Capa da publicação A criminalidade de massa como fator de origem e perpetuação das facções criminosas

A criminalidade de massa como fator de origem e perpetuação das facções criminosas

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O trabalho pretendeu refletir sobre justificativas teóricas para o agrupamento de pessoas a fim de coordenar práticas criminosas. Em análise prática do tema, passou-se ao contexto histórico do cárcere como meio justificante para origem das facções.

Resumo: Este trabalho científico fará uma análise criminológica acerca da criminalidade de massa, identificando as justificativas teóricas existentes para o agrupamento de agentes voltado à prática criminosa. Pretende-se transferir o estudo teórico para o campo prático de nossa sociedade, fazendo uma abordagem acerca da origem das facções criminosas em nosso sistema carcerário. Ademais, traremos justificantes teóricas e práticas não somente para criação das facções, mas também para elaboração de seu ordenamento informal, inclusive com aceitação e agrado estatal. Adentraremos ao estudo dos fatores exógenos da criminalidade, passando pelos costumeiramente citados pela doutrina e existentes no seio da população brasileira, mas com especial ênfase aos fatores desencadeantes perceptíveis em nosso sistema penitenciário, os quais surgem por notório descaso do Estado na tutela do presidiário, intentando-se demonstrar que contribuem diretamente para e reincidência e para ampliação e perpetuação das facções criminosas.

Palavras-chave: Criminologia. Fatores Exógenos da Criminalidade. Facções Criminosas. Lei da imitação.


1. INTRODUÇÃO

Atualmente, a sociedade brasileira se vê acometida por elevada onda de delinquência em todos seus setores. Impossível elencar todas as causas que influenciam neste comportamento desvirtuado, entretanto, inconteste a existência de vetores de natureza moral, ética, psicológica e sociológica existentes em nosso cotidiano.

A Criminologia moderna nos traz relevantes estudos acerca dos fatores sociais que levam o indivíduo à prática criminosa. No presente trabalho, além dos chamados fatores exógenos da criminalidade, pretendeu-se adentrar ao estudo das circunstâncias constantes da nossa realidade carcerária que fazem com que o a gente se mantenha no mundo criminoso.

De antemão, como premissa didática e explicativa, convém elucidar o passado da política carcerária em nosso país.

Ilustrando, remonta-se à década de 80, quando o governo paulista projetou a ideia de uma política carcerária de humanização. Referido projeto intentava um melhor tratamento ao presidiário, somado a criação de um ambiente razoável para cumprimento da pena e a observação das comodidades e benefícios legais.

Ocorre que, desde a publicação da política supracitada, a mesma foi acometida por críticas de cunho político e midiático, sempre sob a acusação de favorecimento à parcela criminosa da sociedade. Posicionamento justificado na histórica compreensão excludente, preconceituosa e de tratamento degradante para com os presidiários. Raciocínio que, vale dizer, persiste majoritariamente nos dias de hoje.

Com o afastamento da política de humanização, fora aplicada uma política de repressão, tornando o ambiente carcerário em local inóspito e tratando os presidiários de forma desumana, inclusive com corriqueiras práticas de tortura física e psicológica.

Dessa forma, observou-se que os fatores desencadeantes da criminalidade não estão presentes tão somente em nossa sociedade, mas também no próprio ambiente penitenciário, este que ao invés de deter medidas ressocializantes, transvestiu-se de um antro de fatores condicionantes de reincidência.

A precariedade das estruturas carcerárias, somada a inércia do Estado nas prestações de serviços básicos, fazem com que os prisioneiros cumpram pena sem qualquer dignidade. Ainda, acarretam em um sentimento de insegurança e descrédito por parte do presidiário, afastando-o das instituições formais de apoio.

A junção desses fatores no contexto prisional constituiu motivo essencial para maior solidariedade e aproximação dos aprisionados, concedendo-lhes motivação suficiente para criação de grupos reivindicatórios de melhorias. Aqui nascem as facções criminosas, as quais alcançaram pode político e financeiro perante o Estado e respeito e admiração pelos presidiários.

Como se pretendeu demonstrar, por variados motivos, as facções angariaram a simpatia da população carcerária, parecendo-lhes entidade mais confiável e preocupado com os agente que a integram do que o próprio Estado que possui o dever de proteção.

Por fim, para elaboração do presente trabalho, valeu-se prioritariamente dos métodos dedutivo e hipotético-dedutivo.


