O controverso caso Cesare Battisti: um estudo cronológico

14/03/2017 às 05:20

Resumo:


  • O caso Cesare Battisti envolveu uma grande repercussão internacional, iniciando com o pedido de extradição feito pela Itália em 2007 e passando por embates no STF.

  • Battisti nasceu na Itália em 1954, teve envolvimento com movimentos armados de extrema esquerda e foi condenado por crimes como homicídios, resultando em um longo processo de extradição e deportação.

  • A decisão de não extraditar Battisti foi tomada pelo então presidente Lula em 2010, gerando uma crise diplomática com a Itália, e posteriormente, em 2015, uma juíza federal determinou sua deportação por irregularidades no visto de permanência no Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Reflexões sobre o caso de Cesare Battisti, e a intervenção política sofrida, e seus desdobramentos nos dias de hoje.

O tema do trabalho - O Controverso caso Cesare Battisti - foi escolhido devido a grande repercussão internacional do caso. Iniciando com o pedido de extradição feito pela Itália em 2007, passando por embates no STF, atos do poder Executivo, e o entrechoque ressuscitado com a decisão da juíza Federal de Brasília, Adeverci Rates Mendes de Abreu, que julgou procedente, em fevereiro de 2015, o pedido da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União Federal. Em sua decisão a magistrada declarou nulo o ato de concessão de permanência de Cesare Battisti no Brasil e determinou à União que implemente o procedimento de deportação aplicável ao caso. A análise cronológica dos fatos demonstra a polêmica entre o Direito pátrio e internacional pelo fato da dificuldade encontrada em classificar e diferenciar os atos realizados como meros atos de cunho político e ideológico dos chamados crimes comuns. No caso em tela percebe-se o estancamento evolucional das autoridades brasileiras a época no que diz respeito aos institutos do asilo e da extradição.  O escopo do estudo é a diferenciação e fixação dos institutos do asilo e da extradição enquanto ferramentas de soberania e de relações internacionais no Direito Internacional. Dessa forma o presente estudo contribuirá com o debate jurídico, elucidando contradições teóricas e factuais sobre institutos do Direito internacional, evitando conflitos na sociedade internacional. Dando enfoque ao estudo das diversas decisões das autoridades que detinham o poder decisivo e sua relação com tendências ideológicas.

HISTÓRICO

Cesare Battisti nasceu em 1954, na comunidade de Cisterna di Latina, Sermoneta, Itália. Com família de influência comunista, começou a militância junto com seu irmão mais velho, no Partido Comunista Italiano, entre os naos de 1968 e 1971.  Após, Battisti, juntou-se ao LC – Lotta Continua, movimento esquerdista italiano. Por fim aderiu à Autonomia Operária.

Fora preso, pela primeira vez em 1972, acusado de furto. Já em 1976 fora condenado a seis anos de prisao por assalto a mão armada. Em 1977, quando preso outra vez, conheceu Arrigo Cavallina, que o introduziu aos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Quando estabeleceu-se clandestinamente em Milão para a militancia no PAC.

O grupo armado da qual fazia parte Battisti fora acusado de quatro assassinatos entre os anos de 1978 e 1979. Em 79 fora preso e condenado a 12 (doze) anos de prisão por participação em grupo armado, assalto e receptação de armas. Não lhe foi imputado qualquer relação com os assassinatos supraditos.

 Battisti conseguiu fugir da prisão de Frosinone, em outubro de 1981, com a ajuda de Pietro Mutti, que viria a ser um futuro delator, que lhe imputaria participação crucial nos crimes perpetrados pelo PAC. Fugiu para a França e, durante cerca de um ano, viveu clandestinamente, em Paris, lá conheceu a que viria a ser sua futura esposa. Mudou-se para o México onde nasceu sua primeira filha. Ali também escreveu o seu primeiro livro, atuou na área cultural, e dedicou-se a atividades literárias.

O presidente francês François Mitterrand - que exerceu o poder entre 1981 e 1995 - em abril de 1985, fez a afirmação que fez com que Battisti retornasse à França em 1990: “pessoas envolvidas em atividades terroristas na Itália até 1981 e que tivessem abandonado a violência poderiam optar pela não extradição para a Itália, caso não praticassem mais crimes”.

