A necessidade de novas políticas de combate as drogas e os impactos na economia e na sociedade

15/04/2017 às 23:18
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Trata o presente artigo do estudo das drogas e seus impactos na sociedade sob uma perspectiva nacional e internacional. Com o passar dos anos, verificou-se que as políticas de repressão às drogas em nada resolveram.

Resumo

Trata o presente artigo do estudo das drogas e seus impactos na sociedade sob uma perspectiva nacional e internacional. Com o passar dos anos, verificou-se que as políticas de repressão às drogas em nada resolveram, visto que os gastos na tentativa de combatê-las somente aumentaram, além de seu consumo, principalmente da maconha ter crescido ainda mais. Se expõe uma nova visão, apresentada principalmente pelos relatórios da Comissão Mundial de Políticas de Drogas, que buscam novos paradigmas para solucionar o problema das drogas e trazer segurança e proteção a saúde para a sociedade e economia para os cofres públicos. O tema aborda ainda a nova lei de drogas do Brasil que mitigou as penas para os usuários, mas que continua encarcerando jovens primários e com pouca quantidade do produto ilícito, devido aos estereótipos da sociedade em criar uma zona cinzenta entre traficantes e usuários pobres, encerrando o dilema de quais caminhos conduzir as criticas ao proibicionismo.

Palavras-chave: Drogas. Regulação Legal. Novas Medidas. Impactos na Economia.

1 Introdução

Ao longo da história, o ser humano, seja por motivos religiosos, medicinais, bélicos, afrodisíacos ou mágicos sempre se utilizou de substâncias que alterassem seu estado de consciência. Mas na modernidade, conforme afirma Roberta Duboc Pedrinha[1] (2008, p.03), o surgimento do modo de produção capitalista fez com que as drogas deixassem de ter um valor somente de uso para atender as leis de oferta e procura convertendo-se gradativamente em mercadoria. 

Com isso, tais substâncias “passaram a se submeter às diversas formas de controle social, sendo reguladas, proibidas e apreciadas moralmente” (PEDRINHA, 2008, p.04).

O controle das drogas foi instituído com o objetivo de reduzir as consequências nocivas à saúde e visava garantir o acesso a medicamentos essenciais. Entretanto, ocorreu o contrário, políticas de drogas enfatizando a justiça criminal geraram novos problemas sociais e de saúde, contando com imensos recursos gastos na erradicação da produção, repressão aos traficantes e criminalização dos usuários que não foram capazes de reduzir a oferta nem o consumo de drogas.

Além disso, não se pode deixar de assentar que com os difíceis tempos pós-modernos, a procura por estados de alternância de consciência também aumentou, fazendo com que a droga seja utilizada como via de escape, ou através de um processo de medicalização se transformar em importante ferramenta terapêutica (idem ibdem).

Os diversos meios de comunicação tornam possível saber que alguns países estão buscando alternativas para lidar com a questão das drogas, trazendo a ideia de inconformidade com o modelo proibicionista. Tais constatações levam a refletir sobre a estratégia adotada pelo Brasil e as possibilidades de uma mudança de paradigma.

Por conseguinte, para que os governos cumpram a promessa original do sistema internacional de controle de drogas, as abordagens repressoras ineficazes e prejudiciais devem ser substituídas por soluções que priorizem a saúde pública e a segurança das comunidades, conforme as análises aqui apresentadas contidas nos importantes Relatórios da Comissão Global de Política de Drogas.

Dessa forma, este artigo aborda inicialmente o conceito, classificação e histórico das drogas, dando ênfase para a droga mais consumida no mundo e no Brasil que é a maconha, verificando em primeira plana a necessidade de atualização de seu posicionamento na lista de drogas ilícitas proibidas e logo após incentivando a regulamentação legal de seu mercado, permitindo seu acesso legal, mas de forma restrita e trata também da nova lei de drogas, que diante das constatações pode-se dizer que a mesma, apesar de “nova”, já se tornou obsoleta para um o Estado que tem um custo elevadíssimo na sua execução, sem apresentar qualquer melhoria no combate a produção, fornecimento e consumo dessas mercadorias ilícitas.

Por fim, explica-se que de modo algum o texto exaure todos os horizontes que o tema exige, mas busca esclarecer ao máximo a necessidade de novas políticas de drogas, enfatizando os diversos ganhos para a economia e a sociedade. Como base, foram citados alguns doutrinadores da área jurídica e diversos pesquisadores e estudiosos do tema, além dos notáveis e influentes relatórios elaborados pela Comissão Global de Políticas sobre Drogas. 

2 Conceito, classificação e histórico das Drogas

Desde os tempos mais antigos, a humanidade convive com o consumo das substâncias psicotrópicas. No entanto, no século XX grande parte delas foram proibidas a um nível transnacional, através das convenções internacionais, havendo uma consolidação dos Estados e da medicina, no qual, por meio da proibição, um confere ao outro poderes sobre controle de algumas substâncias. Essa espécie de pacto ficou conhecido como modelo proibicionista, que apesar de ter tido adesão total em um primeiro momento, logo conheceu a concorrência de propostas alternativas (SUGASTI, 2013, p. 19).

Desta maneira, a Organização Mundial da Saúde – OMS (agência especializada em saúde e subordinada a Organização das Nações Unidas) instrui que o termo droga abrange qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas produzindo alterações no seu funcionamento[2].

