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Semiologia e Direito:

manifesto, indagações epistemológicas para qualquer debate científico-jurídico

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26/09/2004 às 00:00
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III. SÓ PELA NECESSIDADE DE CONCLUSÃO TEXTUAL: APORIA, O CERCO DO CONHECIMENTO.

Le discours en sciences humaines, loin d´être linéaire, apparait comme se déroulant sur plusieurs niveaux à la fois qui, tout en étant reconnaissables commes dotés d´une autonomie formelle, s´interpénètrent, se succèdent, s´interprètent et s´appuient les uns sur les autres, garantissant de ce fait la solidité et la progression – toutes relatives, évidement – de la démarche à vocation scientifique. [20]

Algirdas J. Greimas.

Semiologia é auxílio instrumental que des-mistifica os discursos do Direito, quando compreendido em suas manifestações variadas, inclusive a cientifica, de maneira a evidenciar que não há possibilidade de compreensão do fenômeno jurídico apenas por uma leitura única, Teoria de Kelsen, Teoria de Bobbio, Teoria de Teubner, mas tão somente pela conjunção de todas, aplicadas, cada qual às impregnações discursivas e suas vicissitudes manifestadas, seja no contexto de especulação zetética jurídica, seja no contexto de técnicas e práticas cotidianas jurídicas.

Requer-se, nesse diapasão, nem um método para o Direito em sua dogmática, nem mesmo a importação in totum de correntes semióticas/semiológicas para a compreensão das manifestações dos fenômenos jurídicos enquanto superfícies, campos e formações mono/intra/inter/transdiscursivas. Ao revés, reivindica o Direito espécies semióticas di-aporéticas e heterodoxas inéditas e plausíveis a existências e fins que ele proclama em cada situação-signo regular, perfazer e performar, a inter/transdisciplinaridade arrancada de seus meandros por mera poli-ticidade. A título de exemplificação, restam sombras, desde logo, da semiótica de extração filosófica (revolucionária) e outra semiótica de extração antropológica e cultural (conservadora, porém não agnóstica) à compreensão de fenômenos jurídicos, todavia, não devem estas, respectivamente, assentar-se em Peirce e Greimas, Lévi-Strauss, respectivamente, ainda que sejam aquelas pontos de apoios dignos de re-visitas, o fulcro se prende a traçar novas possibilidades particulares ao jurídico.

Dentre outras perquiríveis contribuições da Semiótica para o Direito, pela primeira vez, opta-se, diante das circunstâncias vivenciadas e evidenciáveis, por métodos tópicos e pontuais, capazes da auto-referência, e de se auto-questionar perante a realidade que toma por objeto oriunda, também, de sua própria nascente, que é a semiose sócio-comunicativa humana, em destaque a jurídica. O método diz de seu objeto, o objeto diz de seu método, porque a ele compreende e se assemelha, portanto, por ser poiética, creação, tal e qual, proveniente do mesmo nascedouro. Há uma ruptura na relação epistemológico linear, embora mediatizada, sujeito-objeto à la Descartes ou sujeito-objeto/objeto-sujeito/categorias/leis de entendimento à la Kant. Nesta esquemática, não menos é indagável: onde se encontra o sujeito cognoscente ? Ora, mas não é ele objeto daquela semiose comunicativa ? Sofisticação que urge, não menos, ser questionada, pois a crítica semiológica deve "... realizar um contínuo vaivém entre as estruturas (vistas como signos, blocos de signos e superposições de signos) e os significados, que são duas faces da mesma realidade: deixando entrever uma possível superação da velha antinomia forma-conteúdo [...] o semiológico deve ter condições de perceber a medida e a natureza da "invenção", as possibilidades e as modalidades de "decriptação"." [21]

Si les thèses de la sémiotique demeurent << sensibles>> idéologiquement, elles sont également encore fragiles épistémologiquement, surtout pour leurs développements les plus récents. L´épreuve du temps consolidera ou au contraire éliminera comme illusoires ces vues qui ont mobilisé une part très active de la communauté des cherchers, au cours des vingt dernières années. Or, même si L´Histoire devait disqualifier (...) la définition rélle de la théorie sémiotique, c´est son histoire. Faut-il conclure, en paraphrasant Jean Cavaillès, qu´il pourrait bien y avoir une objectivité fondée sémiotiquement, du devenir sémiotique?

