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O existencialismo jurídico na Justiça do Trabalho da 8ª Região.

Investigando o modo como os juízes desenvolvem o conceito de danos existenciais

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conclusão

As sentenças analisadas nesse estudo demonstraram que existe uma estrutura lógica de raciocínio guiada por uma série de critérios hermenêuticos que caracterizam conjuntamente a argumentação do conceito de danos existenciais.

Pelo critério ontológico desse conceito, as sentenças devem observar que existe algo essencial no debate dos danos existenciais que é o prejuízo causado ao trabalhador que fica impedido de alguma forma de estar-no-Mundo e de realizar projetos outros que poderiam lhe proporcionar algum progresso existencial. Na linguagem doutrinária, os danos existenciais são os danos causados à vida de relações e ao projeto de vida do trabalhador. Diante desse problema, o juiz observa a gravidade dos fatos sobre a qual incidirá a sua interpretação a respeito da injustiça cometida pelo patrão. Pelo prisma ontológico, portanto, a meta do juiz é promover um reequilíbrio existencialista, ainda que simbólico, entre o Mundo e o Trabalho. O gozo da vida, a satisfação do bem-estar, o direito ao ócio, o comprometimento religioso, familiar, cultural, entre outros prazeres, deveres e direitos humanos, são sinais de que a pessoa está viva, saudável, e repleta de capacidades e habilidades que caracterizam o direito da personalidade de qualquer indivíduo.

O critério metodológico desse conceito propõe, por sua vez, a dialética do raciocínio jurídico entre dois extremos: o subjetivismo intuitivista e a racionalidade formalista ou cartesiana do juiz. De um lado, o juiz pode optar pelo materialismo e acreditar que tudo deve ser provado. Agindo dessa forma o julgador entenderá que os registros materiais e testemunhais são os elementos decisivos e suficientes para a comprovação objetivista do dano existencial, mas em nosso ponto de vista, quando se fala em dano existencial as provas do passado não são obrigatoriamente o único termômetro ou espelho para se avaliar o sentido e o alcance desse fato ilícito no tempo presente e futuro. Existe um outro caminho metodológico trilhado pela sentença do juiz que pode ser do tipo subjetivista, nesse caso, deve predominar a sensibilidade do juiz, independentemente do conjunto probatório disponível e materialmente detalhado nos autos do processo. Em tal situação, o juiz avalia que houve danos existenciais pelo simples fato de ter havido excesso de carga horária de trabalho. Além desses dois extremos, existe uma terceira via metodológica que pode caracterizar a completude do raciocínio jurídico existencialista, abordando o conceito de dano existencial, sintetizando as informações materiais do passado com a intuição do juiz a respeito de como será o futuro existencial da vítima. Nesse sentido, a verificação da conduta danosa e a sua reparação incluirão além do trinômio: dano, nexo causal e culpa, um outro elemento inovador: o nexo virtual. Esse tipo de procedimento foi praticado claramente pela maioria das sentenças analisadas.

A conexão entre a atividade desenvolvida pelo trabalhador e o fato lesivo narrado no processo muitas vezes não leva o julgador a ter uma exata compreensão do dano causado à existência do indivíduo. Nesse sentido, o magistrado que busca entender a complexidade do caso poderá considerar por meio de uma projeção intuitiva que os registros materiais e testemunhais sugerem uma dialética entre o passado, o presente e o futuro, projetando-se consequentemente os nexos virtuais entre: 1- a realidade dos fatos apresentada pelo processo judicial, 2- o fracasso das vivências pessoais relatado pela vítima; 3- e o projeto de vida que o trabalhador poderia ter vivenciado caso não houvesse a interferência ilícita do patrão. Ou seja, trata-se de combinar no raciocínio complexo do juiz não só o que aconteceu materialmente no passado, mas também o que acontece no presente e o que acontecerá no futuro através das oportunidades perdidas.

O critério axiológico desse conceito doutrinário, em seguida, indica a importância da razoabilidade para avaliar se o projeto de vida idealizado pelo trabalhador, supostamente sacrificado ou maculado pelo ato lesivo do patrão, estava, na época, minimamente coerente com os meios adotados pelo mesmo trabalhador. O que se pretende descobrir com esse critério é se no sistema de valores da pessoa em questão, na sua conduta real e também na sua biografia existia mesmo a conexão entre certas metas e os meios adotados. Outros valores são indispensáveis, sobretudo, a liberdade do trabalhador, a eficiência da empresa, a responsabilidade humana do patrão e a dignidade da pessoa e da sociedade humana.

Pelo critério teórico, o conceito de danos existenciais solicita que se faça a distinção com o dano moral, entendendo-se fundamentalmente que o primeiro é causador de lesões sociológicas e o segundo, de lesões psicológicas e éticas.

Como critério de solução judicial do problema, as sentenças devem adotar o critério da proporcionalidade, visando estabelecer uma quantia suficiente para compensar a privação sofrida pelo trabalhador e desestimular a reincidência do fato ilícito pelo empregador, sem onerar excessivamente o último e enriquecer o primeiro.

Finalmente, pelo critério contextual, a motivação da sentença deve reforçar o direito da pessoa de “estar-no-mundo” e considerar consequentemente nessa direção que o dano existencial é resultado de atitudes culturais e históricas que impedem o trabalhador de se relacionar e de conviver com a família e a Sociedade. Também as sentenças precisam criticar o sistema capitalista selvagem, ainda que seja de forma indireta ou implícita, focalizando a ambição do capitalista que compromete o ideal de um trabalho decente proposto, inclusive, pela Organização Internacional do Trabalho.

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REFERÊNCIAS

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ABSTRACT: the objective of this research is to diagnose the reasoning structure of seven judgments of the labor court of the 8th region, evaluating whether there is convergence in the way the concept of existential damage was used. The methodology applied to this purpose is composed of a series of epistemological categories (ontology, methodology, axiology, theory, praxis and context) that guide the empirical investigation focusing on the hermeneutic criteria or procedures within this logic order. The result of this methodology shows that most of the sentences analyzed are convergent from the formal point of view and substantial through the philosophy of legal existentialism that is inherent in the concept of existential damages. This empirical research analyzing the way in which the judges develop the judicial sentences using the concept of existential damages

KEYWORDS: legal existentialism; existential damages; judicial sentences; human rights.

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Sobre os autores
Heraldo Elias Montarroyos

Professor da Faculdade de Direito da UNIFESSPA MARABÁ, PARÁ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias ; OLIVEIRA, Adriano Guimarães. O existencialismo jurídico na Justiça do Trabalho da 8ª Região.: Investigando o modo como os juízes desenvolvem o conceito de danos existenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5100, 18 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56790. Acesso em: 23 dez. 2024.

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