Consequentemente, as drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando modificações no estado mental são chamadas drogas psicotrópicas. O termo psicotrópicas é formado por duas palavras: Psico está relacionado ao psiquismo, que envolve as funções do sistema nervoso central; e trópico significa em direção a. Drogas psicotrópicas, portanto, são aquelas que atuam sobre o cérebro, alterando de alguma forma o psiquismo.  Por isso também conhecidas como substâncias psicoativas, e se dividem em três grupos: depressoras, estimulantes e perturbadoras.

De acordo com informações do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – OBID[3], as drogas depressoras do sistema nervoso central fazem com que o cérebro funcione lentamente, reduzindo à capacidade motora, a ansiedade, a atenção, a concentração, a capacidade de memorização e a capacidade intelectual. Estão neste grupo o álcool, barbitúricos, benzodiazepínicos, inalantes e opiáceos.

As estimulantes do sistema nervoso central (anfetaminas, cocaína e tabaco) por outro lado, aceleram a atividade de determinados sistemas neuronais, trazendo como consequências um estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos.

E ainda, as drogas perturbadoras do sistema nervoso central como a maconha, alucinógenos, LSD, êxtase e anticolinérgicos, produzem uma série de distorções qualitativas no funcionamento do cérebro, como delírios, alucinações e alteração na senso-percepção.

Importante ressaltar que nem todas as substâncias psicoativas tem capacidade de provocar dependência, sendo muitas, inclusive, utilizadas com a finalidade de produzir efeitos benéficos, como tratamento de doenças.

Com efeito, o grande desafio que se faz é classificar as drogas dentro de um sistema de graduação. A ONU tem realizado diversas convenções sobre drogas para facilitar tanto a proibição para uso não medicinal quanto à regulamentação legal de muitas das mesmas para uso médico e científico.

Historicamente, as convenções têm sido pautadas pela proibição, mas há uma crescente conscientização da importância de reequilibrar o sistema e reafirmar a relevância dos benefícios a saúde. Todavia, esta classificação fica submetida à aplicação das recomendações advindas da OMS (Organização Mundial da saúde) que há muito sofre com a escassez de recursos técnicos e financiamento para cumprir seus deveres.

A vista disso, a falta de recursos técnicos para empreender revisões e a frequente rejeição das recomendações dos especialistas, consideradas politicamente inaceitáveis por Estados-Membros mais repressivos, levaram a inúmeras anomalias no sistema. Por exemplo, a última revisão científica a fazer uma recomendação sobre a Cannabis ocorreu em 1935, sob o sistema anterior, a Liga das Nações. Como resultado, a Cannabis ainda se encontra ao lado da heroína na lista de droga mais restrita[4].

3 Maconha – A droga mais consumida

A maconha foi inserida no conjunto de drogas que deveriam ser combatidas, que ficou conhecido como guerra às drogas após o governo Nixon nos EUA. Mesmo com todos os malefícios a saúde, a maconha é a droga ilícita mais consumida em todo o mundo e também a mais consumida no Brasil, recebendo tratamento diferenciado de acordo com as leis de cada país. No Brasil ela está incluída no grupo de drogas proibidas, mas países como o Uruguai, EUA (em alguns estados), Portugal, Holanda, entre outros, já tem o seu consumo descriminalizado (SUGASTI, 2013, p. 10).

Hoje, diversos estudos são realizados buscando graduar as drogas. Um estudo científico publicado na revista Scientific Reports comparou os efeitos de sete drogas recreativas nos seres humanos e concluiu que a maconha é a menos mortal delas. Tal estudo traz a assinatura de Dirk Lachenmeier, PhD em química de alimentos e toxicologia da universidade alemã de Karlsruhe e Jürgen Rehm, diretor do Centro de Saúde Mental e Vícios de Toronto, no Canadá (Revista Exame, 2015).

Os pesquisadores ainda afirmaram que o álcool é 114 vezes mais mortal que a maconha. Essa conclusão compara a dose usualmente consumida de cada droga com a dose considerada fatal, onde os consumidores de maconha ficam, normalmente, muito distantes da dose que seria mortal para eles. Por isso a maconha foi a única das sete drogas classificada como tendo baixo risco de mortalidade.

O próprio relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas recomenda que sejam permitidos e incentivados experimentos na regulamentação legal do mercado de drogas atualmente ilícitas, a começar por não mais se restringir a maconha, dado a diversas pesquisas já terem informado seu baixo índice de danos, afirmando que essa regulação legal é a maneira mais eficaz de se avançar nos objetivos de saúde pública e segurança.

Cabe nesta oportunidade se distinguir conceitos fundamentais, diferenciando a legalização de regulação legal. Legalizar é um mero processo de tornar algo ilegal, legal. No entanto o que a maior parte dos defensores das reformas defende é a regulação legal que se refere a etapa final do processo de legalização, onde se tem um sistema de regras que governa a produção, o fornecimento e o uso de drogas.

O relatório ainda alerta para a importância de revisar a classificação internacional das drogas estabelecidas há 50 anos, já que esta traz aberrações de uma época que não se tinha conhecimento científico sobre o qual se basear, como as características inadequadas quanto à nocividade da cannabis (maconha).

4 A Questão Internacional das Drogas

O processo de globalização caracteriza-se no cenário internacional pela crescente interdependência econômica, política e social entre os países, gerando ao mesmo tempo, possibilidades de desenvolvimento econômico, avanço científico e tecnológico, mas resultando cada vez mais em contrastes econômico-sociais entre os países, que enfrentam a ameaça de guerras nucleares, intensificação de conflitos locais e regionais e o aumento da produção, comércio e consumo das drogas ilícitas (VENTURA, 2011, p.2).

Assim, como o problema das drogas ocorre em diversas áreas geográficas do mundo, o tema passou a ser reconhecido internacionalmente.

