Usucapião (1ª parte)

28/03/2017 às 10:17
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A usucapião. O fundamento principal do instituto da usucapião é conferir segurança jurídica a uma situação, que se consolidou com o decurso do tempo e que poderá transformar-se no robusto e desejado direito de propriedade.

Apesar de ser um tema bastante antigo, esse assunto ocupa, atualmente, um lugar de grande e incontestável destaque nas discussões jurídicas.

Por certo, a sua relevância se dá por diversos motivos, entretanto alguns se destacam:

  1. Estamos vivenciando nos dias atuais o fenômeno da desjudicialização. Esse movimento incentivado fortemente pelo Governo Federal teve como antecedente a absoluta impossibilidade do Poder Judiciário atender de forma eficaz a todas as demandas que lhe são encaminhadas somada a sua lentidão e a sua excessiva onerosidade. Existe hoje no nosso País e de certa forma esse é um movimento mundial, uma forte tendência de subtrair do Poder Judiciário todas as questões que não envolvam litigiosidade, a chamada jurisdição voluntária, transferindo-as aos Serviços Notariais e de Registro. Esse movimento chamado de desjudicialização se iniciou, no Brasil, smj, em 1992, por meio da Lei nº 8.560/92, que regulou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e permitiu o reconhecimento de paternidade perante o Registrador Civil. A desjudicialização vem se intensificando a cada ano, sendo que a última grande novidade ocorreu com o advento do novo Código de Processo Civil, que no seu art. 1.071 e seguintes, permitiu que a usucapião fosse reconhecida extrajudicialmente. É bem verdade que esse diploma legal contém diversas imperfeições, no entanto, entendo que, mais uma vez, caberá ao Poder Judiciário, conferir eficácia ao velho instituto da usucapião, assim como ocorreu com a exitosa Lei nº 11.441/07, que, na minha ótica, só alcançou todos os efeitos pretendidos pela sociedade em razão da Resolução nº 35/07, expedida pelo CNJ;

  1. Continuando no tema da desjudicialização, mas agora, focando no instituto da usucapião, temos que ressaltar que, antes mesmo do novo Código de Processo Civil, nosso ordenamento jurídico já previa a possibilidade da usucapião extrajudicial, por meio da Lei nº 11.997/09 (PMCMV), que trata do tema da regularização fundiária, dividindo-as em duas formas: a de interesse social e a de interesse específico, outorgando ao ocupante do lote regularizado o título de legitimação de posse, que será passível de registro, vide art. 167, I, 41, da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). Uma vez registrado o título de legitimação de posse, após cinco anos, este será convertido em propriedade. Outra forma da usucapião extrajudicial, atualmente existente, é a usucapião administrativa de bens públicos, prevista na Medida Provisória nº 2.200/01 e Lei nº 11.481/07, que trata de terrenos de marinha e acrescidos, vide art. 22-A, da aludida lei;

  1. Vale registrar que em 22.12.2016 foi editada a Medida Provisória nº 759, que dispõe sobre a regularização fundiária urbana e rural, inclusive no âmbito da Amazônia Legal, alterando, substancialmente, os dois institutos mencionados na letra “b”, acima, ao conceder ao direito de laje o status de direito real, bem como reconheceu a criação da propriedade coletiva neste âmbito e ainda cunhou a legitimação fundiária como uma nova forma de aquisição originária de propriedade, entre outras;"

  1. A questão da falta de moradia e o comando constitucional que elevou o direito à moradia à condição de direito social, após a EC nº 26/2000, o princípio da função social da propriedade (teorias subjetiva, objetiva e sociológica da posse), da função social da posse, da função social da cidade (art. 182, da CF/88) e do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (inciso III, do art. 1º, da CF/88);

  1. Adite-se, ainda, que a celeridade do procedimento não beneficiará apenas ao cidadão, à medida que a regularização imobiliária implica em relevante meio de incremento na arrecadação de receitas municipais e estaduais, decorrentes da cobrança do IPTU, do ITBI e do ITCMD, favorecendo diretamente a Administração Pública, em especial neste momento de grave crise financeira que assola os cofres públicos.

