Capa da publicação A criminalidade de massa como fator de origem e perpetuação das facções criminosas

A criminalidade de massa como fator de origem e perpetuação das facções criminosas

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4. ORDENAMENTO INFORMAL DAS FACÇÕES CRIMINOSAS

Por certo, toda vida em comunidade exige um regramento, ainda que mínimo. A fonte primordial de regulamentação de comportamento é nosso ordenamento jurídico, ao qual podemos desprender a denominação de “ordenamento formal”, visto que formalizado em lei (referindo-se a esta em sentido amplo).

Todavia, certeiro que em nossa sociedade é imprescindível a elaboração de outros conjuntos de regras, os quais não recebem a característica de “formal” por não serem oriundos de criação por ente estatal.

A imprescindibilidade anteriormente levantada surge com a necessidade de criação de regras para determinados grupos que convivem em delimitado local, sendo os preceitos criados de acordo com as conjunturas que circundam o caso concreto.

Neste sentido, podemos citar como exemplo as regras de convivência entre alunos de uma escola, normas em ambiente de trabalho de certa empresa, limitações impostas pelos pais para com seus filhos na casa da família, entre diversos outros fatores. Todos estes exemplos são travestidos de informalidade, inclusive podendo ser oriundos de preceitos meramente morais do grupo que o aceita.

Posto isto, passa-se a traçar o raciocínio de acordo com nosso tema.

Desde os primórdios, têm-se a retirada e consequente agrupamento afastado como uma das matrizes principais da exclusão de indivíduos tidos como indesejáveis para a sociedade. Em Bauman apud Kazmierczak (2010, p. 46) podemos visualizar este pensamento:

O confinamento espacial, o encarceramento sob vários graus de severidade e rigor, tem sido em todas as épocas o método primordial de lidar com setores inassimiláveis da população, difíceis de controlar. Os escravos eram confinados às senzalas. Também eram isolados os leprosos, os loucos e os de etnia e religião diversas das predominantes.

Apesar das atuais políticas de desencarceramento, a política criminal não foge a esta regra, sendo que o montante da população carcerária inicialmente citado corrobora com essa afirmação. Logo, temos que os criminosos, como sujeitos indesejáveis para a sociedade, sofrem a aplicação do referido confinamento espacial, ou seja, a reclusão em determinado local de agentes que preenchem características semelhantes, no caso, reclusão oriunda de sentença condenatória ou medida cautelar.

Delimitado o grupo e o local, teoricamente caberia ao Estado a criação de regras de convivência e comportamento, inclusive com instrumentos de fiscalização e coerção para cumprimento. Ocorre que a realidade é diversa. Tamanha a magnitude da população carcerária que ao Estado resulta impossível o controle absoluto dos agentes e do sistema prisional como um todo.

Neste tocante, podemos crer que, além da atuação estatal, necessário se faz a participação e aceitação da própria população carcerária, inclusive suscitando que várias das facções angariaram tamanho poder que as permite discordar e não cumprir as ordenações do Estado.

Partindo do pressuposto que o Estado, por si só, não conseguiria controlar totalmente o sistema carcerário e sua população, abre-se a possibilidade dos próprios reclusos criarem o seu ordenamento, tido como informal. Tendo em vista que as facções controlam a maior parte da população, clarividente que restará à estas o poder e direito de criação e aplicação das suas regras.

Neste sentido elucida Shimizu (2011, p. 90):

Nessa esteira, uma vez que a instituição penal é estruturalmente incapaz de dominar completamente a massa de internos, a administração é induzida a abrir-se às lideranças informais dos presídios, negociando e fazendo concessões, a fim de manter um nível satisfatório de controle sobre a população sob sua responsabilidade.

A parte final da citação supra atinge importante crença ainda existente em nosso meio, qual seja o de que o Estado se opõe totalmente as lideranças informais advindas do seio das facções.

Em um primeiro momento, poderíamos concluir que é absolutamente infrutífero para o Estado o reconhecimento de lideranças criminosas e a aceitação das regras estipuladas por uma facção. Contudo, em que pese a criminalidade disseminada nos presídios brasileiros, é de interesse da própria população carcerária a manutenção da ordem no estabelecimento prisional. Isto é, as facções e os reclusos priorizam a convivência, dentro do possível, pacífica.

Cita-se como exemplo desta intenção das facções o próprio estatuto do “Primeiro Comando da Capital” que sem eu item 8 assim dispõe: “Os integrantes do Partido tem de dar bom exemplo, a serem seguidos. E, por isso o Partido não admite que haja: assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.”.

