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Preconceito sem cara:

cotas, racismo e preconceito

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RAZÕES PARA MUDAR

(CONSIDERAÇÕES FINAIS)

O mito da democracia racial brasileira é falso. Qualquer pessoa sensata sabe disso. Também é hipócrita e simplista o argumento de que o Estado deveria, ao invés de criar políticas públicas compensatórias (através de cotas), investir no melhoramento do ensino nas escolas públicas. Soa ingênuo e descabido tal argumento, uma vez que o sucateamento da educação em todo território brasileiro interessa a grande parte dos nossos políticos. A razão é evidente, já que a maioria deles jamais seriam reeleitos, caso dessem ao seu eleitor, condições políticas de obter educação e esclarecimento ao menos razoáveis. Repetindo as palavras do Dr. King: "Justiça adiada é justiça negada".

A política de cotas está longe de ser um projeto social perfeito. Terá, claro, efeitos negativos, pois implica, para a parcela dominante, em diminuição de regalias. Nenhum direito conquistado até hoje foi conquistado ou cedido pelo dominador sem luta ou resistência. Ninguém cede direitos sem lutar, por mais justos que pareçam. Mas é melhor tentar alcançar um mínimo de justiça social -mesmo que para isso sejam inevitáveis os conflitos de interesses-, a viver eternamente fingindo que as diferenças e os dados mencionados no início deste texto não existem. A única certeza é de que os efeitos positivos dessa política superarão, em muito, os negativos.

Pelos poucos dados enunciados, vemos que as oportunidades em nosso país, não são iguais. Alguns insistem em afirmar que a Ação Afirmativa, através da política de cotas, tem como fim, ferir o direito a igualdade, o que nos parece completamente descabido e incoerente. O que está ferindo realmente o direito a igualdade? A obtenção de cotas em universidades ou a manutenção dessa situação clara de injustiça social identificada pelas pesquisas?

Dizer não às cotas é perpetuar tamanha situação de injustiça. É dizer aos negros que o que seu movimento quer é direito e é justo, mas que a oportunidade ou o método não é bom. Dizer que deveriam esperar que o Estado melhore a escola pública e o ensino fundamental para então entrar na faculdade não passa de retórica vazia. O negro já espera por isso desde a libertação dos escravos, há mais de 300 anos, mas o que se percebe, é que a situação do ensino público no Brasil só piora a cada dia. Sem o menor indicador de melhorias. Em outras palavras, como bem disse Dr. King, esperar mais, é adiar para sempre um direito líquido e certo à igualdade. Ninguém quer pena, o anseio maior de qualquer parcela oprimida da sociedade é sempre pela justiça e não pela compreensão. Somente a ação pode reverter tal situação.

Outro argumento muito utilizado em oposição às políticas compensatórias é o de que não se sabe quem é negro no Brasil. Ora, não podemos concordar com tal fundamentação, uma vez que todos sabemos quem é negro em nosso país. O IBGE sabe quem é e onde está. O DIEESE também. Todas as "madames", "patricinhas" e "mauricinhos" o reconhecem quando travam rapidamente as portas de seus carros com a sua aproximação em um sinal de trânsito, por mais bem vestido que esteja. O vendedor ou dono de loja preconceituoso que redobra a atenção com a sua chegada, sabe quem é negro. O pai e a mãe racista sabem quem é negro quando a filha escolhe seu namorado. O patrão inconseqüente sabe quem é, ao preteri-lo em sua contratação para um emprego, mesmo quando é mais qualificado do que o outro concorrente. A polícia sabe também, pois entende de suspeitos, e o suspeito, para ela, na maioria dos casos é sempre o negro. Agora, pode essa mesma sociedade, que por toda vida soube a quem discriminar, para se esquivar de sua dívida histórico/social e moral, argumentar que não sabe quem é negro e quem seria o destinatário de tais políticas no Brasil?

Mais do que qualquer um desses citados, o negro sabe bem quem é negro. Sente que é negro. Sofre todas as conseqüências externas por o ser. E mais do que saber, sentir e sofrer, o negro tem muito por que se orgulhar, sendo negro. Pois resistência, força e coragem sempre foram sinônimos de sua luta. Ninguém melhor do que ele mesmo para dizer quem é negro ou não. Aliás, quando o próprio negro estiver sendo capaz de dizer por ele mesmo, o que é melhor para ele, ao invés de esperar que brancos o façam, como sempre ocorreu, grande parte ou a maior parte de seus problemas já terá sido resolvido.


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Notas

1 Retirado de: http://www.niza.nl/nl/press/pb990706.htm, consulta em 10/03/2003. às 10:03am.

2 Retirado de : http://www.stanford.edu/group/King, em 13/06/2001, às 19:00hs

3 Retirado de "On Being a good neighbor" in Strength to love, 1963 http://www.stanford.edu/group/King, em 03/02/2002, às 21:00h

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Sant´Ana

Advogado,especialista em Direito Tributário pela Escola Superior da OAB/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANT´ANA, Guilherme Guimarães. Preconceito sem cara:: cotas, racismo e preconceito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 427, 7 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5652. Acesso em: 25 dez. 2024.

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