Entretanto, na contramão das declarações do presidente, Battisti fora preso no mesmo ano, após um pedido de extradição do governo italiano. Após 4 meses teve sua extradição negada por duas vezes em 1991, pela Câmara de Acusação de Paris (Chambre d'accusation de Paris).

Continuou vivendo em Paris até a ascensão ao poder do presidente Jacques Chirac, que muda a posição sobre o tema. Em 2004 a França concede a extradição de Battisti. Ele foge e acaba chegando ao Brasil, mais precisamente na cidade de Fortaleza.

Em 2007, após um pedido de extradição do governo italiano, o Ministro do STF Celso de Mello decreta a prisão preventiva de Battisti. Preso no Rio de Janeiro tão logo fora transferido para a custódia da Superintendência de Polícia Federal no Distrito Federal, posteriormente para o Complexo Penitenciário da Papuda.

A extradição foi julgada em definitivo em dezembro de 2009 pelo STF, com deferimento pela maioria do colegiado, mas com a ressalva encontrada no respectivo acórdão, que se segue:

 

...

VIII – por maioria, reconhecer que a decisão de deferimento da extradição não vincula o Presidente da República, nos termos dos votos proferidos pelos Senhores Ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Carlos Britto, Marco Aurélio e Eros Grau.

No dia 31 de dezembro de 2010, o então Presidente Luis Inácio Lula da Silva decidiu negar o pedido de extradição formulado pelo Governo da Itália sob o argumento de que “há ponderáveis razões para se supor que o extraditando seja submetido a agravamento de sua situação, por motivo de condição pessoal, dado seu passado, marcado por atividade política de intensidade relevante

            Iniciou-se desde logo uma luta no campo jurídico, que culminou com a decisão da maioria do plenário do Supremo pela soltura de Cesare Battisti afirmando que “a decisão de Lula foi um ato de soberania nacional que não poderia ser revisto pela corte”.

Desde então o governo italiano busca todos os meios para obter a extradição de Battisti.

Em 2015 uma decisão de uma juíza federal manda deportar o mesmo com o argumento de que ele se encontrava em situação irregular no país. Em sua decisão pede que o envie para a França ou México, países pelos quais ele passou após fugir da Itália e antes de chegar ao Brasil.

No mês de setembro de 2016 a defesa de Battisti entra com habeas corpus preventivo no STF usando-se do argumento de que existiam tentativas de uso de institutos do Estatuto do Estrangeiro para que Battisti fosse enviado ao exterior e menciona uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, deferida pela juíza Adeverci Rates. O pedido foi negado pelo ministro Luiz Fux.

O PROCESSO

O caso trata de aplicação de princípios de direito penal internacional, tais como o da territorialidade da lei penal e o da nacionalidade ativa, por isso o nosso interesse.

O pedido de Extradição formalizado pelo governo italiano em 2007 baseou-se, entre outros fundamentos, no artigo 80 do Estatuto do Estrangeiro, transcrito a seguir:

Art. 80. A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo ser o pedido instruído com cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferida por juiz ou autoridade competente. Esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido conterá indicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade do extraditando, e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição.

Também se assentou no Tratado firmado entre Brasil e Itália no ano de 1989 e promulgado pelo Decreto nº 863/93.

O pedido tem como fundamento a condenação definitiva de Battisti, por decisão da Corte de Apelações de Milão, à pena de prisão perpétua, com isolamento diurno inicial por seis meses, pela prática de “homicídio premeditado do agente penitenciário Antonio Santoro, fato que aconteceu em Udine em 6 de junho de 1977; homicídio de Pierluigi Torregiani, ocorrido em Milão em 16 de fevereiro de 1979; homicídio premeditado de Lino Sabbadin, ocorrido em Mestre em 16 de fevereiro de 1979; homicídio premeditado do agente de Polícia, Andréa Campagna, ocorrido em Milão em 19 de abril de 1979”.

Em março de 2007 o Ministro relator Celso de Mello, com base no artigo III do Tratado bilateral, consignou decisão em que expede mandado de prisão preventiva em face de Cesare Battisti, que fora então preso na cidade do Rio de Janeiro e transferido, posteriormente, para o complexo penitenciário da Papuda, em Brasília.

Com Battisti sob custódia do sistema prisional brasileiro o Governo da Itália formalizou seu pedido de extradição com os fundamentos abaixo transcritos[1]:

“A Embaixada da Itália apresenta seus melhores cumprimentos ao Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil e, com base no Tratado de Extradição entre a República Italiana e a República Federativa do Brasil firmado em Roma em 17 de outubro de 1989, vem com a presente formalizar o pedido de extradição de CESARE BATTISTI, nascido em Cisterna di Latina (Itália) aos 18 de dezembro de 1954, atualmente detido em Brasília depois de ter sido preso para fins de extradição em 18 de março de 2007.

O referido foi condenado na Itália à pena de prisão perpétua com isolamento diurno de seis meses, sendo objeto das sentenças de condenação proferidas pelos Tribunais ordinários e para as quais se requer a extradição.

Com a sentença de 13 de dezembro de 1988 a Corte de Assise de Milão condenou Cesare Battisti por homicídio premeditado do agente penitenciário Antonio Santoro. A mesma Corte condenou Battisti por outros crimes, dentre os quais os homicídios de Pierluigi Torregiani, Lino Sabbadin e Andréa Campagna e – em aplicação do princípio de continuação estabelecido pelo artigo 81 do código penal italiano – aplicou-lhe a pena de prisão perpétua com isolamento diurno de seis meses.

A sentença de 13 de dezembro de 1988 foi confirmada em segundo grau pelas sentenças proferidas pela Corte de Assise de Apelação de Milão em 16 de fevereiro de 1990 (tornou-se irrevogável em 8 de abril de 1991), e em 31 de março de 1993 (que também se tornou irrevogável em 10 de abril de 1993) – esta última proferida em decorrência de reenvio da Suprema Corte de Cassazione, e que inclui a confirmação da sentença de condenação da Corte de Assise de Milão em 13 de dezembro de 1988 que faz referência ao homicídio de Pierluigi Torregiani.

A extradição de Cesare Battisti é requerida com referência aos seguintes crimes:

* homicídio premeditado do agente penitenciário Antonio Santoro, fato que aconteceu em Udine em 6 de junho de 1977;

* homicídio de Pierluigi Trregiane, ocorrido em Milão em 16 de fevereiro de 1979;

* homicídio premeditado de Lino Sabbadin, ocorrido em Mestre em 16 de fevereiro de 1979;

* homicídio premeditado do agente de Polícia, Andréa Campagna, ocorrido em Milão em 19 de abril de 1979.

Esclarece-se e assegura-se que a pena de prisão perpétua, segundo quanto estabelecido pelos procedimentos judiciários italianos, não implica que os condenados a tal pena deverão permanecer detidos na prisão por toda a duração da vida.

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Inclusive, como analiticamente explicado uma nota aqui anexada, o sistema penitenciário italiano, atuando o artigo 27 parágrafo 2 da Constituição (que dispõe que ‘as penas não podem consistir em tratamentos contraditórios ao senso de humanidade e devem tender reeducação do condenado’), prevê numa série de benefícios aplicáveis para os condenados a prisão perpétua: o sistema concede permissões, semi-liberdade, liberação condicionada, liberação antecipada, possibilidade de desenvolver atividades de trabalho fora do instituto da pena.

Para fins da extradição, esta Embaixada envia em anexo a seguinte documentação:

1. exposição dos fatos pelos quais se pede a extradição, inclusive de cada informação sobre a participação ao julgamento e sobre o exercício de defesa;

2. cópia conforme ao original da sentença de primeiro grau proferida pela Corte de Assise de Milão em 13 de dezembro de 1988, a qual condena Cesare Battisti por diferentes crimes entre os quais os quatro homicídios para os quais é requerida a extradição com uma relação da motivação da pena em relação a cada delito;

3. cópia conforme ao original das sentenças proferidas em 16 de dezembro de 1990 pela Corte de Assise de Apelação de Milão que confirma a condenação de Cesare Battisti pelos quatro homicídios;

4. cópia conforme ao original da sentença da Suprema Corte de Cassazione proferida em 8 de abril de 1991 que anula a sentença anterior limitadamente ao homicídio de Pierluigi Torregiani;

5. cópia conforme ao original da sentença proferida em 31 de março de 1993 pela Corte de Assise de Apelação de Milão que confirma a condenação de Cesare Battisti pelo homicídio de Pierluigi Torregiani;

6. texto dos artigos das leis italianas transgredidos, e daqueles relativos à prescrição dos crimes.

Os documentos relacionados encontram-se devidamente vertidos para o português.

O Governo da República Italiana assegura que, caso Cesare Battisti seja entregue para as Autoridades italianas, não lhe serão aplicadas sentenças de condenação para as quais a extradição não foi requerida, de acordo com a decisão adotada pelas Autoridades judiciárias brasileiras.

Em peno acordo ao que dispõe o artigo 7 do Tratado Bilateral de extradição entre Itália e Brasil, esta Embaixada solicita, nos termos do artigo 18 do Tratado em questão, a apreensão e entrega dos objetos e valores relacionados aos crimes pelos quais é pedida a extradição e solicita, outrossim, a manutenção da prisão até efetiva entrega do extraditando.

A Embaixada da Itália agradece antecipadamente e vale-se do ensejo para renovar ao Ministério das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil os protestos da sua mais elevada estima e consideração”

A defesa de Battisti alegou que os documentos apresentados apresentavam defeitos, que ouve a perda de eficácia da prisão preventiva e que o artigo 4º do tratado[2] não teria sido ponderado. Alegou também que o processo fora julgado à revelia, sem o devido processo legal e nem acesso à ampla defesa. Aduziu, também, que o processo possuía natureza de perseguição política.

Cesare Battisti, através de sua defesa, entrou com o pedido de refúgio em junho de 2008. Pedido este que lhe fora concedido pelo então Ministro da Justiça, Tarso Genro, após recurso contra a decisão do Conselho Nacional para os Refugiados – CONARE, que indeferiu o status de refugiado. Tal concessão fora baseada na condição de ele teria “fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”.

Em seu voto o relator Ministro Cezar Peluso, em grandiosa explanação, sucinta argumentos para a não concessão de status de refugiado a Battisti, dentre tantos dou destaque a distinção constante do manual de procedimentos e critérios para determinar a condição de refugiado político, publicado, em 2004, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas – ACNUR,

“ (d) Punição

56. Deve-se distinguir perseguição de punição prevista por uma infração de direito comum. As pessoas que fogem de procedimentos judiciais ou à punição por infrações desta natureza não são normalmente refugiados. Convém relembrar que um refugiado é uma vítima - ou uma vítima em potencial - da injustiça e não alguém que foge da justiça.

Ademais, o Ministro relator, através de seu voto, defere o pedido de extradição de Cesare Battisti. Voto este que é acompanhado, quando do prosseguimento do julgamento, pela maioria do colegiado, tendo sido vencidos a Ministra Cármen Lúcia, o Ministro Eros Grau, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio. Por maioria, também, o STF decidiu que a decisão final da execução da extradição seria dada por ato do Presidente da República.

Acontece que no 31 de dezembro de 2010, o presidente Lula decidiu não conceder a extradição de Cesare Battisti, tendo como fundamento um parecer da Advocacia_Geral_da_Uni%C3%A3o">Advocacia Geral da União. Utiliza-se a AGU do argumento de que a extradição pode ser negada com base em “razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados”.

Afirma ainda a decisão do executivo que foram observadas as cláusulas do Tratado de Extradição entre o Brasil e Itália, particularmente o seu art. 3º , item 1, alínea “f”[3], que cita, entre as motivações para a não extradição, a condição pessoal do extraditando.

No dia 30 do mesmo ano, o ministro italiano da Defesa, Ignazio La Russa, havia se declarado favorável a um boicote contra o Brasil, caso fosse negada a extradição: “Que ninguém pense que o 'não' à extradição seja sem consequências", ameaçou. Acrescentou que uma negativa de Lula seria "um ato de grande falta de coragem[4].

Três dias depois da decisão do Presidente Lula, a defesa de Battisti entrou com um pedido de soltura no STF. No pedido, os advogados argumentavam que a competência do STF, no caso, já se esgotara, já que a palavra final do ex-presidente da República encerrara o assunto. Entretanto o governo italiano pediu ao STF o indeferimento da petição, alegando “absoluta falta de apoio legal”. Em 4 de fevereiro de 2011, a República Italiana ajuizou reclamação contra a decisão do Presidente da República, alegando que a decisão sobre a revogação da prisão do extraditando seria da competência exclusiva do plenário do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, o Tribunal se encontrava em recesso, e o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, negou a soltura imediata do preso, determinando que os autos fossem encaminhados ao relator do caso, ministro Gilmar Mendes, para apreciação, após o fim das férias coletivas.