Notório, portanto, que neste ponto as intenções do Estado e da facção são convergentes, sendo que se torna altamente benéfico ao ente estatal a adição do ordenamento informal ao sistema carcerário, visto que este, por vezes, é mais eficaz para manutenção da ordem.

Outra justificativa que se propõe para criação do ordenamento das facções é que a informalidade a qual se sujeita permite a definição de direitos, deveres e anseios ilícitos, reiteradamente presentes no sistema carcerário. Significa dizer que o presidiário pode ser detentor de uma finalidade ilícita aos olhos do ordenamento formal, porém, justa e possível sob o viés do regramento informal.

Ora, pensemos no exemplo de um detento que vendeu entorpecente a outro, mas não recebeu o pagamento avençado. Por óbvio, o primeiro não tem possibilidade de reclamar a cobrança do pagamento à direção do estabelecimento. Noutro giro, certamente encontrará amparo no ordenamento informal, obtendo permissão para realizar a cobrança por intermédio da força física, se necessário.

Ademais, o sentimento de abandono que o recluso justificadamente sofre em relação ao Estado acaba por seduzi-lo a recorrer ao ordenamento informal, ainda que seu anseio seja lícito, por acreditar que aquele é eficaz quando em comparação ao formal, que se mostra lento e infrutífero.

Corroborando com este raciocínio, assim relata Shimizu (2011, p. 103-104):

A criação de regras informais tem como fatores desencadeantes, por um lado a impossibilidade estrutural de acesso às instâncias oficiais de regulação social e de efetivação de direitos que são apenas enunciados textualmente e, por outro, a necessidade premente de estabelecimento de regras que façam frente à situação de violência extrema, na qual se banalizam a dor e a morte.

Importante concluir que o ordenamento informal aplicado pelas facções acaba por indicar um vetor de atração do agente a integrar ou, ao menos, respeitar a facção criminosa, posto que há uma coação física em caso de descumprimento do mesmo, bem como reluz como a única alternativa eficaz para atingir seus objetivos.

Quanto a este segundo fator – alternativa viável para atingir seus anseios – de grande valia se faz relutar as consequências para o indivíduo que do ordenamento informal se vale.

O agente que utiliza do regramento da facção para atingir seu objetivo, seja ele lícito ou ilícito, acaba por contrair uma dívida, ainda que meramente moral, em relação ao grupo. No futuro, de alguma forma esta dívida certeiramente deverá ser paga.

A partir do momento em que o agente tem para si esta dívida, inverossímil não imaginar que ele se manterá nos quadros de integrantes da organização. Ora, sabendo que poderá ser apenado, inclusive com castigo mortal, evidente que o agente continuará integrando o grupo, inclusive se sujeitando à atuar como instrumento para consagração das finalidades daquele.

Assim sendo, percebe-se que o ciclo que se inicia com a ineficiência do Estado em controlar a população carcerária finaliza por, após toda cadeia de atos exposta, caracterizar fator relevante para que o agente integre e se mantenha no corpo da facção criminosa.


5. A PERPETUAÇÃO DOS FATORES CRIMINÓGENOS ANTE A INÉRCIA DO ESTADO

Ao início do século XIX, surge na Europa a Escola Positiva da Criminologia, a qual se consolidaria como ciência autônoma. Três foram os maiores expoentes à época, quais sejam Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garófalo.

Desde seus primórdios, um dos objetos de estudo da Criminologia fora o criminoso, buscando-se ilustrar quais seriam os fatores criminógenos (desencadeantes ou condicionantes) que levavam o agente ao comportamento delitivo.

Lombroso, autor marcante da fase antropológica, teceu estudos no sentido de que a atuação criminosa se dava em decorrência de fatores intrínsecos (endógenos) do agente, inclusive podendo o criminoso ser percebido por sua aparência física. Referido autor chegou a reconhecer a existência de fatores externos que incidiam no comportamento criminoso, porém, aferia que estes apenas propulsionavam os fatores biológicos já existentes (Penteado. 2010, p.33).

Com o desenvolvimento dos estudos criminológicos, concluiu-se que os fatores que levam ao comportamento delitivo não se restringem aos de natureza biológica, sendo inegável a existência de fatores extrínsecos atuantes neste sentido. Nesta esteira, nasce a “sociologia criminal”.

