Aristocracia branca

Leia nesta página:

O Judiciário nacional rege-se por meio do regime de castas - ou seja, seus privilégios e mentalidade são pré-capitalistas.

Nossa aristocracia não é como a Ku Klux Klan, a extrema direita estadunidense, mas é racista, machista, elitista. Por outro lado, com a terceirização total  – o fim do trabalhado regulado –, o futuro inexistente da previdência pública, outras reformas trabalhistas no pior estilo neoliberal (já abolido em parte do mundo civilizado) e a reforma política da lista pré-ordenada, empossando caciques e raposas conhecidas da Lava Jato, entramos na rota de retorno direto ao século XIX.

No que também é mera reinvenção do passado do Navio Negreiro: “Fomos surpreendidos com o desengavetar dessa proposta, que foi apresentada pelo governo FHC em 1998", diz Magda Barros Biavaschi, desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.  Trata-se, no conjunto, das apólices do escravismo no século XXI.

Os grilhões do passado colonialista foram transformados nas celas que aprisionam milhares de jovens negros e pobres, bem como no facão que retirará qualquer garantia social aos trabalhadores empobrecidos: brancos e negros. Nossa aristocracia branca é menos seletiva do que nos EUA, não mais queima negros vivos publicamente, nem exorta ao expurgo de imigrantes. Mas, não é porque seja melhor, mas sim porque queimam na miséria nacional homens e mulheres, adultos e crianças, brancos e negros, que dependem da venda da força de trabalho para sobreviver.

Com a terceirização completa – escolas poderão terceirizar professores –, mais uma vez o país absorve técnicas jurídicas pré-capitalistas. Se somarmos o fim da previdência pública e a reforma política, o resultado é a constitucionalidade do Estado Patrimonial, patriarcal, no século XXI. Como o mercado de consumo está no exterior – ainda que estejam podres as commodities de carnes, cervejas e paçocas –, ainda é um ótimo país para rentistas e abusadores. A diferença é que para abusar de pessoas não mais será preciso abusar do direito, porque está tudo legalizado.

Outrossim, lembremo-nos de que o nazismo também foi legalizado. Também não esqueçamos de pensar e de dizer que esse é o modelo societal da dobradinha PSDB/pmdb. Minúsculo como é sua dimensão moral. Com o que também se pode imaginar o que virá em 2018...

O líder do Partido Comunista italiano, nos anos 1930-40, Antonio Gramsci, definiu o que vemos no país atualmente de Cesarismo Regressivo, mas o apoio dado pela polícia à repressão social parece fortificar um “bonapartismo policial”. Algo como o capital mais devastador apoderando-se totalmente do Estado para criminalizar e reprimir as relações sociais e enclausurar os desafetos do poder de ocasião. Também pode-se ver um tipo de “nato-fascismo”, obediente às forças congregadas na OTAN pelos EUA.

Sem dúvida, é ação do Estado mínimo, mas sem condição moral, portanto, com incapacidade cognitiva. Essa lógica é positivista, desde o Iluminismo de Kant, e também consta do contratualismo de Rousseau. Sendo recuperada pela filosofia alemã de Habermas. Portanto, não é uma lógica esquerdista. Digamos que se trata de uma análise da direita inteligente que não se aplica ao país.

Não se aplica por razões óbvias. Por exemplo, é a mesma direita fora do “esclarecimento” que pretende associar terceirização com meritocracia: “mais méritos, melhores condições”. Ora, discutir meritocracia no reino da miséria é o ápice da redução mental: moral e cognitiva. Porque se desconhece até mesmo a lógica aristotélica. Como é que se pode, em sã consciência, associar e comparar senhor e escravo? Sabemos há dois milênios, pelo menos, que a comparação exige a equiparação. No caso, sem igualdade, não há isonomia.

Como se vê, nossa base moral é da cordialidade, do jeitinho até na lógica abissal, ou seja, no sentido de Sérgio Buarque de Holanda, como parte entranhada na cultura da torpeza e de tortura. Torpeza porque praticamos crimes todos os dias, maiores ou menores, como se fosse algo natural, normal. Tortura porque só punimos os inimigos: “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei” .

Qual a diferença entre um e um milhão, quando se sabe do mal feito? Quando, por engano, dá-se um real a mais no pagamento e, em seguida, você vê, o cobrador também vê que você viu, tão logo o erro é cometido, e apenas guarda o troco errado, há algo muito errado. Nesse caso, olha-se e agradece, com os olhos apertados, em exclamação. Não é o valor, mas sim o anti-gesto. Em caso conexo, agora mesmo há um carro estacionado na vaga preferencial para deficientes físicos – e o motorista não tem nenhuma deficiência física. Mas sim moral.

Os desfiles de nudismo a favor do golpe de 2016, no centro nervoso da Avenida Paulista, a atuação do ator pornô Alexandre Frota como guru da educação, o Brasil sendo acusado na ONU por não divulgar a lista aristocrática do trabalho escravo, são meros clássicos contemporâneos em grau elevado do que foi descrito acima.

Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
 

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Marcos Del Roio

Professor. Livre-Docente do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP/Marília.

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos