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Aplicação da teoria da justiça de John Rawls para prevenção da criminalidade

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27/05/2017 às 10:10
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3 RECONHECIMENTO DA EXPRESSIVA INFLUÊNCIA DA TEORIA DA JUSTIÇA PARA A PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE

A criminalidade é um dos maiores problemas enfrentados pelo Estado. Muito se busca encontrar formas de diminuí-la, uma vez que eliminá-la é um pensamento extremamente utópico, até mesmo porque existem fatores dos quais o Estado não tem controle.

Mas quanto ao papel do Estado, delimitando-o nesse estudo as ações preventivas relacionadas a fatores sociais, tendo em vista que são diversas as ações possíveis capazes de contribuir para uma melhoria de todo o sistema penal já existente, entende-se ser seu encargo prezar pelas condições ideais de justiça, de modo a reduzir as taxas de violência.

Como se sabe, muitas sociedades modernas são construídas através de ideologias essencialmente econômicas, e por esse motivo, acredita-se que a explicação para o comportamento criminal deve ser investigada na falência da sociedade em suprir todos os membros com bens adequados e essenciais.

Por certo, não é apenas a redução das desigualdades sociais que irá extirpar a criminalidade, mas considera-se que sua redução contribuirá extraordinariamente para o atenuamento dos crimes, pois deve se ter em mente que reduzir as desigualdades sociais é melhorar a qualidade de vida das pessoas, o que afeta diversos setores da vida de cada indivíduo. Por esse ângulo, afirma Penteado Filho (2012, p.138) que

[...] da mesma forma que o meio pode levar o homem à criminalidade, também pode ser um fator estimulante de alteração comportamental, até para aqueles indivíduos com carga genético-biológica favorável ao crime. Nesse aspecto, a urbanização das cidades, a desfavelização, o fomento de empregos e reciclagem profissional, a educação pública, gratuita e acessível a todos etc. podem claramente imbuir o indivíduo de boas ações e oportunidades.

Contudo, Greco (2009, p. 144) manifesta que

[...] entendemos ser possível reduzir, e não eliminar, a criminalidade tida como aparente a partir do momento em que o Estado assumir a sua função social, diminuindo o abismo econômico existente entre as classes sociais. No que diz respeito à criminalidade não aparente, praticada, como regra, pelas camadas sociais mais altas, a questão em jogo é de caráter moral, não tendo o Estado condições para impor tais atributos às pessoas que não pensam no seu próximo, não se preocupam com as cenas veiculadas pelos meios de comunicação de massa, que anunciam crianças morrendo de fome, idosos padecendo em filas de hospitais em busca de atendimento; enfim, cidadãos destituídos de dignidade porque o Estado retirou aquilo que lhes restava.

Através dessa exposição, que também relata a questão da criminalidade não aparente, ou seja, aquela que não está relacionada a fatores sociais e sim a aspectos morais e éticos, é possível aplicar a teoria da justiça de John Rawls em duas vertentes:

Primeiro, quando se tratar de crimes cujos fatores estão ligados as desigualdades sociais, devem as instituições sociais, ou seja, o Estado, prezar pela aplicação dos princípios da liberdade e da igualdade propostos por Rawls, uma vez que são as instituições que exercem o papel principal na busca pela justiça, conforme leciona este grande filósofo.

Quanto aos casos em que a criminalidade é motivada por caráter imoral, que não está associada à ideia de desigualdade social, seria possível aplicar a teoria de Rawls baseada na consciência do acordo social pactuado por cada cidadão, no qual se estabelece o senso de justiça derivado dos princípios básicos do contrato original para formular novos conceitos morais que busque o bem estar de todos.