Acerca da evolução destes estudos, relatam Castro e Codino (2013, p. 111):

[...] hay uma rama que estudia la Sociedad, o Sociología Criminal, sobre la base de los que el Positivismo denomino “factores exógenos de la criminalidade”, para opornelos o asociarlos a los que denominaron “factores endógenos” o personales. Sus principales expositores fueron Ferri y Garofalo, a los que podríamos adjuntar todos aquellos ya mencionados que aportaron tesis como la influencia em la criminalidade del clima, de la família, del precio del pan, de la pobreza, de la raza, y de la inteligência.7

A conhecida Escola de Chicago foi uma relevante vertente criminológica que se prestou ao estudo pormenorizado do ambiente social como influência no comportamento criminoso, podendo aqui ser destacado a ecologia criminal que se fundou, dentre outras circunstâncias, na desorganização social oriunda da migração, imigração e próprio crescimento da cidade que dá nome a escola8.

Fato é que, atualmente, não há como se discordar da clarividente influência de diversas causas sociológicas no comportamento delitivo, restando como relevante objeto de estudo da vertente sociológica da Criminologia.

Inquestionável que os fatores desencadeantes de cunho social irão variar conforme a sociedade, país, costumes e tempo em que são analisados. O que se pretende analisar são os aspectos que atualmente incidem sobre a sociedade brasileira, levando diversas pessoas à praticarem crimes. Ademais, de elevada importância atentar-se acerca de fatores consideráveis para a repetição do comportamento criminoso, inclusive os existentes no seio do sistema prisional, vez que este é o foco do presente trabalho.

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Reunindo diversos estudos, Nestor Penteado indica como fatores sociais da criminalidade: infância abandonada, pobreza, desemprego, subemprego, meios de comunicação, habitação, migração, crescimento populacional desordenado, educação, preconceito e mal vivência (2010, p. 102-108).

A fim de evitar um estudo longo e desgastante, opta-se por não esclarecer cada um dos itens citados supra, sendo alguns eventualmente desenvolvidos ao longo do capítulo, conforme a necessidade para com o objetivo deste. Porém, apenas por visualização superficial podemos perceber claramente que todos eles são de inegavelmente contribuição para eventual comportamento criminoso, bem como estão presentes em nossa sociedade.

Ainda que em análise sumária, percebe-se que vários dos fatores desencadeantes guardam relação entre si e com atuações precárias por parte do Estado.

Dados do ano de 2015 indicam que, no Brasil, 4,9% da população vive em situação de pobreza extrema9. Veja-se que este montante se refere à pobreza extremada, sabendo-se que a parcela populacional que se encontra em dificuldades financeiras, fator relevante para o estudo criminológico, certamente se encontra em patamares superiores.

Referidas dificuldades evidentemente guardam relação com outros fatores criminógenos, como o desemprego, subemprego, habitação, migração, crescimento populacional desorganizado e educação.

Ora, por vezes o desemprego ou o subemprego (“bicos”) são causas da pobreza do agente. Esta, pode ser causa da migração para outras áreas do país, em busca de melhores condições de vida, fator este que, por sua vez, contribui para o crescimento populacional desordenado em determinadas regiões e condições desfavoráveis de moradia, como o surgimento de favelas e guetos.

Por fim, a pobreza pode ser visualizada como causa e consequência de uma educação deficiente. Causa porque a família pobre não dificilmente opta por ter seus filhos empregados, gerando renda, ao invés de estarem estudando. Consequência pelo motivo de que com déficit de educação, a colocação no mercado de trabalho e consequente angariação de renda se vê dificultada.

Deste modo, percebe-se que a ineficácia de políticas públicas assistenciais, habitacionais, educacionais, entre outras atuações deficientes do Estado, contribuem diretamente para o surgimento e perpetuação de fatores desencadeantes da criminalidade em nosso país.

Neste ponto, importante relutar que não se pretende dizer que a pobreza é causa proeminente da criminalidade, haja vista a indiscutível gama de pessoas estruturadas financeiramente que praticam crimes e tantas outras que se inserem no conceito social de pobreza e nunca praticaram qualquer infração penal. O raciocínio apenas se porta à demonstrar que esta, bem como outras circunstâncias, acaba por fomentar o ingresso de pessoas na criminalidade.

