Princípios e terminologia do registro de imóveis

25/03/2017 às 18:16
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No Brasil, na sistemática pátria, o registro não tem a natureza de negócio jurídico abstrato, mas causal. É um ato jurídico causal, somente porque opera a transferência da propriedade dentro das forças e, sob condição de validade formal e material do título.

I – A AQUISIÇÃO DE DIREITOS SOBRE IMÓVEIS

O Código Civil Alemão de 1896 instituiu uma sistemática para a transferência do domínio baseada na inscrição do contrato no registro do imóvel, ato precedido da depuração do título em processo sumário, que  corre perante os juízes do registro imobiliário. No sistema jurídico alemão de propriedade imobiliária a sua base é o cadastro de toda a propriedade imóvel. Sem a adoção de livros fundiários rigorosamente escriturados não seria possível estabelecer tal técnica.

A transcrição no registro decorre de um acordo formal de transmissão, que se erige, então, sem convenção jurídico-real e resulta de declaração de vontade dos interessados especificamente à transcrição. Feito o registro com a observação das normas do direito imobiliário formal, que estatui rito próprio e somente se efetua em decorrência de ato judicial que retira do título vícios, a transcrição assume a natureza de negócio jurídico abstrato, valendo por si mesma independente do negócio jurídico causal anterior. Assim, promovido o registro nos livros fundiários, a transmissão se desprende do negócio jurídico subjacente (compra e venda, doação etc), para valer como negócio jurídico translativo da propriedade imóvel. Adquire, assim, uma força probante de presunção iuris et de iure de propriedade. Dono é aquele que tem  a propriedade registrada em seu nome.

Pelo sistema germânico, a transcrição opera a transmissão e faz prova plena da propriedade que se presume na titularidade daquele em cujo nome o registro está.
No Brasil, com o Código Civil de 1916 e ainda com o Código Civil de 2002, as coisas se passam de forma diversa. No Brasil,  contrato não opera a transferência do domínio. Geralmente, tão somente um direito de crédito, que é chamado  de direito pessoal. Somente o registro no Registro de imóveis para a transferência da coisa imóvel cria o direito real. É a transcrição do instrumento no cartório de registro da sede do imóvel que opera a aquisição da propriedade.

Mas, no Brasil, na sistemática pátria, o registro não tem a natureza de negócio jurídico abstrato, mas causal. É um ato jurídico causal, somente porque opera a transferência da propriedade dentro das forças e, sob condição de validade formal e material do título. Seu pressuposto fático será, portanto, um título hábil a operar a transferência, cabendo ao Oficial do Registro a função de proceder a um exame, podendo levantar ao juiz competente dúvidas, num procedimento de jurisdição voluntária, que tiver, seja quando a capacidade das partes ou a qualquer requisito formal do negócio jurídico de transmissão ou outro elemento que lhe parece faltar para que esse direito se repute escorreito.

Mister que se lembre que, uma vez efetuada a transcrição, ou a inscrição de título constitutivo de algum outro direito diverso da propriedade, presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se transcreveu ou se inscreveu. A propriedade se considera adquirida na data da apresentação do título a registro, observando-se lapso de tempo entre a prenotação do protocolo e o registro. A presunção que aqui se fala é iuris tantum.

A transcrição é causa determinante da aquisição da propriedade imóvel, como, ainda, não se infirma o registro da autoridade do seu oficial, que deverá vir de sentença.
Há o princípio da publicidade, de tal forma que é pelo registro que qualquer pessoal toma conhecimento das especificidades do imóvel e do negócio, como ensinou Caio Mário a Silva Pereira (Instituições de direito civil). Nos direitos reais de garantia, como a hipoteca, essa publicidade é ainda exigida.
Outro princípio a se ter em conta é o da legalidade através do qual, se o oficial efetuou a transcrição ou inscrição, foi porque nenhuma irregularidade encontrou.
Nas palavras de Darcy Bessone (Da compra e venda2º edição, pág. 43), “a esse de que a compra e venda brasileira é produtiva tão-somente da obrigação de transferir o domínio significa que o objeto do acordo de vontades é a criação dessa obrigação, e não a própria transferência do domínio”.

Prossegue Darcy Bessone, que isso compreende-se em direito alemão, porque, nele, como já ficou visto, a compra e venda é estranha ao negócio translativo, que tem por base um outro contrato (o dinglicher Vertrag) abstrato e, pelos efeitos, real. Poder-se-ia compreender tal tese, também, em direito romano, embora a emptio et venditio se referisse à posse, porque os romanos praticavam modos de a adquirir (mancipatio, in iure cessio e traditio) de natureza contratual embora não a percebessem.
Mas como disse Darcy Besssone (obra citada), entre nós, não se pode aceitar a aludida tese, por ser certo que não dispomos de um segundo acordo de vontades, de um segundo contrato, integrativo do negócio, (não sobre a obrigação de transferi-lo) está na compra e venda, ou não está em parte alguma, não existe.
Passamos, então, a melhor compreender essa questão diabólica.

