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Semiologia e Direito:

manifesto, indagações epistemológicas para qualquer debate científico-jurídico

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26/09/2004 às 00:00
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Refletir o Direito como possível de ser apercebido, para além de toda e qualquer prática e experiência, em princípios, causas e elementos é tarefa regozijante para os pouquíssimos comprometidos em defrontá-la como desafio permanente.

Naturalmente, a Semiologia não pretende substituir outras ciências mais diretamente adaptadas à estrutura agonística e antagonística, numa palavra, dialética, de nossa existência; mas seu crescente prestígio parece denotar uma tendência para interpretações mais descompromissadas e contemplativas da vida e da convivência humana. Na noite em que se confundirem os lobos com os cordeiros, os lobos poderão devorar os cordeiros na mais absoluta liberdade (...) o centro focal da Semiologia: mostrar-nos-ia em que sentido e por que e de que os signos são signos. [1]

Cesare Segre


I. ARTICULAÇÃO

Refletir o Direito como possível de ser a-percebido, para além de toda e qualquer prática e experiência, em princípios, causas e elementos [2] é tarefa regozijante para os pouquíssimos comprometidos em defrontá-la como desafio permanente, considerando o inegável enigmat-ismo de seu corpus enquanto objeto cognoscível de inferência e apreensão racional científico-lógico/hermenêutico-fenomenológico, dentre outras infinitas abordagens e determinações heurísticas descobertas e/ou inventadas pelas leis de entendimento humano a serviço de circunstâncias da vivência que elas teimam em captar e compreender.

a)Levanta-se, em questão, mas é razoável o Direito enquanto Ciência, na acepção aristotélica ?

b)Qual a essência do Direito, ou atualizando, do(s) fenômeno(s) jurídico(s) ?

c)A depender da resposta que se sustente, qual seria o provável papel da Filosofia do Direito, nesta instância ?

Diante da flagrância das adversidades que a eleição de métodos revela - seja sob as condições de verificação/justificação, seja acerca da legitimidade detectável no aspecto da efetividade (o que parece ter se exclusivamente reduzido o télos da juris-dicção atual), numa apreensão de Direito enquanto instituição jurídica hermeticamente organizada, à guisa de exemplificação - o conforto de respostas prontas e/ou importadas e necessidades medianamente satisfeitas, sempre se cunham símbolos enfeitiçadores por intermédio de significações de discursos pharmakon: remédio, veneno e cosmético (pasmem, eis a atualidade do Fedro! [3]) os quais, bastantes em si, por sua vez, provocam oclusões epistemológicas, arrasadoras e redutores à bestialidade do intelecto e de tudo que ele poderia ousar produzir.

Por conseguinte, nesse estágio epidêmico de quietude e acriticidade, ainda que seja uma escolha do sujeito (agnóstica), anteparos erguem-se às fronteiras de investigação dos percursos gerativos do(s) discurso(s) humano(s) e jurídico(s) e seus actantes, restando apenas nos limites de alcance epistemológico a formação discursiva e ideológica [4] de todos os vetores de atração e repulsão próprios de uma sistemática previamente definida, os quais, por sua vez, transformam-se atravessando (função agente/recepção) e transmudam atravessados (função receptora/ação) por toda o fluido indelével da des-ordem de mediações, que, em si mesmas, são irascíveis e indefiníveis enquanto objeto de perquirição do sujeito-investigador.

Nesta inserção, proposiciona-se que o Direito é razoável enquanto Ciência, na acepção moderna e contemporânea, eis a herança kantiana-kelseniana a fundamentá-lo com maestria - pelo menos no sentido de que todas as demais teorias científico-filosóficas sustentam-se, seja indo ao encontro com devidas re-criações ou indo de encontro a elas por re-manejamentos, mas sempre tomando-as como referencial paradigmático de debate e argumentação.