Se cada indivíduo atuar no meio social de acordo com o senso de justiça, não haverá criminalidade praticada com razões imorais, pois antes de agir, estará preocupado com o próximo, com o bem comum e consequentemente o inibirá do crime. Isso decorre do pacto acordado, que tende a estabilizar as ordenações justas, pois todos estão acordados dessa maneira. Nesse sentido:

Observamos que, numa sociedade bem-ordenada, o conhecimento público de que os cidadãos geralmente tem um senso de justiça efetivo constitui um valor social muito grande, que tende a estabilizar as ordenações sociais justas. (RAWLS, 2000, p. 372)

No entanto, trata-se mais de uma vontade de cada indivíduo em se adaptar a ideia de justiça social e as regras de moral e ética, uma vez que o Estado não tem condições de impor tais atributos às pessoas que não possuem senso de justiça.  

Merecido destaque deve ser dada a influência da teoria da justiça para combater as desigualdades sociais através das políticas públicas a serem implementadas pelas instituições sociais.

Como afirma Amartya Sen (2011, p.34), assim como John Rawls, a justiça deve ser argumentada racionalmente, buscando meios efetivos e racionais para a solução dos problemas que atingem a sociedade, asseverando que pensar de modo contrário é estar fadado a cometer injustiças. De forma a evitar tal infortúnio, exemplifica que

Quando deparamos, por exemplo, com uma alastrada fome coletiva, parece natural protestar em vez de raciocinar de forma elaborada sobre a justiça e a injustiça. Contudo, uma calamidade seria um caso de injustiça apenas se pudesse ter sido evitada, em especial se aqueles que poderiam ter agido para tentar evitá-la deixaram de fazê-lo. Qualquer que seja o raciocínio argumentativo, ele só pode intervir partindo da observação de uma tragédia e chegando ao diagnóstico da injustiça. Além disso, casos de injustiça podem ser muito mais complexos e sutis que a estimação de uma calamidade observável. Poderia haver diferentes argumentos sugerindo diversas conclusões, e as avaliações sobre injustiças podem não ser nada óbvias. (SEN, 2011, p. 34)

Chama a atenção nessa citação, a proposta de que uma calamidade só é um caso de injustiça se pudesse ter sido evitada, se enquadrando exatamente no tema proposto, dado que as desigualdades sociais podem ser evitadas e só existem porque o Estado é omisso na sua solução.

Com base nessa percepção, fica claro que o melhor caminho para a redução e prevenção da criminalidade se encontra no Estado reconhecer que as desigualdades sociais são causas originarias do crime e combatê-las através de políticas publicas específicas, capazes de efetivamente proporcionar a justa liberdade e igualdade de direitos de modo que as pessoas sintam possuir um mínimo de dignidade no meio em que vive.  

Aderindo a essa diretriz, o Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime publicou um Manual de diretrizes de prevenção à criminalidade como forma de apoio aos países na articulação de padrões e normas aplicáveis tanto na prevenção da criminalidade como da justiça criminal. Abordando o importante papel dos Governos na prevenção da criminalidade, o manual aponta caminhos para essa atuação, nos seguintes termos:

[...] já que os factores que facilitam o aumento ou a diminuição do crime e a violência se encontram estreitamente ligados a muitos dos aspectos sociais, económicos e ambientais, os escalões de governo não podem confiar unicamente num sistema de lei e justiça criminal para garantir a segurança dos cidadãos. As parcerias multissectoriais entre os ministérios, tais como as responsáveis pela habitação, saúde, educação e emprego, recreação, serviços sociais e o meio-ambiente, assim como o sector da polícia e a justiça, podem fazer uma diferença significativa nos níveis de crime, através de estabelecerem estratégias de dinâmica proactiva em vez de reactiva, de modo a impedir o crime e a vitimização. (UNODC, 2010, p. 19)

Veja-se que a orientação está voltada para a prevenção do crime em conjunto com a sua repressão, de modo que um conjunto de medidas possam garantir a eficácia das políticas públicas nesse âmbito.

Por fim, é possível verificar que segundo indicações presentes no citado manual, o investimento em programas de prevenção tem melhor custo-benefício, apresentando custos mais baixos a longo prazo do que intervenções ao nível da justiça criminal.