Destarte, tecidas essas considerações preliminares, voltemos ao tema que nos interessa: a usucapião. O fundamento principal do instituto da usucapião é conferir segurança jurídica a uma situação, que se consolidou com o decurso do tempo e que poderá transformar-se no robusto e desejado direito de propriedade.

Discorrendo ainda sobre a segurança jurídica, leia-se a lição do renomado jurista José Carlos de Moraes Salles: “Interessa à paz social a consolidação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-se em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da coletividade”.

Além de conferir segurança jurídica, outro importante fundamento da usucapião é a sua relevância social, pois o possuidor confere ao bem destinação útil e funcional, atendendo e dando efetividade aos preceitos constitucionais da função social da propriedade, do direito social à moradia e, consequentemente, ao princípio da dignidade da pessoa humana, viga mestra de todo o nosso sistema jurídico.

E, como todos sabem, tanto no reconhecimento extrajudicial, como na decisão judicial, trata-se de uma forma originária de aquisição de um determinado direito real, à exceção dos direitos reais de garantia. O registro da usucapião extrajudicial será declaratório e não constitutivo, como ocorre na forma de aquisição derivada, conforme nos ensina o artigo 1.245, do Código Civil. Apesar do registro imobiliário, nessa hipótese, não ser constitutivo, conferirá àquele bem oponibilidade erga omnes, i.e., absolutividade, assim como disponibilidade enquanto um direito real, vide art. 1.228, do Código Civil.

Note-se que o direito preexiste, com o simples decurso do tempo e o exercício da posse qualificada, ou seja, da posse ad usucapionem, que é caracterizada pelo exercício de forma mansa, justa e ininterrupta de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. Por essa razão, incorreto seria falar de animus domini, mas sim o ânimo do titular do direito usucapido, animo suo.

Isso quer dizer que não é qualquer posse que conferirá o direito à usucapião, por exemplo, a posse ad interdicta não confere à possibilidade da aquisição pela usucapião, pois, neste caso, trata-se de uma posse que confere ao seu titular o direito à utilização da coisa, além da proteção possessória, no entanto, não conferirá ao seu titular a possibilidade da aquisição pela usucapião, como ocorre na posse exercida pelo locatário ou comodatário.

Outro requisito também fundamental para que seja reconhecida a usucapião é que a posse seja justa, isto é, que não seja violenta, clandestina ou precária. Sendo certo ainda, que as posses violentas e clandestinas poderão se convalescer desde que cesse a violência ou a clandestinidade (arts. 1.200 e 1.208 do CC/02).

Por seu turno, não devemos confundir posse justa com justo título. Posse justa é aquela posse que não foi adquirida com violência, clandestinidade ou precariedade, ou seja, a posse não pode decorrer de coação física ou moral, não pode ter sido adquirida sem publicidade ou por violação do dever de restituição. Justo título é, segundo a definição de Leonardo Brandelli, “todo ato jurídico hábil, abstratamente considerado, a transferir ou constituir um direito real passível de usucapião, esteja registrado ou não, incluindo-se o compromisso de compra e venda quitado”.

Vale ressaltar que sendo a posse precária uma consequência da violação do dever de restituir a coisa (bem), como ocorre com o comodatário ou locatário, uma vez que, instado a devolver a coisa, não o faz, sua posse, em regra, jamais será robusta o suficiente para gerar a usucapião.

Em linguagem técnica, dizemos que a posse precária não se convalesce, pelas razões já expostas acima.

Saliente-se, contudo, que boa parte da jurisprudência e da doutrina, entende que se trata de uma presunção iuris tantum, e.g., poderá haver alteração do caráter da posse, o que chamamos de interversão da posse, vide art. 1.203, do Código Civil Brasileiro.

Por exemplo, os caseiros não podem usucapir, pois são detentores e, portanto, não são possuidores, já que guardam o bem em decorrência de uma relação jurídica de subordinação para com o outro.

Outra questão a ser enfrentada pelos operadores de direito ao analisar se o bem que se pretende usucapir poderá ou não ser objeto da usucapião, é a chamada de res habilis (coisa hábil).

Res Habilis quer dizer coisa hábil a ser usucapida. Nesse sentido, temos os bens, móveis e imóveis, e os direitos reais, à exceção dos direitos reais de garantia e dos bens públicos.