[22]

Conclusivamente, a Semiótica/Semiologia é campo aberta/abertura à descrição e ao conhecimento dela própria e de tudo que ela inter/intra-age, performatizando e performantizando-se. À Filosofia do Direito, "deve cumprir uma função de intermediação entre os saberes e as práticas jurídicas, por um lado, e o resto das práticas e saberes sociais" [23]. Por nossa vez, só nos resta curvarmo-nos ao papel de investigar, degustar e descrever a grandeza que nos cabe desafiar, o obscuro que nos cabe aclarar, o desconhecido que não nos cabe acovardar, defronte e em meio à fenomenologia jurídica enquanto significante cognitiva e discursiva prenhe pelo descortinar-se.


Notas

1 SEGRE, Cesare. Os signos e a criíica. Coleção Debates. Trad. Rodolfo Ilari e Carlos Vogt. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 60/68.

2ARISTÓTELES. Física. Livro I. Trad. Lucas Angioni. Campinas: UNICAMP, 1999. "[184a 10] Uma vez que o saber e o conhecer, no que respeita a todos os métodos nos quais há princípios ou causas ou elementos, sucedem a partir do ter noção destes (pois julgamos compreender cada coisa no momento em que temos noção das primeiras causas e dos primeiros princípios, até os elementos)".

3 Referimo-me, nesta sorte, ao Diálogo Fedro, de Platão: a. remédio/medicamento: linguagem como possibilidade de objeto de conhecimento e explicação di-aporética, logo, di-a-lógica, das predominâncias significantes da (con-)vivência humana, reveladas pelo diálogo que veicula verdades e ignorâncias, antes a-pensáveis, questionamento; eis a semiótica presente, de extração predominantemente antropológico-cultural; b. veneno: linguagem como mascaração, como mito em discurso a propagar falsas idéias como verdades absolutas, criando óbices à compreensão dos fatos sócio-humanos, como realmente se apresentam realisticamente, empecilho ao conhecimento; eis a semiótica, também, presente, de extração predominantemente filosófica, crítica; c. cosmético: muito parecida com a definição anterior, realçando o ponto da ocultação de idéias reais a partir da artificialização de símbolos em discursos eloqüentes, encantadores; eis a semiótica presente, de extração predominantemente psicológica. Note-se "extração predominante", todos os aspectos estão por se desvelar, nossa razão apenas seleciona aqueles que focará a perquirição, para dada apreensão da situação-signo.

4 BRANDÃO, Helena Hatsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 6 ed. Campinas: Editora Unicamp, 1997, p. 73, "Campo discursivo: é constituído por um conjunto de formações discursivas que se encontram em concorrência, se delimitam reciprocamente em uma região determinada do universo discursivo."

5 SILVA, Patrícia Bressan da. Aspectos semiológicos do direito do ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 427. (no prelo).

6 Idem, SEGRE, p. 68. "O que os estruturalistas negavam e negam antes de tudo é que o produto artístico possa ser relacionado diretamente com a História ou com a sociedade: entre estas e aquele existem mediações graças às quais os ideais e os conteúdos pragmáticos do momento histórico são modulados em termos de literariedade ou de artisticidade; somente através desse canal é que eles podem ser acolhidos e eventualmente transformados pelo artista enquanto artista" (grifo aposto)

7 Idem, BRANDÃO, p. 92, "Superfície discursiva: é constituída pelo conjunto de enunciados pertencentes a uma mesma formação discursiva."