Como ainda acentuou Darcy Bessone, “é certo, todavia, que tal acordo insere-se na compra e venda. Para chegar-se a essa conclusão, assume importância decisiva o art. 134 do Código Civil que expressamente menciona que “contratos constitutivos ou translativo de direitos reais”, incluindo-se, entre estes, a compra e venda. No n. 23, mostramos que essa disposição recebe complementação de outros preceitos do Código Civil, como os arts. 530, I, 531, 676,856,I, 857,858,860, parágrafo único, 862 etc)”. Faço essas ponderações, lembrando que os artigos se referem ainda ao Código Civil revogado.
Disse então, Darcy Bessone que “o direito brasileiro aproxima-se do francês e do italiano, que consideram a compra e venda como um acordo de vontade sobre a própria transferência do domínio, não sobre a obrigação de transferi-lo”.
Mas o que se tem é que “aproximando-se, não se identifica com eles, entretanto, porque, aqui, o registro no Registro Imobiliário, em relação aos bens imóveis e a tradição, quanto aos bens móveis, são, ao contrário, do que ocorre na França e na Itália, atos integradores do negócio translativo.” Sob esse aspecto, o nosso direito filia-se ao direito germânico.

Mas, também não se identifica com este, porque, no direito alemão, o acordo de vontades sobre a transferência do domínio, embora seja essencial, não se estabelece na compra e venda, que é simplesmente obrigacional e encerra autêntica promessa de alienar, mas, sim, em um segundo contrato, real pelos efeitos translativos que suscita.
O registro do direito real sobre o imóvel, indicando que é o seu proprietário, atendeu a que, se o oficial do Registro efetuou a transcrição ou inscrição. Se o fez, não encontrou qualquer irregularidade intrínseca ou extrínseca. Mesmo nos casos de ações divisórias ou demarcatórias, de cunho declaratório, a publicidade do registro reside no efeito de oferecer segurança erga omnes.

Ainda registram-se sentenças que, nos inventários e partilhas, adjudica-se bens de raiz em pagamento da dívida de herança, caso em que a sentença produz o papel de alienação inter vivos.
A lei ordena, ainda, que sejam transcritas a arrematação e as adjudicações, em hasta pública. Fala-se em vendas judiciais e não de arrematações que se realizam em leilões privados.
Se à prenotação do título sobrevier a falência ou insolvência do alienante e a transcrição se atrasar por culpa do Oficial ou pelo julgamento da improcedência de dúvida por este levantada, a transcrição subsequente retroage à data em que a apresentação é prenotada em cartório, como se houvesse realizado concomitantemente. Nos contratos de compra e venda é muito comum as partes pactuarem que a Escritura Pública de Compra e Venda só será outorgada ao comprador, após a quitação da última parcela, quando o imóvel for alienado a prazo.

II – OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO DE IMÓVEIS NO BRASIL

O princípio geral dos registros públicos é o da publicidade, pois é através do registro que se tornam públicos os atos e fatos nele registrados. O registro público é um sinal exterior que garante os direitos a seus titulares e dá validade e efeitos aos mesmos.
Disse Serpa Lopes (Tratado dos Registros Públicos, 2º edição, pág. 49 e 50) que o interesse da publicidade no registro imobiliário resulta da necessidade de se lhe dar uma feição equivalente a uma espécie de estado civil do imóvel, assinalando todas as suas mutações e recebendo o contato de todas aas circunstâncias modificativas, quer inerente à coisa, quer ao direito de seus titulares.

Os princípios que são a base do sistema que rege o registro de imóveis no Brasil, são os que seguem:

a) Princípio da inscrição: significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante a inscrição no registro. Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada negocialmente entre particulares, na verdade, só se constituirá para produzir o deslocamento da propriedade ou de direito real do transmitente ao adquirente pela inscrição. Assim, a mutação jurídico-real nasce com a inscrição e, por meio desta, se exterioriza a terceiros;