No tocante aos bens públicos, a questão será bem tormentosa. Tanto a nossa Constituição Federal (§3º, o art. 183 e Parágrafo único do art. 191), como a nossa legislação civil (art. 102), além da Súmula 340, do STF, vedam a usucapião sobre bens públicos.

Todavia, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, entendem que os bens públicos que não estejam afetados a uma finalidade, chamados bens dominicais, são passíveis de serem usucapidos.

Os autores supramencionados defendem que a proibição de se usucapir bens públicos deverá recair somente sobre os bens materialmente públicos, restando a possibilidade de se usucapir os bens formalmente públicos, a fim de fazê-los cumprir a sua função social.

Em síntese, aqueles que defendem a possibilidade de se usucapir bens públicos, alegam o seguinte: se o particular está obrigado a outorgar a sua propriedade uma função social, por muito mais razão os entes públicos deveriam cumprir com essa obrigação.

Acrescentam, ainda, os aludidos autores que a absoluta impossibilidade de se usucapir bens públicos ofende o princípio constitucional da função social da posse, além do princípio da proporcionalidade (princípio que tem por finalidade precípua equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade).

E com relação às sociedades de economia mista e às empresas públicas que ostentam personalidade jurídica de direito privado? O STF tem entendido que há possibilidade de se usucapir tais bens (RE nº 536.297)

Registre-se, também, o emblemático acórdão proferido pelo Tribunal de Minas Gerais, conhecido pelo “O Caso DER/MG”, na Apelação Cível 1.0194.10.011238-3/001, Comarca de Coronel Fabriciano/MG, que admitiu a declaração da usucapião de área pública.

Por sua vez, impende, igualmente, destacarmos que a Medida Provisória nº 2.200, editada no ano de 2001 e convertida na Lei nº 11.481/07, prevê a possibilidade de aquisição de direitos sobre imóveis públicos, por meio da concessão especial individual de uso para fins de moradia e concessão especial coletiva de uso para fins de moradia. As aludidas concessões foram incluídas no rol atinente aos direitos reais, no inciso XI, do art. 1.225, bem como na Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), no art. 167, I, 37.

Continuando na questão dos bens públicos, é bom que se esclareça que a ausência do registro acerca da propriedade ou de qualquer direito real usucapível não induz a presunção iuris tantum em favor do Estado de que a terra é pública (terras devolutas), ou seja, o Estado deverá provar essa alegação. Sugerimos a leitura dos seguintes acórdãos: Resp. 647-558/RS, Resp. 964223- RN, RE 86.234-MG, Resp. 113255-MT, RE 86.234-MG, RE 75.459-SP.

O Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A: (Vigência)

"Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:De acordo com o Código de Processo Civil de 1973, no seu art. 941, somente ao possuidor poderia propor ação judicial visando à declaração da usucapião.I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;

CGJ/RJ – Provimento nº 23/2016 – além do tempo da posse do interessado e de seus sucessores poderão constar, entre outros: declarações das testemunhas, declaração das partes atestando que desconhecem a existência de ações possessórias, valor da posse – art. 8º, Provimento 23/2016 (ver Enunciado nº 178, expressão econômica da posse - FPPC – Forum Permanente de Processualistas Civis).

A CGJ/RJ entende que a Ata Notarial deverá conter o máximo de informações possíveis, no sentido de facilitar a análise do pedido do reconhecimento extrajudicial pelo Registrador Imobiliário, como por exemplo, especificar que espécie da usucapião é objeto da ata, vide art. 6º, do mencionado Provimento nº 23/2016. Portanto, o ato a ser lavrado pelo Tabelião de Notas, na verdade será a ata notarial e escrituras declaratórias.

Com o fim de buscar o reconhecimento extrajudicial da usucapião, poderão ser lavradas mais de uma ata notarial, desde que sejam complementares.

II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;CGJ/RJ - Provimento nº 23/216 – O novo CPC e a nossa CGJ no inciso IV, do art.10, do mencionado Provimento, determinam que seja apresentada prova de anotação de responsabilidade técnica, conhecida como A.R.T., expedida por engenheiros, que deverão estar inscritos regularmente no CREA. No entanto, olvidaram-se de mencionar a possibilidade da prova do registro de responsabilidade técnica - R.R.T. -, expedida por arquitetos, inscritos regularmente no CAU (desde dezembro de 2011).

