialética, 2004.

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

Mestre em Direito Tributário, Advogado tributarista, Procurador do Município de Areal (RJ), Membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; "Direito Financeiro e Direito Tributário", Multifoco: Rio de Janeiro, 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O tributo é um direito da sociedade e não do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 419, 30 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5636. Acesso em: 5 dez. 2025.

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