A grosso modo, a racionalidade moderna/contemporânea entende Direito como símbolo de instrumentalidade e técnica em vista de acomodações político-ideológicas contingentes, realizáveis pelos subterfúgios da manipulação normativa procedimental-processual e validável em axiomas lógicos-tautológicos previamente preexistentes e a uma "ciência" que a eles se redime pelo artifício de postulados magníloquos evidenciáveis/válidos. Com efeito, a Ciência do Direito reduz-se à razão da técnica da governabilidade (des)interessada, vez que seu instrumento legitimador, rechaçando qualquer realidade que não seja aquela significada pelo próprio sistema da supra-infra-ordenação. O Direito é método em vista de fins tido como manejáveis, é jogo de retórica, é jogo de meios que se (de/trans)forma no que se quer para aparentar codificar-se o que lhe é estranho, o não-subsumível, logo, o ininteligível, aquela substância que não é determinação re-produtiva do próprio sistema jurídico, ao menos não diretamente e, portanto, não depurável para ser conhecimento (teoria purista do Direito).

a) Logo, qual a essência do Direito Moderno ?

b)Como achar a essência de um fenômeno que é segundo a história, segundo a existência do ser-aí e, paradoxalmente, perquirir sobre uma substância universal e abstrata que permitiria ser nomeada "ciência" `a la mode cartesiana ?

c)Como compreender o Direito enquanto Ciência se o próprio objeto, mesmo que apreendido semelhante em casos comuns (princípio da indução) não revela a "totalidade" do ser enquanto ser de maneira a ser copiosamente demonstrável por si só (princípio da dedução), a priori (para além de toda a experiência) ? E, ainda, se houvesse esta possibilidade de categorização, sequer sem tocar sobre a sua concepção de "pureza", como se poderia concebê-lo para toda e qualquer aplicação de valor, se mesmo a questão de valor, não se é preexistente e absolutamente definível ? O que é cultura, então, considerada como cimentação do Direito por muitos ?

O Direito, assim colocado, parece uma tecnologia confeccionada como científico-teórico-autônoma sem qualquer objeto, a não ser aquele dado para cada escolha particular, singular. O Direito poderia ser tomado, nesta acepção, possível como discurso científico ? Se positivo, este não seria um recorte da própria retórica enquanto discurso latente em suas manifestações gerativas discursivas ? Então há impasses de cuja indagação logo se oculta subjacente à ilação: para que serve a ciência ? ciência é invenção? e; em cujo emblema se expõe: "para o filósofo jurista a juridicidade não é conceito estético (direito formal: dever ser), mas um preceito ético (direito reflexivo: ser) e, portanto, um desafio juridicamente e socialmente aporético" [5]

Refletir, em destaque, o Direito sob fenômeno de atributos jurídicos-semiológicos/semióticos deve se impelir em não se desgarrar da urgência de paradigmas e axiomas para explicar e compreender realismos que atiçam nossas inteligências – neste aspecto, tudo indica que estamos sempre no mesmo cerco. Todavia, trata-se agora de partir do espaço da prática social tal como ela se apresenta e se projeta semanticamente, em uma análise de baixo para cima, ainda que não se isente – nem se deseja, note-se – daquela de cima para baixo, vez que ambas são re-produtoras da relação reflexo-refração intercambiantes a todo tempo, por todo o espaço [6].

Insta-se, desde já, alertar para a reviravolta no pensamento das idéias jurídicas e não a propositura de mais um método referencializado a partir dos cânones jurídicos tradicionais: açambarca-se o extrajurídico como mediador e regulador dos discursos jurídicos, de maneira que compreendendo estes impregnados em todas as subjunções procedimentais/processuais, outrossim, jurídicas, tem-se a cientificidade como conceito realizável não através da universalidade tradicional, mas de uma "universalidade complexa e plural indetectável e que, nas desvelações mais íntimas e particulares da contingência, independente da escolha que se faça em vista de qualquer ação/intenção prévia, reproduz-se em performance de savoir-faire que em si não se sabe o que é, mas que é poder-fazer-saber/poder-fazer-dever inteligível em sua superfície [7] reveladora através da semântica discursiva, no percurso de toda sua ger-atividade.