Na minuta de Provimento do CNJ, no inciso II, do art. 2º, já se refere expressamente ao R.R.T.

III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

CGJ/RJ – Provimento nº 23/2016 – A CGJ/RJ corrigiu no aludido Provimento a imperfeição da lei. Pois, não há que se falar em certidões negativas, vide inciso V, do art. 10. A única ação que poderia impedir o reconhecimento da usucapião extrajudicial seria a existência de uma ação possessória ou reivindicatória, que desqualificaria o caráter de posse justa. Por outro lado, a CGJ/RJ exigiu também as certidões expedidas pela Justiça Federal, mas não se referiu às certidões do domicílio do requerente.

IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

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O justo título só será indispensável para o reconhecimento da usucapião ordinária.§ 1º O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

CGJ/RJ – Provimento nº 23/2016 – art. 19 - A CGJ ampliou as hipóteses da prorrogação da prenotação e previu a omissão do interessado em cumprir as exigências legais, além de acrescentar que a prorrogação será de 60 dias, a contar da última exigência. A Lei de Registros Públicos, no seu artigo 188, deverá ser lida agora com essas alterações.§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.

CGJ/RJ – Provimento nº 23/2016 – Foi nesse parágrafo que encontraremos as maiores e melhores inovações da nossa CGJ, de forma a mitigar a infeliz expressão da lei que interpreta  o silêncio do titular de direito real como discordância.

§ 1º, do art. 12 – tratando-se de pessoa falecida, a anuência poderá ser prestada pelo inventariante ou pelos herdeiros identificados em escritura pública declaratória da inexistência de outros herdeiros.

Nas hipóteses de imóveis que não foram objeto de registro ou transcrição, a anuência poderá ser dos ocupantes identificados na ata notarial.

§ 2º - O síndico no condomínio especial poderá anuir como confinante, no condomínio geral, qualquer dos condôminos, nos casos de bens objeto de meação, qualquer dos cônjuges ou meeiro; tratando-se de pessoa falecida, o inventariante ou os herdeiros identificados em escritura pública declaratória da inexistência de outros herdeiros e na hipótese de imóvel não objeto de registro ou transcrição, os ocupantes identificados na ata notarial.

§ 3º - Considera-se anuente o proprietário que tenha concordado prévia e documentalmente com a transmissão da posse.

§ 4º - Nessa hipótese deverá ser demonstrada a impossibilidade do registro do título translativo.

§ 5º - Será dispensada a anuência dos confrontantes quando o imóvel usucapiendo for unidade autônoma cujos limites, perfeitamente discriminados no assento imobiliário coincidam com a descrição no memorial de que trata o inciso III, do art. 10, desse Provimento.

§ 6º - E igualmente dispensada a anuência dos confrontantes quando o imóvel usucapiendo for área cujos limites, perfeitamente discriminados no assento imobiliário, coincidam com a descrição no memorial descritivo, previsto no inciso III, do art. 10, do mencionado Provimento. 

§ 3º - O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.

Tanto o novo CPC, como o Provimento CGJ nº 23/2016, no seu art. 22, falam em somente “dar ciência” aos entes públicos. Já o CNJ em minuta de Provimento sobre a usucapião, no Parágrafo único, do seu art. 7º, determina que: “A inércia dos órgãos públicos à notificação de que trata este artigo não impede o regular andamento do procedimento e o eventual reconhecimento da usucapião extrajudicial.”

Outro ponto importante que devemos destacar é que não é mais obrigatória a interveniência do Ministério Público, na forma em que era preconizada no art. 944, do Código de Processo Civil de 1973.

O Ministério Público somente intervirá quando houver interesse público ou social, interesse de incapaz e nos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana, vide art. 178, do atual Código de Processo Civil.

Buscando dar celeridade ao processo de usucapião extrajudicial, em uma parceria da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) com a Consultoria-Geral da União (CGU) – órgão da Advocacia-Geral da União (AGU) responsável pela representação extrajudicial, assessoramento e consultoria jurídica da União – publicou uma portaria (PORTARIA CONJUNTA Nº 1, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2017) que facilita os procedimentos para a usucapião de bens imóveis.

