Breves apontamentos sobre o controle difuso de constitucionalidade

05/04/2017 às 09:03
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O artigo dispõe sobre o controle difuso de constitucionalidade, expondo seu histórico, sua natureza jurídica, legitimidade e competência, e outros apontamentos sobre a cláusula de reserva de plenário.

1. Histórico

O controle difuso de constitucionalidade tem como marco histórico o caso Marbury x Madison, julgado pela Suprema Corte norte-americana, em 1803. Segundo nos narra Nathalia Masson, na ocasião, Juiz Jhon Marshall, afirmou a prevalência da Constituição enquanto norma fundamental do país e, por consequência, a obrigatoriedade para todos os órgãos judiciários americanos de decidirem em harmonia com ela. Asseverou que, por ser peculiar à atividade jurisdicional a interpretação e aplicação das leis, em casos de dissonância entre quaisquer leis e a Constituição, o órgão do Poder Judiciário deverá fazer prevalecer esta última, que se encontra em posição de nítida superioridade no ordenamento.[1]

Já no Brasil, esse modelo de controle foi adotado pela primeira vez na Constituição de 1891, sendo imitado por todas as demais constituições que vieram a ser editadas.

Dessa maneira, podemos perceber que, pela doutrina norte-americana, também incorporada no modelo brasileiro de controle de constitucionalidade, o controle incidental de constitucionalidade faz parte da tarefa diária e cotidiana dos juízes e tribunais, com o objetivo de proteger os regramentos constitucionais.


2. Natureza jurídica da questão de constitucionalidade arguida em controle difuso

Como já afirmado, o controle difuso de constitucionalidade é exercido por qualquer membro do poder judiciário, seja por um juiz singular ou por alguma das cortes de justiça. Agora, resta saber qual a natureza jurídica desse pedido de declaração de inconstitucionalidade.

Como a questão sobre a constitucionalidade ou não de uma norma é levantada em um processo cujo o pedido principal não é a declaração da inconstitucionalidade (se fosse, estaríamos diante do controle concentrado, que não é o objeto desse estudo), mas sim qualquer outro, inegável que estamos frente a uma questão prejudicial. Vejamos lição de Luiz Guilherme Marinoni:

“Quando a decisão depender de prévia definição de dúvida constitucional, a solução da questão constitucional é prejudicial à decisão. É neste sentido que se diz que a prejudicialidade da questão de constitucionalidade é essencial para que se tenha controle incidental de constitucionalidade”[2]

Corroborando com o entendimento supra, o Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, já falou sobre o assunto. Vejamos um trecho de um dos julgados:

“O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal”[3]


3. Legitimidade para arguir questão de constitucionalidade em controle difuso

São legitimados a provocar a jurisdição constitucional em sede de controle difuso, sem qualquer discussão doutrinária ou jurisprudencial, as partes, os terceiros e o ministério público. Vejamos o que diz Dirley da Cunha Júnior:

“Podem provocar a jurisdição constitucional em sede de controle difuso-incidental de constitucionalidade todos aquelas que integram, de qualquer forma, a relação processual, assim como o órgão do Ministério Público, quando oficie no feito.”[4]

Questão mais controvertida é a possibilidade do reconhecimento de ofício pelos juízes ou tribunais. A doutrina mais moderna se posiciona favoravelmente a essa possibilidade. Vejamos lição de Marinoni:

“O exercício do poder jurisdicional impõe a análise da lei aplicável ao caso concreto. Ora, se a tarefa do juiz consiste, precipuamente, na aplicação da lei diante dos fatos que lhe são expostos, tendo ele, por consequência, o poder e o dever de controlar a constitucionalidade da lei na forma incidental, não há racionalidade em limitar a sua atuação à arguição de inconstitucionalidade de parte, terceiro ou mesmo do Ministério Público. Seria certamente equivocado pensar que a inconstitucionalidade da lei, quando não invocada pelos litigantes, não mais importaria ao judiciário. Raciocínio desse porte conduziria a absurda conclusão de que a constitucionalidade da lei é questão das partes e não do poder incumbido de aplica-la.”[5]

Dessa forma, é plenamente possível que juízes e tribunais reconheçam, de ofício, a inconstitucionalidade de alguma norma. Agora, com relação ao Supremo Tribunal Federal, esse pensamento não sobrevive.

Segundo entendimento do próprio STF, é inadmissível o recurso extraordinário se a questão constitucional suscitada não tiver sido apreciada no acórdão recorrido. Assim, a questão deve ter sido debatida nas instâncias inferiores. Vejamos:

“A limitação do juiz do RE, de um lado, ao âmbito das questões constitucionais enfrentadas pelo acórdão recorrido, e de outro, à fundamentação do recurso, impede a declaração de ofício da inconstitucionalidade da lei aplicada, jamais arguida pelas partes, nem cogitada pela decisão impugnada.”[6]


4. Competência para realizar o controle difuso e a chamada cláusula de reserva de plenário

Já vimos que qualquer juiz singular pode exercer a jurisdição quando se tratar da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de controle difuso de constitucionalidade.

Agora, com relação aos tribunais, o regramento muda. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 97, traz a seguinte redação:

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público”

É o que doutrina e jurisprudência chamam de “cláusula de reserva de plenário” ou “full bench”. Essa regra, que está prevista no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1934, é condição de eficácia do julgamento. Ou seja, para que um Tribunal declare a inconstitucionalidade de uma norma em sede de controle difuso deverá levar o julgamento para o plenário (ou órgão especial) e a decisão deve ser pela maioria absoluta de seus membros.

Essa norma foi objeto de muita discussão, levando o Supremo Tribunal Federal a se manifestar diversas vezes. Faz-se necessário enfrentar algumas das principais discussões.

4.1 – Não declaração expressa com afastamento da norma

Em alguns julgamentos realizados pelos órgãos fracionários dos Tribunais, as normas estavam sendo afastadas, ou seja, não aplicadas, mas sem a expressa declaração de sua inconstitucionalidade. Diante desse cenário, o Supremo editou a Súmula vinculante nº 10 com os seguintes dizeres:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”.

Assim, se o órgão fracionário afastar uma norma que conflite, em tese, com a Constituição Federal, sem que seja respeitada o julgamento pelo plenário, haverá violação à norma insculpida no artigo 97 da CF.

Por fim, a Ministra Carmen Lúcia, quando do julgamento da reclamação 6.944 explica que, havendo apenas a simples ausência de uma dada norma jurídica ao caso sob exame não caracteriza, apenas por isso, violação à Súmula Vinculante 10. É necessário que a decisão fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal tomada como base nos argumentos expostos na ação.[7]

4.2 – Declaração de constitucionalidade

A norma trazida pelo artigo 97 da Constituição Federal fala em “declaração de inconstitucionalidade” e não de declaração de constitucionalidade. Vejamos lição de Dirley da Cunha Júnior:

“Isso significa que, em sentido contrário, não se exige, nos tribunais, a reserva de plenário para a declaração da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo do poder público, que pode ser pronunciada por órgão fracionário (as Câmaras, Turmas ou Seções). A Reserva de plenário só é exigida para a declaração de inconstitucionalidade, uma vez que essa declaração infirma a presunção de constitucionalidade que milita em favor das leis e atos estatais”. [8]

            Não há controvérsia que a cláusula de reserva de plenário não se aplica aos casos em que for declarada a constitucionalidade da norma ou ato, pelos órgãos fracionários dos tribunais. Isto porque, a cláusula referida visa evitar que seja declarada inconstitucionalidade sorrateiramente, sem o devido zelo com a grandeza e importância do instituto, e quando a decisão ditar sobre a constitucionalidade, não há tamanha proteção.

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4.3 – Exceções à cláusula de reserva de plenário

 O Supremo Tribunal Federal reconhece duas situações excepcionais que dispensam a aplicação da Súmula 10.

Quando já houver um pronunciamento sobre a inconstitucionalidade da norma, ato normativo ou ato impugnado, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, a declaração de inconstitucionalidade pode ser feita pelo órgão fracionário do Tribunal.

A outra hipótese é perfeitamente delineada pelo professor Alexandre de Moraes. Vejamos:

“b. existência, no âmbito do tribunal a quo, e em relação àquele esmo ato do Poder Público, de uma decisão plenária que haja apreciado a controvérsia constitucional, ainda que desse pronunciamento não tenha resultado o formal reconhecimento da inconstitucionalidade da regra estatal questionada”[9]

Ou seja, quando a questão já foi objeto de decisão do STF é dispensado o envio de nova arguição ao Plenário ou Órgão Especial, os Tribunais fracionários ficam obrigados a afirmar os precedentes do STF. Frisa-se que neste momento não importa se a decisão versa sobre constitucionalidade ou inconstitucionalidade.

No Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 949, parágrafo único, o legislador positivou este entendimento. Vejamos:

“Art. 949. Parágrafo único: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. ”

Essa norma foi introduzida pela Lei 9.756/1998, ainda no CPC/73, e mantido na recente lei processual de 2015 em sua totalidade.


5 – Conclusão

Resta claro, então, que o controle de constitucionalidade difuso, aquele que é realizado em um caso concreto, surge em face de lei ou ato normativo, federal ou estadual, de forma incidental.

Este meio de controle é exercido pelo juiz de primeiro grau ou pelos Tribunais, sendo reservado expressamente (art. 97, CF e Súmula nº 10 do STF) ao Plenário ou Órgão Especial a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato contestado.

Apesar de expressa e firmada por súmula, essa previsão é relativizada quando o STF tem decisão anterior pela inconstitucionalidade e, também, quando decisão versar sobre a constitucionalidade da norma ou ato normativo, situações que dispensam a deslocação de competência.

A finalidade do controle difuso, logo, permite a defesa de direitos subjetivos de qualquer indivíduo prejudicados em razão de lei ou atos normativos inconstitucionais, sendo indispensável para a preservação das normas eivadas da constituição e da uniformidade do ordenamento jurídico.


Notas

[1] MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 4.ed, salvador: Juspodivm, 2016, p. 1143.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme; SARLET, Ingo Wolfgang e MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional, 4.ed, São Paulo: Saraiva. 2015, p.973

[3] STF – reclamação 1.733-SP, Rel. min. Celso de Mello, informativo 212.

[4] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 9 ed., JusPodvim, 2015, p.261

[5] MARINONI, Luiz Guilherme; SARLET, Ingo Wolfgang e MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional, 4.ed, São Paulo: Saraiva. 2015, p.973

[6] STF – RE 117.805/PR, julgado em 27.08.1993.

[7] STF – Recl 6.944, Rel. Min. Carmem Lúcia. Julgado em 23.07.2010

[8] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 9 ed., JusPodvim, 2015, p.263

[9] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. Ed. Atlas, 2015, p. 747.

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