Daí o enlace Semiótica/Semiologia para com Direito a engendrar à larga probabilidades não encaradas/concertadas, ou timidamente postas à procura, ao debate e ao esboço e que, exige, como premissa maior, o próprio arejamento da concepção e visão ortodoxas do homem para com o Direito, eis que não se resume todo este novel posicionamento em re-manejar, mas em re-criar e re-pensar, finalmente, a partir do re-flectir (já que não se pode negar a poiética humana, se não o que seria o próprio homem enquanto homem ?) que re-toma como base uma perspectiva outrora refutada (ou démodé, como alguns concebem no que tange a novas incursões no contexto linguagem jurídica) como esposada, sob o assento não de um prévio paradigma justificável em si, tampouco, nem da resolução verificável de problemas.

Em revanche, não há expectativas totalizantes e absolutas, nem a pretensa alusão à construção da teoria científico-filosófica sustentada ou não pelo (des)acordo de ideologias e suas circunstâncias, porém somente a tentativa de compreensão do fenômeno jurídico em suas relações de juridicidade [8] e de anfibiologia, um terminus technicus dessa mediatização dialética entre "Compreender" e "Elucidar" [9], com ardência de descerrar descritivamente e sobretudo criticamente os modos de conhecer (e não o conhecimento) [10], os modos pelos quais se pensa e a largueza que se pode pensar tanto o fenômeno jurídico quanto o legado das idéias jurídicas, semi-objetivamente, podem demonstrar as muitas faces da semiose sócio-humana, da qual o Direito é produto, origem e fruto, fragmento de um todo comunicante-simbólico e semântico-pragmático: Omne symbolum de symbolo, com a esfinge de Emerson, o símbolo pode dizer ao homem: de teu olhar eu sou um olhar. [11]

Erige-se não o método semiológico/semiótico-jurídico, nem se implanta o indutivo-dedutivo (semiótica greimasiana) e, exclusivamente, o abdutivo (semiótica peirceana) dentre outros cabíveis, mas se permite a composição de métodos indeléveis de compreensão que são resultantes daqueles já legados segundo a seleção feita pelas próprias adaptações entimemáticas [12] de compreensões plausíveis à racionalidade que se quer e se deseja, e que se aplica à exata precisão destes sedentos – epistemologia complexa e plural, sem o risco de ser excessivamente holista, nem sequer absolutista-formal.

Implica-se logo, a priori e sine qua non, a tarefa íntima e introspectiva de despojar-se e, logo, superar-se de todas as idiossincracias que enclausuram as mentes dos homens em suas verdades ilativas, que acorrentam cada qual na arrogância da propriedade e posse absoluta do conhecimento que julgam demarcar absolutamente porque transmitidas pelas mais altas autoridades de seus espaços e tempos e, que, por assim, se conservarem, incontestáveis ad verecudiam, delegam e estreitam a questão do conhecer e saber à repetição incansável de gesticulações intelectuais, arredadas na mesmice teórico-científica e prática.

Conceba-se, pois, não há paradigmas ou novas paradigmas. Todos já estão presentes nas coisas que agimos com nosso pensar e racionar, pois que também tais parâmetros são resultado da relação comunicativa-poiética de complementaridade-subordinação/subordinação-complementaridade do constructo que (reciprocamente com a semiose) projeta-se em e de nós em significados, significantes, refratantes, reflexões, de-codificantes. Apenas absorvemos o que nos parece mais relevante, não no sentido para "nosso tempo", mas só para a "situação-signo que cada qual vivencia e que, por causa dela e escolhas empreendidas em vista, também, delas, ações de comunicação se dão perceptíveis na práxis [13].