2. A CRIMINALIDADE DE GRUPO E AS LEIS DA IMITAÇÃO

Inicialmente, antes mesmo de tecermos qualquer menção teórica ou prática acerca da origem das facções criminosas, de suma importância fazermos uma separação metodológica no intuito de delimitar a finalidade deste trabalho, objetivando facilitar a leitura e torná-lo mais didático.

Atualmente, muito têm-se utilizado as expressões “facção criminosa”, “organização criminosa” ou, até mesmo, “crime organizado” como sinônimos. Clarividente que, a depender do contexto do estudo, não há prejuízo de qualquer espécie no emprego neste sentido. Entretanto, tendo em vista o objetivo que traçamos para com este trabalho, uma ressalva deve ser feita quanto ao uso das referidas nomenclaturas.

Sem delongar a questão, a expressão organização criminosa tem sua conceituação prevista no artigo 1º, §1º, da Lei 12.850. Pela simples leitura de referido dispositivo se percebe que o legislador definiu organização criminosa precipuamente pela sua composição, organização e forma de atuação, elementos que restringem o raciocínio aqui pretendido.

Ainda, a expressão “crime organizado”, em nosso sentir, representa uma vertente enraizada quase que puramente na dogmática penal, vez que também traz uma concepção voltada basicamente à finalidade criminosa do agrupamento, assim não suprindo o campo de estudo deste trabalho.

Noutro giro, o desígnio do presente trabalho é o estudo e compreensão do grupo como fenômeno social. Isto é, analisaremos os fatores sociais e estatais que levaram ao nascimento da coligação em questão, motivo pelo qual optaremos por fazer referencia à “facção criminosa”, visto que o conjunto a ser observado difere em diversos tocantes da organização definida legalmente.

Pois bem. Posto isto, antes de adentrarmos à atual realidade brasileira no contexto das facções criminosas, cumpre destacar relevantes estudos criminológicos que justificam a criação de organizações no seio da sociedade.

Ressalva-se que não causa espanto a Criminologia, desde seus primórdios, levar em consideração a criminalidade de grupo, haja vista que na vida em sociedade é quase que inerente a junção de indivíduos para prática criminosa. Porém, cumpre relembrar que os primeiros criminologistas de destaque concediam maior atenção ao estudo individualizado do criminoso, inclusive dando mais ênfase a critérios anatômicos e genéticos do que a fatores sociais que influenciavam o comportamento do agente.

No viés da criminalidade de grupo, parece-nos que surge com a teorização inicial de maior relevância o estudo de Gabriel Tarde acerca das multidões criminosas.

O autor francês nos brinda com dois relevantes estudos acerca da delinquência de grupo levando em considerações fatores sociais de incidência, quais sejam as chamadas leis da imitação e a formação de multidões e corporações.

As leis da imitação de Tarde tem origem na diferenciação que o autor elabora acerca da conduta humana, a qual poderia ter natureza de invenção ou de imitação (Shimizu, 2011, p. 37). A corroborar: “Todos los actos importantes de la vida social eran ejecutados, según él, bajo el império del ejemplo; y el crimen no podia ser la excepción, por lo que encontraba sua causa em la imitación.” (Castro e Codino. 2013, p.113)1.

Discorre que as condutas humanas de invenção remontam aos seres primitivos, ou seja, são as condutas oriundas do início da humanização das sociedades. Uma vez inventadas, estas condutas passaram a ser imitadas.

Importante observar que quando Tarde alega que as condutas inventadas são posteriormente imitadas, não traçava a ideia de que referidos atos são idênticos. As práticas, ainda que imitadas, alteram-se com o tempo, conforme se depreende das leis da imitação que se verificarão a seguir.

No intuito de justificar o comportamento de imitação, Tarde delimitou três leis da imitação.2

A 1ª lei se dava com a proximidade psicológica entre os agentes. Diante da interação e proporção sentimental entre os indivíduos, além de outros fatores que os aproximam, há a prática semelhante de condutas. Notório que uma pessoa é influenciada pelo comportamento daquelas que a cercam e com ela mantém contato psicológico.

Ainda, Tarde fixa uma diferenciação entre contatos rápidos e desimportantes, que seriam as “modas”, e os mais lentos e relevantes, aos quais se refere como os “costumes”, (Shimizu. 2011, p. 38).

Ressalva-se que proximidade psicológica é diversa de proximidade física. Significa dizer que haverá imitação entre aqueles que possuem um contato afetivo, moral, entre outros fatores intrínsecos, e não pelo simples fatos de conviverem em um espaço físico próximo.