Em junho de 2011 a reclamação feita pelo Governo da Itália fora então julgada. Em seu voto o relator, Ministro Gilmar Mendes, favorável à extradição, asseverou:

A partir dessas descrições dos fatos, verifica-se que os crimes praticados pelo extraditando são gravíssimos (quatro homicídios qualificados), bastando observar o contexto em que foram executados – mediante premeditação e emboscada –, com o claro propósito de eliminar as vítimas, por vingança.

Impõe-se, portanto, ao Estado brasileiro, considerados os parâmetros objetivamente estabelecidos no acórdão que deferiu a extradição, e em razão da imperiosa necessidade de se cumprir os termos do Tratado celebrado, realizar a entrega do extraditando.

Diante do exposto, resolvo o incidente de execução nesta extradição e julgo procedente reclamação, para desconstituir o ato reclamado e determinar a imediata entrega do extraditando ao país requerente, restando, em consequência, prejudicados os exames da ADIN 4538 e da ACO 1722.

O grande autor de Direito Internacional, Mazzuoli, sustenta[5]:

Quando não há tratado de extradição entre os dois países é discricionário (e não arbitrário) do Presidente da República efetivar ou não a entrega do extraditando, devendo analisar a conveniência e a oportunidade do ato. (...). Quando há tratado de extradição entre os dois países, não é mais discricionário do Presidente da República o ato de efetivação da extradição, posto que deve ser cumprida (fielmente) a norma convencional em rigor na República. (...). Salvo se o próprio tratado prever exceções e atribuir ao Chefe de Estado uma margem de apreciação sobre determinada questão de fato, o que não é incomum ocorrer. ”

Mesmo com o entendimento acima citado o relator foi voto vencido, decidindo então a maioria do plenário pela liberação imediata de Battisti, que se encontrava preso desde a decisão do Ministro Celso de Mello, datada de março de 2007. O plenário então decidiu que a decisão do então presidente Lula era ato soberano e deveria ser respeitada.

Tal decisão gerou uma desgastante crise diplomática com o governo italiano, um intenso embate no judiciário nacional e críticas ao ex-presidente, principalmente por parte dos familiares das vítimas dos “anos de chumbo” na Itália.

Entretanto, no início de 2015, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em face da União, com o intuito de que fosse declarada a nulidade do ato concessivo do visto de permanência de Battisti no país e consequente deportação.

Em sua decisão a Juíza da 20ª Vara Federal de Brasília, Adverci Rates Mendes de Abreu, afirma que a o “ato do Conselho Nacional de Imigração -CNI que concedeu a Cesare Battisti, visto de permanência definitiva no Brasil, contrariou norma de observância obrigatória, qual seja, a lei nº 6.815/80, que estipula em seu art. 7º, que não se concederá visto a estrangeiro condenado ou processado em outro país por crime doloso (o que foi expressamente reconhecido pelo STF), passível de extradição segundo a lei brasileira”[6].

            Para justificar sua decisão a magistrada diferenciou os institutos da extradição e deportação, assim afirmando: “os institutos da deportação e da extradição não se confundem, pois a deportação não implica em afronta à decisão do Presidente da República de não extradição, visto que não é necessária a entrega do estrangeiro ao seu país de nacionalidade, no caso a Itália, podendo ser para o país de procedência ou outro que consinta em recebê-lo

Mostrou-se então a condição de irregular que Cesare Battisti usufruía no Brasil, dando decisão pelo seguimento dos pedidos do parquet, quais sejam, “declarar nulo o ato de concessão de permanência de Cesare Battisti no Brasil e determinar à União que implemente o procedimento de deportação aplicável ao caso”.

No dia 12 de março de 2015 a Policia Federal cumpriu mandado administrativa de prisão de Battisti, que fora encontrado em casa na cidade de Embu das Artes na grande São Paulo. Permaneceu durante 7h detido no prédio da PF, na zona oeste de São Paulo, até ser beneficiado por um habeas corpus concedido pelo desembargador Cândido Ribeiro do Tribunal Regional Federal da 1ª região (TRF – 1).

No ano de 2016 a defesa de Cesare Battisti impetra um habeas corpus com pedido de medida liminar, com base, dentre outras, em notícias vinculadas nos meios de comunicação que o mesmo seria enviado para outro país por conta de pressão do Governo na Itália. Alude ainda é que com a mudança do chefe do poder executivo brasileiro, houve consequente mudança do chanceler brasileiro, que tem sua posição ideológica contra as ditas ideologias de extrema esquerda.