Irrefutável, por suposto, que a própria aproximação Semiótica/Semiologia e Direito é indubitavelmente dogmática (urge-se de dogmas para racionalizar a experiência e à sua sintonia sobre-viver), com a distinção que desta vez, não se tem respostas prontas e resultados condicionados/condicionantes para o ocaso sócio-semiótico pré-judicado, nem sequer a representação da hegemonização ideológica de um ideal axiológico societário/humano, sem críticas e sem exames, mesmo porque as ferramentas jurídicas refratam e refletem, sobretudo nos diplomas constitucionais e, em atualização, na interpretação das Cortes Constitucionais e todo aparato procedimental/processual, uma estética simbólica fluida e fugaz (notions floues [14]) de re-presentação do ser-sendo e do real do ser-aí colhidos pela positivação posto e pressuposta (estrutura ortodoxa), sim, porém de aspiração de intenções possíveis de sentido, definíveis no calor das circunstâncias, no acaso da articulação lingüística e sígnica (função heterodoxa) [15].

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a)É factível questionar-se, então, qual o fundamento em termos de efetividade (eficácia social) da normatividade jurídica para esta espécie peculiar de regramento jurídico ?

b)Seria o mesmo que questionar qual Estado deseja-se e é praticável ? Qual sociedade se quer e é realizável ? Qual homem se re-desenha e, logo, qual saber se espera ?

Pense-se, subjacente que, o homem não é, ele pode ser e sempre estar. Qual a saída ? Debruça-se novamente na armadilha da aporia que, desta vez, traz uma contribuição em contrapartida, pensa-se, de que a Filosofia do Direito não é possível enquanto busca da verdade, nem a Ciência do Direito é possível enquanto condição de justificabilidade universal e abstrata – elementar, na verdade, uma ratificação já confirmada: se os gregos pudessem a nós, "modernos reais" e "modernos simbólicos", nos avistar, talvez diriam: eles pecam só porque são ignorantes ! Adágio socrático que se aplica sob medida aos sulcos da juridicidade enquanto linguagem, enquanto comunicação que se refrata/reflexa em símbolos e significados-significantes. E, teriam como resposta, de nós: nós pecamos porque somos homens do mundo ! A razão do problema é sempre a mesma, em perspectivas distintas, percebe-se aqui que a semiótica permite a leitura destas disparidades, em comparação.

Mas qual Semiótica ?

Ora, o homem é performance dos sentidos de sua vivência e opções, é ser-sendo, é ser-aí ! Desnudar-se do que implica a fonte do total em si, definível no exercício do singular da liberdade e responsabilidade no mundo, é suicídio de idéias, suicídio de existência, suicídio do seu eu que a tudo transforma e age, eu que é porque é inter-ação na convivência actante e semiótica da semiose. Sinta-se Sartre respaldando o pensar do amaranhado de idéias em sugestão.

Encarar-se deve, enfim, que o ato de conhecer e saber é ato de intelecção, sinestesia, sensualidade, percepção entrecruzada pelas mediações da faculdade do racionar, ato que requer a pluralidade sinestésica como essência-primeira, ainda que não renegue as perspectivas parcializadas e particularizadas à substância/coisa/objeto legadas pela linearidade de perspectivas que se (o)põem em investigação e opinião, porém fecundas em parte, "... não é necessariamente excludente das demais (contrariedade), mas antes sim abrangente das demais (complementaridade). Antes de se lançarem as demais teorias nas chamas do esquecimento, na noite profunda dos tempos, no calabouço do silêncio eterno, far-se-á com que interajam continuamente com as construções aqui lançadas, em viva dialética textual" [16]. O papel desmistificador da operação semiótica é inegável, de imensa valia [17], "... dos processos reflexivos resultarão duas atitudes diferenciadas de apreciar a realidade jurídica: uma revolucionária, a partir da dialética baseada no ímpeto transformador que se deseja impor ao direito; ou conservadora, a partir da hermenêutica que procurará realçar os substratos históricos e solidificados da cultural jurídica" (18).

a)Pode-se gizar duas perspectivas semióticas/semiológicas em razão do objeto juridicidade anfibiológica ?