Essa portaria dispõe sobre procedimentos a serem adotados pelos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União e pelas Superintendências do Patrimônio da União nos Estados e no Distrito Federal na representação da União relativamente à usucapião extrajudicial de bens imóveis, e dá outras providências.

Segundo o consultor-geral da União, Marcelo Augusto de Vasconcellos, “a finalidade da nova portaria é otimizar a atuação das Superintendências do Patrimônio da União e da CGU, estabelecendo um fluxo de trabalho que permite que cada uma das unidades envolvidas atue de acordo com suas atribuições”.

A nova norma determina que os cartórios acionem a SPU no estado onde está localizado o imóvel sempre que haja pedido de usucapião extrajudicial, a fim de verificar se o imóvel é de propriedade da União. Caso não haja dúvida jurídica sobre o imóvel em questão, caberá às próprias Superintendências responderem diretamente aos titulares dos cartórios de imóveis, sem necessidade de atuação dos órgãos de execução da CGU.

“Por outro lado, se houver questionamentos jurídicos, a SPU deverá encaminhar o caso para a consultoria jurídica da União nos estados ou à Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, quando o bem estiver no DF”, ressalta Vasconcellos.

O conteúdo da portaria, pode ser acessado por este link: http://iregistradores.org.br/portaria-conjunta-entre-agu-e-spu-facilita-procedimento-para-usucapiao-extrajudicial/

§ 4º - O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.

§ 5º - Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.

§ 6º - Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.

A regra é a aplicação do princípio da unitariedade da matrícula e de acordo com o citado princípio, cada imóvel será objeto de uma matrícula e cada matrícula descreverá apenas um imóvel. Frise-se que somente será aberta nova matrícula se a descrição do imóvel usucapiendo não coincidir com àquela constante no registro imobiliário.

§ 7º - Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.

CGJ/RJ – Provimento nº 23/2016 – De acordo com o citado Provimento, no seu §1º, do art. 21, o Registrador, contrariando o princípio registral da instância, que determina que o Oficial só agira mediante provocação do interessado, vide art. 198, da Lei de Registros Públicos, poderá de ofício suscitar dúvida ao juízo competente em matéria de Registros Públicos.

§ 8º - Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.

§ 9º - A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.

CGJ/RJ – Provimento nº 23/2016 – No Parágrafo único, do art. 27, do aludido Provimento, prevê que, além da propositura de ação visando à declaração da usucapião, poderá o interessado suscitar dúvida, nos termos do art. 198, da Lei de Registros Públicos.

§ 10 - Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum."

CGJ/RJ – Provimento nº 23/2016 – No seu artigo 28,sugere que em caso de impugnação ao pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião, que o Registrador tente mediar as partes.

Tanto o novo CPC no  §10 do art. 1.071, como o Provimento CGJ nº 23/2016, no §1º, do art. 31, determinaram a remessa dos autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel.

No entanto, se houver interesse da União, a competência será da Justiça Federal, nos termos do inciso I, do art. 109, da CF/88 (Súmulas 15, 32, 42, 66, 82 ,150, 173 e 208, todas do STJ).

Além da hipótese do interesse da União, poderá, igualmente, a competência deslocar-se para o juízo universal da falência, vide CC 114.842/GO.

ENUNCIADOS DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL

313 – Arts. 1.239 e 1.240. Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir.

497 - O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor.

595 -  O requisito "abandono do lar" deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499.

ENUNCIADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

108 -  A ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial.

JURISPRUDÊNCIA  ATINENTE À USUCAPIÃO

  1. Usucapião entre Herdeiros e Condôminos

"USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. CONDOMÍNIO. HERDEIROS E CONDÔMINOS. NECESSIDADE DE POSSE EXCLUSIVA ANIMUS DOMINI UNICI. REQUISITO INEXISTENTE NA ESPÉCIE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. É possível a usucapião entre herdeiros e condôminos, comprovados, porém, determinados requisitos, sendo imprescindível a posse exclusiva, animus domini unici, traduzido de modo inequívoco, com exclusão dos demais."(RT 524/210).

"Usucapião. Condomínio. Posse do condômino de parte certa e determinada. Inexistência de oposição dos demais condôminos. Legítimo interesse. Pedido procedente. Recurso não provido." (JTJ 157/198).