A Convenção de Haia (também conhecida como Conferência Internacional do Ópio), realizada em 1911, foi o primeiro tratado internacional a estabelecer controle sobre a venda de ópio e seus derivados e da cocaína (FIORE, 2007 apud SUGASTI, 2013, p. 22).

Os tratados internacionais que seguiram o de Haia culminaram na Convenção Internacional Única sobre Entorpecentes, realizada em Nova Iorque em 1961, que definiu em uma lista, pelo potencial de toxidade ou risco de dependência, o grau de periculosidade das substâncias.  Esta Convenção, juntamente com à Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, ocorrida na cidade de Viena (Áustria) em 1971, e à Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Viena – 1988), ficaram conhecidas como Convenções-Irmãs (SUGASTI,2013, p. 22).

Observa-se que a maconha, conforme já citado anteriormente, foi incluída na lista que compreendia as substâncias excluídas, sem nenhum uso medicinal, sendo que esta apresenta, conforme diversos estudos científicos, toxicidade praticamente inexistente e de baixo a médio potencial gerador de dependência (FIORE, 2007 apud SUGASTI, 2013, p. 22).

Esses tratados internacionais mencionados, bem como as leis e políticas nacionais, afetam diretamente as atitudes das pessoas, uma vez que geram sanções a comportamentos considerados ilícitos. O uso de drogas ilícitas representa um desses comportamentos e é bastante relevante na análise dos sistemas nacionais de justiça criminal como será feito a seguir (VENTURA, 2011, p.3).

5 A Legislação sobre drogas no Brasil

O Brasil assinou tratados internacionais e se comprometeu a segui-los, colaborando com a construção do modelo proibicionista. Manteve em vigor por 30 anos, de 1976 a 2006, a mesma lei de drogas, que previa prisão para usuários e traficantes. A partir de 2006, entrou em vigor a lei nº 11.343 com a característica de despenalizar o usuário de drogas e tornar mais rígida a punição para traficantes, sem, contudo, deixar claros os critérios usados para distinção entre usuários e traficantes (SUGASTI, 2013, p.11).

Depurando o exposto, a Lei 6.368/1976, conhecida como Lei de Tóxicos (FIORE, 2007), foi a primeira lei a tratar sobre o assunto, sendo posteriormente modificada pela Lei 10.409/2002 e hoje ambas foram expressamente revogadas pela Lei 11.343/2006 que criou o SISNAD (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), trazendo diversas modificações que avançaram sobre o tema mas que não estão sendo suficientes e efetivas no combate as drogas.  

Primeiro, destaca-se que finalidade da lei é combater a toxicomania, ou seja, o tráfico de drogas, sua entrega ou exposição ao consumo e sua utilização. MORAES e SMANIO (2006, p. 130) conceituam a toxicomania e ressaltam a presença de um elemento de grande importância que é a existência de nocividade individual e social.

“A toxicomania é um estado de intoxicação periódico ou crônico, nocivo ao indivíduo e a sociedade, pelo consumo repetido de uma droga natural ou sintética, e apresenta as seguintes características:

• invencibilidade do desejo ou da necessidade de continuidade no consumo da droga e em sua procura, por todos os meios;

• tendência para o aumento da dose;

• existência de dependência de ordem psíquica e/ou física.”

Um detalhe importante é que até a atualidade, a lei não descrimina quais substâncias são proibidas, mesmo porque não deva fazer, visto que é muito mais difícil alterá-la. Em parágrafo único do artigo 1º, a Nova Lei de 2006, apenas considera drogas como: “as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

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Em razão disso, a nova Lei de Drogas continua a ser uma norma penal em branco, ou seja, tem um órgão governamental próprio que é a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), vinculada ao Ministério da Saúde – órgão que compõe o SISNAD - encarregado do controle das drogas em geral, editando a relação das substâncias entorpecentes proibidas (NUCCI, 2008, p. 512).

Assim, percebe-se que a finalidade da Lei foi instituir um sistema nacional com a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas; e a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

Neste contexto, as penas quando da posse de drogas para consumo pessoal, ou quando do tráfico apresentaram substanciosa modificação na Lei 11.343/2006.

O crime previsto no revogado artigo 16 da Lei nº 6.368/76 era punido com a pena de detenção, de 6 meses a 2 anos e a pena de multa, de 20 a 50 dias-multa, calculados na forma do revogado art. 38 do mesmo diploma. Tratava-se, no entanto, de crime de menor potencial ofensivo, sujeitando-a ao procedimento da Lei n. 9.099/95, incidindo igualmente seus institutos despenalizadores, desde que preenchidos os requisitos legais (CAPEZ, 2012, p.763).

Com efeito, para as mesmas condutas, agora capituladas no caput e § 1º do art. 28, passou a prever as penas de advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Hoje não há qualquer possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade para aquele que adquire, guarda, traz consigo, transporta ou tem em depósito, droga para consumo pessoal ou para aquele que pratica a conduta equiparada (idem ibdem).

Diante dessa mudança, surgiram algumas polêmicas sobre a nova Lei ter gerado a descriminalização da posse de droga para uso pessoal. Fernando Capez (2012, p. 764-765) e diversos outros doutrinadores afirmam que não houve abolitio criminis, mas apenas “despenalização” como já decidiu o Supremo Tribunal Federal – STF, sob os principais argumentos de que o art. 1º da LICP (Lei de Introdução ao Código Penal) - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime, como o fez o art. 28 da Lei nº 11.343/06, pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).

Dessa forma, manteve-se o crime para os usuários de drogas, mas apenados com medidas muito mais brandas que anteriormente. 

