O conceito constitucional de renda

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30/03/2017 às 13:39
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O imposto de renda tem sofrido ataques por todos os lados. Um dos alvos é exatamente o que se entende por "renda". Mas você sabia que este conceito existe e está delimitado na Constituição Federal? Saiba mais sobre isso e o que o STF entende a respeito.

1  INTRODUÇÃO

O imposto de renda tem sido alvo de ferrenhas discussões tanto no âmbito doutrinário quanto da jurisprudência. Uma das mais acaloradas encontra-se na definição conceitual de renda.

Pois bem, o trabalho em comento parte da premissa de que conceito de renda existe e encontra-se delimitado pela Constituição Federal de 1988.

Assim, presente artigo foi elaborado a partir de uma de revisão bibliográfica e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com o escopo de apresentar e delimitar o conceito constitucional de renda.

Da leitura do artigo se verá que a constituição traz em seu bojo uma demarcação rígida dos contornos de aludido conceito, de sorte que para não incorrer em inconstitucionalidade, o legislador infraconstitucional deverá obedecer o “conteúdo semântico mínimo” (CARRAZZA, 2005, p. 34.) de renda previsto na norma maior.

Deste modo, o objeto do presente estudo é a busca do conceito constitucional de renda a partir da leitura da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.


2  O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA

É sabido que a constituição não ostenta em seu conteúdo palavras vazias, desprovidas de significado, deste modo, é corrente na doutrina brasileira que Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo um critério material tanto de renda quanto de proventos de qualquer natureza (ANDRADE FILHO, 2012, p. 22). Neste sentido acentua Andrade Filho (2012, p. 22-23):

“Portanto, o poder de tributar pela União não poderia escapar aos estreitos limites desse “conceito constitucional de renda”. Essa concepção se assenta em pelo menos dois pressupostos. O primeiro sugere que o texto constitucional é a fonte primeira do poder de tributar e que esse é conformado pela bitola das materialidades nele referidas. O segundo afirma que o ordenamento jurídico brasileiro ostenta um conceito constitucional de renda e que esse seria unívoco.

Quanto ao primeiro pressuposto apontamos, inexistem dissidência sérias ou dignas de menção. De fato, considerada como um conjunto de normas, a CF, além de norma que constitui o fundamento último de validade de toda a ordem jurídica, é o documento jurídico que organiza o Estado e distribui parcelas do poder jurídico a certas pessoas e sob certas condições. As normas constitucionais atributivas de competência tributária, isto é da faculdade de editar lei que institua, aumente, diminua, enfim, disponha sobre todos os aspectos de determinado tributo, não podem ser vistas isoladamente. Elas não existem independentemente e acima de qualquer coisa. Essa porção do poder jurídico é delimitada por outras normas que acabam por colaborar com a formulação (âmbito, forma, matéria etc) da própria norma atributiva da competência tributária. Dentre essas normas estão: (a) aquelas que tratam dos princípios constitucionais tributários, que são chamadas pela Constituição Federal de “limitações ao poder de tributar”; (b) as disposições sobre imunidades tributárias, que também estão inscritas no rol das “limitações” referidas; e (c) os preceptivos que atribuem direitos e garantias individuais.”

Ora, somente onde existir renda será concebível a cobrança do respectivo imposto. Neste sentido a proclamação de Pontes de Miranda (1984):

“Onde não há renda não é concebível imposto de renda”.

Pois bem, os ensinamentos do insigne mestre estão em total consonância com o disposto no artigo 153, inciso III, da Carta da República, que assim dispõe:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(...)

III - renda e proventos de qualquer natureza;

É evidente que a Constituição Federal traz em seu âmago um “conceito constitucional de renda”, pois

“as palavras são utilizadas na Constituição com o fim de transmitir uma mensagem com sentido, com o propósito de designar algum conceito, mesmo sendo um conceito do tipo indeterminado (...). Contudo, se existe um conceito, há características definitórias que informam seus limites, que permite identificá-lo e diferençá-lo de outros conceitos.” (QUEIROZ, 2003).

Neste sentido, Hugo de Brito Machado (1996, p. 44) entende que

“renda e proventos de qualquer natureza é expressão que limita o âmbito de incidência do imposto federal. A não ser assim, ter-se-ia de ler a norma constitucional como se esta atribuísse competência à União para instituir e cobrar imposto sobre qualquer fato, a critério do legislador (...). E isto evidentemente não está escrito na norma constitucional. (...) Considerando que a Constituição Federal descreve, ao fazer a partilha das competências tributárias, o âmbito de cada imposto, a liberdade do legislador para definir a hipótese de incidência tributária não vai além da liberdade que tem o intérprete para escolher uma das significações razoáveis dessa expressão. Se, no exercício dessa liberdade, o legislador transpõe o quadro, ou moldura, que a Ciência do Direito estabelece, definindo como renda o que renda não é, em qualquer de seus significados aceitáveis, agride a Constituição”.

Deste modo, o interprete do conceito de renda não pode se afastar do que Roque Antonio Carrazza chama “conteúdo semântico mínimo” (CARRAZZA, 2005, p. 34.), ou seja, não pode se desvirtuar dos moldes estampados pela constituição, tanto que o artigo 110 do Código Tributário Nacional estabelece que:

“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias” (BRASIL. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Artigo 110)

Ora, neste momento é de se salientar que a constituição não traz um conceito fechado de renda, mas traça seu contorno, dentro do qual impreterivelmente deve permanecer o legislador ordinário. Neste sentido leciona Gisele Lemke:

“Como visto no capítulo anterior, existe um significado mínimo, que se poderia dizer incorporado à Constituição, para o conceito de renda. Tal significado, além de ser buscado nas teorias econômicas (sem que se adote nenhuma delas, bem entendido) decorrerá substancialmente dos princípios constitucionais atinentes à matéria tributária. No Brasil, essa observação é particularmente importe, haja vista a grande quantidade de normas constitucionais relativas ao sistema tributário. A Constituição não traz um conceito fechado de renda, porém certamente traça-lhe os contornos.” (LEMKE, 1998, p.31).

Assim, é de se frisar que embora a Constituição Federal de 1988 admita que as normas inferiores para tratem sobre o tema, ela (a Constituição) traz demarcação rígida dos contornos a serem obedecidos, de modo que ao se exorbitar tal demarcação, a regra derivada será inconstitucional. Noutras palavras ensina QUEIROZ:

“Deve-se considerar, também, que a Constituição Federal, ao fixar a repartição das competências  tributárias, dada rigidez de seus mandamentos, e ao estabelecer os princípios que devem reger as exações, na verdade, já prefixou a regra-matriz de incidência dos tributos, as definições e as respectivas hipóteses a serem consideradas pelo legislador ordinário. A Carta Magna foi rígida e exaustiva ao estabelecer as competências, delinear e limitar o âmbito semântico dos vocábulos que compõem a exação e fixado os pressupostos e os princípios que deveriam ser obedecidos na elaboração das normas infraconstitucionais (...). A inteireza da norma jurídica que estabelece a regra-matriz de incidência dos tributos, todavia, completa-se com a conjugação da materialidade prevista no texto constitucional com os demais critérios previstos nas leis ordinárias (...) [que], ao disporem sobre esses critérios, contudo, não poderão exceder, distorcer ou desvirtuar os significados dos símbolos como foram determinados na Lex Mater”. (QUEIROZ, 2004. pp. 492-493)

Deste modo, qualquer pretensão tributária que ultrapasse os limites demarcados pela Constituição Federal de 1988, será, impreterivelmente, inconstitucional.