b)Pode-se desenhar métodos semióticos para o Direito ? Pensa-se, se plausível, de acordo com o explanado a pouco, uma semiótica de extração filosófica (revolucionária) e outra semiótica de extração antropológica e cultural (conservadora), ambas sintonizando-se tão e quanto à realidade pela qual se criam e atuam investigar à compreensão discursiva cabível à intelectividade humana. As matrizes de possíveis semióticas não estão estanques, não estão dissociadas, nem em origem (estrutura), nem em aplicação (função), simultaneamente, todos atuam e se atualizam, na medida que no mundo da existência semiótica, entre sujeito-objeto não há uma linearidade ou composição definidas/definíveis, se é que se pode apontar aonde se encontra o sujeito; a contra-senso, a fluidade da rede semiótica e o resultado mediático somente flagrado na situação-signo, é que provoca o sobressair de certos hódos em relação a outros hódos. Daí a interdisciplinaridade como embasamento da busca da epistemologia plural e complexa, somente métodos que se criam e se re-criam e se questionam nesta semiose, em auto-reflexão e auto-demonstração, tensionadas pelas próprias contingências das semioses que se destinam, são capazes de lê-las com olhos e precisão de lince e, portanto, mais realisticamente que a tradicional multidisciplinaridade, um todo de paralelos monodisciplinar entre si, onde as disciplinas não se tangenciam, a não ser para estranhar elemento alheio, negar a este possibilidade de leitura por certo e determinado sistema cognitivo que se auto-nomeia, exclusivamente, retro-alimentante e autopoiético de suas próprias estruturas e competências...


II. MANIFESTO REFLEXIVO: A TRAMA PENSANTE

Fincando as plantas dos pés no chão - se é que em algum momento nesta escritura não se estivesse deveras neste enraizado - e na creação, urgente é se nortear pela redenção à humildade diante do saber e do conhecer, pela desconfiança ao conhecer e saber constituído/instituído como unicamente válido e legítimo e, acima de tudo, pela permissão a (per/tres)passagem da consciência e diálogos humanos acerca de seu tempo e espaço, destituídos em intensidade, ainda que não completamente, do feitiço de leituras prontas e importações pensantes de poucas coincidências e consistências para com as sinergias discursivas da existencialidade realística que se empregam e, indeléveis, se impregnam em memória/atuação comunicativa. A superação humana não é a crise (sentido grego) da Ciência, aqui crise científico-jurídica, mas o como se pensa e compreende em si, o mundo que vive e oprime o que se quer "homem", como se glosa a des-medida de todas as coisas.

Realizados todos esses apontamentos, norteando-se pelo desejo incontrolável por novas e estruturadas luzes e, quiçá, esclarecimentos ingentes que as polissêmicas tessituras e ordenações lógico-jurídicas imprescindem se fundamentar e traduzir, nesta incursão jusfilosófica coletiva (porque se crê na inteiração de você leitor interessado!), alçada à efetiva tentativa de interdisciplinaridade à transdisciplinaridade, pertinente, além do que se achar mais adequado para além do empreendido, a exploração central dos temas que se elencam a seguir (panos de fundo) como sugestão de desenvolvimento percuciente e reconhecidamente árduo, consoante o talento e vivacidade racional de cada operador teórico-jurídico e pragmático-jurídico, espera-se, sedento por revelações e certos ineditismos, que é a busca neste "obrar-se pelo refletir e transformar", o que faz sugestionar:

I.O Direito como compreensão, o Direito como elucidação: limites e fronteiras da noção fundacional do instrumento Semiologia para com a realidade Direito.