Em análise aos números divulgados pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), corroborando com o raciocínio explanado, Kazmierczak traça interessante perfil predominante no sistema carcerário brasileiro (2010, p. 112-113):

Verifica-se que a população carcerária é composta por pessoas jovens, negros ou pardos, e de baixa escolaridade, que cometem, em sua maioria, crimes patrimoniais ou tráfico de drogas. Repita-se, não defende-se que a falta de condições sociais é condição para se adentrar à criminalidade, mas que esta acaba por impulsionar ou fomentar seu ingresso diante da ausência de condições mínimas de vida digna, oportunidade de ascensão social e emprego. Tudo isso se aplica a questão de reincidência criminal, pois a ausência destas condições acaba por provocar o retorno à criminalidade. (grifo nosso)

A parte destacada da transcrição supra suscita ponto de destaque no estudo dos fatores condicionantes da criminalidade, uma vez que os fatores elencados não somente contribuem para a entrada do agente ao mundo do crime, mas também pela reiteração de seus atos delituosos, fazendo com que este se mantenha na criminalidade.

Ademais, rememora-se a ausência de assistência estatal ao egresso, fazendo com que este se encontre totalmente desamparado ao retornar ao convívio social, fator que contribui inteiramente para reincidência em atos criminosos, haja vista a despreparo intelectual e profissional da maioria e o preconceito social inegavelmente existente.

Adentrando ao teor deste trabalho, importa salutar acerca da existência de fatores desencadeantes no interior do sistema prisional, afinal, não se pode negar que a população carcerária, com suas peculiaridades e principalmente pelo montante de pessoas que atualmente abarca, não seja compatível com um conceito abrangente de sociedade. Vai-se além, procura-se discutir a existência de fatores que não somente contribuem para o agente manter seu traço criminoso, mas aprofundar sua vivência prisional integrando uma facção criminosa.

Afim de ilustrar praticamente como as facções criminosas tomaram corpo muito pela ineficácia estatal em relação a políticas carcerárias mínimas de dignidade, volta-se a utilizar como exemplo o “Primeiro Comando da Capital”.

Os membros da facção em tela repetidamente expuseram que os principais objetivos do grupo eram a melhoria das condições dos estabelecimentos prisionais e a cessação das práticas violentas por parte de agentes do Estado, obviamente com diversas reivindicações paralelas e circunstanciais.

Sabe-se notoriamente que as condições nos estabelecimentos prisionais de nosso país são, há muito, ultrajantes à dignidade e integridade dos prisioneiros. A superlotação carcerária culmina em diversos setores deficientes em âmbito penitenciário.

Falta de leitos suficientes, produtos de higiene pessoal, vestuário, cobertores, assistência médica e odontológica, convívio com animais transmissores de doenças, sujeira e mal cheiro disseminados, entre outros fatores, tornam o ambiente carcerário em local inabitável.

Ainda, a precária assistência jurídica prestada mancha um dos maiores interesses da população carcerária, qual seja a ciência acerca da sua situação processual e a obtenção da liberdade por intermédio de benefício legal.

Neste sentido, quando da “megarrebelião”10 no ano de 2001, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello assim se manifestou:

O Estado é o grande devedor nessa área. Não é de hoje que não vem cumprindo os dispositivos constitucionais que o obrigam a assegurar o respeito à integridade física e moral dos presos e a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. (Jozino, 2005, p. 86).

Clarividente que poderiam ser destacadas outras circunstâncias que depreciam a estada prisional dos agentes. Porém, os fatores citados nos possibilita visualizar o notório cenário e sensação de abandono que vivem os nossos presidiários. Ao adentrar ao sistema carcerário, o indivíduo conclui rapidamente que, estando ali, será desprezado pelo Estado. Após, provavelmente desprezado pela sociedade. Logo, parece-nos evidente a gama de fatores desencadeantes correlacionados a deficiente política penitenciária brasileira.

Neste cenário de total desamparo e de dificuldades que terão que ser enfrentadas durantes anos, surge a figura da facção criminosa que “controla a penitenciária”. Entidade forte, rica, protetora de seus integrantes, procedendo a diversas reivindicações de melhorias para o local e preocupada com a condição do recluso.

Há diversos informes que demonstram que o “PCC” atua de modo a amparar e suprir as necessidades, inclusive financeiras, dos reclusos e de sua família.

Conforme relata Josmar Jozino (2005, p. 57):

Parte do dinheiro o PCC usava como uma espécie de fundo de solidariedade. Eram comprados mantimentos para as famílias carentes de detentos, ou eram adquiridos alimentos, remédios e cobertores para os próprios presos. As mulheres indicadas pelos fundadores do Partido do Crime se encarregavam de fazer o ‘recolhe’ – arrecadação de dinheiro junto aos presidiários e egressos financeiramente mais estruturados -, a fim de que fossem distribuídas cestas básicas às pessoas mais pobres ligadas ao sistema prisional.