Assim, para exercer com legitimidade e constitucionalidade sua função de tributar, o legislador infraconstitucional não pode se afastar do conceito/instituto da renda estabelecido no âmbito da Constituição. Neste sentido, Roque Antônio Carrazza leciona que:

“o legislador, ao exercitar qualquer das competências tributárias reservadas à sua pessoa política, deverá ser fiel à regra-matriz de incidência do tributo, pré-traçada na Carta Magna. Absolutamente não pode extravasar este verdadeiro molde constitucional” (CARRAZZA, 2005, pp. 28-29).

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado assevera que:

“Em face das controvérsias a respeito do conceito de renda, há quem sustente que o legislador pode livremente fixar o que como tal se deva entender. Assim, porém, não nos parece que seja. Entender que o legislador é inteiramente livre para fixar o conceito de renda e de proventos importa deixar sem qualquer significação o preceito constitucional respectivo. A Constituição, ao atribuir competência tributária à União, alude a renda e a proventos. Assim, entender-se que o legislador ordinário pode conceituar, livremente, essas categorias implica admitir que esse legislador ordinário pode ampliar, ilimitadamente, essa atribuição de competências, e tal não se pode conceber em um sistema tributário como o brasileiro.” (MACHADO, 2008. p. 314).

Entretanto, “a definição do fato gerador do imposto de renda, pelo legislador ordinário, tem sido casuística, e nem sempre se mantém no âmbito material acima indicado” (MACHADO, 2008. p. 313).

Assim, vale dizer que embora as normas infraconstitucionais mostrem-se úteis parta para a definição de fatos tributários, estas não podem interferir no conceito de renda estabelecido pela constituição, pois tal interpretação partindo de norma inferior acaba, inequivocadamente, por romper com hierarquia do sistema jurídico brasileiro (voto de vista lavrado pelo Eminente Ministro Cezar Peluso no RE 208526, Relator(a):  Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2013, DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014 EMENT VOL-02754-03 PP-00346).

Isto porque “nenhuma lei pode alterar a Constituição, a primeira aproximação (e mesmo a exaustão) dos temas nela disciplinados independe da legislação. Esta observação é de capital importância, a fim de que não se centre o estudo do interprete em questões menores, distanciadas das exigências constitucionais, prejudicando, com isso, a possibilidade de compreensão do tema em análise” (BARRETO, 2009. p. 25).

Outrossim, é de se salientar que “nossa constituição é rígida. Em consequência é a lei fundamental e suprema do Estado Brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento é sé ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.” (SILVA, 1993. p 768).

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Desta sorte, as normas que integram o sistema tributário e especificamente as que aludem ao conceito de imposto de renda apenas terão sua validade assegurada se se conformarem com as normas estabelecidas na Constituição Federal de 1988.

Neste sentido é o escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello citado por Roberto Quiroga Mosquera:

“Bandeira de Mello aponta que as normas infraconstitucionais não podem conferir aos termos ‘renda’ e ‘proventos’ uma conotação ou denotação transbordantes do sentido admissível na intelecção normal e daqueles demarcados constitucionalmente. Ressalta ainda o ilustre jurista que, caso fosse negada essa assertiva, de que as significações das normas jurídicas de hierarquia inferior devem adequar-se às significações de ‘renda’ e ‘proventos’ presentes no Texto Supremo, os preceptivos constitucionais teriam valência nula, isto é: não se prestam a cumprir sua única e específica função: demarcar, na qualidade de regras superiores, o campo de liberdade do legislador, assim como de todos os regramentos, atos e intelecções sucessivos. Deveras, se o legislador ou o aplicador da regra pudessem delinear, a seu talante, o campo de restrições a que estão submetidos, através da redefinição das palavras constitucionais, assumiriam, destarte, a função de constituinte”. (Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O imposto e o conceito constitucional, Editora Dialética 1996, pág. 40).

No mesmo diapasão José Luiz Bulhões Pedreira:

“A Constituição Federal autoriza a União a impor tributos sobre a ‘renda e os proventos de qualquer natureza’. No exercício do Poder Legislativo cabe ao Congresso Nacional definir, na legislação ordinária, o que deve ser entendido por renda, para efeitos de tributação. Mas ao definir a renda tributável o Congresso Nacional tem o seu poder limitado pelo sistema constitucional de distribuição de poder tributário, e fica sujeito à verificação, pelo Poder Judiciário, da conformidade dos conceitos legais com os princípios da Constituição. O Congresso pode restringir ou limitar o conceito de renda e proventos de qualquer natureza constante da Constituição, mas não ampliá-lo além dos limites compatíveis com a distribuição constitucional de rendas.” (PEDREIRA, 1969, p. 2-21)

Tanto isto é verdade que mesmo a parte da doutrina que admite que normas infraconstitucionais conceituem o instituto renda não deixa de pressupor a existência de uma fronteira, de uma demarcação, previamente estabelecida pela Constituição Federal, a qual, sem sombras de dúvidas, deve ser obedecida:

 “O Constituinte de 1988 ao definir competências dos entes da federação, separou para a União o poder de instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (CF/88, art. 153, III). Nada mais dispôs, a não ser que esse imposto deverá ser “informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei.”

Roque Antônio Carrazza sustenta que a Constituição da República, ao definir as competências tributárias, adotou um conceito de renda, de modo que o “legislador federal não possui total liberdade para definir renda e proventos de qualquer natureza, para fins de tributação por meio do imposto específico.” Parece-nos, contudo, mais acertada a posição defendida por Luís Eduardo Schoueri, no sentido de que a Constituição adotou como critério de repartição das competências tributárias o tipo de renda, deixando, todavia, a tarefa de conceituá-la para o legislador infraconstitucional.

Evidentemente, o constituinte, ao assim proceder, não deu uma carta branca ao legislador infraconstitucional, mais precisamente ao legislador complementar. O tipo, conquanto não encerre uma noção fechada, estabelece standards mínimos, de modo que a delegação para que o legislador infraconstitucional defina renda não é total, mas limitada aos standards constitucionalmente estabelecidos.” (CORRÊA, 2008, pp. 202- 203)

Ora, buscar o conceito de renda na constituição implica no afastamento das concepções apresentadas na legislação infraconstitucional, sob pena de se interpretar a Constituição com foco em normas inferiores.

Tal se dá porque:

“É ponto bem averiguado que a Constituição Federal ocupa, dentro do ornamento jurídico, posição sobremaneira, dando fundamento de validade a todos os atos emanados dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Encimando a pirâmide jurídica, consagra grandes princípios, que interferem de modo especial no significado, conteúdo e alcance das noemas tributárias.