“Para obter usucapião sobre imóvel em condomínio, o condômino deve provar sua posse com exclusão dos direitos possessórios dos demais. Estes não precisam residir no imóvel para conservar seus direitos. ” (RT 502/79, 538/55, 544/73).RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO OPOSTO COMO EXCEÇÃO EM AÇÃO DE DIVISÃO. CABIMENTO DE USUCAPIAO ENTRE CONDÔMINOS. (Apelação Cível Nº 500430228, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, Julgado em 15/09/1983)

(TJ-RS - AC: 500430228 RS, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, Data de Julgamento: 15/09/1983, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia)

TJ-MG- Usucapião entre herdeiros. 

AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - HERDEIROS - POSSIBILIDADE DO CONDÔMINO USUCAPIR EM ÁREA COMUM - POSSE EXCLUSIVA SOBRE O BEM POR MAIS DE DEZ ANOS - COMPROVAÇÃO - REQUISITOS PREENCHIDOS. - Com a morte daquele que detém a posse do imóvel usucapiendo, estas se transmitem de pleno direito aos herdeiros. - Porém é admissível o ajuizamento da ação de usucapião extraordinário por um ou alguns dos herdeiros, se comprovado o exercício da posse de forma exclusiva, com animus domini e pelo decurso do tempo de 10 (dez) anos, nos termos do art. 1.028, parágrafo único. - Comprovando a posse exclusiva e os demais requisitos legais, a procedência da ação é medida que se impõe. - Recurso não provido.

(TJ-MG - AC: 10049110009203001 MG, Relator: Alvimar de Ávila, Data de Julgamento: 27/02/2013, Câmaras Cíveis Isoladas / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/03/2013)

 TJ-PR - Usucapião entre herdeiros

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MAGISTRADO QUE ENTENDEU PELA IMPOSSIBILIDADE DE SE PARTILHAR A POSSE DOS IMOVÉIS DESCRITOS NAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES. MESMO OS BENS NÃO REGISTRADOS DEVEM SER DESCRITOS NO INVENTÁRIO. LITIGIOSIDADE DOS HERDEIROS E INEXISTÊNCIA DE TÍTULO LEGITIMANDO A POSSE QUE EXIGE A PROPOSITURA DE AÇÃO DE USUCAPIÃO PARA REGULARIZAÇÃO DO DOMÍNIO. QUESTÃO DE ALTA INDAGAÇÃO QUE NÃO ENSEJA A EXTINÇÃO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO, MAS A SUSPENSÃO ATÉ JULGAMENTO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO, CUJA LEGITIMIDADE SERÁ DO ESPÓLIO EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE INVENTÁRIO. SENTENÇA ANULADA PARA SE DETERMINAR A SUSPENSÃO DO PROCESSO QUANTO À PARTILHA DOS IMÓVEIS ATÉ REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE. SALDO EM CONTA BANCÁRIA DE TITULARIDADE DO DE CUJUS, O QUE TAMBÉM IMPEDE A EXTINÇÃO DO INVENTÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Os Senhores Desembargadores integrantes da 11ª Câmara Cível, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto, nos exatos termos do voto do Relato (TJPR - 11ª C.Cível - 0003682-36.2014.8.16.0103/0 - Lapa - Rel.: Sigurd Roberto Bengtsson - - J. 24.02.2016)

(TJ-PR - APL: 000368236201481601030 PR 0003682-36.2014.8.16.0103/0 (Acórdão), Relator: Sigurd Roberto Bengtsson, Data de Julgamento: 24/02/2016,  11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 02/03/2016)

  1. Loteamento irregular

TJ-SP - Usucapião em Loteamento Irregular.

Usucapião. Loteamento irregular. Irrelevância. Inobservância da lei do parcelamento do solo urbano e a inércia do Poder Público não constituem impedimento para o reconhecimento da usucapião. Aquisição originária da propriedade. Sentença anulada. Recurso provido.

(TJ-SP - APL: 00010657820108260099 SP 0001065-78.2010.8.26.0099, Relator: Caetano Lagrasta, Data de Julgamento: 27/02/2013, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/05/2013)

TJ-SP - Usucapião em Loteamento Irregular.

