As mudanças do novo Código de Processo Civil que objetivam a celeridade na prestação jurisdicional

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17/04/2017 às 15:02
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3. CAUSAS DA DEMORA NA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

O andamento processual para garantir a tutela jurisdicional em tempo razoável é um desafio para o Estado. A grande demanda de processos, o comportamento das partes, a demora na tramitação nas serventias e o número de juízes per capita, são problemas a serem enfrentados. Para verificar o resultado da demora no andamento processual e o número de demandas do Poder Judiciário, foi feita uma pesquisa pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com Farieli (2015, on line):

A pesquisa, assumida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano seguinte, tornou-se o principal instrumento de gestão do Poder Judiciário, apontando no último relatório, referente ao ano de 2013, o total de 95,1 milhões de processos em tramitação na Justiça brasileira. De acordo com projeções feitas pelo CNJ, esse número pode alcançar a marca de 114,5 milhões em 2020.

Segundo a autora, dos processos que “tramitaram no Judiciário brasileiro no ano de 2013, 85,7 milhões encontravam-se no primeiro grau, o que corresponde a 90% do total”. A pesquisa indica ainda que, “a taxa de congestionamento do segundo grau, computado todo o Judiciário, é de 47%, enquanto a do primeiro grau é de 73%”.

Como se pode observar na pesquisa realizada o número de processos para julgamento é muito grande. Segundo Cardoso (2012, on line):

A identidade do Judiciário mudou bastante com o crescimento das demandas, com verdadeira explosão da litigiosidade e com a judicialização dos direitos sociais, fenômenos ocorridos em função da Constituição de 1988. Essa alteração criou um Judiciário competente para receber todo tipo de reclamação, outrora resolvida pela família, pelo padre, pelo delegado ou pelo juiz de paz; aparece, em seguida, o juiz “Hércules [...]”.

De fato é preciso criar mecanismos administrativos para resolver as demandas não litigiosas e desafogar o Poder Judiciário. O reconhecimento de direitos e o acesso à justiça garantida pela nossa Constituição resultam no grande número de processo que chegam ao judiciário, entretanto, essas garantias são conquistas que devem ser respeitadas. Cabe ao Estado tomar medidas para tornar a prestação jurisdicional mais célere, sem privar o jurisdicionado de seus direitos. A responsabilidade da demora pode ser atribuída ao grande número de demandas, às partes e seus procuradores e à administração dos órgãos judiciais.

3.1 Responsabilidades das partes na formação do processo

Quanto ao comportamento das partes pode-se dizer que os atos protelatórios impedem a tramitação e a efetividade das decisões. Tendo em vista que as partes têm direito de obter a solução do mérito em tempo razoável, deve também agir para que isso ocorra. Assim, “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé” (BRASIL, Art. 5º, NCPC, p. 9), e “cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (BRASIL, Art. 6º, NCPC, p. 9). Nessa esteira, Macedo (2015, p. 25) assevera: “O processo judicial, na linha do Código, revela-se ambiente que exige dos envolvidos comportamento ético, comprometido, em última análise, com a obtenção da melhor prestação jurisdicional possível”. No mesmo sentido, Theodoro Júnior (2015, p. 78 -79) aduz:

Consiste o princípio da boa-fé objetiva, em exigir do agente que pratique o ato jurídico sempre pautado em valores acatados pelos costumes, identificados com a ideia de lealdade e lisura. Com isso, confere-se segurança nas relações jurídicas, permitindo-se aos respectivos sujeitos confiar nos seus efeitos programados e esperados.

Quanto à cooperação entre as partes o referido autor leciona (2015 p. 81):

Trata-se de um desdobramento do princípio moderno do contraditório assegurado constitucionalmente, que não mais pode ser visto apenas como garantia de audiência bilateral das partes, mas que tem função democrática de permitir a todos os suspeitos da relação processual a possibilidade de influir, realmente, sobre a formação do provimento jurisdicional.

A boa-fé nas relações processuais é um dever das partes. As garantias constituídas não devem servir de meio para a prolação indevida do processo. Assim, as partes devem contribuir para o bom andamento do processo, evitando praticar atos inúteis.

Para coibir as práticas protelatórias, o novo código apresenta um rol de deveres das partes, dos seus procuradores e dos que participam do processo (Art. 77 e incisos). Os deveres são - expor os fatos conforme a verdade - não formular pretensão ou defesa destituídas de fundamento - não produzir provas e não praticar atos inúteis - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais de natureza provisória ou final - apresentar o endereço residencial ou profissional para receber intimações - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. O não cumprimento dos incisos IV e VI, consiste em ato atentatório á dignidade da justiça e os responsáveis poderão ter sanções criminais, civis e processuais, como também pagar multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta (§§1º, 2º). Caso sejam caracterizadas essas ações, o responsável pagará multa que será estipulada pelo Juiz.