Realmente, essas devem harmonizar-se com os princípios fundamentais (legalidade, igualdade, justiça fiscal, segurança jurídica etc.) consagrados no Código Supremo, que, para garantia dos contribuintes, limitam e condicionam a ação de exigir tributos, ressalvada às pessoas políticas.

Em suma, a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, enquanto tributam, encontram, na própria Constituição, perfeitamente demarcados, os caminhos que podem palmilhar. Dito de Outro modo, mais técnico, a Lei Maior disciplinou, rigorosa e exaustivamente, as competências tributárias, traçando as regras matrizes das várias figuras exacionais (...)” (CARRAZZA, 2004. p. 353).

Neste toar têm sido as decisões do Supremo Tribunal Federal, como bem ressalva Fernando Zilveti (2004, p. 382) “quanto ao imposto de renda, melhor expressão da capacidade contributiva, o STF detém uma atenção especial para a renda líquida passível de tributação. Na decisão que verificou a constitucionalidade da retenção na fonte, imposta pelo art. 35 da Lei nº 7.713-88, o Min. Octavio Gallotti asseverou a necessidade de disponibilidade econômica e jurídica para a cobrança do imposto de renda.”

Destarte, a muito o Supremo Tribunal Federal vem definindo o objeto de renda. Para tanto, vale a leitura do escólio de Ricardo Mariz de Oliveira:

“o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do MIN. CUNHA PEIXOTO, proferido em 13.10.1978 no recurso extraordinário nº 89.791 (...) sentenciou com lapidar sabedoria:

‘Na verdade, por mais variado que seja o conceito de renda, todos os economistas, financistas e juristas se unem em um ponto: renda é sempre um ganho ou acréscimo do patrimônio’.

E também no recurso extraordinário nº 71.758 (...), relatado pelo Ministro OSWALDO TRIGUEIRO:

‘Quaisquer que sejam as nuances doutrinárias sobre o conceito de renda, parece-me acima de toda dúvida razoável que, legalmente, a renda pressupõe ganho, lucro, receita, crédito, acréscimo patrimonial, ou, como diz o preceito transcrito, aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica’.” (OLIVEIRA, 1994, p. 162.).

No mesmo sentido:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDA - CONCEITO. Lei n. 4.506, de 30.XI.64, art. 38, C.F./46, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43. I. - Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso. C.F., 1946, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43. II. - Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei 4.506/64, que institui adicional de 7% de imposto de renda sobre lucros distribuídos. III. - R.E. conhecido e provido.::

(RE 117887, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/1993, DJ 23-04-1993 PP-06923 EMENT VOL-01700-05 PP-00786 RTJ VOL-00150-02 PP-00578)

Colhe-se do voto condutor do acórdão, prolatado pelo eminente Decano do Supremo Tribunal Federal:

“(...)

Examinemos, portanto, a arguição de inconstitucionalidade do art. 38 da Lei 4.506, de 30.11.64.

Conforme ficou claro, linhas atrás, a incidência, na hipótese, dá-se não sobre o lucro realizado, mas sobre os lucros distribuídos. Todavia, na lição de JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, “não se trata, no caso, de imposto sobre o lucro distribuído como rendimentos dos respectivos beneficiários, mas como lucro da própria pessoa jurídica”, o que ocorre com “objetivo extra-fiscal: o estimulo ao reinvestimento dos lucros das pessoas jurídicas mediante tributação dos lucros distribuídos à taxa mais elevada do que os lucros distribuídos pela pessoa jurídica (“Imposto de Renda”, APEC, Rio, 1969, ps. 24/23, nº 24.40, já indicada).

Sustenta-se, conforme vimos, que a distribuição de lucros aos seus acionistas não trouxe à contribuinte, ora recorrente, qualquer acréscimo patrimonial, mesmo porque, “pela operação do aumento de capital a recorrente pagou o imposto por ela devido e deduziu, na fonte, o que incumbia a seus acionistas, na forma do art. 11 da Lei 4.154/62” (fls. 18).

Noutras palavras, nada teria entrado no patrimônio da contribuinte, ora recorrente, com a distribuição das ações , ou nenhuma renda teria sido percebida por ela, conforme aliás, esclarecido na sentença.

A Lei 4.506, de 30.11.64, veio a lume quando tinha vigência a Constituição de 1946, que, no tocante ao imposto de renda, assim dispunha, no seu art. 15, IV:

“Art. 15. Compete à União decretar imposto sobre:

...........................

IV – renda e proventos de qualquer natureza.”

A constituição de 1967, sem a EC 1/69, dispunha, a respeito, no art. 22, IV:

“Art. 22. Compete à União decretar impostos sobre:

...........................

IV – rendas e proventos de qualquer natureza, salvo ajuda de custo e diárias pagas pelos cofres públicos.”

A EC nº 1/69, a seu turno, no art. 21, IV, dispôs:

“Art. 21. Compete à União instituir imposto sobre:

...........................

IV – renda e proventos de qualquer natureza, salvo ajuda de custo e diárias pagas pelos cofres públicos na forma da lei;”

Estabelece, no ponto, a Constituição de 1988, no art. 153, III:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

...........................

III - renda e proventos de qualquer natureza;”

No plano infraconstitucional, a matéria foi regulada no art. 43 do C.T.N.:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”

Para José Luiz Bulhões Pedreira, “o sentido vulgar de renda é o produto do capital ou do trabalho, e o termo é usado como sinônimo de lucros, juros, alugueis, proventos ou receitas. A expressão “proventos” é empregada como sinônimo de pensão, crédito, proveito ou lucro. No seu sentido vulgar, tanto a expressão “renda” quanto a “proventos” implicou a idéia de fluxo, de alguma coisa que entra, que é recebida. Essa conotação justificaria, por si só, a afirmação de que as concepções doutrinárias de renda pessoal que melhor se ajustam ao sistema constitucional são de renda como fluxo, e não de acréscimos (ou acumulação) de poder econômico ou de patrimônio líquido.” (Ob cit., págs. 2 a 21).

Convém esclarecer, de início, que a Lei 4.506, de 30.11.64, foi tirada a lume anteriormente ao Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 25.10.66, com vigência a partir de 01.01.67. Não obstante isso, não me parece possível a afirmativa de que possa existir renda ou provento sem que haja acréscimo patrimonial, acréscimo patrimonial que ocorre mediante o ingresso ou auferimento de algo, a título oneroso. Não me parece, pois, que poderia o legislador, anteriormente ao CTN, diante do que expressamente dispunha o art. 15, IV, da CF/46, estabelecer, como renda, uma ficção legal.

Aliomar Baleeiro, nos seus precisos comentários ao CTN, discutindo o conceito de renda e proventos, esclarece que é grande o debate entre os especialistas, e que esse debate “pode ser resumido em duas teorias, que ambas têm sido invocadas pelas legislações fiscais dos vários países: a) renda é atributo quase sempre periódico da fonte permanente da qual promana, como elemento novo criado e que com ela não se confunde (STRUTZ, FUISTING, COHN); b) a renda é o acréscimo de valor pecuniário do patrimônio entre dois momentos (SCHANZ, HAIG FISCHER).” E continua festejado autor: “Alega-se que esta última teoria, aceita pelo Direito Fiscal de vários Estados, envolve, no conceito, às vezes, os próprios capitais. Se a fábrica do Silva figurava no balanço, em 1970, por dez milhões de cruzeiros segundo a segunda teoria e zero para a primeira, o que é conhecido como “estreito” de renda, por oposição ao outro, “largo”, ou “amplo”.” (“Direito Tributário Brasileiro”, Forense, 10ª edição, 1986, pág. 182).