8 Idem, BITTAR, Linguagem jurídica, p. 59, "... o "Direito" é mais do que o que a Semiótica puder aprender de sua expressão. Esse poder-saber-fazer que é o conhecimento semiótico, ao debruçar-se no sentido de identificar seu âmbito de estudo em meio aos fenômenos jurídicos, fá-lo consciente de que seu método circunscreve, restringe, limita, fratura... para compreender. E isso ocorre não porque se limita a uma ótica obtusa a respeito do fenômeno estudado – ao contrário, sua análise é essencialmente multidisciplinar – mas, porque reconhece a soberba pujança do objeto que toca. De fato, o "Direito" figura como sendo esse fenômeno de difícil apreensão, dinâmico ab origine, mutante, prenhe de práticas e sistemicamente estruturado. Não incumbe à Semiótica Jurídica reinvindicá-lo integralmente para si. Também, TIMSIT, La science juridique, science du texte, in Lire le droit: langue, texte, cognition, 1992, p. 462, "Science du droit ? Je préfèrerais dire: de la juridicité. Car il n´y a pas de droit en soi. Il y a en revanche une juridicité, un mécanisme d´accession de la norme à la juridicité par la combinación des phénomènes de pré – de co- et de sur-déterminasion, chacun d´eux lié à l´un des noms de la loi – parole, écriture et silence".

9 APEL, Karl-Otto. Transformação da filosofia I: filosofia analítica, semiótica, hermenêutica. Trad. Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora Loyola, 2000, p. 27.

10 ARISTÓTELES. Metafísica: livro II, 3, 995b32-995ª14. O efeito que quem fala produz sobre um ouvinte depende de seus hábitos: pois requeremos a linguagem que estamos acostumados e aquilo que é diferente disso não parece ao alcance mas um tanto ininteligível e estranho porque não é costumeiro. Pois o costumeiro é mais inteligível. A força do costume é mostrada pelas leis, caso em que, com relação aos elementos lendários e infantis presentes nelas, o hábito tem mais influência do que nosso conhecimento acerca dessas mesmas leis. Algumas pessoas não ouvem quem fala, a menos que fale matematicamente; outros, a menos que dê exemplos; enquanto outros esperam que cite um poeta como testemunho. E alguns querem ter tudo precisamente determinado, enquanto outros se aborrecem com a precisão [...] Logo, deve-se estar já instruído para saber como considerar cada tipo de argumento, pois é absurdo procurar ao mesmo tempo o conhecimento e o modo de obter conhecimento; e não é fácil alcançar nem um nem outro." (grifo aposto)

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11 MOTA; HEGENBERG. Semiologia e filosofia de Charles Sanders Peirce, p. 130, "Os símbolos se expandem. Surgem por desenvolvimento a partir de outros signos [...] só a partir de um novo símbolo se pode desenvolver. Omne symbolum de symbolo. Uma vez existente, o símbolo dissemina-se. Por meio do uso e da experiência, seu significado se amplia. Palavras como "força", "lei", "riqueza", "casamento", têm, para nós, significado muito diverso do que tinham para nossos ancestrais bárbaros. Com a esfinge de Emerson, o símbolo pode dizer ao homem: de teu olhar eu sou um olhar." (grifo aposto)

12 ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2000. p. 46, "... porque a argumentação jurídica é entimemática. Um argumento entimemático pode sempre ser proposto de forma dedutiva, mas isso supõe acrescentar premissas às explicitamente formuladas, o que significa reconstruir, não reproduzir, um processo argumentativo.". O que necessita a inclusão explícita do metajurídico.

13 BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e linguagem: discurso e ciência. São Paulo: Moderna, 1998, p. 72/74, "... a práxis compreende o fazer sobre a realidade, a interação com a realidade, o conhecimento da realidade, a reflexão sobre esse conhecimento, o construir-se a si mesmo... Não há pensamento independente da práxis a partir da qual ele é formado... Fazer ciência, porém, não é buscar apenas, a partir daí, uma "abstração", uma "generalização", um conjunto de regras, mas também a unidade dialética das características substanciais da práxis, da vida com suas contradições (sociais, filosóficas, ideológicas), mais importantes. É congregar organicamente os fenômenos naturais e concretos, universais e historicamente transitórios."

