5 SENTENÇA Nº 1
No processo 0000643-27.2014.5.08.0128, da 3ª Vara do Trabalho de Marabá, 8ª Região, verificamos que o reclamante, motorista, reivindicou os seguintes direitos:
a) horas extras;
b) intervalo intrajornada;
c) intervalo interjornada;
d) repouso semanal remunerado; uma vez que cumpria jornada média de 16 ou 17 horas por dia das 4 às 23 horas, ou de 6 às 24 horas ou de 5 às 23:30 horas, sem folgas e sem gozar integralmente dos intervalos intrajornada e interjornada, pelo período de 1 ano e 1 mês de duração;
e) adicional noturno; uma vez que parte de seu trabalho era realizada após às 22 horas;
f) adicional de periculosidade; em razão de o trabalho em caminhão ser dotado de grandes tanques de combustível;
g) adicional de insalubridade; em face do contato com pó de cimento, poeira mineral e ruído, em concentrações superiores aos limites de tolerância no ambiente de trabalho;
h) indenização por dano existencial; em virtude da excessiva jornada de trabalho, que afetou negativamente a sua integração familiar e social, bem como impediu a recuperação do desgaste físico e mental causado pelas extensas jornadas;
i) indenização por dano moral; em razão do não fornecimento da parte da reclamada das condições adequadas para o pouco descanso noturno que o trabalhador poderia usufruir quando terminava trechos de suas viagens, tendo que pernoitar dentro da boleia do caminhão para proteger a carga e o patrimônio da empresa, o que caracterizou finalmente um tratamento degradante.
O juiz deferiu o seguinte:
a) horas extras;
b) intervalo intrajornada;
c) intervalo interjornada;
d) repouso semanal remunerado; uma vez que tendo a reclamada mais 10 empregados e admitida a possibilidade de controle de jornada do reclamante cabia a ela provar que a jornada do reclamante não excedia a normalidade, o que não foi feito, tendo ela anexado cartões de ponto impugnados pelo reclamante e que foram declarados inverossímeis pela prova testemunhal, o que resultou no acatamento parcial da jornada declinada pelo reclamante. Nesse quadro, o juiz considerou que a jornada declinada pelo autor era desarrazoada, com base na equidade, costume, bom senso e experiência em ações semelhantes, sendo improvável o seu exercício, fixando-se a jornada do autor, em média, no período de 06:00h às 23:00h, todos os dias, sem folgas semanais, com intervalo de 30 minutos;
e) adicional noturno; pois a jornada trabalho ultrapassava às 22:00h;
f) indenização por dano existencial; uma vez que trabalhador cumpria jornadas que excediam excessivamente os limites legais aceitos pelas normas trabalhistas, laborando de 06:00h às 23:00h, todos os dias, sem folgas semanais, com intervalo de 30 minutos, pelo período de 1 ano e 1 mês, inclusive em feriados, tornando o mesmo trabalhador um escravo do trabalho, o que afetou gravemente a sua vida familiar e social, impossibilitando o mesmo de cumprir seus projetos de vida pessoal;
g) indenização por dano moral; uma vez que as testemunhas comprovaram que os motoristas pernoitavam na boleia do caminhão e que não recebiam diárias para viagem, descumprindo, assim, a reclamada sua obrigação legal de propiciar condições plenas de trabalho, no que diz respeito à segurança, salubridade e às condições mínimas de higiene e conforto aos trabalhadores.
O juiz indeferiu o pedido de adicionais de insalubridade e de periculosidade em razão de o laudo pericial legalmente exigido nessas situações não atestar ambiente de trabalho perigoso ou insalubre.
Em sua argumentação, o juiz pontuou superficialmente a diferença entre dano moral e dano existencial, enxergando sempre o impedimento que o trabalhador sofreu para desenvolver suas atividades cotidianas, bem como o prejuízo da manutenção das relações sociais externas ao ambiente de trabalho, incluindo o convívio com amigos e familiares, e a realização de atividades recreativas.
Encontrou-se na sentença o equilíbrio metodológico entre o formalismo e o intuitivismo, pois o juiz decidiu com base nas provas apresentadas nos autos que foram contundentes em demonstrar a ausência do reclamante de seu ambiente familiar e social, onde se comprovou também o período contratual abusivo no horário de trabalho das 6:00h às 23:00h, de domingo a domingo, sem folga semanal, sem gozo integral da hora de refeição e sem haver o gozo integral de intervalo entre o fim de uma jornada e o início de outra.