No caso, adotando-se qualquer das duas teorias, não há que falar em renda: a) primeira teoria: não há, promanando da fonte permanente, um elemento novo – a distribuição dos lucros aos acionistas terá trazido para os acionistas o elemento novo; por isso mesmo, os acionistas pagaram o imposto, mediante a sua dedução na fonte, na forma do disposto no art. 11 da Lei 4.154/62; 2.ª teoria: não houve acréscimo de valor pecuniário no patrimônio entre dois momentos, já que nada entrou no patrimônio do contribuinte, nada ganhou o contribuinte: sobre o lucro, houve o pagamento do imposto, normalmente; a cobrança, nova cobrança, está ocorrendo pelo simples motivo de o lucro estar sendo distribuído.

É certo que – o registro é de baleeiro – “o conceito de renda, como acréscimo de valor, na enunciação teórica dos economistas que o sustentam, envolve heranças, dações e os “rendimentos psíquicos” ou imateriais (gozo da casa própria, automóvel, obra d’arte, e até, na opinião de alguns, as horas de lazer.” (Ob.cit., pág. 183). Terá havido, entretanto, sempre, um acréscimo de valor, o que, no caso sob exame, não ocorre.

No antigo T.F.R., quando do julgamento da AC 54.944-SP, de que fui relator, sustentei tese semelhante, ficando o acórdão assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. EXCESSO DE REMUNERAÇÃO. DIRETORES. LUCROS DISTRIBUÍDOS. Decreto nº 58.400, de 1966, artigo 249. Constituição, art. 21, IV; C.T.N., art. 43.

I. Presente a norma inscrita no artigo 21, IV, da Constituição, e art. 43, do C.T.N., não é possível, com base no artigo 249, do RIR, Decreto 54.400/66, tributar o excesso de remuneração dos diretores da empresa como distribuição de lucro. É que esse excesso de remuneração dos diretores da empresa como distribuição de lucro. É que esse excesso de remuneração não se enquadra na condição de aquisição de disponibilidade pela empresa.

II. Recurso provido.” (“DJ” de 06.05.82).

Tenho, pois, como inconstitucional o dispositivo legal objeto da causa, o art. 38 da Lei nº 4.506, de 30.11.64.

Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para julgar procedente a ação, invertendo os ônus da sucumbência.” (RE 117887, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/1993, DJ 23-04-1993 PP-06923 EMENT VOL-01700-05 PP-00786 RTJ VOL-00150-02 PP-00578)

A posição jurisprudencial que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal, não diverge dos ensinamentos da doutrina, que tem buscado na Constituição Federal o Conceito de Renda, o qual não pode ser ampliado ao arbítrio do legislador ordinários. Vejamos:

Luís Cesar Souza de Queiroz (2003):

“Renda e proventos de qualquer natureza (ou renda em sentido amplo ou simplesmente Renda) é conceito que está contido em normas constitucionais relativas ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e que designa o acréscimo de valor patrimonial, representativo da obtenção de produto ou de simples aumento no valor do patrimônio apurado, em certo período de tempo, a partir da combinação de todos os fatos que contribuem para o acréscimo de valor do patrimônio (fatos-acréscimos) com certos fatos que, estando relacionados ao atendimento das necessidades vitais básicas ou à preservação da existência, com dignidade, tanto da própria pessoa quanto de sua família, contribuem para o decréscimo de valor do patrimônio (fatos-decréscimos)”.

Roque Antônio Carrazza:

“a faculdade de instituir tributos, dada pela Constituição às pessoas políticas, está longe de ser ilimitada. Pelo contrário, ela, ao cuidar das competências tributárias, demarcou-lhes as fronteiras. (...) De conseqüência, os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) têm o direito constitucional subjetivo de só serem tributados pela pessoa política competente e, ainda assim, desde que observe a regra-matriz exacional, pré-qualificada no próprio Texto Supremo. (CARRAZZA, 2005, p. 33).

José Artur Lima Gonçalves:

“a Constituição pressupõe conceito de renda consistente em um acréscimo decorrente do confronto de entradas e saídas relevantes, ao longo de um período de tempo” (GONÇALVES, 2002, p. 215).

Marcelo Magalhães Peixoto:

“o legislador infraconstitucional está adstrito ao que preceitua o Texto Supremo, ou seja, não poderá, em hipótese alguma, ampliar o conceito de renda, pois se assim o fizer irá incorrer em cabal inconstitucionalidade” (PEIXOTO, 2001).

Leandro Paulsen:

“o conceito de renda não está à disposição do legislador infraconstitucional. (...) o legislador ordinário não pode extrapolar a ampliturde de tais conceitos, sob pena de inconstitucionalidade” (PAULSEN, 2005, p.312).

Gisele Lemke:

“a simples referência constitucional ao vocábulo renda já implica na existência de um significado mínimo desse conceito” (LEMKE, 1998, p. 141).

Ora, haja vista que o conceito de renda tem raízes fincadas na constituição, cabe à Augusta Corte a interpretação e a apresentação de seus contornos. Neste sentido Humberto Ávila leciona que:

“a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vincula o intérprete aos conceitos estabelecidos pela Constituição, direta ou indiretamente. O Supremo Tribunal Federal foi várias vezes confrontado com a questão de saber se o legislador ordinário havia transbordado dos limites conceituais traçados pela Constituição Federal ao poder de tributar”. (ÁVILA, 2004, 161)

Assim, “as definições adotadas pela lei ordinária devem ser construídas e interpretadas tendo em vista a discriminação constitucional de competências tributárias, e estão sujeitas ao teste de constitucionalidade em função da sua compatibilidade com essa discriminação.” (BULHÕES, 1971, item 2.10.).

E, como visto, a partir da leitura dos excertos da Colenda Corte acima colacionados, a interpretação do conceito constitucional de renda pressupõe a existência de um núcleo semântico mínimo, sua raiz, caracterizado pela existência de ganho ou acréscimo patrimonial. Neste sentido leciona Hugo de Brito Machado:

“Quando afirmamos que o conceito de renda envolve acréscimo patrimonial, como o conceito de proventos também envolve acréscimo patrimonial, não queremos dizer que escape à tributação a renda consumida. O que não se admite é a tributação de algo que em momento algum ingressou no patrimônio, implicando incremento do valor liquido deste. Como acréscimo se há de entender o que foi auferido, menos parcelas que a lei, expressa ou implicitamente, e sem violência à natureza das coisas, admite sejam diminuídas na determinação desse acréscimo.” (MACHADO, 2008. p. 315).

Outro não é o entendimento de Ricardo Lobo Torres:

“o que se não puder definir com a renda, dentro do conceito lato que a entende como acréscimo do patrimônio em determinado lapso de tempo, não poderá constituir fato gerador do tributo, ainda que o eleja o legislador.” (TORRES, 1986. p. 267.)

