É comum ocorrer dúvidas na fase de habilitação em licitações acerca da necessária compatibilidade da atividade descrita no contrato social da empresa com o objeto do futuro contrato.
Não é raro que o pregoeiro ou comissão de licitação tenham o impulso de inabilitar determinado licitante ao verificar que entre as atividades descritas em seu contrato social não consta aquela que é objeto da licitação.
Cabe esclarecer que o contrato social da empresa é um dos documentos previstos na Lei nº 8.666/93 (art. 28) para fins de comprovação da habilitação jurídica do licitante.
Ademais, vale destacar que o cotejo dos documentos exigidos dos licitantes para fins de habilitação deve ser analisado sob o prisma da finalidade e da garantia da ampla competitividade no certame, como regra.
Sabemos, também, que as exigências habilitatórias têm por objetivo atestar se os particulares interessados em participar da licitação possuem personalidade e capacidade jurídica suficientes para serem titulares de direitos e obrigações perante a Administração Pública.
Mas afinal de contas, ao se notar que o contrato social da empresa não contém a atividade objeto da licitação, é legal sua inabilitação?
Nesse ponto, é preciso esclarecer que as sociedades empresariais não estão adstritas a somente executar as atividades expressamente previstas em seu ato constitutivo. Isso porque, no ordenamento pátrio não vigora o princípio da especialidade da pessoa jurídica, não sendo essa limitada a desenvolver as atividades estritamente descritas em seu contrato social. O que não se admite é que a empresa se utilize dessa margem de liberdade para desempenhar atividade vedada ou exclusiva de determinada categoria profissional (por exemplo, atividades que dependam de inscrição na OAB).
Todavia, a recomendação é de que haja ao menos compatibilidade do objeto social da empresa com o objeto licitado.
O Tribunal de Contas da União já destacou que a inabilitação de licitantes por falta de previsão expressa do objeto licitado em seu contrato social fere o caráter competitivo da licitação, conforme se observa do teor do Acórdão 571/2006 - Plenário:
“No que tange à questão de o objeto social ser incompatível com a atividade de transporte de pessoas, verifico uma preocupação exacerbada por parte dos gestores ao adotar a decisão de inabilitar a empresa. A administração procurou contratar uma prestadora de serviços devidamente habilitada para o exercício dos serviços terceirizados e, ao constatar que o objeto social da empresa Egel, na época da licitação, era "locação de veículos; locação de equipamentos; coleta, entrega e transporte terrestre de documentos e/ou materiais", vislumbrou que não estava incluída a possibilidade do transporte de pessoas.
De fato, não está expressamente consignado no contrato social o serviço de transporte de pessoas almejado pela CNEN. Porém, constam dos autos três atestados de capacidade técnica apresentados pela Egel que comprovam a prestação dos serviços desejados para três distintas pessoas jurídicas de direito público. (fls. 90, 99 e 100)
Se uma empresa apresenta experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade, não seria razoável exigir que ela tenha detalhado o seu objeto social a ponto de prever expressamente todas as subatividades complementares à atividade principal.”
Justamente por isso, o ideal é que a Administração Pública ateste que o particular detém aptidão técnica suficiente para executar o objeto da licitação, comprovando, por meio da apresentação de atestados, que já executou atividade compatível em características, quantidades e prazos com aquela licitada pela Administração. Portanto, não será por meio da análise do contrato social que se poderá afirmar a capacidade da empresa para desempenhar o objeto do contrato. Tal função é posteriormente aferida quando da análise dos documentos de habilitação da capacitação técnica (art. 30).
Entende-se que a compatibilidade entre o ramo de atividade da pessoa jurídica e o objeto do contrato administrativo não pode ser interpretada de forma restritiva. A prática de atos além dos delimitados expressamente no ato constitutivo da empresa, mas complementares ou similares aos consignados não configura ilegalidade, a princípio, sendo considerados tão válidos quanto aqueles praticados dentro dos limites do contrato social. Como regra geral, a existência de previsão genérica, condizente com a atividade licitada, é suficiente para atender os requisitos de habilitação jurídica.
E a verificação de que a empresa detém capacidade suficiente para executar o objeto licitado será complementada com a comprovação de sua capacidade técnico-operacional, através da apresentação de atestados que comprovem que atua efetivamente no ramo e já executou atividade compatível em características, quantidades e prazos com a licitada.
Portanto, não se mostra condizente com o ordenamento jurídico pátrio a inabilitação de empresa pela mera não previsão do objeto de licitação no contrato social.