Além das provas materiais, o juiz também desenvolveu a sua intuição notando algo invisível, o nexo virtual, projetando as implicações existencialistas decorrentes da ausência do convívio familiar e social, destacando também a convicção de que o reclamante perdeu realmente boas oportunidades afetivas e recreativas que comprometeram finalmente a sua integridade física e mental.
Verificou-se e intuiu-se, portanto, que a lesão alegada pelo reclamante era plenamente coerente e razoável com o seu histórico pessoal, tendo ele conseguido provar que se afastou das relações familiares e sociais em virtude das tantas horas extras trabalhadas.
Houve a fixação da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título indenizatório, sem onerar o ofensor em demasia, levando-se em consideração o caráter pedagógico da indenização concentrado exclusivamente no critério da proporcionalidade. Nesse caso, os valores fixados não prejudicaram a saúde da empresa que possui legalmente função social importante junto à Sociedade.
Conclui-se que a decisão do juiz trouxe equilíbrio à balança da Justiça, seja do ponto de vista formal e substancial, havendo nesse sentido uma decisão legítima que além das provas apresentadas que fundamentaram as causas e os efeitos da situação problemática, considerou-se, ainda, a intuição do juiz no sentido de construir o nexo virtual entre o que aconteceu e o que deveria acontecer e o que poderá resultar no futuro próximo do reclamante.
6 SENTENÇA Nº 2
No processo 0000060-07.2016.5.08.0117 da 2ª Vara do Trabalho de Marabá, 8ª região, o reclamante ajuizou reclamação trabalhista pleiteando, além de outros pedidos:
a) desvio de função; uma vez que ele foi contratado para exercer a função de motorista, mas exercia funções gerenciais, administrativas e domésticas;
b) horas extras;
c) intervalo intrajornada;
d) intervalo interjornada;
e) repouso semanal remunerado; em razão de trabalhar das 7 às 22 horas, todos os dias, sem folgas e sem gozo integral do intervalo intrajornada e interjornada;
c) horas de sobreaviso; eis que o trabalhador permanecia de sobreaviso;
d) adicional de transferência; eis que ele foi transferido de Uruaçu/GO para Marabá/PA, provisoriamente;
e) diária de viagens; pois ele viajava a trabalho e não recebia diária para tanto;
f) indenização por dano moral; uma vez que o labor excessivo lhe causou danos psicológicos e maculou sua dignidade;
g) dano existencial; em virtude da excessiva jornada de trabalho, limitando o seu convívio social e familiar.
O Juiz deferiu o seguinte:
a) desvio de função; em razão de provas documentais comprovarem o exercício de atos de gestão estranhos à função de motorista, como procuração para representar a reclamada e assinaturas de contratos;
b) horas extras;
c) intervalo intrajornada;
d) intervalo interjornada;
e) repouso semanal remunerado; uma vez que o juiz considerou válida a jornada apontada pelo reclamante, das 7 às 22 horas, todos os dias, sem folgas e sem gozo integral do intervalo intrajornada e interjornada, tendo em vista que a empresa não carreou aos autos os controles de jornada do reclamante, ônus esse que lhe incumbia. Além disso, era plenamente cabível o controle de jornada do obreiro, já que ele, de fato, exercia funções administrativas, internas, com poucas viagens;
f) adicional de transferência; uma vez que, conforme prova testemunhal, o reclamante foi transferido de Uruaçu/GO para Marabá/PA, residindo em uma república, conhecida por ser uma moradia provisória, corroborando a alegação do reclamante de que sua transferência não foi em caráter definitivo;
g) diária para viagens; uma vez que o depoimento testemunhal provou a realização de viagens pelo obreiro, ainda que eventuais.
O juiz indeferiu o pedido de horas de sobreaviso e de indenização por dano moral, por entender que não restou caracterizado esse dano. Indeferiu-se também o pedido de indenização por dano existencial, pois na visão do juiz o trabalho por aproximadamente seis meses, com mudança de domicílio, horário de trabalho de 7 às 22 horas, de domingo a domingo, sem folga semanal, sem gozo integral de hora intrajornada e sem sequer gozo integral de intervalo interjornada não foram suficientes para provar um suposto dano existencial.