A 2ª lei, por sua vez, nos traz uma noção de imitação em verticalidade. Tarde afirma que nas relações sociais com estrutura verticalizada, os indivíduos que se encontram em posição inferior procuram imitar o comportamento de seu superior, seja por obrigação imposta em decorrência da hierarquia ou por simples admiração e desejo de galgar posição idêntica.

Por derradeiro, a 3ª lei dispõe acerca da inserção de comportamentos recentes no lugar de comportamentos antigos. Isto é, esta lei trata da substituição das modas e costumes antigos pelos recentes, estando a sociedade em constante mudança e evolução.

Conforme mencionado anteriormente, a ideia de imitação não pode ser interpretada no sentido de que os comportamentos serão idênticos independente do transcurso do tempo. As cadeias de imitação são, ainda que lentamente, reiteradamente alteradas, haja vista que comportamentos recentes se alocam em substituição a comportamentos passados.

Deste modo, percebe-se que Tarde traçou relevante raciocínio de compreensão acerca do comportamento social dos indivíduos de acordo com a análise do grupo em qual ele está inserido.

Ora, em atenção às três leis acima destacadas, observa-se que todas são ligadas à relações em determinados grupos que circundam o indivíduo, seja na imitação de comportamento de amigos ou familiares (1ª lei - proximidade psicológica), imitação decorrente de contato profissional ou econômico (2ª lei – relação de verticalidade) ou no tocante à evolução das “modas e costumes” presentes na vida em sociedade (3ª lei – lei da inserção).

Destarte, fazendo um paralelo com o presente trabalho, indica-se que este raciocínio pode ser transmitido para esfera criminal. Notório que a imitação de comportamento pode ser dar em decorrência de uma atividade criminosa, principalmente quando se realiza análise da influência sofrida por um agente que está envolto psicologicamente por indivíduos que possuem reiterado comportamento delitivo (1ª lei).

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Com relação ao segundo estudo inicialmente mencionado, qual seja o da psicologia das multidões, interessante teoria é discutida por Tarde.

Segundo o criminologista francês, levando-se em consideração uma ideia de organização, multidão seria um grupo intermediário alocado entre o simples agrupamento de indivíduos e a corporação.

O mero agrupamento se daria pela reunião de indivíduos, entretanto sem qualquer liame subjetivo que os interligue, ou seja, sem uma relação de interdependência finalística.

Noutro giro, a multidão seria um agrupamento, ainda que temporário, cujos indivíduos detivessem uma proximidade psicológica, resultante de um sentimento e uma finalidade em comum. Tarde definiu que a proximidade psicológica característica da conversão do agrupamento em multidão se daria por conta de um fator desencadeante de relevância.

Poderia se citar como exemplo um prédio comercial que é acometido por um incêndio. Clientes e funcionários estão no local como mero agrupamento de pessoas. A partir do estopim incendiário (fator desencadeante), todos se aproximam psicologicamente em decorrência do medo da ocorrência de uma fatalidade e passam a deter o mesmo objetivo, in casu, sair ileso do local. Portanto, o que era uma simples aglomeração passa a ser uma multidão, nos termos do estudo ressaltado.

O fator desencadeante que leva à origem da multidão é de suma importância para seu futuro. Diz-se isto pelo fato de que, sendo o fator de cunho passageiro, a multidão provavelmente irá se dispersar assim que ele se esvaia. Noutro viés, diante de um fator relevante a ponto de tomar contornos de duradouro, a moda da multidão pode ser adotada como costume (conforme definição contida nas leis da imitação), sendo que o grupo acaba por atingir o terceiro estágio, qual seja a corporação.

Além do caráter duradouro, a corporação se diferencia da multidão por ser detentora de maior organização entre os indivíduos que a integram em busca de um mesmo objetivo.

Ressalta-se que a partir da formação da multidão e, posteriormente, com a consolidação da corporação, o estudo em tela define que será de grande relevância a identificação de um líder, ou condutor, para o agrupamento. Sem aprofundar a questão, a figura de liderança, neste contexto, é constituída no agente que se destaca perante os demais indivíduos do grupo, geralmente por tomar atitudes em benefício do conjunto fronte ao perigo do fator desencadeante.

Delimitadas as premissas teóricas, passa-se a seguir para tentativa de subsunção prática com nosso atual contexto criminal.