É importante frisar que todos os envolvidos no processo poderão responder por atos protelatórios e os considerados atentatórios à justiça. Observa-se que as eventuais responsabilidades de advogados públicos ou privados, membros da Defensoria Pública e do Ministério serão apuradas pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará (§6º).

Caso as partes pratiquem atos que caracterizam litigância de má-fé responderão por perdas e danos (Art. 79, V, VI e VII). Nesse sentido, verificam-se os atos que prejudicam a resolução do conflito como resistência injustificada ao andamento do processo e provocar incidentes infundados e interpor recursos protelatórios. A esse propósito Theodoro Júnior (2015, p. 184) leciona:

Em se tratando de relação jurídica, provoca vários efeitos para todas as pessoas a ele vinculadas. Esses efeitos apresentam-se tanto na forma positiva, sob a feição de direitos ou faculdades processuais, como forma negativa, isto é, como ônus, deveres e obrigações processuais.

Com efeito, os direitos pleiteados estão atrelados aos deveres e obrigações das partes. Os atos protelatórios prejudicam o andamento processual até o provimento final, aumentando a quantidade de processo paralisado nos tribunais.

Caso se verifique a protelação por uma das partes e os elementos de convicção para o julgamento do mérito estejam presentes poderá a parte prejudicada pedir “a tutela de evidência, que será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo” desde que fique “caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte” (Art. 311, I). Esse pedido tem caráter incidental, pois poderá ser feito no meio do processo. Para Theodoro Junior (2015, p. 676):

O requisito básico da tutela de evidência é, tão somente, a comprovação já deduzida em juízo do direito material da parte, ainda não afetada por contraprova séria do adversário. Combate-se a injustiça de, da demora do processo, resultar prejuízo para a parte que, comprovadamente, reúne melhores condições de sair vitoriosa na solução final do processo.

Os requisitos para a concessão da tutela específica serão concedidos se:

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

Espera-se que as partes cooperem para a razoável duração do processo, sob pena de sofrer as sanções estabelecidas em lei. A tutela específica é um mecanismo importante para a parte prejudicada com a protelação que prejudica o provimento final.

3.2 Andamento processual nas serventias judiciais

A tramitação dos processos nas serventias também é causa de demora, pois o processo físico requer vários atos procedimentais. A demora em cumprir os despachos devido à quantidade de processos é considerável. A esse propósito Theodoro Junior (2015, p. 637) assevera: “Não é possível à relação da prestação jurisdicional sem a formação e desenvolvimento do processo. E isso não ocorre sem a participação de funcionários encarregados da documentação dos atos processuais praticados [...]”.

Devido à importância dos auxiliares da justiça, deve-se ter um número adequado desses servidores para suprir a demanda de trabalho no juízo. O Novo código determina que “em cada comarca, seção ou subseção judiciária haverá, no mínimo, tantos oficiais de justiça quantos sejam os juízos” (Art. 151). O número de oficiais é definido pelas normas de organização judiciária (Art. 150). Quanto à organização do judiciário, Zanchim (2010, on line) leciona:

O Poder Judiciário não acompanha a evolução na gestão de demandas porque tem problemas no manejo de pessoas e no investimento em tecnologia, principalmente em relação às serventias (varas) judiciais. Aumentar a eficiência em recursos humanos é difícil para os Tribunais frente a fatores como (i) remuneração fixa desvinculada de desempenho e (ii) estabilidade dos servidores, pontos que inibem ganhos de produtividade. De outro lado, intensificar investimentos tecnológicos é complicado pela escassez de recursos, que estão concentrados no pagamento da folha. É um círculo vicioso. Não há como administrar bem a Justiça entre gargalos de mão-de-obra e de infraestrutura.

Nesse sentido, é necessário valorizar o servidor, fixar metas, ter controle de produtividade, introduzir tecnologia e preparar o serventuário para a aplicação dos novos métodos de trabalho.

3.3 O número insuficiente de juízes no Brasil

O déficit de juízes também é um problema a ser enfrentado. Tendo em vista a separação dos poderes, o exercício do poder jurisdicional foi conferido aos juízes. Segundo Canotilho (1997, p. 655);

A jurisdição (jurisdictio, jus decere) pode, em termos aproximativos, ser qualificada como a atividade exercida por juízes e destinada à relação, extrinsecação e aplicação do direito num caso concreto. Esta actividade não pode caracterizar-se tendo em conta apenas critérios materiais ou substantivos. Está organizatoriamente associada ao poder jurisdicional, e é subjectivo-organicamente atribuída a titulares de determinadas características (juízes). Está ainda jurídico-objectivamente regulada quando ao modo de exercício por regras e princípios processuais (processo).

