A semelhança entre as penas de crimes discrepantes

28/03/2017 às 02:49
Leia nesta página:

O presente Artigo vem discutir a comparação entre crimes que são completamente diferentes pela sua natureza e gravidade social mas que possuem penas idênticas ou muito semelhantes, o que gera inúmeras consequências no âmbito social.

1.    INTRODUÇÃO

 

É sabido que o Código Penal, mais especificamente em sua Parte Especial, bem como em legislações penais esparsas, são responsáveis, evidentemente através da atividade legislativa, pela tipificação das mais diversas condutas humanas como crimes, o que, consequentemente, estipulam penas que serão, em tese, recaídas ao agente das condutas delituosas.

Ocorre que ainda que haja diferença estarrecedora entre determinados crimes, por suas peculiares características, as legislações penais apresentam penas muitas vezes semelhantes para crimes que tem enorme discrepância pela natureza que apresentam.

É essa discussão que o presente artigo vem adentrar, comparando alguns crimes e suas respectivas penas, bem como discutir as possíveis (algumas muita claras) consequências que essas discrepâncias previstas legalmente acabam provocando no meio social.

 

2.    DA SEMELHANÇA DE PENAS ENTRE CRIMES DISCREPANTES

Para melhor compreender o que se afirma, quando se diz que há uma  semelhança entre penas de crimes que são claramente diferentes pela sua natureza, destacam-se a seguir alguns exemplos, comparando-os entre sí e provocando, inevitavelmente, questionamentos acerca do que que prentende de fato o direito penal, por não observar o legislador acerca do caráter que tem a pena, já que a prevê quantitativamente semelhante ainda que diante de situações que sequer podem ser comparadas de fato.

Vejamos então algumas desses comparativos:

2.1.        FURTO X MAUS TRATOS

 

Furto é o crime pelo qual o agente subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, sem violência ou grave ameaça, previsto no Art. 155 do nosso Código Penal.

O crime de Furto tem a pena de 1 a 4 anos de Reclusão, e multa, previsto abstratamente no mesmo artigo discutido.

Por sua vez, o crime de Maus Tratos, que encontra-se com redação no Art. 136 do mesmo código, afirma que é considerado Maus Tratos expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina. Crime esse previsto com pena em abstrato de detenção, de 2 meses a 1 ano, ou multa.

Isso é, apesar de o crime de Maus Tratos demonstrar inúmeras características que o evidenciam como sendo mais reprovável, visto que a conduta delituosa de maltratar alguém (privando um filho de uma alimentação, por exemplo) tem a penalidade ínfima, se comparada diretamente com a do crime de Furto. Como se subtrair um objeto, coisa sem vida e valor humano, fosse muito pior que deixar sequelas em uma pessoa que se encontra como dependente do agente agressor.

Inclusive, vale ressaltar, sem sombra de dúvidas, que quando do crime de Maus Tratos resultar efetivamente lesão corporal de natureza grave, apesar de prever uma pena perceptivelmente maior para esse caso (1 a 4 anos de Reclusão), só então ela chega a alcançar a mesma pena quantificada para o crime de Furto. Sendo então necessário que, além de causar Maus Tratos, o agente tenha que realmente causar lesão física de forma grave na pessoa que se encontra em sua guarda, por exemplo, para se equiparar à gravidade de um crime de Furto. O que, logicamente, não demonstra um mínimo justificável para tamanho absurdo.

 

2.2.        VIOLAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA X SEQUESTRO

 

O Código Penal, em seu artigo 151, §3º, tipifica o crime de Violação de Correspondência, quando o agente comete o crime com abuso de função em serviço postal e semelhantes, ao qual o legislador designa a pena em abstrato que é de 1 a 3 anos de Detenção.

Por outro lado, pena semelhante é dada ao crime de Sequestro e Cárcere Privado, qual seja o de privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado. Crime ao qual é previsto pena de Reclusão de 1 a 3 anos.

Apesar da diferença da forma como o indivíduo iniciará a pena (Na Reclusão o agente tem a possibilidade de começar o cumprimento da pena em regime fechado, enquanto na de Detenção, apenas inicia o cumprimento da pena nos regimes aberto ou semi-aberto), as penas em si, quantitavamente falando, são as mesmas. De 1 a 3 anos. Embora, claramente, sejam crimes aos quais nem poderíamos permitir uma comparação no sentido de se afirmar qual seria o crime mais grave. Pois, apesar de a gravidade de um crime não poder ser medida de forma objetiva pelo Direito Penal, é evidente para qualquer pessoa com sua sanidade e senso crítico em pleno funcionamento que o Sequestro de uma pessoa é algo muito mais reprovável e inaceitável que uma Violação de Correspondência.

No entanto optou o legislador por manter semelhates penas para crimes com um liame tão diferente.