3. JUSTIFICATIVA CRIMINOLÓGICA PARA ORIGEM DAS FACÇÕES CRIMINOSAS

Neste ano, o Ministério da Justiça, através do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), pautado nos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgou que o Brasil possuía uma população carcerária de 622.202 (seiscentos e vinte e dois mil duzentos e dois) presos.3 Soma-se a este dado a informação de que em nosso país impera um déficit de vagas no sistema penitenciário que ultrapassa os 240.000 (duzentas e quarenta mil) lugares.4

Em análise aos números supracitados, sem adentrar ao mérito das políticas criminais que levam a esta magnitude, clarividente a percepção do modo sufocante de convívio entre os presos de nosso país.

A reunião em penitenciárias deste montante de indivíduos, acrescentado da superlotação notória, torna os estabelecimentos prisionais em local de inerente aproximação psicológica entre os agentes (1ª Lei da imitação).

Atenta-se que a proximidade entre os presidiários não é apenas física. A maioria deles detém uma relação de dependência para alcance de uma convivência tolerável, bem como acabam por delinear relações de amizades e afeto, posto que convivem diariamente e, por vezes, durante anos.

No mais, a proximidade se dá em decorrência de diversos costumes e dificuldades semelhantes que os afligem, sendo as principais delas as condições e tratamento degradante e preconceituoso no interior de um estabelecimento prisional.

Nota-se, portanto, que neste estágio não se vislumbra um mero agrupamento geográfico de agentes. Tendo em vista o comportamento análogo e a mesma finalidade (melhorar as condições no cumprimento da pena ou da medida cautelar) surge a multidão, nomenclatura embasada nas definições teóricas de Gabriel Tarde.

Entretanto, sabe-se comumente que as condições precárias dos estabelecimentos prisionais não são atuais, pelo contrário, existem e persistem durante décadas. Superlotação, sujeira, ausência de camas, colchões, cobertores, atendimento médico, odontológico e psicológico precário, dentre outras circunstâncias que tornam a estrutura prisional deficiente, incidem sobre o sistema carcerário brasileiro há anos.

Destarte, por uma visão geral, consegue-se denotar que a prejudicialidade da estrutura prisional pode ser considerada como o fator desencadeante para formação da multidão carcerária, organizada e com os mesmos objetivos. Ainda, conforme raciocínio anteriormente exposto, a perpetuação das condições degradantes em âmbito penitenciário torna o fator desencadeante duradouro, sendo que a simples reclamação e objetivo inicial da multidão se consolida como costume, motivo pelo qual se alcança a corporação, terceiro estágio de agrupamento ungido pelo estudioso francês.

A visão anteriormente exposta evidentemente concerne à uma análise ampla e superficial da conjuntura carcerária. Posto isto, sob o intento de melhor exemplificar e demonstrar a viabilidade do estudo criminológico para com nossa realidade, passa-se a identificar a relação entre a teoria esboçada e a formação de uma das maiores facções criminosas da atualidade, qual seja o “Primeiro Comando da Capital” (PCC). Organização, esta, que se originou e se consolidou nas penitenciárias paulistas, mas que atualmente possui ramificações em diversos estados da federação.

Conforme outrora alegado, a precária estrutura carcerária, adicionada ao tratamento degradante sofrido pelos reclusos, seriam indicadores suficientes para caracterização do fator desencadeante necessário à formação da facção em questão (corporação, segundo Tarde).

Todavia, importante analisar dois relevantes episódios que remontam à época e que são considerados justificantes para criação da facção, sem, é claro, deixar de admitir a presença de outros fatores que contribuíram para tanto.

Conforme se extrai da obre de Bruno Shimizu (2011, p. 131):

O PCC foi gestado no interior do Centro de Readaptação Penitenciária Anexo à Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo. Tal estabelecimento penal ficou conhecido como “Piranhão”, sendo sabidamente um local onde os presos eram constantemente seviciados e submetidos a condições degradantes de cumprimento de pena. Diz-se que o PCC teria sido fundado em 31 de agosto de 1993, durante um jogo de futebol dos internos.

O primeiro vetor de importância a ser destacado é exatamente o estabelecimento prisional mencionado na citação acima.

O “Piranhão”, segundo Teixeira apud Shimizu (2011, p. 131) “[...] é um dos mais cruéis e obscuros presídios do sistema paulista, cuja instituição foi justificada pela suposta carência de um local para abrigar os presos ‘altamente perigosos’.”.

