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A constitucionalidade do tabelamento de preços de medicamentos no Direito brasileiro

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24/09/2004 às 00:00
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6 CONCLUSÕES

Restando finalizada a análise da temática atinente à constitucionalidade do tabelamento de preços privados de medicamentos pelo Estado brasileiro, promover-se-á, neste momento, à apresentação das conclusões alcançadas no decorrer do estudo do assunto.

1. Seguindo a linha de raciocínio dos juristas favoráveis ao tabelamento de preços de medicamentos, entendemos ser constitucional e, desta forma, possível que o Estado intervenha no domínio econômico valendo-se dessa medida, porquanto a CF/88, em seus dispositivos e, em especial, nos arts. 1º a 3º e 170, busca implementar um modelo e uma estrutura econômica de bem-estar social. Assim, é que o Poder Executivo se legitima a tomar todas as medidas legais necessárias a fim de garantir este fim, e o tabelamento de preços constitui-se em uma delas;

2. Ademais, entendemos que as atividades econômicas exercidas por particulares e que, via de conseqüência, compõem a ordem econômica da sociedade brasileira, devem primar pela valorização do trabalho humano e pela livre iniciativa, com o fito maior de garantir a todos existência digna, conforme dispõe a CF/88, art. 1º, III e IV;

3. Uma vez constatadas práticas por parte de particulares que venham a frustrar o atingimento desses objetivos, entendemos que se faz necessária a ingerência estatal no domínio econômico, e o tabelamento de preços é um instrumento eficaz de alcance dessas finalidades, haja vista poder viabilizá-las, bem como ser um ato praticado pelo Estado que se harmoniza com as disposições constitucionais concernentes ao ordenamento econômico. Na verdade, o que se verifica, quando há tabelamento de preços de remédios, é o cumprimento do dever estatal de regulamentar a atividade do particular (dos laboratórios) na esfera econômica, em razão da prática de ações irregulares por parte deste. Assim, na medida em que o Estado cumpre essa obrigação, valendo-se do tabelamento de preços do citado produto, por ser o mais adequado à situação, faz preponderarem os valores insculpidos na CF/88 – trabalho, livre iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, dentre outros – e, mais do que isso, garante o respeito à dignidade da pessoa humana e promove justiça social, objetivos maiores e principais almejados pelo citado documento legal. Dessa maneira, entendemos que ir de encontro ao tabelamento de preços de medicamentos nos momentos oportunos e necessários, e legalmente previstos, significa repudiar que o ser humano tenha sua dignidade assegurada, bem como constitui um obstáculo ao atingimento da referida justiça, já que dificulta-se o acesso da população a este bem cujo uso lhe é essencial, o que não pode ser aceito de forma alguma dentro de um Estado Democrático de Direito, como é o brasileiro;

4. Não se pode olvidar que o tabelamento de medicamentos visa, primordialmente, a prevenir o acontecimento de determinada situação que venha a distorcer o bom andamento da ordem econômica e social, como por exemplo, o estabelecimento de valores muito altos no seu preços, de forma a fazer com que os laboratórios produtores tenham lucros imodestos. Entendemos, neste sentido, a importância do Estado tomar medidas preventivas, no sentido de evitar que perturbações que acabem por prejudicar o bem-estar coletivo ocorram, posto que é mais fácil assegurar a eficácia dos dispositivos constitucionais em um ambiente organizado, do que em meio a uma situação em que os vícios já se alastraram. E é exatamente isso que visa o tabelamento de preços de remédios: garantir que sejam plenamente eficazes os preceitos da CF/88, sejam eles regras ou princípios;

5. Além disso, ressaltamos que o tabelamento de preços de medicamentos é uma medida intervencionista revestida de caráter de excepcionalidade e, desta forma, não deverá ocorrer de maneira regular, sob pena de alteração de seu próprio objetivo, assim como do poder fiscalizatório do Estado: a adequação do ordenamento econômico – o qual, destacamos novamente, haja vista sua extrema relevância, tem seus alicerces na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano – aos princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, uma vez constatados sérias mudanças nessa seara. Até mesmo porque entendemos não ser interesse de nenhum cidadão viver em meio a uma estrutura econômica desarmônica, cheia de defeitos e que não busque o bem-estar coletivo – como o bom e eficaz tratamento de sua saúde, principalmente se já estiver debilitada - e, além isso, que o Estado não tome as medidas exigidas para promover este bem-estar;

6. A ingerência estatal no domínio econômico, em todas as suas formas, o que inclui o tabelamento de preços de medicamentos, nada mais é, entendemos, conforme o supra-exposto, do que uma medida de Direito Econômico, que encontra respaldo na CF/88, art. 170, IV e V:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (grifo nosso):

(...)

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor.

7. Apesar do cunho obrigatório do tabelamento de preços, ela possui, como já dito, característica de transitoriedade, visando a estimular o ajustamento do mercado e de seus agentes, sendo fiscalizada na forma instituída pela CF/88, não ficando, assim, seu uso, vinculado ao mero alvitre do Estado;

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8. Insta ressaltar que entendemos haver previsão legal na CF/88 acerca da possibilidade de intervenção estatal no setor do comércio, devidamente fundamentada na competência reguladora do Estado quanto à atividade exercida por particulares na esfera econômica, especialmente, em decorrência da prática de atos irregulares (art. 174), conforme exposto ao longo do trabalho e que se reitera:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

9. Da leitura do dispositivo acima, entendemos ver-se claramente que a própria CF/88 faculta ao Estado que este intervenha na seara da economia, a fim de prevenir anormalidades e/ou corrigir distorções já instaladas. Desta forma, uma vez verificado que a medida mais adequada e eficaz a atingir este fim é o tabelamento de preços de medicamentos, não há sentido em não se proceder ao seu uso, porquanto, se implementada outra medida em seu lugar, o que se verificará é a utilização de um instrumento que não atende às exigências do caso concreto (promover o acesso da população a esse bem, para o devido cuidado de sua saúde), sendo, conseqüentemente, ineficaz a solucionar a problemática, o que, por seu turno, não atenderá aos anseios sociais de bem-estar, fazendo com que apenas uma fatia da população possa adquirir os remédios de que necessita, tampouco aos objetivos insculpidos na CF/88, ao permitir que o Estado se faça presente na economia; se for proibida a utilização do tabelamento de preços deste bem, mesmo tendo-se visivelmente constatada a sua necessidade, por melhor promover a ordenação econômica, estar-se-á tornando ineficaz e inútil o próprio preceito constitucional permissivo da ingerência estatal na economia, o que, com certeza, não pode ocorrer, visto que é dever do Estado assegurar a eficácia máxima das regras constitucionais, principalmente, quando é o bem-estar comum que está em jogo (vida saudável a todos, garantia de acesso a todos os medicamentos necessários, a preços justos). Ressalte-se que, o que se almeja com o tabelamento de preços de remédios, é a tutela do consumo (da população) e do investimento, objetivo este que não afronta de maneira alguma as disposições constitucionais, muito pelo contrário, instrumentaliza-as, logo, não há o porquê de proibí-lo, uma vez que tenha restado pertinente e necessário. Assim, entendemos que, na medida em que o Estado intervém preventivamente na economia com vistas a ordená-la, está promovendo justiça social, pois restam prestigiados e fortalecidos os direitos econômicos e sociais reconhecidos em prol de todos, dentro da coletividade.


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCON, João Paulo Falavinha. A constitucionalidade do tabelamento de preços de medicamentos no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 444, 24 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5725. Acesso em: 19 mar. 2024.

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