No mesmo diapasão vale a leitura do seguinte excerto do voto de vista lavrado pelo Eminente Ministro CEZAR PELUSO no RE 208526, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2013, DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014 EMENT VOL-02754-03 PP-00346:

Por outro lado, a repartição das competências tributárias está traçada de forma nítida no texto constitucional, de tal modo que não se pode confundir nem aproximar as diversas materialidades definidoras de competências, como se entre elas não medeassem consideráveis dessemelhanças. Assim, não é lícito tomar por renda – que tem conformação conceitual mínima – nenhum pressuposto de fato que desencadeie outras competências, tal como “receita”, “faturamento”, “lucro”, “patrimônio”, nem pressuposto de fato que não desencadeie competência alguma (e.g., meros ingressos ou simples trânsito de valores).

É de se frisar que o pensamento jurídico há muito tem evoluído “no sentido de conceituar melhor os fatores produtores da renda, introduzindo a ideia de sua disponibilidade, como algo essencial para caracterizar a renda tributável” (COÊLHO, 2006, p.495).

Assim, segundo a valiosa lição de Hugo de Brito Machado além da existência de ganho ou acréscimo patrimonial é necessária, para a existência de renda, a possibilidade de sua disponibilidade:

“A renda não se confunde com sua disponibilidade. Pode haver renda, mas esta não ser disponível para seu titular. O fato gerador do imposto que se cuida não é a renda mas a aquisição da disponibilidade da renda, ou dos proventos de qualquer natureza. Assim, não basta, para ser devedor desse imposto, o auferir renda, ou proventos. É preciso que se tenha adquirido a disponibilidade, que não se configura pelo fato de ter o adquirente da renda ação para sua cobrança. Não basta ser credor de renda se está não está disponível, e a disponibilidade pressupõe ausência de obstáculos jurídicos a serem removidos. O proprietário de prédios alugados aufere renda desde o momento em que se consuma cada período, geralmente mensal, de vigência do contrato de locação. Entretanto, se o inquilino não paga, nem oferece ao locador o crédito da quantia correspondente, este não será devedor do imposto de renda, embora tenha mais do que ação, porque tem execução contra o inquilino, posto ser o contrato de locação um título executivo”. (MACHADO, 2008. p. 315).

Pois bem, o instituto da disponibilidade pode ser compreendido a partir da leitura do Voto do Eminente Ministro Nelson Jobim na ADI 2588/DF[1], citado pelo Ministro Teori Zavascki no RE 611586, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 10/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 09-10-2014 PUBLIC 10-10-2014:

“Observo, em primeiro lugar, que os conceitos DISPONIBILIDADE ECONÔMICA e DISPONIBILIDADE JURÍDICA, utilizados pelo direito tributário, tem sentidos distintos quando aplicados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas.

(1) REGIME DE CAIXA E REGIME DE COMPETÊNCIA.

A base de tal distinção - ou diferença - está no regime a que cada uma delas – física ou jurídica – estão submetidas.

Para as pessoas físicas impera o REGIME DE CAIXA.

Já, para as pessoas jurídicas, o REGIME DE COMPETÊNCIA.

No REGIME DE CAIXA, exige-se o registro de receitas e despesas quando efetivamente recebidas ou pagas.

Somente quando recebido o valor do crédito ou quando pago o valor do débito tem-se a alteração, para mais ou para menos, no patrimônio da pessoa física.

A só existência do direito subjetivo ou da obrigação, exigíveis, não altera, para fins tributários, a situação patrimonial da pessoa física.

Não é o que se passa no REGIME DE COMPETÊNCIA, a que se submetem as empresas.

Reitero, está na LEI DAS SAs, de 1976:

‘Art. 187. ...................

.............................

§1º Na determinação do resultado do exercício serão computados:

a) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e

b) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendimentos.’

No REGIME DE COMPETÊNCIA, para apuração dos resultados do exercício, são consideradas as receitas e despesas independentemente de seus efetivos recebimentos ou pagamentos.

No REGIME DE COMPETÊNCIA não se fala em disponibilidade de recursos efetivos para sua inclusão na base de cálculo do IR.

(2) DISPONIBILIDADE ECONÔMICA E DISPONIBILIDADE FINANCEIRA

 A razão é simples.

Grande maioria das relações econômicas e jurídicas, pactuadas entre empresas e entre as companhias e seus sócios, é realizada por meio de aquisição e transferência de direitos que somente se concretizam na forma de registros contábeis.

Por isso, a disponibilidade da renda não pode se limitar, para as pessoas jurídicas, ao efetivo recebimento de moeda ou dinheiro.

Em rigor, fala-se de DISPONIBILIDADE ECONÔMICA em um sentido próprio para as pessoas jurídicas em contraposição ao conceito de DISPONIBILIDADE FINANCEIRA que se constitui, nessa seara, no efetivo ganho de recursos monetários.

DISPONIBILIDADE ECONÔMICA significa acréscimo patrimonial sem o recebimento físico dos ganhos financeiros.

A entrada física de moeda no caixa pode, por motivos comerciais e contábeis, ser livremente postergada pelas sociedades envolvidas.

Contudo, o aumento patrimonial da pessoa jurídica já se deu quando da DISPONIBILIDADE ECONÔMICA, mesmo antes da decisão de realizar a DISPONIBILIDADE FINANCEIRA.

A idéia de DISPONIBILIDADE ECONÔMICA é consequência inarredável do REGIME DE COMPETÊNCIA das pessoas jurídicas e do MEP.

Leio, na doutrina:

‘..............................

A aquisição da DISPONIBILIDADE ECONÔMICA de renda ou de proventos caracteriza-se tão-logo sejam estes incorporados ao patrimônio. Para que haja a disponibilidade econômica, basta que o patrimônio resulte economicamente acrescido por um direito, ou por um elemento material, identificável como renda ou como proventos de qualquer natureza.

..............................

Não se pode confundir a DISPONIBILIDADE ECONÔMICA com a DISPONIBILIDADE FINANCEIRA. Aquela se contenta com o simples acréscimo patrimonial, independente da efetiva existência dos recursos financeiros, enquanto esta pressupõe a existência física dos recursos em caixa. O CTN exige apenas a aquisição da DISPONIBILIDADE ECONÔMICA, o que não quer dizer que a lei ordinária não possa, na prática, privilegiar exclusivamente a DISPONIBILIDADE FINANCEIRA, como faz, de um modo geral, em relação às pessoas físicas.

..............................’ (ZUUDI SAKAKIHARA, ‘Código Tributário Nacional’. Coord. Vladimir Passos de Freitas. SP: RT, 1999, p. 133).

Na mesma linha, BULHÕES PEDREIRA fala de uma DISPONIBILIDADE VIRTUAL DE RENDA para as pessoas jurídicas:

‘............................

3. ..........................

