Subcontratação na Administração Pública: possibilidades e limites

30/03/2017 às 10:29
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Apontamentos sobre instituto jurídico da "subcontratação" no âmbito da administração pública.

I – INTRODUÇÃO

O direito administrativo tem sido campo de muito estudo e também de “batalhas” jurídicas e doutrinárias acerca dos mais diversos institutos, dentre eles o denominado “Contrato na administração pública”, e, como a ciência jurídica caminha numa velocidade singular, dentro dessa seara podemos destacar o instituto da “subcontratação”, que é o alvo desse nosso pequeno e singelo apontamento.

Pois bem, passemos a análise do instituto jurídico da “subcontratação”.


II – DA ANÁLISE

Ab initio, é de bom alvitre destacar que licitação é o procedimento administrativo formal em que a administração pública convoca, mediante condições estabelecidas em ato próprio (edital ou convite), empresas interessadas na apresentação de propostas para o oferecimento de bens e serviços.

O procedimento licitatório visa garantir não apenas a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, mas sim, assegurar o princípio constitucional da isonomia entre os potenciais prestadores do serviço ou fornecedores do objeto pretendido pelo Poder Público.

É cediço que ao administrador público só cabe agir dentro dos estritos limites definidos pelo ordenamento jurídico, em homenagem à legalidade ampla, devendo observar, ainda, os demais princípios administrativistas para dar legitimidade às suas ações.

O renomado administrativista Hely Lopes Meirelles, em sua obra magistral LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO, acerca do contrato administrativo, o define como:

“Contrato Administrativo é todo acordo de vontades, firmado livremente pelas partes, para criar obrigações e direitos recíprocos. Em princípio, todo contrato é negócio jurídico bilateral e comutativo, isto é, realizado entre pessoas que se obrigam a prestações mútuas e equivalentes em encargos e vantagens. Pressupõe como pacto consensual, liberdade e capacidade jurídica das partes para se obrigarem validamente; como negócio jurídico, requer objeto lícito e forma prescrita ou não vedada em lei. Ou seja, complementa o Autor, é o ajuste que a Administração, agindo nessa qualidade, firma com o particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.” (Malheiros, 2010).

Ademais, considerando que o contrato administrativo decorre, em regra, de procedimento licitatório, o contratado, ao vencer o certame, demonstrou dispor das características que a Administração considera determinantes à execução do objeto contratual.

Não obstante, a matéria discutida trata-se do instituto jurídico da “subcontratação”, e, sobre o tema, o artigo 72 da lei nº 8.666/93, dispõe que:

“O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes de obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração”.

Segundo a douta lição do egrégio Tribunal de Contas da União, em sua obra “Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU, diz que: “Subcontratação consiste na entrega de parte de fornecimento de bem, execução de obra ou prestação de serviço a terceiro, estranho ao contrato, para que execute em nome do contratado item, etapa ou parcela do objeto avençado.” (4. ed. Brasília: TCU, 2010)

Analisando detidamente o disposto na Lei nº 8.666/93, extraem-se quatro importantes aspectos da subcontratação:

  1. A decisão acerca de sua admissão, ou não, constitui mérito administrativo;
  2. A Administração deve estabelecer os limites máximos para subcontratação, quando admiti-la, sendo vedada a subcontratação total do objeto;
  3. Deve ser prevista expressamente no edital e no contrato;
  4. O contratado permanece responsável pelas obrigações contratuais e legais, não se confundindo com a sub-rogação prevista nos artigos 346 a 351, do Código Civil.

Assim, verifica-se, primeiramente, que a admissão de subcontratação, ou não, constitui decisão administrativa de cunho técnico e/ou administrativo. Com efeito, a Administração contratante define todos os contornos da avença, inclusive o de admitir a subcontratação, conforme suas necessidades, as características do mercado e a disponibilidade deste em relação ao objeto do certame.

Nesse diapasão, no Acórdão TCU nº 2002/2005 – Plenário, o Ministro Relator consignou em seu voto que a subcontratação deve ser adotada unicamente quando necessária para garantir a execução do contrato e desde que não atente contra os princípios constitucionais inerentes ao processo licitatório, e nem ofenda outros princípios relacionados às licitações, notadamente o da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração (art. 3º, Lei nº 8.666/93). (Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU 4. ed. Brasília: TCU, 2010)

Não obstante, cabe à Administração o juízo de conveniência, oportunidade, análise da possibilidade técnica e da viabilidade em se admitir a subcontratação, observado, em qualquer caso, o dever de motivação das decisões administrativas, ainda que discricionárias, considerando que, no Acórdão TCU nº 1.453/2009, Plenário, a Corte de Contas manifestou-se no sentido de que “... o princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões, inclusive das discricionárias.”

Com efeito, vale ressaltar, que parte da doutrina entende que a possibilidade de subcontratação total configura negação ao procedimento licitatório e fere o Princípio da Igualdade, bem como afronta o art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, pois, caso fosse admitida, configuraria forma de se ludibriar a própria licitação em si, adjudicando-se o objeto contratual a não participante do certame.

Nesse sentido, vedada a subcontratação total do objeto, a sua admissão parcial deve ser delimitada pela Administração. Com efeito, o art. 40, II e VIII da Lei nº 8.666/93 preveem que o edital deve indicar, obrigatoriamente, as condições para execução do contrato, para entrega do objeto da licitação e as informações e esclarecimentos relativos às condições para atendimento das obrigações necessárias ao cumprimento de seu objeto.

O TCU admite a subcontratação parcial do objeto licitado, mas já se manifestou no sentido de que lhe deve ser fixado um limite máximo no edital, conforme os seguintes julgados:

“9.2.2.4.estabeleça nos instrumentos convocatórios, em cada caso, os limites para subcontratação de obra, serviço ou fornecimento, de modo a evitar riscos para a Administração Pública, conforme disciplina o art. 72 da Lei n. 8.666/93” (Acórdão nº 1.045/2006, Plenário)

“Nos termos do art. 72 da Lei nº 8.666/93, deve ser fixado, no edital, o percentual máximo para subcontratação, quando houver cláusula editalícia de permissividade, devendo essa cláusula existir, apenas, em hipóteses excepcionais, quando a subcontratação for estritamente necessária, devendo ser técnica e circunstancialmente justificados tanto a necessidade da subcontratação quanto o percentual máximo admitido.” (Acórdão nº 1.748/2009, Plenário)

Destarte, o Contrato e o Projeto Básico ou o Termo de Referência, como anexo do edital (art. 40, § 2º), deve prefixar os limites em que se irá permitir a subcontratação, não podendo esta definição ser feita posteriormente ao lançamento do certame, e ao talante da Administração. Isto porque a subcontratação constitui importante regra que, caso seja descumprida, pode ensejar a rescisão contratual. Ademais, a possibilidade ou não de subcontratação de parte do objeto influi sobremaneira nas propostas, já que as empresas interessadas devem considerar, nas suas planilhas de custos, se a execução da parte do objeto será feita por elas próprias ou se irão subcontratar outra empresa.

Nessa esteira Jessé Pereira Torres, em sua conceituada obra “Comentários à Lei das Licitações e Contratos da Administração Pública” leciona que a subcontratação não autorizada ou efetivada além dos limites fixados no edital ou no contrato, além de ensejar a rescisão contratual, não exclui a possibilidade de imposição de penalidade administrativa que vier a ser decidida, em face da inexecução contratual. (Ed. Renovar, 8ª edição, 2009).

Ressalta-se também, que a minuta de contrato também constitui anexo do edital (art. 40, § 2º da Lei nº 8.666/93), não pode haver contradição entre eles. Ou seja, o contrato não poderá inovar, criando a possibilidade de subcontratação, se o edital não a aceita expressamente.

A lei nº 8.666/93 também retrata no inciso VI do artigo 78, que:

“Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:

(...)

VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

(grifo nosso)

Por outro lado, o TCU já decidiu que, aceita a subcontratação, deve a Administração exigir do subcontratado a apresentação dos documentos de habilitação requisitados na licitação, especialmente quanto à regularidade jurídica, idoneidade fiscal, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e o cumprimento do disposto no inciso XXX III do art. 7º da Constituição Federal. (Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU 4. ed. Brasília: TCU, 2010)

Contudo, o limite aceito para a subcontratação é a administração quem vai decidir dentro da sua discricionariedade, pautado sempre pelos princípios que regem a administração pública, principalmente os da moralidade e razoabilidade.

Outro ponto bastante discutido pela doutrina é o pagamento direto à empresa subcontratada, nesse caso, alguns doutrinadores que vislumbram a possibilidade, alegam que aumenta o poder de fiscalização do andamento do objeto (sub)contratado, porém não legitima relação jurídica entre administração pública e empresa subcontratada.

Também, lecionam os apreciadores da tese da “possibilidade jurídica” que nos contratos administrativos aplicam-se, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado (art. 54 da Lei 8.666/93), assim, a supracitada teoria tem como base o Código Civil pátrio, vejamos o que diz o referido diploma legal:

“Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.”

Portanto, haja vista a possibilidade do contratante especificar um credor ou representante para receber sua parte, e, em tese, o subcontratado seria essa pessoa (credor ou representante), sendo possível o pagamento direto agora debatido.

Ressalta-se também a questão da Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP), amparadas pela Lei Complementar nº 123/2006, que, no tocante ao tema em discussão neste artigo, “subcontratação”, retrata que:

“Art. 47. Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.