Para o juiz, era preciso ter uma prova especifica, como, por exemplo, um divórcio, uma reprovação numa universidade ou escola, uma falta ao aniversário de um filho, o último abraço a um pai que morrera, etc. O que não foi apresentado.
Quanto ao julgamento dos pedidos indenizatórios, o juiz pontuou a diferença entre dano moral e dano existencial, definido o impedimento de desenvolver projetos de vida no âmbito profissional, social e pessoal, prejudicando a dignidade humana, enquanto o dano moral representaria a lesão no direito personalíssimo ligado à honra, nome, etc., afrontando igualmente a dignidade humana.
Observa-se nesse material que o Juiz foi extremamente racionalista e exigiu uma prova quase diabólica do reclamante para que caracterizasse o dano existencial, mesmo com todos os elementos probatórios já contidos no processo, quais sejam: o trabalho por aproximadamente 6 meses de irregularidades, com mudança de domicílio, horário de trabalho das 7 às 22 horas, de domingo a domingo, sem folga semanal, sem gozo integral de hora intrajornada e sem gozo integral de intervalo interjornada.
O juiz não contextualizou a ausência do reclamante na vida de relações ou, até mesmo, não considerou a frustração de projetos pessoais, que automaticamente acontecem quando se labora em uma jornada excessiva.
Ora, imagine alguém trabalhando, como foi provado no processo, durante 6 meses, todos os dias, de 7:00h às 22:00h, sem qualquer dia de folga na semana, sem folga para almoçar e sem o mínimo de descanso entre o término de um dia de trabalho e o início de outro dia.
Essa pessoa, saindo do trabalho às 22:00h, chegaria em casa por volta das 23:00h ou 23:30h, sendo otimista. Imagine-se ainda que ela fosse tomar um banho e fazer uma refeição digna, considerando que não foi lhe dado tempo para realizar essa atividade pessoal.
Essa pessoa iria dormir por volta da 1:00h. Porém, às 7:00h já teria que estar no trabalho, portanto, teria de sair de sua casa por volta das 6:00h. Logo, acordaria no máximo às 05:20h para conseguir sair às 6:00h. Ou seja, calculando, ela teria 4 horas apenas de descanso entre um dia de trabalho e outro.
Quando então esse trabalhador ficaria com a sua família de forma descontraída? Seria da 1:00h às 5:20h? Afinal, existiria alguém acordado nessa hora? E se houvesse? Esse mesmo trabalhador iria trocar as pouquíssimas horas de sono para ficar com um parente ou amigo?
A prova específica que o juiz exigia, como um divórcio ou a ausência no batizado do filho, por exemplo, para fins de caracterização do dano existencial, seria na verdade, em nosso entendimento, uma prova não do dano, mas sim da extensão ou gravidade do dano.
Em nosso entendimento, o dano é caracterizado minimamente a partir da impossibilidade que a pessoa tem de usufruir momentos ao lado de seus familiares e amigos. Por exemplo: realizar o jantar em família, aconchegar-se nos braços dos pais ou do cônjuge, jogar futebol com os amigos, ler um livro, entre outras atividades da vida cotidiana que fazem parte do estar-no-Mundo.
Em nossa opinião, a impossibilidade de desfrutar esses momentos já caracteriza minimamente o dano em si mesmo, devido ao afastamento social e afetivo do trabalhador em relação ao Mundo. Um divórcio seria, por exemplo, uma consequência maior que esse dano existencial já previamente considerado teria gerado ao indivíduo, ou seja, seria uma extensão ou gravidade do dano, minimamente já caracterizado.
Especificamente nesse processo trabalhista, o reclamante foi enviado pela empresa para trabalhar em local diverso de onde morava, agravando anda mais a deficiência de suas relações interpessoais.
Foi coerente o modo de vida do reclamante com as alegadas lesões e, de fato causadas à sua vida de relações, ferindo sua dignidade e demonstrando-se notoriamente a irresponsabilidade do empregador que trouxe efeitos nocivos à integridade social do reclamante. Entretanto, nesse caso, o juiz sendo extremamente formalista não visualizou os danos existenciais ocultos. Consequentemente, não foi proferida uma justiça substancial, tão aguardada pelo reclamante com a ação, pois não sendo provada materialmente a denúncia a ação perdeu força e validade na visão do juiz que aplicou nesse momento uma metodologia exclusivamente formalista, cartesiana, dependente das provas materiais.