 

2.3.        ROUBO X TRÁFICO DE PESSOAS

 

O crime de Roubo é tipificado no vigente Código Penal Brasileiro, em seu Art. 157, como sendo a subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem, (aqui sim) mediante violência ou grave ameaça a pessoa ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência, ao qual é prevista pena em abstrato de 4 a 10 anos de Reclusão e Multa.

No entanto em seu recentemente criado Art. 148-A, o legislador prevê o crime de Tráfico de Pessoas, com a seguinte redação:

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“Art. 148-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou

V - exploração sexual.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.”

O que se percebe, quer queira, quer não, é que as penas para esses dois crimes completamente diferentes, um por se tratar objetivamente de um objeto, enquanto o outro de uma pessoa, ser humano dotado de capacidade para sentir emoções, dor, alegria etc, são exatamente iguais na sua forma de cumprimento inicial (Reclusão), na sua pena mínima em abstrato (4 anos) e por ambas preverem a pagamento de Multa.

E para que se perceba a única diferença no que tange à pena desses crimes, de forma completamente injusta, inexplicável e perplexiva pelo grau de absurdez, é que se mostra o crime de Roubo com uma pena máxima maior que a da prevista pelo crime de Tráfico de Pessoas (10 anos para o de Roubo e infelizes 8 anos para o de Tráfico de Pessoas).

Ou seja, poderíamos afirmar, com uma interpretação simples e objetiva, que roubar um relógio de alguém é algo mais grave e reprovável do que comprar um ser humano para retirar seus órgãos contra a sua vontade.

 

 

3.    CONSEQUÊNCIAS

 

Três podem ser as principais consequências que esses absurdos legislativos vem a causar no meio social:

 

1.    Descrença no Punição que o Estado propõe atraves de sua legislação de cunho punitivo. O que aumenta dia após dia uma revolta social que não mais crê que o Estado tenha capacidade de efetivamente punir os agentes de condutas delituosas de forma eficiente e equitativa, o que é um imenso problema, visto que a sociedade enxerga uma banalização punitiva por parte do Estado em crimes que deveriam, em tese, serem mais graves que outros, com reflexo direto em suas penas previstas;

 

2.    Sensação de não reprovabilidade por parte dos agentes de crimes teoricamente mais gravosos à sociedade, fazendo com que os mesmos não se sintam efetivamente repelidos pelo Estado a não reincidir nos mesmos crimes, já que podem vir a entender que o Direito Penal considera o Tráfico de uma pessoa, para fins de trabalho escravo, tão grave quanto um Roubo de um telefone celular;

 

3.    Incentivo indireto à pratica de um crime muito pior à vez de um crime efetivamente menos ofensivo, já que muitas vezes praticar um crime mais gravoso comportaria no cumprimento de uma pena igual ao de outro menos gravoso.

 

 

4.    CONCLUSÃO

 

Apesar de ser compreensível que não há, realmente, forma de quantificar em números o quão grave é uma conduta em detrimento de outra, é mais ainda incompreensível como algumas dessas condutas são claramente mais horrendas que outras e ainda assim o Código Penal as trata, penalmente falando, de formas idênticas ou semelhantes, ao ponto de causar muitas vezes, como já se é comum perceber, um verdadeiro alvoroço social que critica de forma ferrenha e colérica como alguns crimes são tratados irrisoriamente, quando comparados a outros tão mais reprováveis.

Talvez não haja nunca uma forma de o Direito Penal suprir essa demanda social que clama por um tratamento diferenciado entre esses crimes, visto que é real o fato de que o legislador é, ainda que não aceitemos, um ser humano, limitado mental e logicamente, sempre elaborando leis e mais leis das quais decorram normas que não agradarão o meio social, por muitas vezes não passarem a sensação de justiça.

No entanto é verdadeiro que o Direito não é Justiça, nem busca diretamente por ela. Pois logicamente não há um conceito único de justiça, tampouco seria possível fazê-lo, já que é algo sentido, que se situa no mundo das ideias, enquanto o Direito é paupável, é criado, definido e limitado pelos esforços humanos. Ainda assim, não se pode calar-se ao fato de que as consequências discutidas mais acima são de um perigo vivido diariamente pela sociedade.

O Direito, por buscar a ordem social e não a justiça, visto que pune através de quantificações tão contraditórias e controversas, falha miseravelmente frente à crença da sociedade como um todo, que torna  perceptível tamanha indignação social no que diz respeito à aceitação de que crimes tão discrepantes entre si comportem penas tão semelhantes, como se fossem igualmente graves, o que evidentemente não o são. Porque apesar de o Direito ser quantificado, a mente e os sentimentos humanos não o são.

5. REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 1: parte geral (arts. 1º a 120). 21. Ed. - São Paulo: Saraiva, 2017.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2. 17. Ed. - São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL. Decreto lei 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 27 Abr. 2017.

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Sobre o autor
Paulo João Duque Leal

Estudante de Direito e concurseiro amador.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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