O processo se desenvolve por impulso do juiz que representa a tutela do Estado na resolução dos conflitos. A atividade jurisdicional deve ser efetiva e tempestiva, no entanto, o grande número de processo a ser apreciado pelo juiz é grande, resultando na demora na resolução dos conflitos. Como dito pelo autor a atividade jurisdicional não se resume em decidir, mas tem todo um trâmite processual a ser seguido. Assim, a falta de juízes no Brasil é um problema para a efetivação do direito em tempo razoável.

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O Poder judiciário brasileiro se compõe por duas justiças comuns, federal e estadual e três justiças especiais, trabalhista, eleitoral e militar. É cediço que o número das demandas é fator prejudicial na resolução dos conflitos em tempo hábil.

Diante da demanda de processos que chegam ao Poder Judiciário, a quantidade de juízes em nosso país é insuficiente, contrariando o dispositivo legal que diz: “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população” (Art. 93, XIII, CRFB). Nesse sentido, Cardoso (2012, on line) aduz:

A literalidade do dispositivo conduz a uma única interpretação, qual seja a de que o número de julgadores aumentará na mesma proporção da “efetiva demanda judicial e a respectiva população”. Como se vê, o dispositivo é claro, mas não é aplicado no sistema judicial brasileiro; isso é facilmente perceptível, pois o tempo passa, a população e as demandas aumentam, mas as unidades judiciárias continuam com o mesmo número de juízes e de servidores, quando não diminuem. Há efetivo e grande desequilíbrio entre o número de magistrados e de servidores e a quantidade de demandas.

A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) realizou uma pesquisa sobre a quantidade de processos em tramitação para verificar a carga de trabalho dos magistrados. Foram analisadas onze unidades da federação entre os anos de 2011 a 2013. Essa pesquisa foi voltada para a Justiça Estadual que concentra o maior numero de processos. Segundo os estudos realizados no Brasil a “8,3 juízes por grupo de 100 mil habitantes, enquanto nos demais países a média é de 14,5 magistrados”. Quanto à produtividade, Costa (2016, on line) exara:

De acordo com os últimos dados do CNJ, os magistrados brasileiros julgaram em 2013 uma média de 1.684 ações, uma taxa de produtividade superior à registrada em 2012, de 1.616 processos. A taxa média nos 42 países pesquisados é de 736 processos por juiz ao ano. O Brasil está atrás apenas da Áustria, segunda colocada do ranking, com 1.848 processos por magistrado, e da Dinamarca, com 8.075 processos julgados.

Apesar da média de julgados, dados da pesquisa apontam que “a taxa de congestionamento de processos no Brasil é de 70%”. Esses são alguns dos problemas a serem enfrentados pelo Poder Judiciário. Por isso, é necessário suprir o déficit de magistrados, bem como buscar novas técnicas processuais que possam acelerar a prestação jurisdicional sem prejuízo dos direito e garantias constitucionais.

Como dito acima o número de juízes é um problema a ser enfrentado pelo Poder Judiciário, bem como, outros de cunho administrativo, nesse sentido, Nascimento (2014, on line) obtempera:

Como consabido, o juiz é um ator que não atua sozinho no processo judicial, dependendo de corpo de servidores habilitados, capacitados e ágeis no andamento processual, sendo imprescindível, portanto, uma boa gestão de recursos humanos nos tribunais. Além disso, inegável que os avanços tecnológicos exigem o incremento de medidas logísticas tendentes ao incremento da celeridade na tramitação nos feitos, frisando-se o advento do processo eletrônico, do que decorre a perene necessidade de investimentos em recursos modernos de tecnologia e informática.

No mesmo sentido, Marinoni (2015, p.221) aduz:

Diante de tudo isso, não há duvida de que pode exigir falta de vontade política para a redução da demora processual. A lentidão da justiça, nesse sentido, seria fruto de vários interesses. Portanto, há certa dose de ingenuidade em pretender atribuir aos juízes a responsabilidade pela lentidão dos processos. Ainda que os juízes devam aplicar a legislação processual à luz do direito fundamental á tempestividade e á efetividade da tutela jurisdicional, devem evitar a atuação processual voltada a protelar o processo e sejam responsáveis em distribuir o ônus do tempo do processo entre as partes, é evidente que a lentidão da justiça não pode ser jogada nas suas costas.

De fato, atribuir aos juízes a demora na prestação jurisdicional não é correto. Falta vontade política, cooperação das partes e investimento em tecnologias para diminuir o congestionamento de processos na justiça.

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Sobre a autora
Suzanete Soares Pessoa

Advogada, estudei no Centro Universitário do Leste de Minas Gerais-UnilesteMG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

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