Contudo, o cerne da questão é que não há critério em dispositivo legal que especifique como se distingue a classificação entre o usuário e o traficante, além de não mencionar quantidade específica de droga, ficando a seleção submissa ao arbítrio dos representantes do Estado. PEDRINHA (2008, p.13) nesse ponto expõe elucidativamente:

“Vale frisar que o critério utilizado para determinar se o dolo é de uso ou é de tráfico permite todo o tipo de arbitrariedades. Pois está propenso à construção do estereótipo criminal, na medida em que o juiz atentará além da quantidade da droga, para as circunstâncias sociais e pessoais, bem como, para a conduta e os antecedentes criminais. Desse modo, certos indivíduos estarão mais propensos a serem pinçados pelo tipo penal do tráfico, em função de sua condição social, inserida em substratos mais baixos da população, aptos, portanto, à captura seletiva da polícia e dos magistrados”.

Desse comentário fica claro que o problema maior é a falta de dispositivos que possam trazer efetividade ao problema enfrentado pela sociedade. PEDRINHA (2008, p.14) critica a “Nova Lei de Drogas” afirmando que alterações são defasadas em relação às reais necessidades políticas para se combater a disseminação indevida das drogas.

“Esta nova legislação mantêm vivas reminiscências medievais... Assistimos as cruzadas às drogas, à demonização do traficante, que se aproxima das chamas das fogueiras dos patíbulos dos autos de fé, através da icineração das drogas, rememora a purificação imposta pelo Tribunal do Santo Ofício; além da expropriação das glebas cultivadas com drogas, que relembra o confisco de bens da Inquisição. Criminaliza até os informantes, ou seja, enquadra os moradores da comunidade ou integrantes da associação de moradores, com pena privativa de liberdade de 2 a 6 anos e multa de 300 a 700 dias-multa. Indubitavelmente, esta nova lei expande substancialmente o sistema punitivo, sobrecarrega o já superlotado sistema penitenciário brasileiro, com um déficit aproximado de 200.000 vagas”.

Vale aqui já mencionar que esse é um dos pontos sobre enfoque do Relatório de setembro de 2014 da Comissão Global de Políticas de Drogas onde se orienta aplicar penas alternativas (não criminais) ao encarceramento para autores não-violentos dos patamares inferiores do mercado ilícito de drogas, como agricultores, “mulas” e outros envolvidos na produção, transporte e comércio de drogas ilícitas. Penas alternativas e comunitárias são muito menos custosas e mais eficazes que a criminalização e o encarceramento, principalmente porque essas pessoas se refugiaram nesta economia ilícita puramente por razões de sobrevivência, sua e de suas famílias. 

Importante colocação também faz CAPEZ (2012, p.758) quanto o princípio da alteridade ou transcendentalidade que impede o direito penal de castigar o comportamento de alguém que está prejudicando apenas a sua própria saúde e interesse. No delito previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 poderia se alegar ofensa a esse princípio, já que quem usa a droga está prejudicando somente a sua saúde e o Estado não tem nada haver com isso.

Contudo, para CAPEZ (idem ibdem) tal argumento não convence, sob o argumento de que:

A Lei em estudo não tipifica a ação de “usar a droga”, mas apenas o porte, pois o que a lei visa é coibir o perigo social representado pela detenção, evitando facilitar a circulação da droga pela sociedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas a de consumo pessoal. Assim, existe transcendentalidade na conduta e perigo para a saúde da coletividade, bem jurídico tutelado pela norma do art. 28.

Data vênia a posição do ilustre doutrinador, seria razoável uma análise mais profunda do tema, já que a raiz do problema é a criminalização da conduta. Quem porta as drogas ou o bem jurídico que visa proteger são apenas argumentos utilizados para justificar que tais condutas continuem a ser apenadas.

Outro ponto importante que vale mencionar para acompanhar o raciocínio acima, é que a Lei de Drogas visa proteger a saúde pública. Para CAPEZ (2012, p.771), “a disseminação ilícita e descontrolada da droga pode levar à destruição moral e efetiva de toda a sociedade, solapando as suas bases e corroendo sua estrutura”. Tal afirmativa, limitada a uma visão penal dos fatos, está mais ligada ao tráfico, que coloca em situação de risco um número indeterminado de pessoas, cuja saúde, incolumidade física e vida são expostas a uma situação de perigo.

NUCCI, (2008, p.315) também explica que a saúde pública é um bem jurídico imaterial, onde determinada conduta possibilita um número indeterminado de pessoas adoecerem e morrerem quando atingidas por tal. Assim, esse bem jurídico é afetado pelo tráfico ilícito de entorpecentes, que é considerado uma infração penal de perigo, pois representa à probabilidade de dano a saúde das pessoas, mas não exige a produção de tal resultado para sua consumação.

Consequentemente a essas conclusões e buscando prezar por esse bem jurídico protegido através da política de medidas repressivas, a lei aumentou a pena do crime de tráfico, que era de 3 a 15 anos, para 5 a 15 anos e impôs uma multa mais pesada (500 a 1.500 dias-multa).

Ocorre mais uma vez que tais medidas são contraproducentes. Segundo o Relatório da CGPD/ONU (setembro/2014) os objetivos da repressão precisam ser reorientados para alcançar a redução do poder das organizações criminosas, da violência e dos distúrbios ligados ao tráfico, através do direcionamento dos recursos da lei aos elementos mais causadores de problemas deste comércio, paralelamente à cooperação internacional para a repressão da corrupção e da lavagem de dinheiro.