A DISPONIBILIDADE VIRTUAL DA RENDA pressupõe que a pessoa já tenha adquirido o direito ao rendimento e já se tenham verificado todas as demais condições necessárias para que venha a adquirir o poder de dispor da moeda, de modo que as circunstâncias de fato indiquem que ela deverá, a qualquer momento ou em futuro próximo, adquirir efetivamente a disponibilidade da moeda. Em alguns casos, todavia, a disponibilidade virtual pode existir antes mesmo da aquisição do direito à renda, se já ocorreram todos os fatos que são condições necessárias para que a pessoa jurídica venha a obter tanto o direito ao rendimento quanto o poder de dispor de moeda.

..............................’

É certo, portanto, que a DISPONIBILIDADE ECONÔMICA não exige o repasse físico dos recursos para o patrimônio do contribuinte.

Com a DISPONIBILIDADE ECONÔMICA dá-se o acréscimo, mesmo que contábil, desses recursos ao patrimônio do contribuinte.

(...)

3.2. Acréscimo patrimonial.

Esse valor, como vimos, já representa efetivamente aumento patrimonial para fins contábeis, comerciais, empresariais e até para avaliação de seu ativo.

Lembro o tratamento dado pela LEI DAS SAs. (L. 6.404/76) ao lucro das Companhias.

É evidente que a venda dos ativos, das ações, se repercutem nesses valores que estão lá fora, porque são acréscimos patrimoniais, tendo em vista o patrimônio líquido da empresa que está sendo negociada.

(...)

A L., desde logo, assegura, ao acionista, o recebimento do lucro:

‘Art. 109 - Nem o estatuto social nem a assembléia geral poderão privar o acionista dos direitos de:

I - participar dos lucros sociais;

.............................

Enunciada essa regra geral, a L. admite sua relativização.

A L. determina aos órgãos da administração a elaboração de <proposta sobre a destinação a ser dada ao lucro líquido do exercício> (art. 192).

A Assembléia poderá, por proposta da administração, <reter parcela do lucro líquido do exercício ...>’ (art. 196).

Assim, parcela do lucro líquido pode ser destinada a outros fins que não a distribuição aos sócios.

No entanto, a parcela retida, tal como se dá com a parcela sujeita à distribuição, integra o lucro líquido da INVESTIDA, lucro líquido esse que importou em variação do valor de seu patrimônio.

A variação no patrimônio da INVESTIDA importa em acréscimo patrimonial na COMPANHIA INVESTIDORA, em decorrência do MEP, posto que o REGIME é DE COMPETÊNCIA.

Como se demonstrou, ao balanço da INVESTIDORA se integra a sua parcela no patrimônio líquido da INVESTIDA, independentemente da destinação dada a esses lucros.

Tanto que, é de se notar que, contrario sensu, a L. 6404/76, ao fixar regras para a elaboração do “Balanço Patrimonial” das empresas e determinar ‘Critérios de Avaliação do Ativo’, inclui neste - o ativo - , ‘os investimentos em participação no capital social de outras sociedades’, que, no caso de CONTROLADAS e COLIGADAS, respeitará os arts. 248 a 250 da mesma lei (regras sobre o MEP e sobre DEMONSTRAÇÕES CONSOLIDADAS).

Isto é, para todos os fins, os lucros, mesmo que não distribuídos, representam acréscimo ao patrimônio da pessoa jurídica submetida ao MEP.

Tal acréscimo, porque se constitui em DISPONIBILIDADE ECONÔMICA, motiva a sua consideração para efeitos da apuração do lucro líquido da INVESTIDORA - base de cálculo do IR.

A DISPONIBILIDADE ECONÔMICA é óbvia, tanto que, esse valor, porque integra o patrimônio da empresa INVESTIDORA, é considerado em uma eventual avaliação na hipótese de sua venda para novo controle acionário.

Observe-se, ainda, que, na hipótese da venda, sobre tal valor não haverá incidência de IR, pois tal acréscimo (R$500,00 para R$600,00 no exemplo da p. 09) já integrou o resultado da INVESTIDORA, resultado esse base cálculo do IR por ela devido.

Não há bi-tributação.

Demonstra-se, assim, que, a teor da legislação comercial, a inexistência de decisão da COLIGADA ou CONTROLADA no sentido de determinar a distribuição de lucros não é obstáculo ao fato de ter, economicamente, ocorrido acréscimo patrimonial da BRASILEIRA.

O fato gerador está definido no CTN:

- DISPONIBILIDADE ECONÔMICA ou JURÍDICA (art. 43, caput).

O novo § 2º do art. 43 do CTN, acrescido pela LC 104/2001, apenas deixou para lei ordinária a fixação de um modus operandi, ou seja, as condições e o momento em que se daria a disponibilidade.

Na linha da CF, a lei complementar definiu o fato gerador como a DISPONIBILIDADE ECONÔMICA ou JURÍDICA.

Remeteu para a legislação ordinária a fixação do momento da DISPONBILIDADE.

Não há que confundir o fato gerador – a DISPONIBILIDADE – com o momento em ela se dá.

Se não fora assim, a legislação tributária ordinária anterior, que adotara a DISPONIBILIDADE FINANCEIRA e o REGIME DE CAIXA, teria também incidindo no vício alegado.

A legislação anterior optou por um outro momento que não o atual.

Tanto o anterior, como o atual, se constituem em momentos da DISPONIBILIDADE.

O art. 74 da MP 2158/01, na linha da alteração do CTN, manejou o conceito de DISPONIBILIDADE ECONÔMICA já trabalhado pela legislação comercial desde de 1976 (MEP) e pela tributária, em BASES TERRITORIAIS, desde de 1977.

E, mais, o conceito de DISPONIBILIDADE ECONÔMICA é conhecido pelo CTN desde sua edição (Art. 43, caput).

A agiu bem a LC 104/2001 com os parágrafos que acrescentou ao CTN.

O momento da DISPONIBILIDADE da renda de pessoas jurídicas ESTRANGEIRAS não poderia – nunca – depender de fixação em legislação complementar.

Tanto poderia ser apuração dos resultados (REGIME DE COMPETÊNCIA e DISPONIBILIDADE ECONÔMICA), como a sua distribuição (REGIME DE CAIXA e DISPONIBILIDADE FINANCEIRA).

Tudo porque se está diante de um ambiente complexo do ponto de vista contábil e societário.

Está-se diante de situações que são altamente mutáveis e dependentes de uma legislação comercial e contábil flexível.

Exemplo disso foram as práticas elisivas recorrentes das empresas e as sucessivas tentativas da legislação de superá-las.

A legislação ordinária não extrapolou os limites constitucionais de suas atribuições.

Não fez as vezes da legislação complementar.

Ao contrário, conectou as necessidades modernas do direito tributário internacional com os instrumentos da legislação comercial, notadamente o MÉTODO DE EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL (MEP).

A legislação estabeleceu um momento para a disponibilidade (o balanço comercial da empresa CONTROLADA ou COLIGADA) sem qualquer ingerência no conceito próprio de renda ou de DISPONIBILIDADE.

A MP 2.158-35/2001 apenas estabeleceu as ‘condições e o momento” em que se daria a disponibilização, em cumprimento ao novo § 2º do art. 43 do CTN.

A MP ateve-se ao momento do efetivo acréscimo patrimonial da BRASILEIRA, ou seja, o momento da apuração contábil do lucro da ESTRANGEIRA.