USUCAPIÃO. Loteamento irregular. Circunstância que não obsta o acolhimento do pedido. Precedentes da jurisprudência. Iniciada a posse no ano de 1994. Aplicável à hipótese o prazo vintenário com a regra de transição. Inteligência do art. 550 do CC/16 c/c art. 2.028 do CC vigente. Requisito temporal não preenchido quando do ajuizamento da demanda, no ano de 2007. Hipótese em que não se justifica admitir o cômputo do período de trâmite da demanda. Recurso desprovido.

(TJ-SP - APL: 00011890420078260443 SP 0001189-04.2007.8.26.0443, Relator: Milton Carvalho, Data de Julgamento: 30/04/2015, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/05/2015).

TJ-SC - Usucapião em Loteamento Irregular.

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - PROPRIEDADE - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO NO JUÍZO A QUO - INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - ALEGADO LOTEAMENTO IRREGULAR - ÁREA USUCAPIENDA NÃO DESMEMBRADA - DESOBEDIÊNCIA ÀS NORMAS DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO E DE RESERVA DE ÁREA VERDE - IRRELEVÂNCIA - INOCORRÊNCIA DE MÁ-FÉ - PREVALÊNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE - SENTENÇA MANTIDA - APELO IMPROVIDO. Incorrendo má-fé do autor, a desobediência às normas de parcelamento do solo não obsta a usucapião, rejeitando-se a impossibilidade jurídica do pedido.

(TJ-SC - AC: 20150008040 Porto Belo 2015.000804-0, Relator: Monteiro Rocha, Data de Julgamento: 29/03/2016, Sexta Câmara de Direito Civil, )

TJ-SP - Usucapião em Loteamento Irregular.

USUCAPIÃO EXTRAODINÁRIA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. Loteamento irregular. Inexistência de óbice legal para o reconhecimento da prescrição aquisitiva. Mera irregularidade administrativa. Acessio possessionis. Art. 1.243 do Código Civil. Impossibilidade de soma de posse exercida pelos titulares do domínio. Lapso temporal do art. 1.238, do Código Civil não atendido. Extinção mantida. Recurso não provido.

(TJ-SP - APL: 00018480520128260486 SP 0001848-05.2012.8.26.0486, Relator: Mary Grün, Data de Julgamento: 08/10/2015, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/10/2015)

TJ-ES - Usucapião em Loteamento Irregular.

ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – REQUISITOS LEGAIS – CONFIGURADOS – LOTEAMENTO IRREGULAR – IRRELEVANTE – NOVA MATRÍCULA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Diante da presença dos requisitos legais (art. 1.238 CC⁄2002), a declaração por sentença da aquisição pretendida consistirá em título hábil a ser registrado junto a Cartório de Registro de Imóveis. 2. A inserção de imóvel em loteamento irregular ou clandestino é irrelevante, in casu, uma vez que dentre os requisitos da usucapião, não se verifica a obrigatoriedade de regularização do registro urbanístico onde situado o imóvel usucapiendo. 3. Recurso conhecido e desprovido.

  1.  Em área inferior ao módulo mínimo urbano

SÚMULA TJ/RJ Nº 317

É JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL COM ÁREA INFERIOR AO MÓDULO MÍNIMO URBANO DEFINIDO PELAS POSTURAS MUNICIPAIS.

REFERÊNCIA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº. 0013149 64.2005.8.19.0202 JULGAMENTO EM 14/04/2014 - RELATOR: DESEMBARGADOR MARCUS QUARESMA FERRAZ. VOTAÇÃO UNÂNIME.

ÓRGÃO ESPECIAL

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 0013149- 64.2005.8.19.0202

SUSCITANTE: 2ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INTERESSADO 1: ANA MARIA BAPTISTA DOS SANTOS

INTERESSADO 2: JOÃO THOMAS SOBRINHO

RELATOR: DES. MARCUS QUARESMA FERRAZ

Incidente de Uniformização de Jurisprudência.

Divergência jurisprudencial a respeito da possibilidade jurídica do pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.

A extinção do processo pela impossibilidade jurídica do pedido se baseia nas limitações mínimas espaciais para legalização de terreno constante nas leis municipais que regulam o parcelamento do solo urbano.