Pode se perceber que, apenas as medidas adotadas não foram suficientes para dirimir os problemas que as drogas ilícitas vêm trazendo ao país. NUCCI (2008, p.299), com a sensibilidade jurídica que o tema requer, enfatizou a responsabilidade do Poder Legislativo em captar os anseios da sociedade, editando leis que proíbam ou autorizam determinadas condutas capazes de efetivamente atender as necessidades públicas. Cabe a este Poder, criminalizar determinada conduta ou extingui-las quando irrelevantes ou inadequadas.

 “O crime, por si só, é uma ficção jurídica. Afinal, uma conduta qualquer se torna criminosa sempre que o legislador criar um tipo penal (vide o exemplo do assédio sexual), assim como deixa de sê-lo quando bem quiser o Poder Legislativo (vide o exemplo do adultério ou da sedução)”. (NUCCI, 2008, p. 299)

O celebrado doutrinador comenta na luta que todos devem enfrentar por combater tipos penais ofensivos, como também deve saudar as acertadas construções de tipos penais, citando como exemplo o tráfico ilícito de entorpecentes:

“Devemos lutar para a extinção das infrações penais irrelevantes, aquelas que o tempo demonstra não serem do gosto da sociedade e que caem no esquecimento. Devemos combater tipos penais ofensivos a intervenção mínima do Direito Penal nos conflitos sociais, pois são representativos de um Estado totalitário. Devemos, enfim, sustentar a inconstitucionalidade de tipos penais de perigo abstrato arbitrários e frutos da intolerância do legislador em relação a liberdade de expressão e da intimidade dos cidadãos, tal como a pretensa vontade de punir a ociosidade ou a mendicância (infrações dos arts. 59 e 60[5] da Lei das Contravenções Penais). No mais, devemos aplaudir o legislador, quando acerta na construção de tipos penais de perigo abstrato, cujas condutas são realmente arriscadas a integridade das pessoas que vivem em sociedade. E o caso do tráfico ilícito de entorpecentes”. (idem ibdem)

No entanto, o respeitado doutrinador, numa visão proibicionista, não se aprofunda em discutir a importância da necessária descriminalização das drogas para uso próprio, bem como uma melhor definição de usuário e traficante, visto que a lei traz consigo discrepâncias que vem gerando enormes prejuízos de ordem social e econômica.

Em análise a respeito da legislação do Brasil sobre drogas, Ilona Szabó de Carvalho - coordenadora do Secretariado da Comissão Global de Políticas sobre Drogas da ONU e cofundadora da Rede Pense Livre, se manifesta:

“Assim, apenas um muito hesitante progresso foi feito no Brasil para explorar abordagens alternativas para a política de drogas. Em 2006, foi promulgada a Lei 11.343/06, que proíbe penas de prisão para usuários de drogas, prescrevendo penas alternativas que se aplicam aos acusados de cultivo para uso pessoal. Mesmo assim, tanto o cultivo e uso continuam a ser definidos como crimes. Ela também aumentou a pena mínima para o tráfico de drogas, resultando em mais pressão sobre um já sobrecarregado sistema penal. A lei não especifica as quantidades de drogas que podem ser usadas para diferenciar usuários de traficantes, deixando que essa distinção seja decidida pelos juízes com base em critérios gerais. Como resultado, essa legislação, inicialmente concebida como progressista, acabou representando um retrocesso.” [6]

Em conclusão, diante das significativas abordagens feitas, vemos que o problema das drogas envolve vários campos ligados interdisciplinarmente, entre eles, se sobressaindo o político, econômico, social e jurídico. O papel político pode ser visto como o mais importante e capaz de tomar decisões, isso porque representa aquele que tendo boa vontade e visão ampliada dos problemas, busca se orientar e recriar novas medidas capazes de fazer cessar ou ao menos amenizar o conflito, gerando, consequentemente, maiores economias com problemas sociais e promovendo a segurança pública.  

6 O Fracasso das Políticas de Repressão

A ONU instituiu a Comissão Global de Política sobre Drogas, chefiada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com a participação de vários ex-presidentes latino-americanos, além do ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, entre outras autoridades para que recomendassem medidas estratégicas e políticas a guiar o caminho das drogas, sendo os princípios instituídos com base em dados e estudos de casos realizados em diversos países e pelos mais renomados conhecedores do assunto.  

Em junho de 2011, a Comissão Global de Política sobre Drogas divulgou um Relatório[7] que aponta o fracasso das políticas de repressão à produção e oferta de drogas. Mais tarde, em setembro de 2014 a mesma comissão divulgou novo relatório, apresentando um mapa para colocar as drogas no controle, já demonstrando que diversos líderes vêm enxergando tal fracasso nas medidas de repressão e percebendo as vantagens na reforma da política de drogas.

O relatório da Comissão Global de Política sobre Drogas de 2011 apontou que, apesar dos bilhões de dólares gastos, não houve redução do consumo. Um exemplo disso são os crescentes gastos dos Estados Unidos na guerra contra as drogas, que saíram de US$ 1,5 bilhão em 1985 para US$ 17,7 bilhões em 2000. Em vez de tamanho investimento ajudar na diminuição do consumo, hoje se consome mais cocaína, opiáceos (heroína) e maconha do que há dez anos. O relatório dessa maneira expõe:

A guerra mundial às drogas fracassou. Quando a Convenção Única de Entorpecentes da ONU foi implantada 50 anos atrás e quando o presidente Nixon lançou a guerra às drogas do governo norte-americano há 40 anos, os políticos acreditavam que a aplicação rigorosa de políticas repressivas contra os responsáveis pela produção, distribuição e consumo de drogas levariam a uma redução do mercado de drogas ilícitas, como heroína, cocaína, cannabis, até chegarmos a um “mundo inteiramente livre de drogas”. Na prática, o resultado alcançado foi o oposto do desejado: o crescimento dramático de um mercado global do mercado de drogas ilícitas, amplamente controlado pelo crime organizado em escala transnacional. Embora não se disponha de estimativas precisas quanto ao consumo global de drogas ao longo dos últimos 50 anos, uma análise focada nos últimos 10 anos mostra um mercado ilegal cada dia mais extenso e crescente.