Em sua decisão datada de setembro de 2016, o Ministro Luiz Fux afirma que “é ausente, no caso ora em análise, qualquer elemento capaz de evidenciar a necessidade de utilização desta ação autônoma de impugnação”. Assevera que a defesa não demonstrou de forma objetiva os motivos que dariam ensejo ao deferimento do pedido, posto que “In casu, o paciente não ostenta contra si ato concreto de ameaça ou cerceio ilegal de sua liberdade, não servindo a tanto afirmações genéricas no sentido de que está sendo perseguido por órgãos estatais”.

Até a presente data esta foi a última decisão sobre este complexo caso. Decisões futuras podem modificar o statu quo e levar a novos debates jurídicos.

CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve como bojo principal uma análise cronológica dos fatos que envolvem o caso Cesare Battisti. Claro que uma análise desta não se pode olvidar de uma observação sucinta tanto dos temas jurídicos abordados, quanto das ideologias políticas envolvidas. Algumas conclusões podem ser pontuadas:

1. Todo o histórico demonstra a atuação político-partidária de Battisti, assim como sua inclinação para atuação em grupos armados italianos, mais precisamente o PAC. Percebe-se, de sua condenação vestibular, a ligação com o crime. Vale lembrar que sua primeira prisão ocorreu por furto e a primeira sentença condenatória fora por assalto a mão armada. Desde então relacionou-se com movimentos armados de extrema esquerda. Já no ano de 1979, fica comprovada sua ligação com o crime quando fora condenado a 12 (doze) anos de prisão por participação em grupo armado, assalto e receptação de armas. Quando passa a viver foragido.

2. Após sua prisão em 2007, em território brasileiro, travou-se uma batalha jurídica para demonstrar, de um lado que o mesmo sofria perseguição política do governo italiano, doutro que seus atos tinham caráter criminal comum. A defesa pediu refúgio ao governo brasileiro que de pronto fora negado e somente teve decisão favorável com o recurso encaminhado ao Ministro Tarso Genro. Não é segredo nenhum a inclinação política do governo que deferiu o pedido. É importante salientar que o pleito fora revisto pelo plenário do STF, negando o mesmo. A decisão do Egrégio Tribunal Constitucional brasileiro foi pela extradição de Battisti, com a ressalva de que o mesmo não cumprisse a pena de prisão perpetua a qual tinha sido condenado, que se limitasse ao máximo admitido no ordenamento brasileiro, 30 anos. Não obstante a mesma decisão deixava ao presidente a decisão sobre a execução da sentença, que não fora levada a termo. Deu-se então o embate diplomático conhecido entre Brasil e Itália, que teve fim em 2011, com a liberação do cárcere.

3. Nos dias atuais o refugiado italiano Cesare Battisti vive no estado de São Paulo. É escritor e militante de movimentos de esquerda brasileiro, mesmo que apenas com atuação ideológica feito. Acha-se em vias de supressão de seus status atual, como fora feito em 2015 pela Justiça Federal de Brasília. O governo italiano busca os meios jurídicos adequados para que a tão almejada extradição - até mesmo a deportação - seja alcançada. A mudança de viés ideológico na chefia do poder executivo nacional pode ser um motivo de preocupação constante de Battisti, motivo pelo qual o mesmo já fez pedido liminar de habeas corpus.

4. A decisão de que o Presidente da República não está vinculado à autorização de extradição concedida pelo Supremo é histórica. Havia uma grande divergência na doutrina a este respeito, e o caso Battisti certamente virou referência. É perceptível que o Supremo tem a palavra final quanto à extradição apenas na possibilidade de indeferi-la, ou seja, se os Ministros do Supremo não autorizarem um pedido de extradição, o Presidente da República não poderá contrariar esta decisão, uma vez que cabe exclusivamente ao Pretório Excelso decidir sobre a legalidade do pedido. Mas caso a decisão do Supremo seja pela extradição, ainda caberá ao Presidente da República dar a palavra final. A Constituição determina que o Presidente da República possui a atribuição, privativa, de responsabilizar-se quanto às relações estabelecidas com os outros países. É claro que a decisão do Presidente pode orientar-se por motivações políticas, criando conflitos com outros países. A problematização está nas consequências oriundas da decisão nas relações com nações amigas. [8]