Dessa forma, se nota que a teoria da justiça formulada por John Rawls possui expressiva relevância para a prevenção da criminalidade, umas vez que traz subsídios que inclusive vem sendo aplicados suavemente nas sociedades. O importante é reconhecer que a redução das desigualdades sociais tem condições de proporcionar uma convivência pacifica e harmoniosa e trabalhar as políticas públicas pautadas nos princípios da liberdade e igualdade propostas por Rawls para que alcancem esse ideal.

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CONCLUSÃO

Analisar a teoria da justiça de John Rawls e fazer uma reflexão compartilhada com a criminalidade, através de seus principais ensinamentos é uma iniciativa inaugural de demonstrar os benefícios mútuos para alcançar o fim comum da sociedade.

Rawls é o pensador contemporâneo que mais influencia as discussões sobre justiça, e mesmo sendo difícil conceber uma teoria que seja amplamente aceita, ele logrou encontrar soluções que abarcam os grandes problemas sociais, definindo o que é justo ou não.

Apesar de serem ideias de árdua aplicação prática, causam a sensação de que existe um meio, um recurso para modificar as condições sociais atuais, principalmente quanto ao tema exposto.

Nos dias atuais, a preocupação com a criminalidade atinge todas as camadas sociais, que vem sofrendo com os intentos diários contra os direitos e liberdades daqueles que desconhecem as causas da violência.  

Dessa forma, buscar através das políticas públicas, de ações afirmativas, diminuir as desigualdades sociais é uma solução aparentemente efetiva e pregada por várias ideologias políticas e socioeconômicas, principalmente por apresentar o melhor custo beneficio a longo prazo.


REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro. Causas e consequências do crime no Brasil – Rio de Janeiro: BNDES, 2014. Disponível em: < http://www.bndes.gov. br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/Concurso0212_33_premiobndes_Doutorado.pdf>. Acesso em 19 dez 2016.

COSTA, Álvaro Mayrink da. Criminologia. 3.ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1982.

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN. Junho de 2014. Disponível em: < https://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca -feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em 19 dez 2016.

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PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes,1996.

RAWLS, John. Uma teoria da Justiça Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

SEN, Amartya. A ideia de Justiça. Tradução: Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

UNODC. Manual de diretrizes de prevenção a criminalidade – Aplicação Prática. Nova Iorque, 2010. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents /justice-and-prisonreform/UNODC_CrimePreventGuidelines_POR_LR.pdf> . Acesso em: 21 dez 2016.

VERGARA, Rodrigo. A origem da criminalidade. Revista Super Interessante. Outubro de 2016. Disponível em: < http://super.abril.com.br/ciencia/a-origem-da-criminalidade/>. Acesso em: 19 dez 2016.

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Sobre o autor
Claudio Ribeiro Barros

Advogado, Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória e graduação em Administração pela Fundação de Assistência e Educação - FAESA, M.B.A - Master in Business Administration - em Gestão Empresarial pela UVV, especialização em Criminologia pelo Centro de Ensino Superior de Vitória, especialização em Docência do Ensino Superior pelo Cesv, especialização em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário pela UNESA, Mestrado em Andamento Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Atua como professor na graduação de Direito no Centro de Ensino Superior de Vitória, e Professor na Pós Graduação. Participou da Comissão Legislativa da lei 8.666/93 de Licitações e Contratos. Atualmente está produzindo duas obras literárias: Direito Penal Mínimo - Desnecessidade da Tutela Penal nos Crimes Contra a Administração Pública (fase inicial de elaboração e pesquisa), e Curso de Direito Penal Simplificado - Parte Especial (finalizando).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Claudio Ribeiro. Aplicação da teoria da justiça de John Rawls para prevenção da criminalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5078, 27 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57244. Acesso em: 2 nov. 2024.

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