14 PAIS, Cidmar Teodoro. Conceptualisation, information, signification, production du sujet, Acta Semiótica et Lingüística, SBPL, v. 5., p. 48, "... ce sont les systèmes sémiotiques qui assurent la continuité d´une communuté et lui permettent de se reconnaître toujours comme identique à elle-même, malgré les changements constants. Vu que ces changements ont lieu dans des discours qui constituent la manifestation de ces systèmes, à chaque nouvelle analyse de l´expérience et donc d´engendrement de fonctions sémiotiques et/ou métasémiotiques, concomitante à cette analyse, les procedes de decodification, de structuration, de production de la signification sont reiteres." (grifo aposto)

15 Esposa-se semelhante ratio, com clareza irretorquível, APEL, Karl-Otto. Transformação da filosofia II: o a priori da comunidade de comunicação. Trad. Paulo Astor Soethe. São Paulo: Editora Loyola, 2000, p. 139, "... a necessidade de elaborar um sistema de referência histórico-filosófico semi-objetivo, que lhes possibilite encontrar sua própria posição no contexto universal-histórico e humano-planetário, que a civilização européia-americana criou, independentemente do envolvimento direto dessas mesmas culturas extra-européias.

16 Bis Idem, BITTAR, Linguagem jurídica, p. 31

17 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 16/17, "A semiologia exerce um grande papel na elaboração do discurso científico, por analisar o âmbito ideológico das informações, possibilitando efetuar uma leitura das significações normativas relacionadas entre si, com a realidade e com o valor e, ainda, com seu elaborador e destinatário. A semiologia verifica, analiticamente, a função desempenhada pelos fatores extranormativos na produção das significações jurídicas e dos seus efeitos na sociedade. O direito pressupõe uma formulação lingüística, porque a alteridade é uma de suas características necessárias."

18 MENDES, Antônio Celso. Direito: linguagem e estrutura simbólica. Curitiba: Champagnat, 1996. p, 48.

19 Bis idem BRANDÃO, p. 76. "... memória discursiva que torna possível a toda formação discursiva fazer circular formulações anteriores já enunciadas [...] Não se trata de uma memória psicológica, mas de uma memória que supõe o enunciado inscrito na história.

20 GREIMAS, Algirdas Julien. Introduction à l´analyse du discours en sciences sociales. Paris: Hachette Université, 1979, p.60. (O discurso em ciências humanas, longe de ser linear, revela-se em conformidade com os variados níveis que exsurgem na multiplicidade, tanto que é reconhecível como dotado de uma autonomia formal, que se interpenetra, que se sucede, que se interpreta e se apóia uns sobre os outros, garantidores da solidez e da progressão factual – todos relativos evidentemente – da marcha constante rumo à vocação científica – tradução livre feita pela autora)

21 Bis idem, SEGRE, p. 14-15, "Introdução à edição brasileira".

22 HÉNAULT, Anne. Histoire de la sémiotique. Collection Encyclopédique Que sais-je?. PUF: Paris, 1992. p. 122. Se as teses da semiótica tornam-se <<sensíveis>> ideologicamente, elas são igualmente ainda frágeis epistemologicamente, sobretudo para aqueles desenvolvimentos mais recentes. A prova do tempo consolidará ou, ao contrário, eliminará como ilusões estas visões que mobilizaram uma parte muito ativa da comunidade de pesquisadores, no transcorrer dos vinte últimos anos. Ou, mesmo se a História devesse desqualificar (...) a definição real da teoria semiótica, é a história. Necessário concluir, parafraseando Jean Cavaillés, bem se poderá encontrar e ter uma objetividade fundada semioticamente, no devenir semiótico?

23 Idem ATIENZA, p. 11, "Nota preliminar".

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Sobre a autora
Patrícia Bressan da Silva

advogada em São Paulo, acadêmica de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), pós-graduanda em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMP), pós-graduanda em Educação Ambiental (USP/FDP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Patrícia Bressan. Semiologia e Direito:: manifesto, indagações epistemológicas para qualquer debate científico-jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 446, 26 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5730. Acesso em: 23 nov. 2024.

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