Art. 48.  Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:

(...)

II - poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte;

(...)

§ 2º Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.

(...)

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

(...)

IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48.  ”

GRIFO NOSSO

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Nessa toada, a Revista Zênite de Licitações e Contratos, assim se manifestou sobre o tema, inclusive adentrando nas esferas das leis nº 8.666/93 e nº 123/2006, vejamos:

“(...) trata-se de uma relação jurídica própria e autônoma, que vincula apenas o contratado, para a qual se colhe apenas o consentimento do Poder Público, haja vista que sua realização, por força de lei, sem previsão no edital e quando não observa os limites impostos em cada caso, é motivo bastante para justificar a rescisão do contrato administrativo (art. 78, inciso VI, da Lei de Licitações). É justamente por esse motivo que não se mostra possível a Administração realizar o pagamento direto aos subcontratados ou deles se exija o cumprimento das parcelas constantes do contrato mantido entre eles e o contratado. Verifica-se não haver uma referência objetiva, em forma de percentual, por exemplo, que estabeleça limites para a subcontratação. O que importa é que essa prática não desnature o objeto do contrato. A disposição normativa contida no § 2º do artigo 48 da Lei Complementar 123/2006 encerra uma exceção ao possibilitar o pagamento direto aos subcontratados microempresários ou empresas de pequeno porte. Não admite interpretação extensiva fora do seu leque de aplicação. Logo, vige a regra geral da impossibilidade.” (in Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Curitiba: Zênite, nº 172, p. 623, jun. 2008, seção Perguntas e Respostas).

Entretanto, em que pese a exceção contida na LC nº 123/2006 acima citada, esta vale apenas nos contratos referentes a ME ou EPP.

Não obstante, vale destacar que uma das principais características dos contratos administrativos é a sua natureza intuitu personae, assim, o contrato deve ser executado por aquela pessoa que venceu o processo licitatório.

Ademais, julga-se não ser possível a Administração, como regra, efetuar o pagamento devido diretamente aos subcontratados pelos serviços prestados e/ou materiais fornecidos, pois, conforme aduzido, a relação jurídica decorrente da subcontratação não envolve a Administração contratante diretamente. Por isso, qualquer pagamento devido à subcontratada deve ser feito pelo particular contratado (subcontratante). No mesmo sentido, não se vislumbra a possibilidade de emissão de nota fiscal pelo subcontratado.

Nesse sentido já se manifestou o egrégio Tribunal de Contas da União, vejamos:

“9.2. determinar à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que: 9.2.1. quando da elaboração e fiscalização de contratos, observe a vedação feita pela Lei n. 8.666/1993, nos arts. 72 e 78, inciso VI, no tocante à subcontratação total dos objetos pactuados;

9.2.2. abstenha-se de efetuar pagamentos diretos a subcontratadas, tendo em vista a falta de amparo legal, uma vez que não há qualquer relação jurídica entre a Administração Pública e o terceiro subcontratado(...).

TCU. Acórdão nº 502/2008 – Segunda Câmara (GRIFO NOSSO)

Portanto, os documentos formais tocantes às fases da despesa pública devem ser feitos no nome da contratada, que foi a real vencedora da licitação e posteriormente contratada, assim, somos de opinião que a subcontratação é legal, porém, o pagamento direto a subcontratada pela administração não seria possível, ou melhor, não seria o caminha mais viável.

Ressalta-se que a subcontratação não exonera o contratado das responsabilidades decorrentes do contrato, de modo que apenas este responde, em regra, pelo adimplemento ou inadimplemento contratual, pois, a Administração não celebra avença com a subcontratada e é a mesma Administração que autorizará a subcontratação e o seu respectivo limite.


III – CONCLUSÃO

Diante do exposto, é plenamente possível a utilização do instituto jurídico da “subcontratação”, desde que atendidos os parâmetros acima expostos, sendo eles:

  1. Vedada à subcontratação total;
  2. Possível à subcontratação parcial, desde que o limite seja estipulado pela administração pública;
  3. Vedado o pagamento direto à subcontratada, com a exceção dos casos de ME ou EPP conforme a LC nº 123/2006.


IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm;

LEI Nº 8.666/93, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm;

LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm;

MEIRELLES, Hely Lopes, DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999;

Licitações e Contratos: ORIENTAÇÕES E JURISPRUDÊNCIA DO TCU; 4. ed. Brasília: TCU, 2010;

TORRES, Jessé Pereira. COMENTÁRIOS À LEI DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Ed. Renovar, 8ª edição, 2009;

ZÊNITE, Revista de Licitações e Contratos. Nºº 172, p. 623, jun. 2008.

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Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Advogado e Perito Contador; Doutor em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil; Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados Associados; Coordenador Jurídico da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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