Vimos que o acréscimo patrimonial da BRASILEIRA se dá, para todos os fins, inclusive para fins comerciais e contábeis, a partir do momento do registro dos lucros no balanço da ESTRANGEIRA.

A BRASILEIRA, desde logo, se beneficia de tais resultados.

O acréscimo patrimonial da BRASILEIRA repercute no valor de suas ações negociáveis em bolsa.

Isso porque, a partir da obrigatoriedade da avaliação do investimento por meio do MEP (Lei das SAs, 1.976), a BRASILEIRA, sujeita a esse regime, necessariamente já registrava, em seu balanço, os valores do lucro apurado por sua COLIGADA ou CONTROLADA.

A fixação do balanço da ESTRANGEIRA como o momento da DISPONIBILIDADE ECONÔMICA é consistente as regras de mercado.

Efetuado o balanço da ESTRANGEIRA, o valor do patrimônio da BRASILEIRA, para efeitos de seu valor de mercado, altera-se com a inclusão do lucro a ela correspondente, embora não distribuído.

Insisto.

Não há que se confundir DISPONIBILIDADE ECONÔMICA com DISPONIBILIDADE FINANCEIRA, nem com DISPONIBILIDADE JURÍDICA.

A CF atribui à União a instituição de imposto sobre ‘a renda’ (art. 153, III).

O CTN dispõe que esse imposto ‘... tem como fato gerador a aquisição da DISPONIBILIDADE ECONÔMICA ou jurídica’ (art. 43, caput).

A LC 104/2001 acrescentou parágrafo ao art. 43 do CTN para que, na hipótese de receita no exterior, a lei estabeleça

‘... as condições e o momento em que se dará sua DISPONIBILIDADE ...’ (art. 43, §2º).

A MP 2.158-35/2001 optou pela DISPONIBILIDADE ECONÔMICA, afastando-se da DISPONIBILIDADE FINANCEIRA.

Dispôs que os lucros das CONTROLADAS e COLIGADAS ESTRANGEIRAS

‘... serão considerados disponibilizados ... na data do balanço no qual tiverem sido apurados ...’ (art. 74, caput).

Não verifico violação ao art. 153, III, da CF.

Repito.

A apuração dos resultados da BRASILEIRA, pelo MÉTODO DE EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL (MEP) e com a adoção do REGIME DE COMPETÊNCIA, importa em incluir, em seu balanço, os lucros a ela correspondentes na ESTRANGEIRA, o que representa real acréscimo patrimonial da BRASILEIRA.

Não há que se confundir FLUXO DE RIQUEZA com AUMENTO DO VALOR DO PATRIMÔNIO.

Como vimos, o AUMENTO DO VALOR DO PATRIMÔNIO não depende, necessariamente, do FLUXO DE RIQUEZA.

No caso, a renda a ser considerada se constitui em toda parcela de AUMENTO DO VALOR DO PATRIMÔNIO e não somente daquela que possa decorrer de FLUXO DA RIQUEZA.

Antes, mesmo, do FLUXO DA RIQUEZA, ou seja, a distribuição financeira dos lucros, a só apuração dos lucros pela ESTRANGEIRA é considerável para efeito da apuração do valor do patrimônio da BRASILEIRA.

Por isso é irrelevante o fato de a BRASILEIRA controlar, ou não a ESTRANGEIRA.

O controle, como se disse, poderá ser relevante para decisão sobre o FLUXO DA RIQUEZA – a distribuição –, mas não o é para a aferição do VALOR DO PATRIMÔNIO.

Se o critério da lei fosse a DISPONIBILIDADE FINANCEIRA a questão do poder de controle poderia ser posta.

Mas, como procurei demonstrar, não é o caso.

Em qualquer hipótese – CONTROLADA ou COLIGADA – os resultados da ESTRANGEIRA repercutem, desde o balanço desta, no patrimônio da BRASILEIRA sujeita ao MEP, tal como se dá com as FILIAIS e SUCURSAIS ESTRANGEIRAS.

São de igual forma elucidativas as lições colhidas do Voto do Ministro Dias Toffoli proferido no âmbito do já citado Recurso Extraordinário[2]:

Acerca do conceito de disponibilidade, são pertinentes as lições do Professor Alcides Jorge Costa citadas no voto do Ministro Cezar Peluso na ADI nº 2.588/DF e constantes do relatório geral da XI Jornada do Instituto Latino Americano de Direito Tributário, realizada no Rio de Janeiro em 1983:

“Cabe, portanto, indagar o que é disponibilidade antes de perguntar-se o que significa ‘econômica’ e ‘jurídica’. Disponibilidade é a qualidade do que é disponível. Disponível é aquilo de que se pode dispor. E entre as diversas acepções de dispor, as que podem aplicar-se à renda são: empregar, aproveitar, servir-se, utilizar-se, lançar mão de, usar. Assim, quando se fala em aquisição de disponibilidade de renda deve entender-se aquisição de renda que pode ser empregada, aproveitada, utilizada, etc.

Parece importante esta conceituação inicial pois ela afasta, desde logo, a tributação de renda virtual ou ainda não realizada. Assim, a valorização de imóveis não pode ser tributada senão quando a renda dela decorrente possa ser utilizada, empregada etc., o que só acontece quando ela deixar de ser virtual e se torna efetiva, como numa alienação do imóvel. Ou, em se tratando de sociedade, através de uma reavaliação, em que a disponibilidade ocorre indiretamente, através das ações que o acionista recebe gratuitamente” (Imposto sobre a renda. A aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica como seu fato gerador. Limite de sua incidência. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 11, n. 40, Ano 11, p. 105, abr.-jun. 1987)

Segundo o entendimento manifesto acima, no primeiro caso (pessoa física), há mera expectativa de renda (renda fictícia). Somente com a venda do imóvel é que se efetiva a disponibilidade. Já no segundo caso (pessoa jurídica), como registrou o Ministro Cezar Peluso,

“[quando há] valorização na contabilidade da sociedade pelo método da reavaliação de ativos, o patrimônio da pessoa jurídica sofre acréscimo (ganho) ainda antes da venda. Naquela hipótese, haveria, com a venda, disponibilidade econômica, associada ao regime contábil de caixa; nesta, disponibilidade jurídica decorrente do regime de competência”.

Nessa esteira, observo que, no caso das pessoas jurídicas, a questão da definição de qual é o momento da ocorrência da disponibilidade econômica ou jurídica está umbilicalmente vinculada ao regime de apuração do lucro contábil, que, na maioria das legislações, é o de competência, assim entendido como aquele em que as receitas e as despesas são lançadas de acordo com o período em que são adquiridas ou incorridas, independentemente do recebimento ou do pagamento dos valores correspondentes.

Sobre o regime legal de competência previsto no art. 177 da Lei nº 6.404/76, já tive oportunidade de me pronunciar quando do julgamento do RE nº 586.482 (repercussão geral), de minha relatoria, nos seguintes termos:

“O Sistema Tributário Nacional fixou o regime de competência como regra geral para a apuração dos resultados da empresa, e não o regime de caixa. Pelo primeiro, há o reconhecimento simultâneo das receitas realizadas e das despesas incorridas, como consequência natural do princípio da competência do exercício, considerando-se realizadas as receitas e incorridas as despesas no momento da transferência dos bens e da fruição dos serviços prestados, independentemente do recebimento do valor correspondente.”