Pelo divulgado no relatório, a principal motivação que inspirou a criação da Comissão Global de Políticas sobre Drogas foi à falta de liderança e coragem política para lidar de frente com o fracasso das políticas de drogas, além do seu imenso custo humano, social e financeiro. E o ponto de partida usado foi o reconhecimento de que o problema das drogas é um desafio interligado com a saúde e segurança das sociedades.

Ainda nesse ponto, o relatório de 2014 traz os incalculáveis custos de mais de meio século de guerra contra as drogas, onde apesar dos crescentes recursos direcionados a repressão, a produção, suprimento o uso global das drogas continuam a aumentar, ameaçando saúde e seguranças públicas.  Ademais, alimenta-se a violência e enriquece os criminosos, pois os preços em alta das drogas ilegais oferecem uma lucrativa razão para grupos criminosos entrarem no negócio, e levam alguns dependentes de drogas a cometerem crimes para financiar seu uso. O relatório traz alguns dados muito importantes nesse sentido:

A proibição das drogas fomentou um mercado global ilegal estimado pelo UNODC em centenas de bilhões. Em 2005, a produção era avaliada em US$13 bilhões, a indústria do atacado em US$94 bilhões e o varejo estimado em US$332 bilhões. A valorização do mercado de drogas no atacado é mais alta que o equivalente global para cereais, vinho, cerveja, café e tabaco juntos.

A ‘melhor estimativa’ do UNODC para o número de usuários mundiais (uso no ano anterior) subiu de 203 milhões em 2008 para 243 milhões em 2012 – um aumento de 18 por cento, ou um aumento na prevalência do uso de 4,6 por cento para 5,2 por cento em quatro anos.

Sem contar que além dos bilhões desperdiçados na repressão as drogas todo ano, há custos secundários desastrosos, tanto no âmbito financeiro quanto socialmente. 

O comércio ilegal de drogas cria um ambiente hostil aos interesses de negócios legítimos, atrapalha os investimentos e o turismo, cria volatilidade no setor e concorrência desleal (associada à lavagem de dinheiro) e distorce a estabilidade macroeconômica de países inteiros (Relatório 2014).

O negócio ilegal das drogas também corrói a governança. Um estudo do México de 1998 estimava que traficantes de cocaína gastavam até 500 milhões de dólares por ano em subornos, mais do que o orçamento anual da Procuradoria Geral mexicana. Em 2011, grupos de traficantes de drogas mexicanos e colombianos lavavam até 39 bilhões de dólares ao ano em receitas provenientes da distribuição por atacado (Relatório 2014).

A partir dos dados contundentes apresentados pelos relatórios divulgados, fica evidente que o consumo das drogas não se reduziu pela criminalização, ocorrendo o contrário, proliferação do crime organizado, violência, corrupção policial, insegurança, milhares de mortes, presídios lotados e diversos outros danos irreparáveis.

Com isso, as evidências demonstram que os países que ofereceram tratamento em vez de punição a dependentes tiveram resultados positivos na redução do crime, na melhoria das condições de saúde e na redução da dependência. As mudanças adotadas por alguns países foram citadas nos relatórios, como por exemplo:

Estados Unidos

Atualmente 23 estados norte-americanos possuem mercados legais de Cannabis medicinal e 17 estados descriminalizaram a posse de Cannabis para uso pessoal não medicinal desde que o Oregon o fez pela primeira vez, em 1973. Há reformas atualmente em curso que dariam fim à aplicação de sentenças mínimas obrigatórias em casos de infrações leves da lei de drogas

Portugal

Em 2001, Portugal aboliu as penas criminais por porte para uso pessoal de todas as drogas e implementou uma abordagem mais centrada em saúde, incluindo medidas comprovadamente eficazes de redução de danos.

Holanda

Uma lei de 1976 levou a uma evolução de facto do sistema legal da venda de Cannabis, feita através dos chamados ‘coffee shops’. Atualmente cresce a pressão dos governos municipais e do público pela regulamentação legal não só do varejo, como também da produção.

Equador

O Equador descriminalizou o porte de drogas para uso pessoal em 1990 e em 2008 concedeu indulto a muitos dos chamados ‘aviões’ que estavam cumprindo sentença na prisão.

Uruguai

Em 2013, o Uruguai tornou-se o primeiro Estado-Nação a aprovar legislação estabelecendo um mercado legal e regulamentado para a Cannabis não medicinal.

Depreende-se que, apesar do cenário nos países ainda adotantes do modelo proibicionista ser alarmente, existem políticas capazes de mudar esse paradigma, a exemplo das adotadas nos países citados acima, que já estão caminhando na busca do combate as drogas, e de forma a gerar a percepção dos que padecem com governos superados é que diversos órgãos vem divulgando tais resultados de modo a sensibilizar sobre a necessidade das mudanças para novas políticas capazes de efetivamente trazer resultados positivos.

7 Políticas que funcionam

Trazendo a baila à dinâmica própria do comércio ilegal, que relaciona o consumo de drogas à violência é possível ver que a política de proibição já não é mais adequada ao sistema, havendo a necessidade de mudanças pragmáticas no atual panorama apresentado.

FIORE[8] (2012) relata que a produção e o comércio de drogas ilícitas são, juntamente com o tráfico de armas, o maior mercado criminoso do mundo. A falta de qualquer tipo de regulação, a exploração de trabalho, inclusive infantil, a corrupção de agentes públicos e a utilização de violência armada para demarcação de interesses demonstra o quanto às drogas estão ligadas diretamente a violência.

O pesquisador ainda faz um relevante comentário sobre o setor atacadista das drogas e seu poder perante o Estado:

Como o tráfico é uma atividade de lucro hipertrofiado, principalmente no setor de distribuição atacadista da cadeia, parte significativa dos ganhos pode ser usada para a compra de armamentos e para corromper setores da burocracia estatal, principalmente agentes de segurança. O exemplo mais recente e dramático das consequências da guerra às drogas acontece há anos no México: extermínios quase diários no enfrentamento entre gangues e destas com o exército - cujas vítimas não se restringem aos dois lados, evidentemente.

Situação pior é se perceber que na verdade as vítimas dessa forma de violência são oriundas das camadas mais pobres e a atuação das polícias se concentra normalmente em cima do mercado varejista, que é o mais exposto e menos lucro tem com esse comércio.

Prender os varejistas é fazer do tráfico de drogas um dos principais responsáveis pelo crescimento do encarceramento em diversos países, visto que rapidamente esses varejistas serão substituídos pelo dinamismo do mercado e necessidade de sobrevivência desses marginalizados membros da sociedade. Segundo FIORE (2012),

No Brasil, entre os cerca de 513 mil presos, estima-se que 106 mil respondam por crimes relacionados às drogas. E a tendência atual é que os crimes relacionados às drogas respondam por mais encarceramentos, na medida em que seu crescimento entre proporção total de detidos cresceu, entre 2006 e 2010, 62%, contra 8,5% de outros crimes.

Dessa forma, buscando uma maneira de se resolver ou pelo menos minimizar os impactos negativos que as drogas vêm trazendo aos países, a Comissão Global propõe cinco caminhos para aperfeiçoar o regime global de política de drogas, sendo eles:

  • Colocar a saúde e a segurança das pessoas em primeiro lugar.
  • Garantir acesso a medicamentos essenciais e para controle da dor.
  • Acabar com a criminalização e o encarceramento de pessoas que usam drogas.
  • Mudar o foco da reação das forças da lei ao tráfico de drogas e ao crime organizado.
  • Regulamentar os mercados de drogas para colocar os governos no controle.

Colocar a saúde e a segurança da comunidade em primeiro lugar significa acabar com os gastos como medidas de repressão contraproducentes e requer uma reorientação fundamental dos recursos e prioridades das políticas, onde o foco de investimento deve estar na redução de danos relacionados às drogas, que é o caso das doenças fatais como Aids, hepatite e overdoses, como também a redução dos danos relacionados a proibição, que geram o crime, a violência e mais poder das organizações criminosas.

Já a garantia de acesso a medicamentos essenciais e para controle de dor é prioridade para a saúde global e requer atenção imediata da comunidade internacional. Milhões de pessoas, inclusive aquelas em estágios terminais de câncer, têm pouco ou nenhum acesso a medicamentos baseados em drogas consideradas ilícitas que aliviam a dor, devido a políticas extremamente restritivas, devendo os governos estabelecer planos e prazos para remoção desses obstáculos.

Por sua vez, acabar com a criminalização e o encarceramento de pessoas que usam drogas é medida adequada, pois essa criminalização só aumenta os danos à saúde, estigmatiza populações vulneráveis e contribui para a explosão da população carcerária. A descriminalização do usuário é um pré requisito de qualquer política de drogas genuinamente focada em saúde.

Mudar o foco da reação das forças da lei ao tráfico de drogas e ao crime organizado quer dizer realizar um melhor direcionamento da ação das forças da lei para reduzir os efeitos nocivos dos mercados ilegais de drogas e garantir a paz e a segurança. Os governos devem deixar de priorizar a perseguição a infrações menores e não violentas que recai invariavelmente nos mais vulneráveis e marginalizados membros da sociedade (geralmente os usuários de drogas) promovendo o caro e danoso uso do encarceramento e direcionar estes recursos aos elementos mais problemáticos e violentos do crime organizado.

Deve-se, ainda, buscar a regulamentação das drogas porque elas apresentam riscos e não porque são seguras. O maior impacto dessa medida é que essa regulamentação pode reduzir danos a saúde e sociais, além de diminuir o poder do crime organizado. Frisa-se que acabar com a criminalização é vital, mas só com a regulamentação, o governo conseguirá o controle das drogas. Esse gerenciamento é uma função essencial de toda autoridade governamental, visto que a mesma lógica que se usa para regulamentar tudo, como consumo de cigarro, medicamentos, uso de fogos de artifício, esportes de alto risco, se aplica no desenvolvimento de políticas de drogas eficazes. 

Assim, o que pode se ver dessas orientações é que a evolução de um sistema internacional moderno e eficaz de controle das drogas requer a liderança dos governos na construção de princípios fundamentais que permita e incentive a exploração de abordagens alternativas a proibição, visando garantir primeiramente a saúde pública, a não geração de violência e crime organizado através do controle que o estado deve exercer sobre as drogas, que consequentemente trará enormes outros benefícios, como diminuição de gastos com políticas repressivas e maior investimento em saúde e segurança.