Ora, vejamos o cenário que surge para o detento: de um lado o Estado que lhe parece pouco preocupado em ampará-lo e alterar as condições ali existentes; de outro a facção, forte combatente e protetora da população carcerária e de suas famílias.

Parece-nos lógico que o contexto prisional de hoje exerce forte influência, ainda que subjetiva, para que o agente ingresse na facção criminosa, pois nela ele deposita suas esperanças de alcançar melhorias ou de, ao menos, manter-se seguro em sua integridade física e vida.

Em seu estudo, segue Jozino (2005, p. 112):

Por causa da falta de assistência médica, morosidade no acompanhamento jurídico dos processos e outros direitos não respeitados, os presos deixavam de acreditar no sistema prisional e depositavam cada vez mais suas esperanças no Primeiro Comando da Capital.

Nesta esteira, percebe-se que a situação carcerária atual é um claro incentivo para que os indivíduos sejam integrantes ou ao menos simpatizantes das facções criminosas.

Importante elucidar que neste âmbito atrativo não estão inseridos somente agentes do sexo masculino, mas também mulheres, geralmente integrantes da população carcerária feminina ou companheiras de algum membro da facção. Inclusive, a maior facção paulista tem constituído um setor feminino de integrantes, organizado com estrutura hierárquica e divisão de funções.

Referido autor, em obra acerca das mulheres que integram a facção criminosa em tela, discorre (2008, p. 87):

As irmãs do PCC exercem cargo de piloto nas cadeias. Elas tentam resolver os problemas e os conflitos internos. Também podem liderar rebeliões e decidir se alguma rival vai ou não morrer. [...] Mas a principal e mais importante função das chefes do Comando Feminino do PCC é zelar pela ordem ou disciplina nas prisões.

[...]

Nas ruas, o PCC também tem um grupo de mulheres batizadas. Elas são minorias. Cuidam ainda da parte assistencial, como entregas de remédios e cestas básicas para as famílias dos presos. Também distribuem presentes para os filhos dos detentos.

No caso do estado de São Paulo, o “PCC” não somente impõe suas regras na maioria dos estabelecimentos prisionais, como pratica ações de modo a suprir diversas necessidades da população carcerária, muitas destas que deveriam ser preenchidas pelo Estado. Além disso, o recluso se vê protegido quando da integração na facção, estando ao lado de agentes poderosos dentro do sistema.

Por derradeiro, conforme as citações anteriormente transcritas, ressalta-se que a facção que comanda os presídios paulistas não atua tão somente perante a população carcerária. Há diversas ações de caráter assistencial que tem como alvo a família do recluso.

Percebe-se que integrar e se submeter aos mandamentos da facção surge como uma opção viável para o preso, posto que neste sentido estará protegido em âmbito carcerário, terá determinados benefícios que não conseguiria alcançar sem o apoio da facção, bem como consegue de alguma forma amparar a sua família que, por vezes, está sujeita a necessidades financeiras.

Notório que as ações da facção surgem como forma de captação de novos integrantes, fator, este, que corrobora com sua expansão e consolidação no sistema carcerário brasileiro.

Conclui-se que a ineficiência e desestrutura estatal em diversos setores sociais acaba por fazer surgir diversos fatores criminógenos que contribuem para o início de uma “carreira” criminosa de diversos agentes. Ainda, vislumbra-se que o ciclo aí não se encerra, vez que os fatores continuam presentes durante e após o cumprimento da pena, colaborando com o elevado número de reincidência atualmente existe.

Outrossim, a inércia estatal não somente acarreta em fatores desencadeantes de cunho social, como também em condicionantes presentes no interior do sistema carcerário pátrio, fazendo com que o indivíduo não somente inicie e mantenha sua atuação delinquente, mas também, por vezes, acabe por integrar uma facção criminosa. Associação, esta, que toma contornos de irretratabilidade, inclusive sob pena de morte.

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Sobre os autores
João Augusto Arfeli Panucci

Graduado em Direito pelo Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pelo Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP. Professor Assistente de Direito Penal e Prática Jurídica Penal. Professor Titular de Filosofia do Direito. Advogado.

Fernanda Umehara Juck

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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