b) Princípios da presunção e da fé pública: Pelo sistema brasileiro, o título, per se, não prova o domínio porque a propriedade se adquire pelo registro. A prova do domínio da coisa imóvel se dá com o título de aquisição registrado. Em matéria de aquisição da propriedade imóvel pelo registro, adota-se, como já referenciado, do sistema francês, o princípio de registro à vista de um título, e do sistema germânico, o princípio do registro como prova do domínio que, entretanto, induz uma presunção relativa (iuris tantum), e não absoluta (iuris et de iure) de propriedade, ficando sempre ressalvada ao verdadeiro dono a prova em contrário. Presume-se pertencente o direito real a quem registrou. De outro, a fé pública, como ensinou Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 1982, páginas 211 – 212) tem sua influência limitada aos negócios jurídicos, aos acordos de vontades ajustados entre as partes. Assim, fala-se que além de cobrir os negócios jurídicos, a fé pública cinge-se a amparar os direitos que eles conduzem à inscrição, não os fatos carregados simultaneamente com eles, como a situação geográfica, sua extensão, sua exploração econômica, suas construções, seu preço. Isso porque a fé pública protege a inscrição dos direitos, não dos fatos a ele ligados, uma vez que a eventual inexatidão destes não se convalida em favor do titular inscrito por ficar fora do abrigo do princípio;

c) Principio da prioridade: significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam por uma relação de precedência firmada na ordem cronológica do seu aparecimento, isto é, prior tempore potior iure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição, no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois, como assinalou Nussbaum, em Direito Hipotecário, Madrid, 1929, pág. 30.

d) Princípio da especialidade: significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individualizado. Este princípio, que é consubstancial ao registro de imóveis, desdobra o seu significado para abranger a individualização obrigatório de todo o imóvel que seja objeto do direito real, a começar pelo de propriedade, pois a inscrição não pode versar sobre todo o patrimônio ou sobre um número indefinido de imóveis; toda dívida que seja garantida por um direito real (como por exemplo a hipoteca), deve ser objeto desse princípio;
 

e) Princípio da legalidade: O sistema jurídico brasileiro adota o princípio da legalidade ou legitimidade, em virtude do qual a validade da inscrição depende da validade do negócio jurídico que lhe dá origem e da faculdade de disposição do alienante. Ao passo que o direito alemão põe esse negócio jurídico na figura de um acordo jurídico real abstrato, por força do qual as partes, perante à autoridade, meramente dão o seu consentimento à inscrição, o direito brasileiro o situa na figura de um acordo jurídico obrigatório, em que as partes dão o seu consentimento a todas as estipulações entre elas ajustadas;

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f) Princípio da continuidade: que se apoia no de especialidade, uma vez que significa que em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular;

g) Princípio da instância: significa que a ação do registrador deve ser solicitada pela parte ou pela autoridade. Há necessidade de postulação do registro. Caso a autoridade cartorária entenda ser necessário irá  suscitar dúvida, procedimento de jurisdição voluntária, solicitando que o juiz dirima eventual discussão sobre o registro público em torno do qual é objeto.


III – TERMINOLOGIA DO REGISTRO

Registro é um termo genérico, que cobre vários termos específicos, utilizados no registro público, quais sejam: inscrição, averbação e transcrição.

Esses três termos específicos designam, desde a Lei Imperial de 1864, respectivamente, o assento seletivo de declarações ou por extrato, o assento dependente da existência do anterior, marginal a este, e o assento copiativo das declarações em inteiro teor. Mas, entretanto, como se vê, o terceiro, além de designar a reprodução integral dos documentos, como acontece no Livro Auxiliar e no Registro de Tìtulos, costumava ser empregado nas leis civis em lugar do primeiro, como informou Afrânio de Carvalho (obra citada, terceira edição, pág. 108).
Veio a Lei 6.015, trazendo a dicotomia no registro de imóveis entre registro e averbação.
Para Afrânio de Carvalho (obra citada, terceira edição, pág. 132), a diferença consiste em que a inscrição existe por si, ao passo que a averbação depende, para existir, de anterior inscrição, visto como se apõe verba à escrita preexistente. Ambas cobrem mutações jurídico-reais, mas há distinções. Cabe dizer que a inscrição protege toda aquisição – de propriedade, de direito real e de posição admonitória – ao passo que a averbação resguarda toda movimentação subsequente. Em suma, tem-se o que segue:

  INSCRIÇÃO
               - aquisição da propriedade originária ou derivada (transmissão da propriedade);
         - constituição de direito real limitado ou de ônus a ele equiparado (bem de família, promessa irretratável de venda etc);
             - premonição de riscos sobre a propriedade inscrita (arrestos, sequestros, penhoras, contraditas).

  AVERBAÇÃO

 - Extinção da propriedade por abandono ou renúncia (cancelamento);
             -Transmissão de direito real limitado ou de ônus a ele equiparado: cessão de hipoteca, de promessa de venda, contrato de locação com cláusula adjeta de vigência contra o adquirente, de contrato de renovação de locação para fins comerciais, caução de hipoteca, de direito sobre a propriedade;
              - Extinção de direito real limitado(cancelamento);
              - Modificação do conteúdo do direito de propriedade (construção, reconstrução, demolição), do direito real limitado (prorrogação de hipoteca, alteração da sua taxa de juro etc).

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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