Ocorre que tal argumento vai de encontro ao próprio fundamento do instituto da usucapião, bem como a alguns preceitos processuais e até mesmo constitucionais.

A sentença que declara a usucapião é que será registrada, constando do mandado judicial todos os requisitos da matrícula, conforme assinala a Lei nº 6.015/73 - Lei de Registros Públicos, em seus artigos 167, inciso I, e 226, não havendo previsão legal para submissão de seus dados à aprovação do Município.

Deve-se atentar para o fato de que a competência municipal se resume a promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, restringindo-se à União e aos Estados a competência para legislar sobre as diretrizes em direito urbanístico, neste sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal.

Destarte, a competência do Município encontra limites nas legislações federal e estadual sobre direito urbanístico, cabendo apenas complementá-las e esclarecê-las e não as restringir como ocorreria no caso de se aceitar a constituição de limite espacial como requisito da usucapião - “os mencionados Decretos Municipais (Plano Diretor), não tem a virtude de criar requisito não previsto no ordenamento jurídico”. (0005411-20.2008.8.19.0202 – Apelação – Des. Valéria Dacheux – 13ª Câmara Cível, julgado em 28/05/2013).

Aplicar as normas municipais que limitam e regulam o parcelamento do solo urbano ao instituto da usucapião seria um equívoco, diante, com a devida vênia dos que entendem ao contrário, da gritante inconstitucionalidade formal que subsistiria ao reconhecer competência ao Município para legislar sobre matéria que lhe não compete: “Com efeito, a restrição municipal de parcelamento do solo urbano não pode impedir a aquisição de terreno por usucapião, já que a norma invocada não regulamenta a aquisição da propriedade imobiliária” (0136494- 64.2000.8.19.0001 – Apelação – Des. Elton M. C. Leme – 17ª Câmara Cível, julgado em 21/08/2013)

Frise-se que um dos deveres do Município inerente a esta competência constitucional seria exatamente a de fiscalizar o ordenamento do solo urbano, o que, caso fosse feito de forma eficaz e permanente, evitaria que fossem implantadas verdadeiras favelas nos grandes centros, não sendo justo “deixar o problema sem solução, principalmente quando esse problema é causado pela omissão do poder público municipal que não exerce o papel que é dado pela configuração jurídica pátria. ” (0168541- 91.20000.8.19.0001 – Apelação – Des. Fábio Dutra – 1ª Câmara Cível, julgado em 26/03/2012).

O que se verifica nesses casos específicos de usucapião é que a posse mansa e pacífica é alcançada pela inércia tanto do proprietário quanto do Poder Público, razão pela qual o direito de ambos acaba por ser suplantado pelo nascimento do direito do possuidor.

Por fim, o argumento apontado em todos os acórdãos, sentenças, pareceres e afins que defendem a possibilidade jurídica do pedido de usucapião cujo terreno não atenda as exigências definidas na legislação municipal e que não poderia deixar de ser aqui evocado é o direito social à moradia, consectário lógico do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.

Frise-se que entender de outro modo acabaria por esvaziar a usucapião especial urbana prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 183, posto que, ao limitar o imóvel a ser usucapido à área mínima de duzentos e cinquenta metros quadrados com base em regulamentações municipais, esbarraria no óbice constitucional que restringe a área a ser usucapida em até iguais duzentos e cinquenta metros quadrados.

Pelo exposto, impõe-se o acolhimento do presente Incidente de Uniformização, propondo, nos termos do artigo 121 do Regimento Interno e do artigo 479 do Código de Processo Civil, a edição do seguinte enunciado: “É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais”.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 0013149-64.2005.8.19.0202, em que é suscitante a Egrégia 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sendo interessados Ana Maria Baptista dos Santos e João Thomas Sobrinho, ACORDAM os Desembargadores que integram o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer o incidente de uniformização de jurisprudência e acolher a proposta de uniformização para fixar o entendimento do Tribunal nos termos da Súmula cujo enunciado se segue: “É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.”

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Sobre a autora
Fernanda de Freitas Leitão

Bacharel em Direito em 1991 pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Exerceu a advocacia na iniciativa privada, em seguida, admitida em concurso público, exerceu o cargo de Procuradora do Estado do Rio de Janeiro e, a partir de 1998, passou a atuar como Tabeliã do 15º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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