O modelo jurídico adotado na Lei nº 6.404/76 para ter-se como ocorrida a disponibilidade econômica ou jurídica da renda, tanto no que se refere às pessoas físicas, como às jurídicas, foi analisado com profundidade pelo Ministro Nelson Jobim na ADI nº 2.588/DF, Relatora a Ministra Ellen Gracie. Naquele julgamento, sua Excelência traçou importante distinção entre disponibilidade econômica e financeira, especialmente no tocante às pessoas jurídicas. Asseverou, em síntese, que

“a disponibilidade da renda não pode se limitar, para as pessoas jurídicas, ao efetivo recebimento de moeda ou dinheiro. (grifo nosso). Em rigor, fala-se de

DISPONIBILIDADE ECONÔMICA em um sentido próprio para as pessoas jurídicas em contraposição ao conceito de DISPONIBILIDADE FINANCEIRA que se constitui, nessa seara, no efetivo ganho de recursos monetários.”

Como bem observou o eminente Ministro,

“a entrada física de moeda no caixa pode, por motivos comerciais e contábeis, ser livremente postergada pelas sociedades envolvidas. Contudo, o aumento patrimonial da pessoa jurídica já se deu quando da DISPONIBILIDADE ECONÔMICA, mesmo antes da decisão de realizar a DISPONIBILIDADE FINANCEIRA”

(...)” (RE 611586, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Voto de vista: Min. Dias Toffoli. Tribunal Pleno, julgado em 10/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 09-10-2014 PUBLIC 10-10-2014)

No mesmo sentido:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ATO NORMATIVO DECLARADO INCONSTITUCIONAL - LIMITES. Alicercado o extraordinário na alinea b do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, a atuação do Supremo Tribunal Federal faz-se na extensão do provimento judicial atacado. Os limites da lide não a balizam, no que verificada declaração de inconstitucionalidade que os excederam. Alcance da atividade precipua do Supremo Tribunal Federal - de guarda maior da Carta Política da República. TRIBUTO - RELAÇÃO JURÍDICA ESTADO/CONTRIBUINTE - PEDRA DE TOQUE. No embate diário Estado/contribuinte, a Carta Política da República exsurge com insuplantável valia, no que, em prol do segundo, impõe parâmetros a serem respeitados pelo primeiro. Dentre as garantias constitucionais explícitas, e a constatação não excluí o reconhecimento de outras decorrentes do próprio sistema adotado, exsurge a de que somente a lei complementar cabe "a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes" - alinea "a" do inciso III do artigo 146 do Diploma Maior de 1988.

IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE - SÓCIO COTISTA. A norma insculpida no artigo 35 da Lei nº 7.713/88 mostra-se harmônica com a Constituição Federal quando o contrato social preve a disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na data do encerramento do período-base. Nesse caso, o citado artigo exsurge como explicitação do fato gerador estabelecido no artigo 43 do Código Tributário Nacional, não cabendo dizer da disciplina, de tal elemento do tributo, via legislação ordinária. Interpretação da norma conforme o Texto Maior.

IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE - ACIONISTA. O artigo 35 da Lei nº 7.713/88 e inconstitucional, ao revelar como fato gerador do imposto de renda na modalidade "desconto na fonte", relativamente aos acionistas, a simples apuração, pela sociedade e na data do encerramento do período-base, do lucro líquido, já que o fenômeno não implica qualquer das espécies de disponibilidade versadas no artigo 43 do Código Tributário Nacional, isto diante da Lei nº 6.404/76.

IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE - TITULAR DE EMPRESA INDIVIDUAL. O artigo 35 da Lei nº 7.713/88 encerra explicitação do fato gerador, alusivo ao imposto de renda, fixado no artigo 43 do Código Tributário Nacional, mostrando-se harmônico, no particular, com a Constituição Federal. Apurado o lucro líquido da empresa, a destinação fica ao sabor de manifestação de vontade única, ou seja, do titular, fato a demonstrar a disponibilidade jurídica. Situação fática a conduzir a pertinência do princípio da despersonalização. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CONHECIMENTO - JULGAMENTO DA CAUSA. A observância da jurisprudência sedimentada no sentido de que o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgara a causa aplicando o direito a espécie (verbete nº 456 da Súmula), pressupõe decisão formalizada, a respeito, na instância de origem. Declarada a inconstitucionalidade linear de um certo artigo, uma vez restringida a pecha a uma das normas nele insertas ou a um enfoque determinado, impõe-se a baixa dos autos para que, na origem, seja julgada a lide com apreciação das peculiaridades. Inteligência da ordem constitucional, no que homenageante do devido processo legal, avesso, a mais não poder, as solucões que, embora práticas, resultem no desprezo a organicidade do Direito.

(RE 172058, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/1995, DJ 13-10-1995 PP-34282 EMENT VOL-01804-08 PP-01530 RTJ VOL-00161-03 PP-01043)

Ora, colhe-se dos excetos acima colacionados “que a Corte assentou, de forma clara, a necessidade, para ter-se o fato gerador do imposto de renda, de se contar com a disponibilidade econômica ou jurídica. Enfrentou a questão em que a lei, declarada inconstitucional, previra, como fato gerador, quanto aos acionistas, a simples existência de balanço, da pessoa jurídica, revelando a existência de lucro a ser ainda objeto de deliberação, considerando o repasse aos sócios.” (ADI 2588, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 10/04/2013, DJe-027 DIVULG 07-02-2014 PUBLIC 10-02-2014 EMENT VOL-02719-01 PP-00001).

Ante o exposto, conclui-se que o conceito constitucional de renda devidamente amparado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal tem incutido em seu amago reconhecimento da existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso, além de sua disponibilidade jurídica e/ou econômica. Tais institutos demarcam o contorno e as fronteiras dentro das quais o legislador infraconstitucional deve atuar.

Por derradeiro, é se frisar que caso os limites constitucionalmente estabelecidos não sejam respeitados, estar-se-á diante de renda fictícia, de sorte que a norma instituidora quedar-se-á inconstitucional, conforme entendimento da Corte Guarda da Constituição.

Isto porque, a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal é no sentido de repugnar a incidência do Imposto de Renda sobre lucro fictício, de modo que tem declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que agridem o conceito de renda. Neste sentido:

IMPOSTO DE RENDA – BALANÇO PATRIMONIAL – ATUALIZAÇÃO – OTN – ARTIGOS 30 DA LEI Nº 7.730/89 E 30 DA LEI Nº 7.799/89. Surge inconstitucional a atualização prevista no artigo 30 da Lei nº 7.799/89 no que, desconsiderada a inflação, resulta na incidência do Imposto de Renda sobre lucro fictício.

(RE 208526, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2013, DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014 EMENT VOL-02754-03 PP-00346)

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Sobre o autor
Jonathan Grochovski da Silva

Fundador do Grochovski da Silva Advocacia e consultoria tributária & societária, advogado, palestrante, pesquisador e estudioso das áreas de direito tributário e societário.

Informações sobre o texto

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