5. É necessário enfatizar que a opinião pública italiana não considera Battisti um refugiado político. De um modo geral, até mesmo partidos de esquerda consideram Cesare Battisti um criminoso comum, como se pode ver em declaração dada pelo deputado italiano Fabio Porta, do partido de esquerda PD, que fez oposição ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi (de direita), em declaração ao jornal brasileiro Gazeta do Povo: “O Battisti era um criminoso comum que, depois, se infiltrou no movimento terrorista. Fico preocupado vendo que, no Brasil, uma certa esquerda fale desse assunto não sabendo ou não querendo entender que a esquerda italiana também sofreu muito com o terrorismo.[9]

BIBLIOGRAFIA

BACHEGA, Hugo. Entenda o caso Cesare Battisti. Disponível em http://www.oglobo.globo.com/politica/entenda-caso-cesare-battisti-2903197. Acesso em 10/02/2017.

La Repubblica. Caso Battisti, attesa la decisione di Lula
Palazzo Chigi: "No sarebbe inaccettabile" Disponível em   http://www.repubblica.it/politica/2010/12/30/news/caso_battisti_palazzo_chigi_precisa_berlusconi_sempre_stato_per_estradizione-10704982/index.html?ref=search. Acesso em 10/02/2017.

FELIX, Rosana. Para italianos, Battisti é terrorista. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/especiais/dossie-battisti/para-italianos-battisti-e-terrorista-dd7wdx3dat75s0c547hcmdi6m. Acesso em 10/02/2017.

BRASIL. Advocacia Geral da União. Parecer nº AGU/AG-17/2010. Interessado: Cesare Battisti. Ementa: Extradição 1085 – República Italiana. Supremo Tribunal Federal. Margem de discricionariedade do Presidente. Aplicação do Tratado. Ponderáveis razões para suposição de que o extraditando poderia ser submetidos a atos de discriminação, por motivo de situação pessoal. Brasília, 28 de dezembro de 2010. Disponível em HTTP://www.agu.gov.br. Acesso em 02/03/2017.

______. Decreto nº 42.628, de 13 de novembro de 1957. Promulga a Convenção sobre Asilo Diplomático, Assinada em Caracas a 28 de Março de 1954. Diário Oficial da União, Seção 1. 19 nov. 1957. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 04/03/2017.

______. Decreto nº 863, de 09 de julho de 1993. Promulga o Tratado de Extradição, entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, de 17 de outubro de 1989. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 04/03/2017.

______. Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração e dá outras providências. Diário Oficial da União. 21 ago.1980. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 10/03/2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição nº 1.085. Requerente: Governo da Itália. Extraditando: Cesare Battisti. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, 16 de dezembro de 2009. Disponível em HTTP://www.stf.jus.br. Acesso em 04/03/2017.

______. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 11.243. Reclamante: República Italiana. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 08 de junho de 2011. Disponível em HTTP://www.stf.jus.br. Acesso em 10/03/2017.

GIRALDI, Renata. Entenda o caso Battisti. Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-06-10/entenda-caso=battisti. Acesso em 10/03/2017.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público: Parte Geral. 6ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012


[1]Aviso nº 850/MJ, de 04 de maio de 2007

{C}[2]{C}Artigo 4º -  Pena de Morte - A extradição tampouco será concedida quando a infração determinante do pedido de extradição for punível com pena de morte. A Parte requerida poderá condicional a extradição à garantia prévia, dada pela Parte requerente, e tida como suficiente pela Parte requerida, de que tal pena não será importa, e, caso já o tenha sido, não será executada.

[3]{C}  f) se a Parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada pó um dos elementos antes mencionados;

[4]{C}http://www.repubblica.it/politica/2010/12/30/news/caso_battisti_palazzo_chigi_precisa_berlusconi_sempre_stato_per_estradizione-10704982/index.html?ref=search

{C}[5]{C} MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 746-747;

{C}[6]{C} Processo N° 0054466-75.2011.4.01.3400 - 20ª VARA FEDERAL

{C}[7]{C} HC 136898 / DF

{C}[8]{C} http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/especiais/dossie-battisti/para-italianos-battisti-e-terrorista-dd7wdx3dat75s0c547hcmdi6m

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Sobre o autor
Tomás Gomes

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Amazonas - Ufam

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