8 Conclusão

Uma política mais eficaz é fundamental para a redução de danos a saúde e sociais causados tanto pelo uso das drogas quanto por uma política de drogas repressiva e mal orientada.

Pelo exposto, o objetivo inicial é reconhecer que tentar alcançar um mundo livre de drogas acaba levando a recomendação de políticas irracionais, prejudicando o debate sobre as mudanças pragmáticas para a realidade do uso de drogas. Assim, é fundamental se manter um conjunto de indicadores quantitativos para monitorar e avaliar os impactos das diferentes abordagens, como alguns exemplos aqui citados de países que adotaram novas práticas e estão tendo resultados positivos através dessas medidas, demonstrando que os objetivos apresentados são alcançáveis e tendem a trazer resultados extremamente positivos para a sociedade e para a economia.

Não obstante, também é inegável que há um crescimento dissonante e de movimentos políticos de contestação ao modelo proibicionista, até porque apesar da preocupação com a saúde pública, os efeitos consequentes das drogas são extremamente significativos, visto que geram demasiadamente a violência, a corrupção, a perda de controle governamental e o fortalecimento do poder das organizações criminosas e incalculáveis gastos com o encarceramento de indivíduos.

Assim, a tendência dos governantes, apesar de adotar medidas combativas lentamente, como pode ser visto na própria legislação do Brasil que foi alterada visando minimizar estes impactos, mas na prática não vem usufruindo efeitos vantajosos, é buscar soluções mais efetivas, seja através da descriminalização das drogas, seja através de sua regulamentação geral.

Destarte, as orientações estão sendo dadas, a reforma na proibição da maconha parece ser um ponto de partida devido seu vasto uso, seu modo de cultivo e perfil moderado de risco em comparação com outras drogas. Mas qualquer que seja a reforma adotada inicialmente, esta deverá apenas ser a catalisadora de uma revisão fundamental e aprofundada do sistema de controle das drogas, para que realmente se tenha resultados efetivos.

Referências

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BRASIL. Lei nº 6.368, de outubro de 1976. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6368.htm>. Acesso em 13 de março de 2015.

_________Lei nº 11.343, de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 13 de março de 2015.

_________Decreto Lei nº 3.688, de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm>. Acesso em 13 de março de 2015.

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FIORE, Mauricio. O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas. Novos estudos - CEBRAP  nº 92 São Paulo Mar. 2012. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002012000100002>. Acesso em 13 de março de 2015.

MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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ONU. Guerra às Drogas. Relatório da Comissão Global de Políticas sobre Drogas de junho de 2011. Disponível em:< http://www.globalcommissionondrugs.org/reports/>. Acesso em 13 de março de 2015.

PEDRINHA, Roberta Duboc. Notas sobre a política criminal de drogas no brasil: elementos para uma reflexão crítica. Disponível em: < http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos /anais/salvador/roberta_duboc_pedrinha.pdf>. Acesso em 13 de março de 2015.

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SUGASTI, Chandra Devi Sara. Reflexões preliminares sobre a descriminalização da maconha no brasil. 2013. 70 fls. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade de Brasília – UnB. Brasília, DF.

VENTURA, Carla Aparecida Arena. Drogas lícitas e ilícitas: do direito internacional à legislação brasileira. Revista Eletrônica de Enfermagem. Internet. 2011. jul/set; 13(3): páginas 554-9. Disponível em: < http://www.fen.ufg.br/fen_revista/v13/n3/pdf/ v13n3a22.pdf>.  Acesso em 13 de março de 2015.


[1] 

[2] Informações sobre drogas/ Definição e Histórico

Disponível em: www.obid.senad.gov.br

[3] O Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas é um órgão da Administração Pública Federal, vinculado a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD, que tem como missão reunir, gerenciar,

analisar e divulgar conhecimento/informações sobre drogas, incluindo dados de estudos e pesquisas nacionais e internacionais, que contribuam para o desenvolvimento de novos conhecimentos aplicados às atividades de prevenção do uso indevido, de atenção e de reinserção social de usuários e dependentes de drogas.

[4] Informações contidas no Relatório de setembro de 2014 da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

[5]  Artigo 60 da LCP revogado pela Lei nº 11.983, de 2009.

[6] Estado de Minas. Brasil reacende discussão sobre a legalização das drogas. Postado em 26/2014 por Alessandra Mello. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2014/01/26/interna_nacional,491754/brasil-reacende-discussao-sobre-a-legalizacao-das-drogas.shtml

[7] Relatório disponível em: <http://www.globalcommissionondrugs.org/wpcontent/themes/gcdp_v1/pdf/Global_ Commission_Report_Portuguese.pdf>

[8] MAURÍCIO FIORE é doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp e pesquisador do Cebrap e do Neip (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos).

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Sobre o autor
Claudio Ribeiro Barros

Advogado, Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória e graduação em Administração pela Fundação de Assistência e Educação - FAESA, M.B.A - Master in Business Administration - em Gestão Empresarial pela UVV, especialização em Criminologia pelo Centro de Ensino Superior de Vitória, especialização em Docência do Ensino Superior pelo Cesv, especialização em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário pela UNESA, Mestrado em Andamento Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Atua como professor na graduação de Direito no Centro de Ensino Superior de Vitória, e Professor na Pós Graduação. Participou da Comissão Legislativa da lei 8.666/93 de Licitações e Contratos. Atualmente está produzindo duas obras literárias: Direito Penal Mínimo - Desnecessidade da Tutela Penal nos Crimes Contra a Administração Pública (fase inicial de elaboração e pesquisa), e Curso de Direito Penal Simplificado - Parte Especial (finalizando).

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