Conforme se percebe, o estabelecimento em tela seria o mais cruel exemplar das condições degradantes e violadoras do sistema carcerário paulista, haja vista que o local era movido com uma rigidez exorbitante, cujo instrumento de ordem mais utilizado, segundo relatos, era a tortura.

Acerca das denúncias de torturas físicas e psicológicas praticadas no local, Josmar Jozino elucida (2005, p. 24-25):

Segundo as mulheres dos presos, no Piranhão, diretores e agentes penitenciários batiam nos presos sem preocupação de esconder a fama de torturadores. Jogavam água fria em presos doentes e com febre. A comida também era péssima. A fim de aguentarem a refeição, os detentos sempre pediam limão e farinha para as visitas. Não era raro surgir um inseto em meio à comida, e não necessariamente morto.

[...]

Ainda segundo declarações das mulheres dos presos, os agentes penitenciários possuíam várias estratégias para irritar os detentos. Uma delas era acender a luz à noite, de hora em hora, para não deixar os sentenciados dormirem. Outra era não dar a descarga do banheiro dos presos. O equipamento ficava do lado de fora das celas e só funcionários podiam acessá-lo.

Finalizando, a fim de comprovar a relevância que o ambiente do referido estabelecimento prisional deteve para criação da facção em comento, bem como caracterizá-lo como fator desencadeante, cabe relutar que este é expressamente citado no “Estatuto do PCC”, inclusive com a denominação de “Campo de Concentração”. 5 Isto é, dentre os diversos estabelecimentos prisionais existentes à época, clarividente que este se torna um ícone de representação para o grupo que iria imergir.

Entretanto, outro evento de gigantesca magnitude atuou como fator desencadeante para formação do PCC, o qual também se encontra previsto expressamente no estatuto da facção.6 Trata-se do evento conhecido como “Massacre do Carandiru”, amplamente exposto na mídia e objeto de diversos livros, inclusive contando com uma obra cinematográfica a seu respeito.

O “Massacre do Carandiru” ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, durante uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo, estabelecimento integrante do Complexo do Carandiru. Sem prolongar o relato sobre o episódio, informações veiculadas remontam que no intuito de encerrar a desordem promovida pelos presos, a Tropa de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo adentrou ao estabelecimento e acabou por, sem hesitação ou observação pormenorizada da situação, matar 111 (cento e onze) detentos.

Nos termos da pesquisa de Josmar Jozino (2005, p. 31) “em 31 de agosto de 1993 nasceu o ‘Primeiro Comando da Capital’, também denominado pelos presos de ‘Partido do Crime’.”. Isto é, pouco menos de um ano após o ocorrido no Complexo do Carandiru, é criada a facção criminosa em comento.

Por óbvio, o tema aqui resumidamente exposto, seja em sua conotação teórica ou prática, poderia ter sido exaustivamente explicado e desenvolvido. Entretanto, neste início o que se pretende demonstrar é que há incontroverso fundamento teórico que elucida a criação das facções criminosas.

No caso do PCC, em especial, clarividente que os presos já se encontravam em proximidade psicológica há anos, consistindo em uma multidão, precariamente organizada, mas com a mesma finalidade.

A ocorrência dos dois eventos discorridos anteriormente, vale dizer, por parte do próprio Estado, o qual são exemplares de como os fatores desencadeantes eram duradouros perante à população carcerária, foi o estopim para transformação da multidão em corporação.

A multidão que antes pretendia lutar por melhores condições carcerárias, concluiu que precisava se unir para se fazer ouvir perante o Estado, pois somente sendo organizados e estruturados surgiriam como entidade efetivamente forte na defesa de seus interesses.

Sendo assim, ainda que em decorrência de singela análise, conclui-se que o sistema carcerário contribuiu diretamente para formação da facção criminosa destacada, bem como para com sua expansão, paralelo que certamente poderia ser realizado com outros grupos.

Por fim, admite-se que diversos outros fatores poderiam ser considerados e elencados para análise da ocorrência deste fenômeno. Entretanto, inegável o encaixe e visualização da teoria de Tarde em nossa realidade carcerária.

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Sobre os autores
João Augusto Arfeli Panucci

Graduado em Direito pelo Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pelo Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP. Professor Assistente de Direito Penal e Prática Jurídica Penal. Professor Titular de Filosofia do Direito. Advogado.

Fernanda Umehara Juck

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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