Nota: O fundamento do Direito não se resume ao Justo, ao Ético, ainda que bem e retoricamente possa servir. A essência do objeto Direito é "a-perquerível". O Direito é um conceito, uma aporia em si e, nisto, está a sua insuperável credibilidade e utilidade. Na contramão do "universalismo/realismo/holismo/historicismo" jurídicos e outros "ismos", sempre de plantão, se fosse realmente possível o Direito como "Ciência", independente das traduções que esta terminologia mereceu e merecerá, talvez, não seria tão essencial para o conceito de mínima civilidade social/mínimo governabilidade/mínimo estado do mais que "devido processo de direito mais que legal". Ora, mas a ciência não é uma técnica também em vista da existência do homem no mundo ? Pelo menos é o que nos foi legado.

II.O Direito como ciência ? Ou apenas o Direito como discurso científico ? Pensa-se, constata-se, quais as contribuições do instrumento semiológico para as diversas atuações/atualizações político-jurídicas ?

Nota: Provável e verdadeiramente evidenciável que a Semiologia não possa contribuir tanto quanto se espera dela para a construção científico-filosófica do Direito. Todavia, é plenamente aceitável que ela já, e em muito, contribui para o psicologismo sócio-individual na medida que permite a leitura menos des-codificada, menos des-mistificada, menos intencionalizada, da interpretação de princípios, regras e normas jurídicas.

Não menos e sobretudo, também, quando pressiona rechaçar o isolacionismo científico jurídico, o egotismo operacional-jurídico, o fetichismo normativo-lógico e normativo-positivo e heuremas de fundo eminente políticos, todos, nada mais nada menos, que representações toscas do fundamento de autoridade próprio do Direito enquanto estatuto jurídico-político (Supremacia/Rigidez Constitucional), estatuto jurídico-social (Direito como necessidade e fato social) e estatuto jurídico-processual-procedimental-garantista (Positivação normativa de falhas de subsistência sócio-humana/ Juridificação do Direito).

A Semiologia mostra-se como possibilidades de rasgos na retórica interpretativa do Direito no e para o monde vécu, ou simplesmente, é ela mais uma ilusão da comunidade científica e, verdadeiramente, a demonstração de nossa impossibilidade de conviver ou de nos compreender racionalmente a não ser através de manipulação de velhos paradigmas que tomemos, com toda a seguridade, por novos paradigmas ? A Semiologia é um novo paradigma científico ? A Semiologia é um novo paradigma de leitura do Direito ? Se for, então, como e por que se perfaz esta nova poieses da existência/conveniência humana ? Quais as condições pelas quais se expressam a Semiologia ? É ela um incremento das teorias tradicionais ? A Semiologia é um subterfúgio para a crise das Ciências, em caso as jurídicas ? Ou apenas um discurso engendrado também como produto do mito da irrefutabilidade do método para entender a si e ao mundo através do qual se elocuciona e se re-age?

III.O Direito como manifesto discurso científico semi-objetivo: polissemia, polifonia, polilogia.

A querência de Microssistemas `a Codificações.

A AD a serviço da compreensão dos espaços de manifestações jurídicas, frutos de formações ideológicas (FI), produtos de formações discursivas (FD).

Proposição da leitura jus-antropológica e, logo, semiológica, dos fenômenos jurídicos.

O mito da constitucionalização, o mito da justiça em Constituição: Marcas lingüístico-discursivas presentes em seus discursos, formas ideológicas e regras de projeção, histórias dos sentidos que nelas se impregnam como imaginário/memória discursiva [19]

Nota:

Apregoa-se aqui a necessidade da leitura discursiva da Teoria e Direito Constitucional (arquidiscurso) a partir do método da AD (Análise do Discurso: Pêcheux, Maingueneau, Foucault), de maneira a trazer à margem de discussão as maneiras processualizadas e procedimentalizadas determinantes/condicionantes dos demais mandamentos que dela fingem se fundamentar em códigos, e hoje, ao (pseudo) atendimento das reivindicações de novos hódos. Daqui percuciente perquirir causas e porqueres subjacentes à poli-ticidade jurídica, viés da juridicidade anfibiológica, a exemplo, sobre o fenômeno stare decisis, e o apoio dos Tribunais Constitucionais à legimitidade e mascaração do empreendimento governamental em formato vicário-jurídico-legal, bem como de como através destas interpretações constitucionais se re-vivificam, a cada prolação, a nítida presença do Discurso Fundador em todo e qualquer aparato político-jurisdicional respaldado nesta formação ideológico FI (Formação Ideológica)/FD (Formação Discursiva) que é, incontestavelmente, a Lei Maior, para países que se dizem de tradição civil law/commow law e commow law/civil law, cada qual proeminente conforme os caminhos escolhidos politicamente. Ora, mas já existiu o fundamento realístico jurídico e, portanto, semiológico do civil law ou common law, exclusivamente, como em discurso se pulveriza ?

Sugestiona-se: o Direito é um produto resultante da história e da sociedade, somente com ela pode ser diretamente relacionado ? O Direito é supra-sumo de arquidiscursos oriundos das escolhas e predominâncias lingüísticas e ideológicas de certa semiose assujeitada que se pragmatizam necessárias e utilitárias. Uma crítica do pensamento de Bobbio através da AD ? O que pode-se dizer do impacto supranacionalidade constitucional ou, como se queira institucional, e a nacionalidade constitucional, considerando estes expedientes pensantes, na instância semiológica ?

IV.Semiologia e Direito, Semiologia do Direito ou Semiologia Jurídica não são novos paradigmas, mas permissão de proposituras de perspectivas predizentes e preexistentes, novel referencial de leitura do Direito, em Ciência e em Prática.

Nota: Não há paradigmas pelas quais se colhem os fenômenos jurídicos epistemologicamente, porém formas distintas de interpretá-los e compreendê-los. A teoria de Kelsen pode ser ultrapassada por modelos jurídico-difusos, porém, por modelos jurídicos-intersubjetivos não é de todo dissonante, enquanto a teoria de Teubner, sem dúvida, em muito o é. Não há uma teoria capaz de totalizar o Direito em todas as suas manifestações, tudo está a depender do que se toma por estudo e observação dentro dele. O problema da crise (no sentido grego) do Direito, se é que se tem alguma crise, é a próprio constructo racional-científico humano em relação a ele e o princípio axiomático que este detém, qual seja, de que só é Ciência o que se mostrar universal e geral, ou, ainda, numa tomada popperiana, centrando-se sabidamente em "Ciências Sociais", aquela unicidade metodológica centrada no individualismo metódico, pelo princípio da falseabilidade/refutabilidade, como se queira.

O Direito deve ser compreendido - pois que dificilmente elucidável, sob pena de nos subjugarmos aos dogmas da mesmice e enredarmos ao permanente proselitismo jurídico-científico – tão e somente pelas suas predominâncias e impregnações patentes para certo campo discursivo, certo campo interdiscursivo, certo campo intradiscursivo e, logo, pela força do imaginário e inconsciente do ser enquanto tradição histórica, até transdiscursivo. Se a Semiologia permitir nos auxiliar no trajeto de toda esta investigação, distante estaremos de uma Ciência do Direito, na verdade pouco desejável a não ser para os retóricos de plantão, mas muito próximo estaremos do conhecimento semi-objetivo, do conhecimento realístico sobre as coisas que incitam nossa inteligência e transformação. E, parece ser esta, até agora, a maior contribuição da Semiologia, pelo menos para o Direito: Ora, o que seria do conhecimento sistemático se não fosse o assistemático ? Mas, queremos, é desejável o conhecimento integralmente sistemático no campo do jurídico ? Coloquemos novas vozes e pensamentos à questão.

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Sobre a autora
Patrícia Bressan da Silva

advogada em São Paulo, acadêmica de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), pós-graduanda em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMP), pós-graduanda em Educação Ambiental (USP/FDP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Patrícia Bressan. Semiologia e Direito:: manifesto, indagações epistemológicas para qualquer debate científico-jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 446, 26 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5730. Acesso em: 26 abr. 2024.

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